Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministério da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino de Castro e Costa Secretaria Nacional de Segurança Pública Francisco Tadeu Barbosa de Alencar Diretoria de Ensino e Pesquisa Michele Gonçalves dos Ramos Coordenação-Geral de Ensino Ana Claudia Bernardes Vilarinho de Oliveira Coordenação Pedagógica Joyce Cristine da Silva Carvalho Coordenação de Ensino a Distância Renata Guilhões Barros Santos Gerente de Curso Maria Derli Silva dos Santos Luciana Costa Jatahy de Castro Conteudistas Juliana Teixeira de Souza Martins Nedson Moreira Gonçalves Rômulo Reis de Almeida Revisão Técnica Franciane Aparecida da Silva Revisão Pedagógica Ardmon dos Santos Barbosa Evania Santos Assunção Motta Revisão Textual Wener Vieira dos Santos Programação e Edição Renato Antunes dos Santos Fábio Nevis dos Santos Design Instrucional Anne Caroline Bogarin Manzolli Schumacher Sumário APRESENTAÇÃO DO CURSO ......................................................................................... 6 2. OBJETIVO DO CURSO ........................................................................................... 9 2.1 Objetivo Geral ............................................................................................................ 9 2.2 Objetivos Específicos ................................................................................................. 9 3. ESTRUTURA DO CURSO ..................................................................................... 10 MÓDULO I – O MUNICÍPIO E A SEGURANÇA PÚBLICA: COMPETÊNCIAS E DESAFIOS ... 11 Apresentação ................................................................................................................. 11 Objetivos do módulo ..................................................................................................... 13 Estrutura do módulo ...................................................................................................... 13 AULA 1 - VIOLÊNCIA URBANA E PREVENÇÃO ................................................................ 14 1.1 Violência urbana como fenômeno social ............................................................ 14 1.2 Tendências recentes da criminalidade urbana no Brasil ..................................... 17 1.3 Violência urbana e prevenção ............................................................................. 27 AULA 2 – O PAPEL DO MUNICÍPIO NA SEGURANÇA PÚBLICA ....................................... 35 2.1 Histórico da participação dos municípios na segurança pública ......................... 35 2.2. Conselhos Municipais de Segurança Pública ...................................................... 38 2.3. Gabinetes de Gestão Integrada Municipal (GGIMs) ........................................... 40 2.4. Observatórios de Segurança Municipais ............................................................ 42 2.5. Por que o município deve atuar na gestão de segurança pública? .................... 43 2.7. O município como agente estratégico na segurança pública ............................. 44 2.3 Indicadores de engajamento dos municípios na segurança pública ................... 48 AULA 3 – GESTÃO DA SEGURANÇA EM ÂMBITO MUNICIPAL ........................................ 51 3.1 Tipos de políticas de segurança cidadã ............................................................... 51 3.2 Exemplos de políticas e ações municipais ........................................................... 52 3.3 Dificuldades na execução de políticas municipais de segurança ........................ 69 MÓDULO II – AS GUARDAS MUNICIPAIS NO SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA 72 Apresentação do módulo .............................................................................................. 72 Objetivo do módulo ....................................................................................................... 73 Estrutura do módulo ...................................................................................................... 74 AULA 1 – COMPETÊNCIAS DAS GUARDAS MUNICIPAIS (LEI Nº 13.022/2014) .............. 75 1.1 Introdução ao tema ............................................................................................. 75 1.2 Abordagem legal das competências das Guardas Municipais............................. 78 1.3 Atuação preventiva das guardas como polícias cidadãs e comunitárias em espaços de desordem social .................................................................................................... 85 Aula 2 – Introdução ao Sistema Único de Segurança Pública ....................................... 92 2.1 O que é o Susp? ................................................................................................... 94 2.2 Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) ...................... 95 2.3 Objetivos do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Pessoal (PNSP) ..... 95 Aula 3 - O papel das Guardas Municipais no Susp ........................................................ 97 3.1 Aspectos introdutórios: Preparação das Guardas para integrar o Susp ............. 97 3.2 O papel das Guardas Municipais no Susp: Propostas de Políticas Públicas Municipais.................................................................................................................. 98 3.3 Preparação das Guardas Municipais para integrar o Susp ................................ 100 3.4 Ordem Pública ................................................................................................... 104 3.5 Cadastrar junto à Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP. ............ 106 Aula 4 - O Plano Nacional de Segurança Pública ......................................................... 108 4.1 Ciclos de implementação previstos no Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) – ciclo 2021/2030: ....................................................................................... 108 4.2 Objetivos do PNSPDS 2021-2030: ...................................................................... 109 4.3 Fontes de dados e informações do PNSPDS 2021-2030:................................... 109 4.4 Metas de resultado ............................................................................................ 110 4.5 Ações estratégicas ............................................................................................. 111 4.6 Indicadores ........................................................................................................ 113 MÓDULO III – ESTRATÉGIAS DE ATUAÇÃO PARA AS GUARDAS MUNICIPAIS .............. 117 Apresentação do módulo ............................................................................................ 117 Objetivos do módulo ................................................................................................... 118 Estrutura do módulo .................................................................................................... 118 AULA 1 – O PODER DE POLÍCIA E A GUARDA MUNICIPAL ........................................... 119 1.1 Aspectos introdutórios: Municípios e Segurança Pública ................................. 119 1.2 O Conceito de Poder de Polícia ......................................................................... 122 1.3 Poder de Polícia na Segurança Pública .............................................................. 125 1.4 A Guarda Municipal com Poder de Polícia Preventivo ...................................... 128 AULA 2 – AS NORMAS DE DIREITOS HUMANOS APLICADAS À FUNÇÃO DA GUARDA MUNICIPAL ................................................................................................................... 131 2.1 O Uso da Força pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei .......... 131 2.2 A Guarda Municipal e o Uso da Força ...............................................................133 2.3 Princípios Reguladores do Uso da Força pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (FRAL) ............................................................................................ 136 2.4 O uso de Arma de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (FRAL) ....................................................................................................................... 141 AULA 3 – A TECNOLOGIA NA PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA .......................................... 146 3.1 Introdução à tecnologia na Segurança Pública .................................................. 146 3.2 Aplicações da Tecnologia na Prevenção do Crime ............................................. 149 3.3 Tecnologia na Segurança Pública: privacidade e proteção de dados ................ 159 AULA 4 – BOAS PRÁTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA MUNICIPAL ............................... 161 4.1 A Inteligência Artificial na predição de infrações em Belo Horizonte: Crime NABI ................................................................................................................................. 162 4.2 Protocolos Operacionais Padrão (POP): segurança jurídica para o FRAL .......... 163 4.3 Integração entre Academia, Planejamento Operacional e Controle ................. 165 Interno/Corregedoria: prevenindo violações de Direitos Humanos ...................... 165 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 170 6 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal APRESENTAÇÃO DO CURSO Caras alunas e caros alunos, Sejam bem-vindas e bem-vindos ao curso "Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal". Neste curso, você estudará sobre a importância dos municípios na prevenção e no enfrentamento à criminalidade e sobre o papel das Guardas Municipais na construção de cidades mais seguras. Diversas formas de violência, infelizmente, seguem afetando a vida de milhares de brasileiras e brasileiros todos os anos. Os municípios podem desempenhar um papel fundamental para reverter esse cenário de insegurança, sobretudo na redução dos fatores de risco das diferentes formas de violência, bem como no fortalecimento dos fatores de prevenção. Este é o ente federativo mais próximo das cidadãs e dos cidadãos: a capilaridade dos serviços municipais, o conhecimento dos territórios e dos diferentes grupos populacionais tornam o município um ator central na garantia dos direitos fundamentais da população brasileira. Figura 1: Protagonismo na prevenção à criminalidade Fonte: Instituto Cidade Segura. 7 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Versando sobre a atuação municipal na Segurança Pública, a Lei Federal nº 13.022, de 8 de agosto de 2014, que dispõe sobre Estatuto Geral das Guardas Municipais, trouxe um avanço significativo na segurança jurídica da atuação destes órgãos, firmando seus deveres e competências, além de prever a cooperação com outros órgãos de segurança pública, reforçando a integração e a articulação necessárias para o sucesso de implementação das políticas de segurança pública. A Lei Federal nº 13.675, de 11 de junho de 2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), reafirmou e consolidou as prerrogativas e responsabilidades dos municípios sobre o tema, reconhecendo as Guardas Municipais como órgão operacional integrante e corresponsável pela aplicação da lei, mediante o exercício do poder de polícia no âmbito local. Figura 2: Sistema Único de Segurança Pública Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública / Divulgação. As Guardas Municipais são instituições fundamentais para a pacificação social e podem dar uma contribuição muito significativa ao apresentar novas estratégias de prevenção ao crime, inovando através de procedimentos padronizados de atuação, adoção de estratégias de policiamento baseado em evidências com emprego de tecnologia e fomento à proximidade com a comunidade. No entanto, é essencial que esses profissionais estejam devidamente capacitados e atualizados sobre as melhores práticas de prevenção da violência. 8 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Aliada à necessária capacitação técnica, se faz necessário também reforçar a identidade do guarda civil municipal, para que este profissional tenha o pleno conhecimento de sua atuação, das suas prerrogativas e dos referenciais normativos que orientam sua atuação. Cada um dos mais de 5 mil municípios brasileiros tem suas especificidades e dinâmicas próprias que impactam na segurança de seus habitantes. Diante deste universo de variáveis, o agente aplicador da lei deve reconhecer em si o papel de promotor e garantidor dos direitos da população. As boas práticas das Guardas Municipais, nesse contexto, podem guiar novas ações de inovação e integração, aspectos imprescindíveis ao sistema de governança estabelecido pelo Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSP). Tomar conhecimento de novas ideias e novas experiências é fundamental para o avanço de políticas de segurança pública garantidoras de direitos, primando por estratégias de aproximação da comunidade mais efetivas, construídas com credibilidade e legitimidade das instituições de segurança pública e seus operadores. 9 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal 2. OBJETIVO DO CURSO 2.1 Objetivo Geral O curso "Os Municípios e a Prevenção da Violência: O papel da Guarda Municipal" tem como objetivo propiciar uma visão geral do panorama da violência no âmbito municipal, sensibilizando o agente sobre o papel e a responsabilidade dos municípios na prevenção da violência, e sobre a relevância da participação das Guardas Municipais como órgão integrante do Susp, detalhando as suas competências e responsabilidades. 2.2 Objetivos Específicos ✓ Apresentar uma visão panorâmica da violência nos municípios, incluindo suas causas, consequências e impactos na sociedade; ✓ Explorar o papel da guarda municipal na prevenção e enfrentamento da violência, destacando suas atribuições, competências e responsabilidades legais. ✓ Conceituar o Susp e as atribuições das Guardas Municipais no processo de integração entre as Instituições e a atuação interdisciplinares de segurança no Município; ✓ Conhecer as estratégias previstas no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social com impacto nos Municípios; ✓ Relacionar a atuação da Guarda Municipal com as normas de Direitos Humanos e de limitação do uso da força, garantindo segurança jurídica da atuação; ✓ Apresentar estratégias e boas práticas de inovação, emprego de tecnologia e de policiamento preventivo para a mitigação da violência, adoção de estratégias de policiamento baseado em evidências com emprego de tecnologia e fomento à proximidade com a comunidade. 10 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal 3. ESTRUTURA DO CURSO ESTE CURSO POSSUI 40 HORAS E COMPREENDE OS SEGUINTES MÓDULOS: Módulo 1: O Município e a Segurança Pública: competências e desafios Módulo 2: As Guardas Municipais no Sistema Único de Segurança Pública. Módulo 3: Estratégias de Atuação para as Guardas Municipais. 11 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal MÓDULO 1 – O MUNICÍPIO E A SEGURANÇA PÚBLICA: COMPETÊNCIAS E DESAFIOS Apresentação Neste módulo, o profissional do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) estudará tendências da violência urbana do Brasil, conceito e prática da prevenção à violência, funções do município na Segurança Pública e exemplos de iniciativas municipais em segurança voltadas à construção de umacultura de paz. Antes de iniciar seus estudos, leia o parágrafo a seguir: Entre os estudiosos brasileiros generaliza-se a tese de que não é possível compreender o movimento da criminalidade urbana ignorando o funcionamento das agências de controle e repressão ao crime. A não observância, pelos agentes encarregados de manter a ordem pública, dos princípios consagrados na lei destinados à proteção dos direitos civis é frequentemente invocada, sobretudo pelas organizações de defesa dos direitos humanos, como responsável pela situação de tensão permanente a que se vê relegado o sistema de justiça criminal (ADORNO, 1993). 12 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal VAMOS REFLETIR Reflita sobre o tema abordado acima partir das seguintes questões: ● Por que estudiosos indicam não ser possível separar o fenômeno da violência urbana do funcionamento das instituições de segurança pública? ● Quais elementos de tensão você percebe no cotidiano de sua instituição? Após a reflexão, guarde as respostas para uso ao longo do estudo do módulo. 13 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Objetivos do módulo Apresentar conceitos relativos à violência urbana e a segurança pública para os profissionais que atuam na preservação da lei e da ordem, sobretudo em âmbito municipal, proporcionando a reflexão acerca das competências e do papel desempenhado nesse ambiente orientado para uma cultura de paz. Estrutura do módulo Aula 1 - Violência urbana e prevenção Aula 2 - O papel do município na Segurança Pública Aula 3 - Gestão da segurança em âmbito municipal 14 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal AULA 1 - VIOLÊNCIA URBANA E PREVENÇÃO 1.1 Violência urbana como fenômeno social A violência é parte das relações que compõem uma sociedade. Como apontou Roberto DaMatta (1982), sua condição de “normalidade” se mostra como algo, em nossa sociedade, a ser reprimido e evitado – ou seja, sua existência expressa um estado dado de coisas. Nas sociedades primitivas, a violência era usada como meio de promoção dos mais aptos à liderança dos grupos. Nas sociedades atuais, integra dinâmicas de poder, sobretudo aquelas que se desenvolvem à margem da lei, pela ação de associações criminosas. A visão do senso comum ou popular entende a violência como o resultado da experiência das pessoas, de seres envolvidos em embates morais e materiais, mas ela também tem uma dimensão social que deve ser considerada. Ela varia de acordo com as relações sociais em diferentes grupos e sociedades. A violência é, portanto, um fenômeno inerente a qualquer tipo de sociedade, que reflete o tipo de sociedade da qual faz parte, que significado essa violência tem no contexto social no qual está inserido e, ao mesmo tempo, é algo que depende de estímulos desse grupo social (GULLO, 1998). SAIBA MAIS! O estudo da História já identificou, por exemplo, desde sociedades rurais do passado, o fenômeno do “banditismo social”, de criminosos como Lampião no Brasil no início do século 20, associados a imagens de rebeldes paladinos da justiça, construídas por ações em represália a poderes econômicos e políticos. A transição de uma economia pré-capitalista para uma economia capitalista complexa, contudo, ensejou mudanças na própria configuração social do criminoso. A violência, com a ampliação dos grupos criminosos, passou a refletir dinâmicas mais complexas na própria economia. Nas sociedades urbanas, a marginalidade social já foi associada a pelo menos quatro causas, não exaustivas: 15 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal I II III IV existência de indivíduos sem condições de adaptação ao processo de trabalho, por problemas como ausência de formação, desorganização familiar, falta de orientação educacional e condições precárias de moradia; existência de mão-de-obra sem qualificação dedicada a ocupações irregulares, proscritas ou ilegais; existência do subemprego e do desemprego; características da estratificação social por elementos como educação, atividade ocupacional e riqueza. A marginalidade social pode se desdobrar em violência social, segundo Gullo (1998), quando: Figura 3: Desdobramento da Violência Social Fonte: do Conteudista. 16 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal A violência é indissociável das lógicas de produção, consumo e relações de poder na sociedade. As cidades modernas, resultados de processos de urbanização do território, oferecem os cenários políticos, econômicos e geográficos que viabilizam a gênese da violência. A produção e a reprodução da violência urbana decorrem, sobretudo, de dinâmicas que se materializam em espaços urbanos específicos. A violência urbana envolve ações de natureza criminal, como roubos e homicídios, e pode alcançar um nível de presença no território que se traduz em poder paralelo ao Estado. É assim que a violência tem se manifestado em países em desenvolvimento da América Latina que mantêm estruturas de desigualdade social e econômica herdadas de passados coloniais. Nessas nações a pobreza urbana estrutural tem aumentado de forma progressiva, conforme indicou a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), em relatório de 2018. A violência marcada por altos índices de criminalidade e insegurança reflete diferenças socioeconômicas inscritas nos espaços das cidades, cenário que torna o combate à delinquência imperativo ao poder público (HIDALGO et al., 2021). SAIBA MAIS! Leia o estudo de pesquisadores brasileiros que abordaram a violência urbana a partir dos casos de quatro cidades latinoamericanas (Medellín - Colômbia, Guayaquil - Equador, Rio de Janeiro e Curitiba), usando a taxa de homicídios na comparação de resultados de políticas de segurança urbana. Acesse: https://www.redalyc.org/journal/196/19666824008/19666824008.pdf https://www.redalyc.org/journal/196/19666824008/19666824008.pdf 17 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal 1.2 Tendências recentes da criminalidade urbana no Brasil Desde meados da década de 1970, diferentes estudos confirmaram uma tendência de elevação na criminalidade urbana no Brasil, bem como uma mudança de padrão dessa violência. Alguns elementos dessa mudança foram: Figura 4: Elementos que contribuíram para a elevação na criminalidade urbana no Brasil, década de 70 Fonte: do Conteudista. Tal mudança na criminalidade urbana se consolidou e se ampliou geograficamente nos anos 1980, com a disseminação do tráfico de drogas, especialmente da cocaína, e a substituição de armas convencionais por armamentos com alto poder de destruição. A partir dos anos 2000, o quadro de violência no país se agravou com a proliferação de facções e organizações criminosas, que deram nova configuração à violência e aos conflitos pelo domínio das principais rotas de tráfico de drogas. Algumas dessas disputas tornaram-se notórias com o aumento da taxa de homicídios, degradação de bens públicos e homicídios dentro do sistema penitenciário em vários estados da Federação. Impactados por sucessivas crises fiscais ao longo das últimas décadas, os entes federativos viram diminuir sua capacidade de enfrentar o crescimento do crime organizado, que se tornou um ator global com presença dentro e fora do território nacional. 18 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Figura 5: Principais Facções no Brasil Fonte: Aplicativo Facções (2022). As fronteiras nacionais com 10 países incluem quatro produtoresmundiais de drogas, que têm no Brasil o segundo mercado consumidor mundial. O crime organizado tornou-se assim um flagelo para toda a sociedade. A partir da década de 1990, portanto, a questão da segurança urbana passou a fazer parte dos debates das administrações municipais. Ao longo dos anos 2000, os municípios passaram a sistematizar ações planejadas, cujo foco foi reduzir a violência e a criminalidade (ADORNO, 1993; KANT DE LIMA, MISSE e MIRANDA, 2000; MIKI, 2008; BRASIL, 2018). O fenômeno do crescimento da criminalidade urbana no Brasil não pode ser dissociado das características da transição que o país realizou de uma sociedade agrária para uma sociedade urbana. O Brasil foi um país majoritariamente rural durante a maior parte da sua história, mas experimentou nos últimos 60 anos um crescimento expressivo das cidades. A maior parte desse crescimento demográfico urbano correspondeu a um intenso fluxo migratório rural-urbano. Entre 1960 e o final dos anos 1980 estima-se que quase 43 milhões de pessoas tenham saído do campo em direção às cidades. 19 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal SAIBA MAIS! Em 1950, a população brasileira se dividia em 36% no meio urbano e 63% no meio rural. Em 2010, a população urbana já representava 84% da população total. Rápido e profundo, o crescimento das cidades deixou grandes carências sociais. Em 2010, por exemplo, as 20 regiões metropolitanas brasileiras à época concentravam 88% dos domicílios nos chamados aglomerados subnormais (assentamentos irregulares ou favelas) (BRITO, 2006; ALVES, 2020). Figura 6: Brasil – População rural e urbana, 1950/2000 Fonte: Brito (2006). A consolidação das redes de tráfico e os efeitos da violência decorrente de suas transações tornaram mais complexo o estudo do fenômeno da criminalidade urbana, ampliando o escopo de pesquisas sobre o tema. Sob o título amplo de “violência urbana”, análises se desdobraram em subtemas como violência de gênero, violência doméstica, violência contra minorias sexuais, violência contra crianças, violência policial e institucional, violência nas prisões, violência nas escolas, violência de torcedores de futebol, disseminação de armas de fogo entre a população em geral, violência na mídia, violência no trânsito, violência de gangues juvenis, entre outros. 20 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Ao operar segundo moldes empresariais e muitas vezes com bases transnacionais, o crime organizado aproxima e articula diferentes formas de criminalidade (crimes contra a pessoa, contra o patrimônio, o sistema financeiro, a economia popular) em que sintomas visíveis são uso de violência excessiva mediante uso de armas de fogo, contrabando de armas como função estratégica, corrupção de agentes do poder público, desarranjos no tecido social e desorganização das formas convencionais de controle social. Nesse cenário, violações graves de direitos humanos tendem a piorar. Figura 7: Redes Criminosas Fonte: Wikipedia (2022). No passado, a violência urbana era observada, sobretudo, nas capitais, regiões metropolitanas e grandes municípios. Hoje, modificações em sua dinâmica conformam um fenômeno de interiorização, em que a violência urbana antes reconhecida apenas nas metrópoles passa a se verificar no interior do país (ADORNO, 2002; BRASIL, 2008). É preciso, contudo, não perder a noção do todo. No caso da violência letal, após o período entre 1980 e 2003, marcado pelo crescimento acentuado e regular dos homicídios no país, e a oscilação posterior das taxas em patamares elevados sob o ponto de vista comparativo global, o Brasil permanece sendo uma nação violenta. Um país marcado por diferenças raciais, de gênero, etárias e regionais que caracterizam, no caso da violência letal, quem são e onde vivem as vítimas. 21 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Figura 8: Evolução da taxa de homicídios por 100 mil habitantes no Brasil, 1980/2019 Fonte: Ipea. Em 2022, o Brasil registrou 47.508 mortes violentas intencionais (MVI), categoria que agrega as vítimas de homicídio doloso (incluindo feminicídios e policiais assassinados), roubos seguidos de morte, lesão corporal seguida de morte e as mortes decorrentes de intervenções policiais. Figura 9: Ilustração MVI Fonte: do Conteudista. 22 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Em média, 91,4% das mortes violentas intencionais em 2022 vitimaram homens, enquanto 8,6% vitimaram mulheres. O perfil étnico-racial das vítimas refletiu padrões observados pela literatura da área: 76,5% dos mortos eram negros e 50,3% eram adolescentes e jovens com idade entre 12 e 29 anos. As armas de fogo são o principal instrumento utilizado para matar no Brasil, visto que 76,5% dos casos de mortes violentas intencionais no país em 2022 foram praticados com uso de arma de fogo (FBSP, 2023). SAIBA MAIS! Para aprofundamento no tema, assista ao vídeo sobre homicídios no Brasil e suas dinâmicas. Um debate promovido em 2023 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com os pesquisadores Mateus Rennó (USF), Tulio Kahn (FBSP e IPEA) e Daniel Cerqueira (IPEA e UVV), moderado por Ludmila Ribeiro (UFMG e FBSP) e Arthur Trindade (FBSP e UnB). Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=JGTl57_5BbM Como indicam Bruno Paes Manso e Luis Felipe Zilli (2021), a violência letal, intencional e armada tem sido um dos grandes desafios para as instituições democráticas no Brasil urbano de hoje. A prevalência, indicam os autores, de homicídios em certos territórios informa sobre a existência de grupos armados que impõem seus interesses à população local mediante ameaças e violência, controlando negócios ilegais e desafiando o monopólio do uso legítimo da força pelo Estado brasileiro. A intensificação dos conflitos também revelou nas últimas décadas uma dimensão nova da violência urbana, que é o enfrentamento direto do Estado por grupos delituosos organizados, como se viu em ataques coordenados promovidos em 2006 por uma facção criminosa no Estado de São Paulo. Tais ataques evidenciaram a urgência do https://www.youtube.com/watch?v=JGTl57_5BbM https://www.youtube.com/watch?v=JGTl57_5BbM 23 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal tema em nossa sociedade e a necessidade de soluções políticas e pactuadas entre diferentes instâncias do poder público para a pacificação social. Quando há disputa de poder entre grupos criminosos, o resultado é semelhante, com a imposição de silêncio forçado aos moradores e de uma rotina de confrontos que distancia ainda mais os cidadãos inocentes do Estado de Direito e da Justiça. A atuação criminosa desses grupos no espaço urbano muitas vezes mistura atuação em segmentos legais e ilegais, motivada pelas oportunidades de alto lucro. Tais segmentos podem ser a venda de drogas no varejo, o roubo de cargas e a venda para terceiros, o controle de operações clandestinas de transporte público, o roubo de carros e de bancos, a invasão e o loteamento ilegais de terras públicas. SAIBA MAIS! Pesquise o dossiê publicado pela Revista USP em 2021 sobre o fenômeno da violência urbana. A publicação procura explicar de maneira qualitativa e traz reflexões sobre formas de reverter a fragilização do monopólio da força pelo Estado. Acesse: https://jornal.usp.br/cultura/revista-usp-faz-radiografia- daviolencia-urbana-no-brasil/ Homicídios praticados por grupos armados são um fenômeno nacional, mas que se concentram no espaço e atingem certos grupos sociais de forma desproporcional. Um estudo sobre dados de 2016 mostrou que metade dos homicídios que aconteceram naquele ano no Brasil ocorreram em apenas 123 cidades, ou 2,2% dos municípiosdo país. Dentro desses municípios, em mais uma amostra do caráter social da violência urbana, a concentração dos homicídios se dá em bairros mais pobres e menos urbanizados, e homens negros com menos de 25 anos são os que mais morrem. Outro dado relevante: a vida se passa nas cidades para mais de 85% da população brasileira. Independentemente do porte do município, todas as cidades têm o desafio de promover a segurança de seus cidadãos e visitantes. Como a definição de insegurança já não se restringe a homicídios e outras formas de violação pessoal e https://jornal.usp.br/cultura/revista-usp-faz-radiografia-daviolencia-urbana-no-brasil/ https://jornal.usp.br/cultura/revista-usp-faz-radiografia-daviolencia-urbana-no-brasil/ 24 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal coletiva, a gestão das soluções no setor também deve configurar um campo multidisciplinar na administração estatal. SAIBA MAIS! Leia a reportagem da EBC sobre estudo do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que abordou o fenômeno da concentração espacial dos homicídios no Brasil e a migração da violência letal para cidades menores. Acesse: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos- humanos/noticia/201806/metade-dos-homicidios-em-2016- ocorreram-em-apenas-2-dosmunicipios Uma das consequências da violência urbana é a difusão de sentimentos de medo e insegurança entre a população. Estudos indicam que mudanças nos padrões de violência provocam alterações no comportamento cotidiano das pessoas, em suas relações com os outros e com o espaço em que vivem. Em prefácio para o livro de 2003 “Criminalidade Urbana: Conflitos Sociais e Criminalidade Urbana – Uma Análise dos Homicídios Cometidos no Município de São Paulo”, de Renato Sérgio de Lima, Teresa Pires do Rio Caldeira escreveu: A violência urbana articula práticas que respondem por uma parte significativa do conflito social nas cidades brasileiras. Seu caráter factual não deve ser negado, como em análises que a apresentam como “paranoia” individual ou pura ficção alimentada por meios de comunicação e redes sociais. O medo tem bases reais e transforma formas de habitações e a própria paisagem das cidades, que ficam marcadas pela presença de dispositivos de proteção individual e da propriedade, como muros, fossos e cercas. https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-06/metade-dos-homicidios-em-2016-ocorreram-em-apenas-2-dos-municipios 25 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Figura 10: Nelson Mandela À medida que a violência e a insegurança crescem, a indústria de proteção eleva seus ganhos e estratégias de defesa privada redesenham a arquitetura nas cidades, agravando custos sociais e influenciando padrões de sociabilidade. Nesse sentido, o sentimento de calamidade pública gerado pela violência afasta o cidadão de soluções possíveis a partir do cotidiano e reduz sua confiança nos órgãos de segurança (SILVA, 2010; NEVES, 2016). Daí a dimensão do desafio em aberto colocado à sociedade brasileira e mundial, que permanece como descrito há mais de 20 anos pelo advogado, líder rebelde e ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, no relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre violência e saúde que em 2002 abordou a violência como um problema de saúde pública no mundo: O século vinte será lembrado como um século marcado pela violência. Em escala jamais vista e nunca possível na história da humanidade, ele nos oprime com seu legado de destruição em massa, de violência imposta. Mas esse legado - resultado de novas tecnologias a serviço de ideologias de ódio – não é o único que carregamos, nem que devemos enfrentar. Menos visível, mas ainda mais disseminado, é o legado do sofrimento individual diário. (...) É um legado que se reproduz quando novas gerações aprendem com a violência de gerações passadas, quando as vítimas aprendem com seus agressores e quando se permite que se mantenham as condições sociais que nutrem a violência. Nenhum país, nenhuma cidade e nenhuma comunidade está imune à violência, mas, também, não somos impotentes diante dela. (...) Nós devemos às nossas crianças - os cidadãos mais vulneráveis em qualquer sociedade - uma vida livre de violência e medo. A fim de assegurar isto, devemos manter-nos incansáveis em nossos esforços não apenas para alcançar a paz, a justiça e a prosperidade para os países, mas também para as comunidades e membros da mesma família. Devemos dirigir nossa atenção para as raízes da violência. Somente assim, transformaremos o legado doséculo passado de um fardo opressor em um aviso de alerta. 26 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal VAMOS REFLETIR Como os municípios e seus representantes podem agir para minimizar sentimento de insegurança e de medo decorrentes do agravamento da violência urbana? SAIBA MAIS! Leia o artigo “Violência urbana e saúde”, de Maria Fernanda Tourinho Peres e Caren Ruotti, que problematiza a questão da violência urbana no país e sua centralidade nas percepções e vivências cotidianas da população, a partir do caso do município de São Paulo. Acesse: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/115114/11281 9/2 09840 https://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/115114/112819/2%2009840 https://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/115114/112819/2%2009840 27 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal 1.3 Violência urbana e prevenção No Brasil, políticas de segurança pública e o debate sobre os desafios desta agenda podem apresentar divisões em abordagens complementares de prevenção e repressão da criminalidade. Políticas repressivas Tendem a priorizar a capacidade de controle e repressão do sistema de segurança pública e justiça criminal. Políticas preventivas Tendem a priorizar a dissuasão e a atuação com foco na redução dos fatores de risco e no fortalecimento de fatores de proteção, sejam eles de natureza individual, situacional ou social. Na América Latina, aponta Sapori (2007), há uma alternância recorrente entre políticas de segurança com ênfase no poder de resolução do sistema de justiça criminal e aquelas com ênfase em fatores socioeconômicos responsáveis pela desigualdade social. Essa divisão também se reflete em pesquisas acadêmicas sobre segurança, que passam a buscar evidências de maior eficiência de uma ou de outra abordagem. Na avaliação do autor, não há dados empíricos suficientes que permitam dizer que estratégias repressivas sejam mais eficientes do que as preventivas, e vice-versa. Para ele, a conclusão é que a divergência entre os dois pólos prejudica a eficácia e a eficiência de ações do poder público no setor. As estratégias devem ser compatíveis e desassociadas de conotações ideológicas. Segundo o autor: Na medida em que prevenção e repressão são concebidas como elementos opostos e excludentes, reduz-se a capacidade do Estado de prover a ordem pública com efetividade. Essa dicotomia, ainda persistente entre os decision makers [tomadores de opinião], impõe uma escolha desnecessária no direcionamento das políticas de segurança pública, impedindo que a ação governamental abarque simultaneamente as diversas dimensões do fenômeno criminoso (SAPORI, 2007, p. 86-87). 28 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Um trabalho de referência publicado em 1998 pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e assinado, entre outros, pelo criminologista Lawrence Sherman, procurou avaliar o impacto de diferentes estratégias de controle da criminalidade, em nível local e estadual, que tinham financiamento federal naquele país. O estudo revisou mais de 500 estudos e classificou as estratégias em seis grandes grupos, a partir do contexto social de cada uma: Controle do crime baseado na polícia Estratégias de patrulhamento direto em áreas com alta incidência de crimes, redução do tempo de resposta às chamadas de emergências policiais, patrulhamento a pé, vigilância baseada na vizinhança, repressão mediata a violência doméstica; Controle do crime baseado nas comunidades Mobilização e organização comunitárias contra o crime, prevenção da violência em gangues juvenis, programas de recreação infantil após o expediente escolar e formação de preceptores comunitários de dependentes químicos; Controle do crime baseado nas famílias Visitação, por agentes estatais, de famílias com recém-nascidos e crianças, educação pré- escolar envolvendo os pais, capacitação dos pais para lidar com crianças problemáticas e repressão da violência doméstica; Controle do crime baseado nas escolas Programas de prevenção do uso de drogas, educação para resistência às gangues, educação para disciplina social, aumento da disciplina no ambiente escolar e campanhas contra o bullying; Controle do crime baseado no mercado de trabalho Programas de treinamento e colocação profissional para jovens e adultos desempregados, treinamento para criminosos presos e transporte para trabalhadores até o local de trabalho; 29 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Controle baseado na justiça criminal Reabilitação de egressos do sistema prisional, tratamento para usuários de drogas condenados, liberdade condicional intensamente supervisionada, monitoramento eletrônico de condenados, incremento do encarceramento; Controle do crime baseado na prevenção situacional Estratégias de redução de oportunidades para ação criminosa em locais específicos, como lojas, estacionamentos e prédios residenciais, com uso de câmeras e alarmes e outros recursos. A existência de diversas teorias sobre as causas da violência indica que essas razões são múltiplas e demandam uma abordagem em rede, em diferentes dimensões. A agenda da segurança se expande quando procura tratar as causas da violência. Há propostas que defendem ser possível diminuir as violações à lei minimizando as condições para que o crime ocorra. Em geral, são iniciativas que consideram o cidadão como principal foco de uma política de segurança. A visão se amplia do combate ao criminoso para a qualidade de vida do cidadão. A prevenção à violência, de modo geral, pode ser dividida em duas categorias: Figura 11: Categorias de prevenção à violência Fonte: do Conteudista. 30 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Numa adaptação de tipologia da saúde pública, intervenções de caráter preventivo em segurança pública também podem ser divididas em três níveis de prevenção: Prevenção primária Abordagens que buscam prevenir a violência antes de sua manifestação. Exemplos: • investimentos em educação e moradia; • recuperação e reordenação de espaços urbanos. Prevenção secundária Abordagens que procuram dar respostas imediatas à violência. Exemplos: • cursos profissionalizantes e oficinas para jovens em situação de vulnerabilidade; • videomonitoramento de pontos críticos de criminalidade; • serviços de emergência ou tratamento para doenças sexualmente transmissíveis decorrentes de um estupro. Prevenção terciária Abordagens que se concentram em cuidados de longo prazo frente à violência, como reabilitação e reintegração e tentativas de diminuir traumas e reduzir deficiências de longo prazo associadas com violência. Exemplos: • ações de reinserção social de egressos do sistema prisional; • cadastro de membros de torcidas organizadas de futebol. Uma publicação de 2010 da Organização Mundial da Saúde promoveu, por exemplo, uma revisão rigorosa da literatura que examinou evidências científicas sobre a efetividade de intervenções para prevenir a violência interpessoal e auto infligida, e identificou sete grupos de estratégias úteis: 31 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Desenvolver relações seguras, estáveis e estimulantes entre crianças, pais e cuidadores; Desenvolver habilidades de vida em crianças e adolescentes; Reduzir a disponibilidade e o uso abusivo de álcool; Reduzir o acesso a armas de fogo, armas brancas e pesticidas; Promover igualdade de gênero para prevenir violência contra a mulher; Promover a mudança de normas sociaise culturais que estimulem a violência; Promover programas de identificação e apoio a vítimas de violência. 32 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Por ser um problema crônico e complexo, a superação da violência urbana exige ações coordenadas nos diferentes níveis de governo e planejadas a partir de objetivos semelhantes. É fundamental o envolvimento de instituições públicas e organizações da sociedade civil na execução de políticas, programas e ações que atuem nas causas e interfiram em fatores que propiciam a ocorrência deste fenômeno. Estudos indicam que programas sociais são mais eficientes quando englobam, de forma simultânea, diferentes instâncias da vida das pessoas. Por isso, uma atuação intersetorial facilita a construção de um modelo de proteção integral aos indivíduos. A adoção de um modelo com essa orientação deve se basear na sinergia entre atores governamentais e não-governamentais e em esforços que procurem evitar a fragmentação de ações (FERREIRA, 2012). Uma atuação intersetorial em segurança, contudo, não deve prescindir da manutenção de foco nos objetivos visados e, como nas demais políticas públicas, do trabalho baseado em evidências, e não em ideologias e palpites. SAIBA MAIS! Pesquise a publicação “Podemos Prevenir a Violência: Teorias e Práticas”, de Elza Machado de Melo, editada em 2010 pela Organização Panamericana de Saúde (Opas) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Acesse: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/podemos_prevenir_violencia.pdf Lidar com a violência em vários níveis, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (2002), envolve cuidar dos seguintes aspectos: ✓ atentar para fatores de risco individuais e agir para modificar comportamentos de risco individuais; https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/podemos_prevenir_violencia.pdf 33 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal ✓ influenciar relações pessoais e trabalhar para criar ambientes familiares saudáveis, bem como oferecer auxílio profissional e apoio para famílias disfuncionais; ✓ monitorar locais públicos como escolas, ambientes de trabalho e vizinhanças e agir para tratar de problemas que possam levar à violência; ✓ atacar a desigualdade de gênero e atitudes e práticas culturais prejudiciais; ✓ agir sobre os fatores culturais, sociais e econômicos mais amplos que contribuem para a violência e agir para mudá-los, incluindo medidas para reduzir o abismo entre os ricos e pobres e para garantir acesso igualitário a bens, serviços e oportunidades. Dentro dessa abordagem que compreende a violência como consequência da articulação de diferentes fatores de risco, que envolvem características individuais, relacionais, comunitárias e sociais, a prevenção da violência é concebida de forma múltipla. Essa multiplicidade envolve um conjunto de ações de prevenção (primárias, secundárias e terciárias) e a conexão com outras áreas do conhecimento e de intervenção. Nessa perspectiva, a OMS defende o desenvolvimento de ações integradas e intersetoriais como algo essencial ao objetivo da prevenção. Assim, a integração entre os diferentes setores de ação social, como segurança pública e justiça, saúde, educação e assistência social, em âmbitos governamentais e não governamentais, se coloca como fundamental ao desenvolvimento de uma estratégia coletiva de prevenção. O município é um lugar privilegiado para iniciativas que busquem romper a dicotomia entre repressão e prevenção. No que tange às políticas municipais de segurança, há um entendimento consolidado no ordenamento jurídico e nas práticas do Estado brasileiro de que é preciso ir além da repressão e atuar na prevenção e na promoção de formas de convivência pautadas na garantia, no respeito e na promoção dos direitos humanos. Tais políticas de segurança cidadã pode e deve ser balizadas por duas perspectivas, distintas e complementares: a repressão qualificada da criminalidade e a prevenção social das violências (BRASIL, 2013). 34 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal No caso das cidades brasileiras, que não contam com organizações policiais, apenas guardas municipais, os governos municipais têm capacidades mais compatíveis com o desenvolvimento de políticas baseadas em prevenção. O desenvolvimento de políticas centradas em estratégias repressivas depende necessariamente de uma integração com outras instituições e níveis de governo. SAIBA MAIS! Conheça a publicação “Políticas municipais de segurança cidadã: problemas e soluções” (2006), de Paulo de Mesquita Neto. Acesse: https://library.fes.de/pdf-files/buer os/brasilien/05612.pdf https://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/05612.pdf 35 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal AULA 2 – O PAPEL DO MUNICÍPIO NA SEGURANÇA PÚBLICA 2.1 Histórico da participação dos municípios na segurança pública A participação efetiva dos municípios na segurança pública é um fato relativamente recente da história do país. Desde a redemocratização, mesmo com o fim do paradigma de “segurança nacional”, conceito adotado no Brasil durante o período da ditadura militar (1964-1985) e que priorizava a defesa do Estado e a ordem política e social, prevalecia na vida pública uma interpretação limitada do artigo 144 da Constituição, aquela que considera que segurança pública é responsabilidade exclusiva dos Estados. Poucos municípios mantinham Guardas Municipais, apenas para vigilância patrimonial e colaborações isoladas com as Polícias Militares. O assunto só ingressou de fato na vida pública, com impactos nas políticas para o setor, após o agravamento da crise de segurança no país nos anos 1990. O lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional de Segurança Pública no biênio 2000-2001 permitiu que o tema ganhasse relevância na agenda dos municípios, e a flexibilização das regras do Fundo Nacional de Segurança Pública elevou o número de prefeituras aptas a pleitear recursos do fundo para projetos de segurança. Essa flexibilização ocorreu porque até 2003 somente municípios que tivessem instituído Guarda Municipal estavam aptos a receber recursos do fundo. Alteração posterior na lei de criação do FNSP flexibilizou os critérios e os municípios passaram a se credenciar para recebimento dos aportes mediante projetos executados por outras áreas e órgãos, não apenas a Guarda Municipal - expressão de uma mudança de conceito na orientação do governo federal à época em relação aos municípios. Desde então, municípios passaram a criar secretarias para o setor, elaborar planos e órgãos específicos de segurança pública (MIKI, 2008; RISSO, 2016; MARTINS; 2018). 36 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal A participação dos municípios na segurança pública também se intensificou, pelo volume de recursos investidos e pela oferta de ações preventivas para implementação pelos municípios, a partir da instituição pelo governo federal, em 2007, do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci). Koppitike (2016) classifica como “era de ouro da prevenção” o período de 2001 a 2011 em que três planos nacionais tentaram fomentar e consolidar institucionalmente essa nova visão no país sobre a prevenção da violência e o papel do município na segurança pública: os Planos Nacionais de Segurança Pública: o primeiro apresentado no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2001; o segundo, apresentado durante o primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva, e o Pronasci, que pode ser considerado o terceiro Plano Nacional de Segurança Pública, e que durou mais tempo, quatro anos (2007 a 2011). O Pronasci foi definido pelaLei 11.530, de 2007, da seguinte maneira: Art. 2º O Pronasci destina-se a articular ações de segurança pública para a prevenção, controle e repressão da criminalidade, estabelecendo políticas sociais e ações de proteção às vítimas. (BRASIL, 2007). Entre os focos do Pronasci estavam jovens de 15 a 24 anos, vítimas mais frequentes da violência, regiões metropolitanas e aglomerados urbanos com altos índices de homicídios e de crimes violentos. Também houve destinação de recursos para capacitação de profissionais da segurança pública, por meio do projeto Bolsa-Formação. Os projetos de prevenção da violência mais conhecidos ofertados pelo programa foram o Mulheres da Paz, o Territórios de Paz e o Protejo. Para o desenvolvimento da segurança pública preventiva, a lei que criou o programa propôs 17 tipos de ações, como criação e fortalecimento de redes sociais e comunitárias, criação de programas de prevenção à violência voltados a jovens e adolescentes, egressos do sistema prisional e famílias expostas à violência urbana e medidas de urbanização para recuperação de espaços públicos. Extinto em 2017, o Pronasci representou, de acordo com Spaniol (2017), um avanço importante na 37 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Palavra do Especialista institucionalização das políticas de segurança pública no país, deixando legados como a permanência dos GGI-Ms como ferramenta de gestão em determinados municípios. A lei nº 13.675, de 2018, que criou o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), representa o marco recente mais importante de consolidação da gestão da segurança pública no Brasil. A lei torna mais claro o papel municipal na segurança pública brasileira e procura indicar meios de integrar os órgãos do setor, como as Polícias Federal, Rodoviária Federal e Estaduais, as Secretarias de Segurança e as Guardas Municipais, para que atuem de forma cooperativa, sistêmica e harmônica. Além de instituir o SUSP, o projeto criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), prevista para durar dez anos, tendo como ponto de partida a atuação conjunta dos órgãos de segurança e defesa social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, em articulação com a sociedade. A PNSPDS reforçou o papel dos municípios como integrantes estratégicos do SUSP, ao lado dos Estados, do Distrito Federal e da União. A lei propõe deveres e responsabilidades a esses integrantes, e no caso dos municípios destacam-se a criação e manutenção de um Conselho Municipal de Segurança Pública e Defesa Social, a formulação de um Plano Municipal de Segurança Pública e Defesa Social e a instituição de órgãos de ouvidoria. Ser um integrante estratégico do SUSP é, portanto, uma realidade dos municípios brasileiros, e significa ter responsabilidade compartilhada pela definição e implantação de estratégias de prevenção e controle qualificado da criminalidade e da violência. A Lei do SUSP e sua Política Nacional de Segurança Pública constituem, portanto, novos eixos para uma política pública municipal de segurança cidadã, com ênfase na prevenção da violência e atenção para formas de violência armada passíveis de mitigação por ações municipais. Recursos da União são fontes importantes de investimento dos municípios na área de segurança pública, já que recursos estaduais são, em grande parte, alocados para 38 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal pagamento de efetivo policial e custeio das polícias. Apesar de avanços nos últimos 20 anos, políticas municipais de segurança no Brasil continuam marcadas pela descontinuidade das ações. Municípios que em algum momento se destacaram nacionalmente passam por interrupções, mudanças de prioridade e reduções de investimento em seus programas. Segundo Risso (2016), isso se deve a fatores como mudanças políticas e ausência de recursos para manutenção e expansão dos programas. A consolidação dos municípios como vetores de políticas de segurança pública depende da cristalização de uma compreensão ampliada sobre o sentido de segurança pública no país. Existem políticas e programas de prevenção da violência que não demandam a aplicação da lei nem o emprego da força, e que revelam um campo amplo para que municípios criem políticas e participem da segurança pública, com foco em ações de prevenção. Como aponta Miki (2008), compreender o papel do município na segurança é caminhar rumo ao entendimento da segurança pública como um direito: O município deve focar suas atividades também com vistas à segurança pública, sem invadir o que é de competência policial, mas dando respaldo para esta atuação. Dessa forma, este trabalho tem um viés mais abrangente do que o até então conhecido por “Política de Segurança Pública”. O que se busca num município é algo muito maior: é a quebra do paradigma e, finalmente, o entendimento da segurança como um direito, acarretando na realização de políticas públicas focalizadas que objetivem a queda da violência e da criminalidade. Articular as diversas ações que já são realizadas e atores é um papel muito complexo, mas que se reverte em importantes resultados sociais. (MIKI, 2008, p. 73) 2.2. Conselhos Municipais de Segurança Pública Previsto na Lei do Susp, o Conselho Municipal de Segurança Pública é uma instância de participação popular em decisões que digam respeito à ordem pública de suas cidades. Seus objetivos principais são o fortalecimento do controle social sobre 39 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal políticas para o setor e a abertura de um canal propício para que população e organizações da sociedade civil participem do levantamento de prioridades e demandas locais, bem como do desenho e da implementação de políticas públicas para o setor, inclusive em relação à alocação de recursos. A Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) definiu que os conselhos deverão ter natureza de colegiado, com competência consultiva, sugestiva e de acompanhamento social. A composição do conselho deve ser submetida à Câmara Municipal, e prevê representantes com mandato de dois anos, escolhidos entre organizações da sociedade civil, de profissionais da segurança urbana, da Defensoria Pública, do Ministério Público, da OAB e do Judiciário. Figura 12: Exemplo de ações dos Conselhos Municipais de Segurança Fonte: do Conteudista. 40 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal SAIBA MAIS! Caso queira saber um pouco mais das ações citas, acesse os links abaixo: Belém (PA) https://semob.belem.pa.gov.br/conselho-municipal-de-seguranca- publica-e-defesa-social-e-aprovado-na-camara-municipal-de-belem/ Atibaia (SP) https://www.atibaia.sp.gov.br/noticias/seguranca-publica/atibaia- nomeia-membros-do-conselho-municipal-de-seguranca-publica3165 Juiz de Fora (MG) https://www.portaldoturismo.pjf.mg.gov.br/noticias/view.php?modo =link2&idnoticia2=68850 SAIBA MAIS! Leia o artigo “Os municípios e o Sistema Único de Segurança Pública”, de Felipe Sampaio, que apresenta os mecanismos de governança municipal da segurança previstos no ordenamento jurídico mais recente do país. Acesse: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/opiniao/2020/11 /os-municipios-e-o-sistema-unico-de-seguranca-publica.html 2.3. Gabinetes de Gestão Integrada Municipal (GGIMs) O Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGI-M) foi criado com a finalidade de ser a estrutura gerencial do Pronasci, de forma a amparar a participação no programa de todos os órgãos de segurança e entidades afins. A adesão ao programa foi associada a criação dessa instância de gestão. https://semob.belem.pa.gov.br/conselho-municipal-de-seguranca-publica-e-defesa-social-e-aprovado-na-camara-municipal-de-belem/https://semob.belem.pa.gov.br/conselho-municipal-de-seguranca-publica-e-defesa-social-e-aprovado-na-camara-municipal-de-belem/ https://www.atibaia.sp.gov.br/noticias/seguranca-publica/atibaia-nomeia-membros-do-conselho-municipal-de-seguranca-publica3165 https://www.atibaia.sp.gov.br/noticias/seguranca-publica/atibaia-nomeia-membros-do-conselho-municipal-de-seguranca-publica3165 https://www.portaldoturismo.pjf.mg.gov.br/noticias/view.php?modo=link2&idnoticia2=68850 https://www.portaldoturismo.pjf.mg.gov.br/noticias/view.php?modo=link2&idnoticia2=68850 https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/opiniao/2020/11/os-municipios-e-o-sistema-unico-de-seguranca-publica.html https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/opiniao/2020/11/os-municipios-e-o-sistema-unico-de-seguranca-publica.html 41 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Criado no contexto do 2º Plano Nacional de Segurança Pública (2003 a 2006), o GGI-M começou a ser implantado dentro dos primeiros esforços de institucionalização do SUSP, anteriores à sanção da Lei do SUSP, como uma das engrenagens institucionais a viabilizar a articulação entre instituições do sistema de segurança pública e justiça criminal que atuam em âmbito municipal. A proposta era que instituições como Guarda Municipal e Conselho Comunitário de Segurança Pública, Polícias Militar e Civil, Defensoria Pública, Ministério Público e demais entidades interessadas se reunissem mensalmente para discussão de questões locais de segurança e ordem pública, delineamento de ações de prevenção e repressão ao crime, monitoramento e avaliação dos resultados alcançados. SAIBA MAIS! Leia o relatório de 2017 “Gabinetes de Gestão Integrada no Brasil: à guisa de institucionalização?”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que analisou o processo de institucionalização dos GGIs estaduais e municipais a partir da observação de processos de estruturação, funcionamento e criação de instâncias especializadas, como o Observatório de Segurança Pública e o Sistema de Videomonitoramento. Acesse: https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/gabinetes-de- gestao-integrada-no-brasil-a-guisa-de-institucionalizacao/ https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/gabinetes-de-gestao-integrada-no-brasil-a-guisa-de-institucionalizacao/ https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/gabinetes-de-gestao-integrada-no-brasil-a-guisa-de-institucionalizacao/ https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/03/FBSP_Gabinetes_gestao_integrada_institucionalizacao_2013.pdf 42 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Figura 13: Reunião do GGIM de Canoas (RS) em 2021 Fonte: Matheus Tomaz/Prefeitura de Canoas. 2.4. Observatórios de Segurança Municipais Observatório é o nome que costuma designar agências e órgãos encarregados de obter, organizar, estruturar e analisar dados e informações sobre políticas públicas. No caso da segurança pública, os observatórios atuam na elaboração de diagnósticos situacionais e na identificação de questões relativas ao crime e seus fatores associados. O objetivo é que possam ser instâncias de reflexão crítica, suporte informacional e tecnológico a processos de tomada de decisões estratégicas e operacionais. Seus levantamentos podem incluir áreas não associadas diretamente à segurança, como dados de evasão escolar e de acesso a políticas de proteção social. 43 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Palavra do Especialista 2.5. Por que o município deve atuar na gestão de segurança pública? Embora a segurança pública apareça na Constituição de 1988 como uma tarefa a ser compartilhada, o texto constitucional reservou pouca atenção ao tema e, em especial, ao papel dos municípios nessa área. Mas houve mudanças nos últimos 20 anos no sentido de reconhecer e ampliar a atuação dos municípios no setor. Hoje eles têm atribuições claramente definidas em relação à redução e à prevenção dos fenômenos que reproduzem a violência, sobretudo após a publicação da Lei do SUSP (Lei 13.675/2018), entre outros avanços legislativos recentes. As prefeituras e as instituições da municipalidade são os braços do poder público mais próximos dos cidadãos, e possuem sob sua gestão serviços públicos essenciais no combate à desigualdade social, como educação básica, saúde, assistência social e desenvolvimento urbano. Praças seguras e bem-cuidadas, calçadas, saneamento, iluminação, atividades culturais, Guardas Municipais com atuação comunitária, proteção das mulheres e público LGBTQIA+ são responsabilidades da gestão municipal que podem impactar o cenário mais amplo da segurança. Cidades bem cuidadas, movimentadas e iluminadas são cidades seguras. Nesse sentido, a prefeitura tem o papel essencial de coordenar ações de segurança urbana que ocorrem na cidade sob sua administração, mesmo não tendo ingerência sobre as polícias estaduais. O planejamento da prevenção à violência, a promoção da cultura de paz, o ordenamento territorial, a ação policial preventiva, a inclusão e defesa social de públicos vulneráveis são exemplos de ações ligadas à segurança que devem passar pela prefeitura. (SPANIOL, 2017; PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS e FBSP, 2022) 44 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal 2.7. O município como agente estratégico na segurança pública O Sistema Único de Segurança Pública foi criado em 2018 e complementou o artigo 144 da Constituição de 1988, reforçando que segurança pública é responsabilidade da União, dos Estados e Municípios. O SUSP buscou estabelecer uma arquitetura uniforme para a segurança pública em âmbito nacional, a partir de compartilhamento de dados, operações integradas e colaborações nas estruturas de segurança pública em nível federal, estadual e municipal. A segurança pública continua sendo, portanto, atribuição de Estados e municípios, enquanto a União se responsabiliza pela criação de diretrizes a serem compartilhadas em todo o país. Ao definir segurança em sentido amplo, para além da ação policial, a lei indica que, no caso dos municípios, a atuação no setor não deve se limitar à criação de Guardas Municipais para proteção do patrimônio público. Há um entendimento de que as configurações da segurança nas cidades extrapolam o panorama das estatísticas criminais, pois dependem da situação de serviços e espaços públicos e demandam instrumentos que guiem a ação das prefeituras no setor. O texto da lei prevê a inclusão de outras áreas do serviço público nessa atuação em rede: Art. 22. A União instituirá Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, destinado a articular as ações do poder público. ... § 1º As políticas públicas de segurança não se restringem aos integrantes do Susp, pois devem considerar um contexto social amplo, com abrangência de outras áreas do serviço público, como educação, saúde, lazer e cultura, respeitadas as atribuições e as finalidades de cada área do serviço público. ... § 3º As ações de prevenção à criminalidade devem ser consideradas prioritárias na elaboração do Plano de que trata o caput deste artigo (BRASIL, 2018). 45 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Leia o texto a seguir do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que apresenta o Sistema Único de Segurança Pública Acesse: https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a- informacao/acoes-e-programas/susp O SUSP prevê que os instrumentos de planejamento e governança previstos em lei sejam reproduzidos nos níveis federal, estadual e municipal, de modo a facilitar a integração de ações e de orçamentos. A Lei do SUSP orienta que tais instrumentos legais sejam empregados na elaboração e na gestão do Plano Municipalde Segurança Urbana. Com vigência de 10 anos, o Plano Municipal, em linha com o Plano Nacional, deve ser o marco estratégico do município para obtenção de recursos e gerenciamento de atividades e objetivos da segurança urbana. A lei também enumera diretrizes para a elaboração desse plano: Art. 24. Os agentes públicos deverão observar as seguintes diretrizes na elaboração e na execução dos planos: I - adotar estratégias de articulação entre órgãos públicos, entidades privadas, corporações policiais e organismos internacionais, a fim de implantar parcerias para a execução de políticas de segurança pública e defesa social; II - realizar a integração de programas, ações, atividades e projetos dos órgãos e entidades públicas e privadas nas áreas de saúde, planejamento familiar, educação, trabalho, assistência social, previdência social, cultura, desporto e lazer, visando à prevenção da criminalidade e à prevenção de desastres; III - viabilizar ampla participação social na formulação, na implementação e na avaliação das políticas de segurança pública e defesa social. (BRASIL, 2018). Figura 14: SUSP https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/susp https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/susp 46 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Para que o município tenha meios de executar políticas de prevenção da violência, é fundamental: Em primeiro lugar, realizar um diagnóstico preciso sobre a situação da violência e da criminalidade na cidade, bem como sobre os programas e outras iniciativas em curso relacionadas ao tema. Uma segunda etapa é a elaboração de estratégias de intervenção, ou seja, a formulação de um plano de ação baseado nos problemas identificados no diagnóstico. A terceira etapa é a execução do plano de ações. A quarta etapa pressupõe o monitoramento do processo e a avaliação do impacto e dos resultados alcançados pelas políticas. A publicação “Guia Segurança nos Municípios”, de 2022, do Programa Cidades Sustentáveis e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sugere que os gestores municipais em segurança formem uma equipe que procure reunir e analisar as informações da cidade, com o objetivo de elaborar diagnósticos sobre públicos e locais de maior vulnerabilidade à violência, que permitam mapear a distribuição da insegurança e da desigualdade do município. De acordo com a Lei do SUSP, Estados, Distrito Federal e municípios deverão elaborar e implantar seus planos municipais de segurança para poderem receber recursos da União para a execução de ações. No caso das prefeituras, outra responsabilidade prevista em lei é a formalização de uma Política Municipal de Segurança Urbana, a ser submetida à avaliação do Poder Legislativo municipal, e a criação do supracitado Conselho Municipal de Segurança Urbana, para viabilizar a participação social na elaboração e no acompanhamento da Política Municipal de Segurança Urbana. Entre outras atribuições municipais em segurança pública previstas na Lei do SUSP estão: 47 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Confira abaixo os principais passos para a elaboração de um plano municipal de segurança, segundo publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Programa Cidades Sustentáveis: Ações de prevenção e resolução pacífica de conflitos, priorizando a redução da letalidade violenta, com ênfase nos grupos vulneráveis; Elaboração e execução de projetos com foco na cultura de paz, na segurança comunitária e na integração das políticas de segurança com as políticas sociais; Estudos e diagnósticos para a formulação e a avaliação de políticas públicas. 48 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal Figura 15: Organograma de ações para construção de um plano municipal de segurança pública Fonte: FBSP e Programa Cidades Sustentáveis (2022). 2.3 Indicadores de engajamento dos municípios na segurança pública Conheça questões propostas pela publicação “Construção de uma nova narrativa democrática para a segurança pública”, de 2016, para avaliar a participação dos municípios no setor: I. Já foi realizado um diagnóstico da violência e criminalidade? Esse diagnóstico contou com a participação da comunidade local? Identificou fatores de risco e potencialidades locais? Incluiu uma revisão das políticas e programas de prevenção que já estavam em curso? Foram identificados os atores que estão ou poderiam ser engajados na estratégia de prevenção? 49 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal II. A partir desse diagnóstico foi elaborado um plano de segurança municipal? Esse plano envolve um amplo processo social de pactuação e coalizão em torno de regras de convivência e de relações sociais? III. Existe um GGI-M (Gabinete de Gestão Integrada Municipal) ou Conselho Municipal de Segurança para articular todos os atores envolvidos com a política de segurança da cidade, garantindo o alinhamento dos planejamentos, a constante troca de informação e a colaboração entre eles? IV. Existe um observatório de violência no município? Existe um bom sistema de coleta e análise de dados? V. Há uma aproximação entre as forças policiais, equipes de fiscalização e Guarda Municipal? VI. O policiamento tem caráter comunitário e preventivo? VII. É constante a interação entre autoridades locais e sociedade civil? Essa interação é baseada em mecanismos de participação e controle social institucionalizados? VIII. Foram instaladas câmeras de videomonitoramento? Existe uma central de monitoramento? Elas estão integradas com as demais ações da cidade (Defesa Civil, prevenção urbana e de desastres etc.)? IX. Existem estratégias focadas nos grupos sociais mais vulneráveis, como jovens, mulheres e crianças? X. Existem políticas de desenvolvimento urbano e inclusão social? Essas políticas levam em consideração as estratégias de prevenção integradas? 50 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal XI. Há um plano de ocupação e uso para os espaços revitalizados, reformados ou construídos? XII. Existem programas de capacitação e formação de pessoas das comunidades para servirem de interlocutoras na mediação de conflitos? XIII. Existe uma articulação intersetorial (saúde, educação, urbanismo, trânsito, por exemplo)? As intervenções planejadas são integradas e territorializadas? XIV. Qual é a prioridade política e institucional dada pelo gestor local a ações focalizadas? Qual a prioridade das políticas de prevenção e redução da violência em seu município? PARA REFLETIR Como o profissional do SUSP atuando em âmbito municipal pode tomar a iniciativa de ações e articulações entre diferentes órgãos e áreas de governo? 51 Os Municípios e a Prevenção da Violência: o papel da Guarda Municipal AULA 3 – GESTÃO DA SEGURANÇA EM ÂMBITO MUNICIPAL 3.1 Tipos de políticas de segurança cidadã O conceito de “segurança cidadã” ganhou espaço na América Latina e no Brasil como um contraponto ao emprego, durante o período de regimes autoritários, de expressões como “segurança interna” e “segurança nacional” para o tratamento de questões de segurança pública, que associam o tema da segurança, de forma prioritária, a forças policiais e militares. Como aponta Paulo de Mesquita Neto: O que diferencia os dois tipos de política [segurança cidadã x segurança interna/nacional] não é apenas o fato de que os governantes responsáveis por políticas democráticas são escolhidos através de processos eleitorais, mas também que as políticas democráticas são caracterizadas pela transparência, participação social, subordinação à lei e
Compartilhar