Prévia do material em texto
Lyzandra Linhares Epidemiologia e Fatores de Risco: A malária é a doença parasitária mais importante dos seres humanos, com centenas de milhões de casos e centenas de milhares de mortes a cada ano. A doença é endêmica na maior parte dos trópicos, incluindo muitas partes das Américas do Sula e Central, África, Oriente Médio, subcontinente indiano, Sudeste Asiático e Oceania. A transmissão, a morbidade e a mortalidade são maiores na África, onde predomina a infecção por P. falciparum. Na maioria das outras áreas endêmicas, é comum a doença causada por P. falciparum e por P. vivax. Em áreas altamente endêmicas, o grupo de maior risco é constituído por crianças pequenas, que sofrem a maioria dos episódios da doença e a maioria das mortes. Um segundo grupo de alto risco é representado por mulheres grávidas, com elevado risco de morbidade materna e fetal por malária causada por P. falciparum, incluindo muitas mortes secundárias ao baixo peso ao nascer. Em áreas de países em desenvolvimento com menores níveis de transmissão da malária, esta pode ser epidêmica, com aumentos intermitentes de transmissão, que causam grande morbidade em populações relativamente não imunes. A malária também é comum em viajantes de qualquer idade que se deslocam de áreas não endêmicas para os trópicos, podendo se manifestar em indivíduos que retornaram a áreas não endêmicas até muitos meses após a viagem. A malária é transmitida por diversas espécies de mosquitos do gênero Anopheles, que variam quanto à sua distribuição geográfica, preferências ecológicas e suscetibilidade às medidas de controle de mosquitos. Os mosquitos anofelinos picam à noite, de modo que as medidas pessoais de controle de mosquitos concentram- se em evitar as picadas durante o sono. A malária não difere tão acentuadamente entre os indivíduos com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e outras pessoas como no caso das outras infecções oportunistas típicas. Entretanto, foram estabelecidas várias interações entre a malária e a infecção pelo HIV. Em primeiro lugar, a infecção pelo HIV parece prejudicar a resposta imune adquirida à malária, aumentando, consequentemente, a sua incidência e gravidade. Em segundo lugar, a malária aguda eleva a carga viral do HIV e, dessa maneira, pode aumentar o risco de transmissão do vírus. Em terceiro lugar, a infecção pelo HIV pode estar associada a uma redução da eficácia do tratamento antimalárico, particularmente em caso de imunossupressão grave. Em quarto lugar, os tratamentos para cada uma das infecções podem ter impacto sobre o outro, levando a efeitos inesperados sobre a eficácia ou a toxicidade dos fármacos. No que se refere aos fatores de risco, sabe-se que os fatores socioeconômicos e ambientais, grandes projetos agropecuários, construção de rodovias e hidrelétricas, garimpo e mineração, tem sido determinante na dinâmica da transmissão da malária, principalmente na Região Amazônica. Isto favorece a proliferação do vetor da enfermidade e, consequentemente, a exposição de grandes contingentes. Embora as condições sociais e ambientais sejam importantes para o nível de prevalência da malária, fatores como o acesso de qualidade dos serviços de saúde afetam a dinâmica da doença. Fisiopatologia A malária é transmitida pela picada de fêmeas infectadas de mosquitos anofelinos. Menos frequentemente, a doença é transmitida por transfusão de sangue, seringas contaminadas ou passagem da mãe para o filho (via transplacentária). O plasmódio tem notável complexidade biológica. No mosquito, apresenta um ciclo de divisão sexuada (esporogônica) e, no hospedeiro humano, dois ciclos de divisão assexuada (esquizogônica), em hepatócitos e eritrócitos. Durante a alimentação (suga o sangue para maturação dos seus ovos), as fêmeas injetam 100 a 200 esporozoítos. A maioria destes é destruída no local pela resposta imunitária inata (defesa inespecífica), enquanto alguns caem na circulação linfática e chegam aos linfonodos, onde são captados por células dendríticas e macrófagos, que iniciam a resposta imunitária adaptativa. Outros esporozoítos alcançam a circulação sanguínea e, 30 a 60 minutos depois, chegam aos hepatócitos, onde se dá o primeiro ciclo de multiplicação assexuada do plasmódio – esquizogonia hepática. Cada esporozoíto origina, no hepatócito, um esquizonte com dezenas de merozoítos, que, após 6 a 16 dias, liberam na circulação sanguínea merossomas contendo grande quantidade de merozoítos. Em infecções pelo P. vivax e pelo P. ovale, os esporozoítos em hepatócitos originam formas quiescentes (adormecidas) por tempo prolongado – os hipnozoítos – responsáveis por recaídas tardias da doença.. Os merozoítos liberados na corrente sanguínea penetram nos eritrócitos por meio de receptores de membrana, transformam-se em trofozoítos e sofrem divisão esquizogônica, dando origem a esquizontes e estes, a merozoítos. Após 48 a 72 horas, a esquizogonia se completa, os eritrócitos se rompem e são lançados na circulação milhões de merozoítos que irão penetrar em novos eritrócitos, reiniciar o ciclo e expandir a população parasitária. Depois de alguns ciclos esquizogônicos eritrocitários, aparecem na circulação gametócitos femininos e masculinos que, ao serem ingeridos pelo mosquito durante o repasto sanguíneo, transformam-se em gametas; estes se fertilizam e dão origem aos oocinetos, que originam oocistos, dos quais se originam os esporozoítos que migram para as glândulas salivares do mosquito e serão inoculados em humanos no momento de novo repasto sanguíneo. O ciclo do plasmódio no mosquito, desde a ingestão de gametócitos até a formação de esporozoítos, dura de 10 a 14 dias. Diferentes fatores concorrem para limitar ou impedir a proliferação do parasito em humanos. As duas formas extracelulares (esporozoítos e merozoítos), antes de infectarem as células-alvo, hepatócitos e eritrócitos, respectivamente, podem ser fagocitadas por macrófagos, principalmente no local da picada ou ao atravessarem o baço e o fígado. Para penetrarem em células do hospedeiro, o plasmódio liga-se a receptores na membrana dessas células, o que limita a transmissão do parasito entre diferentes espécies (p. ex., plasmódios de humanos infectam alguns primatas, mas não infectam camundongos, e vice-versa) e seleciona o tipo de célula a ser infectada (p. ex., esporozoítos infectam hepatócitos, e merozoítos, somente eritrócitos). Ausência de receptores é, portanto, fator de resistência. Merozoítos do P. vivax utilizam como receptor uma molécula associada ao antígeno Fy do grupo sanguíneo Duffy. Indivíduos negros, cujos eritrócitos não expressam o antígeno Fy, são resistentes a essa espécie de plasmódio. A invasão de eritrócitos por merozoítos do P. falciparum é processo complexo que tem várias etapas até levar o parasito ao interior do eritrócito. O P. falciparum tem repertório de ligantes de invasão maior do que o do P. vivax, todos eles com receptores contendo ácido siálico. O receptor para merozoítos do P. falciparum associa-se às glicoforinas A e C na membrana de eritrócitos. Concentração de sódio, ATP e desidrogenase de glicose- 6-fostafo no interior de eritrócitos podem dificultar o desenvolvimento do plasmódio. O principal nutriente do plasmódio na fase eritrocitária é a hemoglobina A (HbA). A hemoglobina fetal (HbF) e as patológicas (HbS, HbC e HbE) funcionam como fatores de resistência por restringirem a proliferação de plasmódios no interior de eritrócitos. Os esporozoítos utilizam a proteína circunsporozoítica e a proteína de aderência relacionada a trombospondina (TRAP), que se ligam a proteoglicanos na superfície de hepatócitos para permitir a invasão dessas células. A defesa contra esporozoítosdepende sobretudo de alta concentração de anticorpos, particularmente antiesporozoíticos, e de fagocitose por macrófagos. A defesa contra as formas hepáticas faz-se principalmente por linfócitos T CD8+ e IFN-γ. Os antígenos constituintes do plasmódio e os formados no seu metabolismo, liberados sobretudo após ruptura dos eritrócitos ao fim de cada esquizogonia, ativam o sistema imunitário. É no baço que a ativação imunitária é mais intensa: aí se concentram grande quantidade de eritrócitos parasitados (fonte de antígenos) e importante contingente de linfócitos T e B e de células apresentadoras de antígenos, como macrófagos e células dendríticas, que, estimuladas pelos antígenos, liberam TNF e IL-12; esta última estimula a síntese de IFN-γ por células NK e ativa linfócitos T CD4+ produtores de citocinas. Linfócitos B diferenciam- se em plasmócitos, que produzem anticorpos contra o plasmódio. A ativação do sistema imunitário concorre para controlar a multiplicação dos parasitos e para reduzir as manifestações da doença. Para que os moradores de áreas endêmicas adquiram imunidade antimalárica, são necessários contatos frequentes com o plasmódio durante vários anos (cerca de 7 anos em área de média transmissão no Brasil). Outra característica da imunidade antimalárica é sua baixa efetividade, no sentido de evitar reinfecções, embora concorra para abrandar ou até impedir as manifestações clínicas da doença. Alguns fatores podem explicar a baixa efetividade da resposta imunitária na malária: (a) alto grau de polimorfismo do plasmódio (não há proteção cruzada, ou seja, a resposta contra uma variante não protege contra outra variante); (b) seleção de variantes antigênicas induzida pela própria resposta imunitária; (c) imunodeficiência associada ao plasmódio dificulta o desenvolvimento de resposta imunitária efetiva contra o parasito. Na malária, existe estado de imunodeficiência que se manifesta por aumento na suscetibilidade a algumas infecções, agravamento de condições patológicas concomitantes, redução da resposta a certas vacinas e facilitação do desenvolvimento de tumores, como o linfoma de Burkitt. É possível que a hiperativação do sistema imunitário pelo plasmódio seja de tal ordem que desregule a resposta efetiva contra o parasito, concorrendo para a pouca eficiência da imunidade antimalárica. Muitos mecanismos atuam no processo de infecção da malária, dos quais os mais importantes são: (a) multiplicação dos plasmódios; (b) baixa perfusão sanguínea a células, tecidos e órgãos causada por isquemia e destruição de eritrócitos; (c) resposta imunitária inata e adaptativa, por meio da atuação de citocinas e outros componentes da resposta inflamatória; (d) ação de radicais livres. Em casos graves da doença, ao fim de 1 semana de infecção pode haver perda de mais de dois milhões de eritrócitos/μL de sangue, ou seja, quase metade de todos as hemácias do organismo. Algumas lesões e manifestações clínicas da doença devem-se, ao menos em parte, a hipóxia/isquemia causada, entre outros fatores, pelo sequestro de eritrócitos parasitados ou não e pela aderência de leucócitos ao endotélio na microcirculação. Anormalidades na função de várias células por baixa perfusão sanguínea é responsável por certas manifestações de falência de órgãos na doença (p. ex., coma, insuficiência renal). Radicais livres de oxigênio e nitrogênio, como ânion superóxido (O2•), hidroxila (OH•), peróxido de hidrogênio (H2O2) e óxido nítrico (NO), têm papel importante nas relações do plasmódio com o organismo. Metabólitos tóxicos de oxigênio são normalmente gerados no metabolismo celular, principalmente em fagócitos; em infecções, sua produção aumenta muito. Quando se excedem os mecanismos antioxidantes, surgem estresse celular, lesão de componentes lipídicos da membrana celular, desnaturação de proteínas, desativação enzimática e alterações em ácidos nucleicos, podendo resultar em mutações ou morte celular. Os parasitas da espécie P. falciparum utilizam a variação antigênica para escapar da resposta imune do hospedeiro. A principal proteína que medeia a citoaderência dos eritrócitos infectados às células endoteliais, a proteína de membrana eritrocitária de P. falciparum 1 (PfEMP-1), é transportada até a superfície do eritrócito e constitui um alvo das reações imunes do hospedeiro que limitam a infecção. Durante o curso da infecção, os parasitas frequentemente variam a expressão da PfEMP-1 para impedir as respostas do hospedeiro. Esse fator e a alta variabilidade na sequência de muitas moléculas de PfEMP- 1 apresentam um amplo repertório de antígenos e, provavelmente, ajudam a explicar a aquisição lenta da imunidade antimalárica protetora. Os plasmódios parasitas diferentes de P. falciparum não causam citoaderência dos eritrócitos infectados; além disso, infectam um menor número de eritrócitos e são muito menos comumente responsáveis pela ocorrência de doença complicada e grave. Entretanto, relatos recentes sugerem que P. vivax pode causar doença grave, em particular comprometimento respiratório, mais comumente do que antes se havia verificado. Plasmodium vivax também é particularmente propenso a causar ruptura esplênica, porém essa complicação pode ser observada com todas as espécies causadoras de malária. Manifestações Clínicas: O período de incubação após uma picada infecciosa é, em geral, de 10 a 14 dias para P. falciparum e de cerca de 2 semanas para as outras espécies, embora esse período possa ser muito mais longo, particularmente na malária não causada por P. falciparum e em indivíduos com imunidade prévia. As manifestações clinicas ocorrem a partir da lise das hemácias com liberação dos merozoítos, e destacam-se os sinais/sntomas de calafrios, febre e sudorese (febre terça/quarta). Além disso, há sintomas inespecíficos como cefaleia, mal-estar, artralgias, mialgia, náuseas e vômitos, confusão, tosse, dor torácica, dor abdominal, anorexia e diarreia. Os parasitas não P. falciparum têm mais tendência a causar infecções altamente sincrônicas, que, se não forem tratadas, levam a ciclos regulares de febre a cada 48 horas (P. vivax e P. ovale) ou 72 horas (P. malariae), frequentemente com sintomas mínimos entre os episódios de febre. As crises convulsivas são, com frequência, convulsões febris simples, particularmente em crianças pequenas; entretanto, podem representar também evidências de doença neurológica grave. Os achados físicos podem estar ausentes ou podem incluir sinais de anemia, icterícia, esplenomegalia e hepatomegalia discreta. O exantema (erupção cutânea) e a linfadenopatia não são típicos na malária, de modo que a sua presença sugere outra causa para a febre. Os exames laboratoriais geralmente revelam anemia, trombocitopenia e anormalidades das funções hepática e renal. A malária grave pode ser definida como uma apresentação de sinais de doença grave ou disfunção orgânica (incluindo prostração, comprometimento da consciência, convulsões, desconforto respiratório, choque, acidose, anemia grave, sangramento excessivo, hipoglicemia, icterícia, hemoglobinúria e comprometimento renal) ou cargas elevadas de parasitas (em geral, parasitemia periférica > 5% ou > 200.000 parasitas/μℓ). A malária cerebral, que constitui a complicação grave mais comum em crianças, é geralmente definida como uma alteração da consciência na presença de malária por P. falciparum. As convulsões são comuns, e pode-se observar a presença de coma profundo, postura anormal, achados neurológicos focais e padrões respiratórios anormais. A anemia grave é uma apresentação comum, particularmente em crianças pequenas. A insuficiência respiratória é causada por edema pulmonar não cardiogênico e é maiscomum em adultos do que em crianças. A insuficiência renal aguda também é mais comum em adultos e, em geral, deve-se à hipoperfusão e necrose tubular aguda. Pode-se observar disfunção hepática, incluindo icterícia, que também pode ser causada por hemólise. É comum haver esplenomegalia, e pode ocorrer ruptura do baço. A hipoglicemia é comum, decorrente do consumo de glicose pelos parasitas, do aumento da demanda, do comprometimento da gliconeogênese e da secreção de insulina induzida pelo quinino (medicamento). A acidose metabólica, particularmente a acidose láctica é comum. Podem-se observar distúrbios eletrolíticos. A coagulopatia, causada pelo consumo de fatores de coagulação, e a trombocitopenia acentuada, provocada pelo aumento da renovação das plaquetas, podem levar à ocorrência de sangramento significativo. A infecção bacteriana e a sepse podem coexistir com a malária. Diagnóstico: A malária é frequentemente diagnosticada com base apenas na sua manifestação como doença febril. Entretanto, prefere-se o diagnóstico formal. Em viajantes que retornam de áreas endêmicas com febre, os detalhes da história podem ajudar no estabelecimento do diagnóstico. A malária é mais provável em indivíduos que não utilizaram medidas de prevenção da infecção ou em viajantes para as áreas de maior endemicidade, como a África Subsaariana rural. Em geral, a malária por P. falciparum apresenta um período de incubação bastante curto em indivíduos não imunes, de modo que ela se manifesta nos primeiros 1 a 2 meses após o retorno em mais de 90% dos viajantes. A infecção por outras espécies da malária pode se manifestar dentro de alguns meses e, raramente, mais de 1 ano após a exposição. Esfregaço Sanguíneo: O esfregaço sanguíneo espesso constitui o método padrão de diagnóstico nas áreas endêmicas de malária. Nesse procedimento, deixa-se secar uma gota de sangue em uma lâmina, os eritrócitos são lisados, e os parasitas são então corados pelo método de Giemsa. Os esfregaços de sangue espessos não permitem identificar a morfologia dos eritrócitos, que é útil no diagnóstico das espécies. O esfregaço de sangue fino corado pelo método de Giemsa oferece uma melhor forma de caracterizar a morfologia dos parasitas, porém o processo é muito menos eficiente do que o esfregaço espesso. Por conseguinte, os esfregaços espessos constituem o procedimento padrão para o estabelecimento do diagnóstico em áreas de alta endemicidade, enquanto os esfregaços finos são preferidos nos locais onde a malária é incomum e onde os técnicos de laboratório têm tempo suficiente para examinar vários campos microscópicos. É importante distinguir as espécies infectantes de parasitas da malária. Na infecção por P. falciparum, observam-se, em geral, apenas parasitas assexuados com forma em anel. Os trofozoítos de P. vivax e P. ovale são encontrados em eritrócitos aumentados (e ovoides no caso de P. ovale) que contêm inclusões conhecidas como pontos de Schüffner. Os trofozoítos intraeritrocitários de P. malariae e P. knowlesi têm, com frequência, uma forma alongada. São também observados gametócitos do estágio sexuado (que têm uma forma oblonga característica no P. falciparum) nos esfregaços de sangue. A maioria dos tratamentos não erradica os gametócitos, de modo que a persistência dessas formas durante algumas semanas não constitui um sinal de fracasso do tratamento. Detecção do antígeno: A detecção de antígeno constitui um novo método importante de diagnóstico da malária. Atualmente, dispõe- se de vários testes simples, que incorporam a detecção colorimétrica de um ou dois antígenos em um ensaio que exige treinamento limitado e apenas alguns minutos. Os ensaios mais comumente realizados na África utilizam a proteína rica em histidina 2 (HRP2), uma proteína abundante e de longa duração, porém expressa apenas por P. falciparum. Outros ensaios identificam a lactato desidrogenase e aldolase dos plasmódios, que são produzidas por todas as espécies causadoras de malária humana. Alguns testes utilizam dois antígenos para identificar separadamente P. falciparum e todas as infecções causadas por todas as espécies de plasmódio. Um teste foi aprovado nos EUA. Entretanto, com muitos testes diferentes disponíveis em todo o mundo, a padronização não é ótima, e o papel específico de testes rápidos de antígenos para o diagnóstico da malária em diferentes situações epidemiológicos ainda não foi estabelecido. Além disso, há evidências crescentes de ausência da HRP2 em P. falciparum em algumas áreas, incluindo partes da América do Sul e outras regiões, levando à preocupação de que os exames diagnósticos baseados em HRP2 possam omitir alguns casos de malária por P. falciparum. Outros exames diagnósticos: Testes sorológicos estão disponíveis para identificar infecções por malária anteriores, porém as respostas desenvolvem-se lentamente e persistem por um longo período, de modo que esses testes apresentam valores limitados diagnósticos. Os parasitas da malária podem ser identificados por meio de ensaios de amplificação molecular utilizando primers que codificam sequências específicas de gênero e espécie. Esses testes são altamente sensíveis e convenientes para fins de pesquisa, visto que podem ser realizados em DNA extraído a partir de sangue seco em papel de filtro no ambiente de campo. Os ensaios quantitativos por reação em cadeia da polimerase são mais sensíveis, porém a amplificação isotérmica mediada por alça e ensaios relacionados são altamente sensíveis e mais práticos em muitas situações de campo. Entretanto, os ensaios moleculares não são práticos para diagnóstico de rotina, em razão do tempo necessário, do significado incerto de um resultado positivo em áreas endêmicas onde a parasitemia de baixo nível pode ser clinicamente insignificante e do custo e das exigências de logística. Tratamento: O tratamento da malária por P. falciparum tem sido, por muitos anos, um desafio em razão da resistência aos fármacos. Recomenda-se a terapia combinada à base de artemisinina (TCA) em quase todos os países endêmicos para a malária por P. falciparum. A malária não causada por P. falciparum ainda é geralmente tratada com cloroquina, embora a resistência a esse fármaco esteja aumentando no P. vivax; a malária por P. vivax resistente pode ser tratada com outros medicamentos utilizados no tratamento da malária por P. falciparum. Cloroquina e outras aquinolonas: A cloroquina tem sido amplamente utilizada no tratamento da malária há mais de 70 anos. Continua sendo o tratamento preferencial para a malária não causada por P. falciparum e para a malária por P. falciparum nas poucas áreas onde não foi observada nenhuma resistência (América Central e Caribe). Nas infecções por P. vivax e P. ovale, a primaquina ou a tafenoquina também precisam ser administradas para erradicar as formas hepáticas dormentes e, assim, evitar a ocorrência de recidiva subsequente recorrente. A cloroquina continua efetiva para quimioprofilaxia semanal na prevenção da malária em áreas sem resistência. A amodiaquina e a piperaquina provavelmente compartilham mecanismos de ação com a cloroquina, porém são rotineiramente ativas contra parasitas resistentes à cloroquina, em razão da sua maior potência em comparação com a cloroquina e de algumas diferenças nos mecanismos de resistência; cada uma é, hoje em dia, um componente de uma TCA. A amodiaquina é ligeiramente menos bem tolerada do que outras aminoquinolinas. Em geral, é segura para uso a curto prazo; entretanto, raramente, pode causar toxicidade hepática e medular grave, particularmente com administração crônica, de modo que o seu uso não é recomendado para quimioprofilaxia. A TCA com di-hidroartemisinina-piperaquinademonstrou ter eficácia excelente na maioria das regiões; entretanto, recentemente, foram observadas falhas frequentes no Sudeste Asiático, mediadas por resistência a ambos os componentes do esquema. Mefloquina e lumefantrina: A mefloquina proporciona tratamento e quimioprofilaxia efetivos para a maioria das cepas de P. falciparum resistentes à cloroquina e para outras espécies. A resistência à mefloquina é incomum, porém foi observada em partes do Sudeste Asiático, com falhas da TCA com artesunato-mefloquina. A mefloquina é um dos três fármacos recomendados para quimioprofilaxia contra P. falciparum pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC). A lumefantrina é apenas utilizada em combinação e oferece um tratamento efetivo com arteméter, a TCA mais amplamente utilizada no tratamento da malária por P. falciparum. Quinino e quinidina: O quinino tem sido utilizado no tratamento da malária por centenas de anos. Esse medicamento exerce uma rápida ação contra todas as espécies, com resistência conhecida limitada, exceto no Sudeste Asiático, onde os fracassos contra a malária por P. falciparum são bastante comuns. O quinino pode ser utilizado no tratamento da malária não complicada, porém a toxicidade GI e outros efeitos tóxicos inespecíficos levam a uma dificuldade em tolerar um ciclo de tratamento completo de 7 dias. Esse problema é evitado pela combinação de um ciclo de 3 dias de quinino com outros agentes. Na doença grave, o quinino por via intravenosa (IV) tem sido o tratamento padrão durante muitos anos, porém apresenta eficácia inferior em comparação com o artesunato IV. Primaquina e tafenoquina: A primaquina (normalmente 30 mg/dia, durante 14 dias) e a tafenoquina (dose única de 300 mg) são aminoquinolinas relacionadas e constituem os únicos fármacos disponíveis para erradicar as formas hepáticas dormentes de P. vivax e P. ovale. A primaquina e a tafenoquina também são fármacos alternativos para a quimioprofilaxia contra P. falciparum e outras espécies. Os dois fármacos podem causar hemólise ou metemoglobinemia em indivíduos com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD). Como nova estratégia para diminuir a transmissão, uma dose baixa única de primaquina em associação com terapia combinada à base de artemisinina é um tratamento bem tolerado para a malária não complicada por P. falciparum e pode diminuir a transmissão para os mosquitos em indivíduos com níveis normais de G6PD. Inibidores do metabolismo do folato: Os inibidores da di-hidrofolato redutase e da di- hidropteroato sintase são utilizados em esquemas de combinação em dose fixa para o tratamento e a prevenção da malária. Para tratamento, a sulfadoxina-pirimetamina tem sido amplamente utilizada no tratamento da malária por P. falciparum não complicada, porém houve um acentuado aumento da resistência na maioria das áreas endêmicas. Para quimioprofilaxia, a sulfadoxina-pirimetamina não é mais recomendada, em razão da resistência aos fármacos e de uma toxicidade dermatológica rara, porém potencialmente fatal. A quimioprevenção sazonal da malária com uma combinação mensal de sulfadoxina-pirimetamina e amodiaquina durante a estação da transmissão é agora recomendada para o controle da malária em áreas da África com transmissão altamente sazonal e resistência limitada aos fármacos. O sulfametoxazol-trimetoprima diariamente, um tratamento profilático comum para prevenção das infecções oportunistas em indivíduos com infecção pelo HIV, tem oferecido alguma proteção contra a malária na África. Artemisininas: A artemisinina, o componente ativo de um fitoterápico da China, e vários de seus análogos produzem uma rápida eliminação dos parasitas da malária circulante e também apresentam atividade contra os gametócitos, limitando a transmissão da doença. Todos esses fármacos são de ação curta, levando a recrudescências frequentes da infecção após monoterapia de curta duração. Por esse motivo, e para limitar o desenvolvimento de resistência, as artemisininas são agora utilizadas em combinação com fármacos de ação mais longa para o tratamento da malária em esquemas de 3 dias. Os principais esquemas consistem em combinações em doses fixas de arteméter-lumefantrina (a única TCA aprovada nos EUA), artesunato-amodiaquina, artesunato- mefloquina e di-hidroartemisinina-piperaquina. As TCA também demonstraram excelente eficácia no tratamento da malária por P. vivax. Outras TCA que não são atualmente recomendadas pela OMS, mas que estão disponíveis para o tratamento da malária em alguns países e que também demonstraram boa eficácia, incluem artesunato-pironaridina, arterolano- piperaquina, artemisinina-piperaquina e artemisinina- naftoquina. As artemisininas também desempenham um papel essencial no tratamento da malária grave. Foi demonstrado que o artesunato IV é superior à quinino no tratamento da malária grave em uma população principalmente de adultos na Ásia e em crianças africanas, notavelmente com vantagens de sobrevida em comparação com o quinino em ambas as populações. Em geral, as artemisininas são muito bem toleradas, com toxicidade mínima, embora possa ocorrer hemólise tardia após o tratamento, em particular com o artesunato IV. Atovaquona-proguanil: Essa combinação em dose fixa de um inibidor da di- hidrofolato redutase e atovaquona, com mecanismo antimalárico singular, tem excelente eficácia contra a maioria das infecções por P. falciparum. Foi aprovada para o tratamento e para a quimioprofilaxia da malária por P. falciparum e outras espécies nos EUA, onde agora é amplamente utilizada para ambas as indicações. A combinação de atovaquona-proguanil oferece excelente eficácia, com toxicidade mínima. Os efeitos adversos podem incluir sintomas GI, elevação das enzimas hepáticas, cefaleia e exantema. Foi sugerido que os parasitas resistentes à atovaquona são incapazes de completar o seu desenvolvimento nos mosquitos, impedindo a transmissão desses parasitas. Antibióticos: Alguns antibacterianos são antimaláricos de ação lenta. As tetraciclinas e a clindamicina não devem ser utilizadas isoladamente no tratamento da malária, porém combinadas com quinino para possibilitar um tratamento de menor duração com esse fármaco. Além disso, a doxiciclina mostra-se efetiva na quimioprofilaxia da maioria dos casos de malária por P. falciparum e é recomendada para esse propósito pelos CDC, em particular para pessoas que viajam para regiões do Sudeste Asiático onde há uma alta resistência a outros medicamentos. Tratamento da malária grave: A malária grave é uma emergência médica, que exige tratamento parenteral. O tratamento padrão da malária grave consiste em artesunato IV, que precisa ser obtido dos CDC. Se a aquisição for demorada, o tratamento a curto prazo com um agente oral é apropriado até a disponibilidade do artesunato IV. Os cuidados apropriados na malária grave incluem cuidados de enfermagem rigorosos; manutenção dos líquidos, dos eletrólitos e da glicose; suporte respiratório e hemodinâmico; e considerar a necessidade de transfusões sanguíneas, anticonvulsivantes, antibióticos para o tratamento de infecções bacterianas e hemodiálise ou hemofiltração. Após a doença aguda, o artesunato IV deve ser seguido de medicamentos orais de ação mais longa, normalmente um ciclo completo de TCA oral, combinação de atovaquona-proguanil, mefloquina ou quinino mais doxiciclina ou clindamicina. Referências: FILHO, Geraldo B. Bogliolo – Patologia. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2021. GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman-Cecil Medicina. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2022. Lyzandra Linhares