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INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS DOIS ANOS 2 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 3 Objetivo geral 3 Objetivos específicos 3 Competências e habilidades a serem adquiridas3 Ementa 4 Literatura básica 4 INTRODUÇÃO 6 1 GESTAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM O ESTADO DE SAÚDE E NUTRICIONAL DO BEBÊ 7 2 INTRODUÇÃO ALIMENTAR 13 3 DESMAME 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 44 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS 3 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Objetivo geral Abordar o tema introdução alimentar e a alimentação até os dois primeiros anos de idade. Objetivos específicos Discutir sobre aspectos vinculados à introdução alimentar na infância e à alimentação até os primeiros dois anos de idade. Trazer dicas práticas sobre introdução alimentar e alimentação até os dois anos. Competências e habilidades a serem adquiridas Compreender como deve ser realizada a introdução alimentar na infância, a alimentação até os dois primeiros anos de idade e como conduzir o tratamento nutricional neste contexto. INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS 4 Ementa A disciplina aborda o tema introdução alimentar na infância, a alimentação até os dois primeiros anos de idade e aspectos relevantes no que tange ao tratamento nutricional neste cenário. As informações incluídas são baseadas em publicações científicas e posicionamentos de órgãos renomados na área. Literatura básica Chatoor, I. Quando seu filho não quer comer (ou come demais): O guia essencial para prevenir, identificar e tratar problemas alimentares em crianças pequenas. Ed: Manole; 2017. Junqueira, P. Por que meu Filho Não Quer Comer? Uma Visão Além da Boca e do Estômago. Ed. Idea; 1º Edição. 2017. Ministério da Saúde. Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos. 2019. Morris, S.E; Junqueira, P. A Criança que Não Quer Comer: Compreenda as Interconexões do seu Universo Para Melhor. ED. Idea; 1ª Edição. 2019. Vitolo, Márcia Regina. Nutrição da gestação ao envelhecimento. 2ª Ed. 2014. 5 6 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS INTRODUÇÃO O primeiro contato com alimentos distintos do leite materno é um marco na vida de qualquer criança. Esse processo não ocorre de forma brusca e intensa, mas sim de maneira gradual e programada, de modo que a criança possa descobrir, com paciência, novos sabores, texturas, cores, sensações e, até mesmo, descobrir-se como pessoa – quais suas preferências e aversões. A introdução alimentar apresenta um mundo totalmente novo para a criança, o qual pode ser visto com curiosidade e total interesse ou medo e rejeição. Logo, fica claro que este processo pode ser prazeroso, fácil e agradável para algumas crianças, ao passo que pode ser um martírio para outras. No último caso, especialmente, a paciência dos responsáveis aliado ao domínio técnico e científico de profissionais será primordial para que a introdução alimentar ocorra da melhor forma possível. Com poucas palavras já fica claro o impacto da introdução alimentar na relação que a criança constrói com o alimento, o que tem influência na sua alimentação na infância, adolescência e vida adulta, podendo tornar- se uma pessoa interessada e flexível quanto às escolhas alimentares ou o oposto. Considerando a relevância do tema, essa apostila destina-se a explanar aspectos sobre a introdução alimentar na infância, bem como períodos que antecedem e sucedem este fenômeno. 7 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS 1 GESTAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM O ESTADO DE SAÚDE E NUTRICIONAL DO BEBÊ A saúde, a qualidade de vida e a alimentação começam a ser moldadas antes mesmo da introdução alimentar. Para se ter ideia, o estado nutricional e de saúde da mulher, antes mesmo da sua gestação, pode ser um fator a moldar o estado de saúde de seu filho. Por exemplo, imagine que uma mulher com desnutrição energético- proteica e deficiências nutricionais (exemplo: vitaminas B6, B9 e B12) engravida – é de se esperar que o bebê não se desenvolva adequadamente, que tenha maior risco de nascer prematuro ou com baixo peso, além de maior risco de aborto espontâneo e má formação fetal. Fica, portanto, evidente que até mesmo os acontecimentos que antecedem a gestação influenciam no estado nutricional e de saúde de um ser. A gestação, em si, continua sendo um período crítico para determinar a saúde e a nutrição do bebê, haja vista que este depende nutricionalmente de sua mãe para que possa se desenvolver. Este fato fica nítido quando se observam as recomendações nutricionais para gestantes, pois a maior parte dos nutrientes tem sua necessidade 8 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS aumentada na gestação, a exemplo do ferro, da vitamina A e do folato. O feto está sob constante proliferação e desenvolvimento celular, exigindo uma diversidade de nutrientes em quantidades significativas para crescer e se desenvolver. Não atender às recomendações nutricionais da gestante significa colocar em risco a saúde e a vida, tanto da mãe quanto do bebê. Exemplificando, evidências indicam que a hipovitaminose A aumenta o risco de mortalidade materna e fetal. Deve-se ficar claro que atender às recomendações nutricionais da gestante não é o mesmo que ultrapassá-las, pois a toxicidade de nutrientes também pode trazer malefícios à mãe e ao bebê. Seguindo a mesma linha de raciocínio do exemplo anterior, estudos científicos apontam que a toxicidade por vitamina A pode causar aborto espontâneo e complicações na gestação. É possível compreender, portanto, que a ingestão nutricional de gestantes deve ser na medida – nem a menos e nem a mais do que o recomendado, de modo a não causar deficiências ou toxicidades alimentares, as quais podem trazer malefícios de igual modo. Compreendendo a magnitude da necessidade nutricional da gestante, suplementos alimentares comerciais são destinados diretamente para este público, de modo a facilitar o alcance das recomendações. Não se pode negar, inclusive, a necessidade de suplementação neste período, considerando que a demanda por alguns nutrientes é tamanha que não é passível de ser atingida com a alimentação, a exemplo do ferro. A recomendação nutricional de ingestão do ferro já é elevada para mulheres em idade fértil em razão das perdas menstruais (RDA variando de 15 a 18 mg/dia), mas aumenta- se consideravelmente na gestação (RDA de 27 mg/dia). No entanto, deve-se atentar para que a ingestão nutricional não seja ultrapassada com alimentação e suplementação juntas, de modo a evitar o risco de toxicidade nutricional (UL de 45 mg/dia para gestantes), a qual também pode trazer 9 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS prejuízos à saúde da mãe e do bebê (é importante lembrar que o ferro é um mineral muito reativo, podendo aumentar a geração de radicais livres). Vale salientar que, não necessariamente precisa-se ofertar suplementos comerciais para gestantes, mas também fórmulas manipuladas, por exemplo – interessante para evitar excesso de aditivos alimentares, como corantes e conservantes. Contudo, há de se admitir que a ausência de suplementação nesse período pode conferir riscos de deficiências nutricionais à paciente, haja vista a dificuldade em alcançar as recomendações nutricionais da gestante por meio da dieta. Outro ponto bastante discutido na atualidade é a questão da microbiota materna influenciando na saúde, na redução do risco de doenças e na composição da microbiota de seu filho, tanto na sua infânciaquanto na sua vida adulta. Antigamente, se pensava que a vida intrauterina era completamente estéril, sendo que o primeiro contato com microrganismos seria no momento do parto. Hoje já se desconfia desta teoria, haja vista que o mecônio (primeiras fezes do bebê) apresenta microrganismos, indicando que a vida intrauterina pode não ser totalmente estéril. Logo, cogita- se o impacto da microbiota materna na saúde e na microbiota da prole antes mesmo do nascimento. Apesar da possibilidade do primeiro contato com microrganismos ocorrer antes do parto, deve-se reconhecer que o parto é o primeiro momento em que a exposição a microrganismos é significativa. Aparentemente, crianças nascidas por parto normal têm uma microbiota mais saudável (mais significativa em bifidobactérias) do que crianças nascidas por cesariana. Isso impacta não somente na infância, mas também na vida adulta, pois evidências indicam que crianças nascidas por parto normal tendem a ter menos doenças imunológicas, como alergias e rinite, do que crianças nascidas por cesariana. Isso porque no parto normal a criança é exposta principalmente aos microrganismos da vagina da 10 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS mãe (ex.: Lactobacillus, microrganismos bastante presentes na microbiota vaginal), enquanto na cesariana o bebê se expõe aos microrganismos da pele, que tendem a ser mais potencialmente patogênicos. Além do tipo de parto, a forma de aleitamento, a introdução alimentar e a dieta, de um modo geral, têm impacto bastante significativo na microbiota da criança. Nesse cenário, evidências indicam que o aleitamento materno exclusivo até os primeiros quatro a seis meses de vida impacta positivamente na microbiota, ao passo que o aleitamento artificial ou com leite de outros mamíferos prejudica esse sistema. Tal como com o tipo de parto, correlações são feitas com a forma de aleitamento, sendo que o aleitamento materno exclusivo nos primeiros meses de vida parece reduzir o risco de acometimentos imunológicos (exemplo: alergias), inclusive na vida adulta, enquanto o aleitamento artificial ou de outro modo (leite de outros mamíferos) parece aumentar o risco desses desfechos. A introdução alimentar também impacta positivamente ou negativamente na microbiota e em outros parâmetros da criança, sendo um dos fatores primordiais e decisivos na qualidade de vida e no estado de saúde, tanto na infância quanto na vida adulta. Sabe-se que a oferta de alimentos in natura, ricos em fibras alimentares e nutritivos favorece a composição da microbiota, ao passo que o consumo de alimentos ultra processados prejudica esse sistema. Há de se admitir que o momento em que a modulação da composição da microbiota é mais possível é justamente na infância, onde essa microbiota encontra-se em desenvolvimento. Nesse cenário, hábitos que impactam positivamente na microbiota são cruciais na infância e até mais determinantes da composição da microbiota 11 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS quando em comparação com os eventos que ocorrem na vida adulta. Além desse aspecto, como mencionado anteriormente, a introdução alimentar inicia o vínculo do individuo com o alimento, podendo favorecer o estabelecimento de uma relação confortável ou desconfortável, que pode se perdurar e refletir nas escolhas alimentares na vida adulta. Aspectos sobre introdução alimentar serão abordados a seguir. 12 13 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS 2 INTRODUÇÃO ALIMENTAR Após o nascimento, os recém-nascidos são alimentos com leite materno ou com fórmulas que tendem a ter composição semelhante ao leite materno. Não é indicada a oferta de leite de outros mamíferos, como de vaca, nesse período da vida. De um modo geral, como discutido em materiais anteriores desse curso, o aleitamento materno deve ser priorizado sempre que possível, haja vista que é mais rico em nutrientes e substâncias benéficas (exemplo: fator bífido que estimula o crescimento de bifidobactérias no intestino, e anticorpos que fortalecem o sistema imunológico da criança e a protegem de infecções). Em razão de sua relevância, sugere-se que, se possível, a primeira amamentação ocorra imediatamente após o parto, caso as condições da mãe e do bebê sejam favoráveis para tal. Ademais, o contato pele a pele da mãe e do bebê (sem panos/roupas entre eles) após o parto, por pelo menos uma hora, favorece a secreção de hormônios que permitem a “descida do leite” e que diminuem o sangramento pós- parto. Apesar de sua importância, a duração do aleitamento materno parece ser menor do que o recomendado no Brasil, sendo que duas em cada três crianças menores de 14 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS seis meses já receberam outro tipo de leite, especialmente o de vaca. Outra questão problemática é que é comum incluir outro ingrediente a esse leite, como farinha e açúcar. A recomendação é que o aleitamento materno seja exclusivo nos seis primeiros meses de vida, sendo que a introdução a alimentos sólidos deve ocorrer apenas após esse período. Isso porque o trato gastrointestinal não é completamente maduro até os seis meses de vida, sendo que algumas enzimas digestivas não têm ação ótima até essa data, a exemplo da lipase pancreática. Vale salientar que, até os seis meses de vida, o aleitamento materno deve ser exclusivo, não havendo necessidade de ofertar nada de forma complementar, nem ao menos água, água de coco, chás, sucos, outros leites, papinha, mingau etc. Mesmo em regiões mais quentes, não há necessidade de ofertar nenhum alimento além do leite materno, pois este é suficiente para suprir a criança com nutrientes e hidrata-la. Em dias mais quentes, é possível que a criança mame mais para saciar a sede – situação que é perfeitamente normal. A oferta de outros alimentos, além do leite materno, pode ser prejudicial ao bebê – comprometer a saúde intestinal, prejudicar a absorção de nutrientes (ex.: ferro e zinco), prejudicar a saúde renal (risco de moléculas muito grandes precisarem ser excretadas pelos rins), aumentar o risco de doenças (ex.: alergias alimentares, diarreia, infecções etc.), entre outros. Não se deve preocupar também em ofertar alimentos extras para crianças prematuras, haja vista que o leite de mães de crianças prematuras tende a ser diferente – “mais reforçado” para atender às necessidades adicionais dessa criança. Algumas mães podem pensar que o seu leite é “fraco” ou “ralo” por compara-lo esteticamente com o de outro mamífero, mas, na realidade, o leite materno é de boa qualidade – apenas influenciado por algumas questões, como dieta da mãe, o que interfere no seu aspecto. 15 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS A maior parte do leite materno é produzida ainda durante a mamada, sendo que, após algum tempo, o leite passa a ficar mais branco ou amarelo, em razão do aumento do teor de gorduras na sua composição. Por esse motivo, é preciso deixar que a criança mame bastante em uma mama antes de oferecer a outra, de modo que ela usufrua de toda a composição nutricional do leite materno em cada mamada. Após tanto tempo de aleitamento materno exclusivo, fica claro que a introdução alimentar a alimentos sólidos é um fenômeno complexo. Isso porque é algo completamente novo e desconhecido à criança, podendo despertar curiosidade, mas também receio e recusa. Além disso, é preciso que esse processo ocorra de forma gradativa e que alguns cuidadossejam adotados para que a experiência seja o mais agradável e confortável possível à criança. Não há uma única forma de conduzir a introdução alimentar, mas há algumas propostas de estratégias e possibilidades de conduta. Dicas de como conduzir a introdução alimentar e a alimentação na infância A princípio, recomenda- se ofertar um alimento por vez, de modo a identificar a aceitação da criança. Nesse sentido, é interessante evitar combinações de alimentos nas primeiras ofertas, ex.: banana amassada com abacate, pois, em caso de recusa, não se saberá se a criança não gostou do abacate, da banana ou da combinação. Além disso, deve-se evitar adoçar, salgar ou temperar os alimentos. Quanto mais natural for o alimento, mais fácil de identificar se a criança gostou ou não do alimento em si, e não do acompanhante (sal, açúcar e tempero). Mesmo quando a criança não gosta do alimento ofertado, 16 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS é preciso oferta-lo novamente e de formas diferentes para testar se há aceitação de outro modo. Por exemplo, caso a criança não tenha gostado de banana amassada crua, pode-se ofertar a banana cozida, purê de banana e, posteriormente, preparações com o alimento, como bolo de banana. Contudo, de um modo geral, aconselha-se que os primeiros alimentos ofertados sejam na forma in natura. Recomenda-se, ainda, ofertar os alimentos na sua forma original, sem amassar ou picar, de modo que a criança possa conhecer o formato dos alimentos, gerando maior interação e engajamento. Contudo, deve-se ter cautela com pedaços grandes que possam levar a criança a se engasgar. Deve-se ofertar pedaços pequenos que a criança possa segurar com as próprias mãos. Além disso, é recomendado que a criança se alimente sozinha, com as próprias mãos, de forma a sentir o alimento – não somente o sabor, mas também a forma, a textura, o cheiro etc. Esse hábito facilita a construção de uma relação relaxada e descontraída com a alimentação. Esses são alguns dos princípios do método BLW, do inglês: Baby Led Weaning – que é um dos métodos apontados para “desmame” do bebê. Vale ressaltar que o termo desmame não é o mais indicado, pois dá a entender que o aleitamento materno deve ser suspenso após a introdução alimentar, o que não é verdade. O aleitamento materno é recomendado de modo complementar até os dois anos de vida da criança ou mais, não havendo limite máximo para tal, podendo se estender até quando estiver confortável à mãe e ao bebê, sem causar prejuízos a nenhum dos dois. Inclusive, caso a criança aceite pouco dos alimentos sólidos, pode-se estimular a mamada. Infelizmente, sabe-se que a realidade no Brasil é diferente, sendo que apenas uma em cada três crianças continua o aleitamento materno complementar até os dois anos de idade. Essa é uma questão crítica, pois o aleitamento materno não é só importante pela questão 17 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS nutricional e redução do risco de doenças, mas também porque os movimentos que a criança faz durante o aleitamento são exercícios para a boca e os músculos do rosto, reduzindo o risco de problemas com respiração, mastigação, ao engolir, na fala e no alinhamento dos dentes. Como mencionado anteriormente, passado o período de aleitamento exclusivo, inicia-se a introdução alimentar e, para tal, é preciso incentivar autonomia alimentar à criança, seja pelo método BLW ou outros. A criança com autonomia alimentar tende a tornar-se um adulto com boa relação com a comida. Dentre as formas de incentivar a autonomia alimentar, destacam-se: Oferecer várias opções saudáveis à criança e deixar que ela escolha a que mais lhe agrada; Permitir que a criança ajude na escolha dos alimentos que serão adquiridos, como frutas e legumes; Quando possível, permitir que a criança ajude de algum modo no preparo das refeições (cautela para não oferecer riscos à criança, ex.: fogo, faca etc., mas processos simples, como amassar); Incentivar que a criança experimente novos sabores, cheiros e texturas; Alimentar-se sozinha (de preferência com as próprias mãos, mas pode-se usar instrumentos, ex.: colher própria para bebês); Comer juntamente com a família; Criar um ambiente favorável no momento da alimentação – respeitando o tempo da criança e fazendo-a protagonista do ato de comer; Observar as sensações de fome e saciedade da 18 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS criança – ofertar alimentos no momento de fome e não “obrigar” a criança a comer mais depois que ela alcança saciedade. Normalmente, quando saciada, a criança vira o rosto ou não abre mais a boca para se alimentar. Além dos métodos acima citados, orienta-se que a criança seja apresentada a maior variedade de alimentos possível, em especial aqueles que são tradicionalmente consumidos pela família e que sejam facilmente disponíveis na região, de modo a respeitar a cultura e os costumes. De um modo geral, recomenda-se a oferta inicial de alimentos in natura e/ou minimamente processados – os primeiros (in natura) são aqueles obtidos diretamente das plantas ou dos animais e não sofrem qualquer alteração após deixar a natureza e os segundos (minimamente processados) passam por alguma modificação mínima, como limpeza, remoção de partes indesejáveis, divisão, moagem, secagem, fermentação, pasteurização, refrigeração, congelamento ou outros processos que não envolvam a adição de sal, açúcar, óleos, gorduras ou qualquer outra substância ao alimento original. Como exemplo desses alimentos (in natura e minimamente processados), destacam-se: leguminosas (ex.: feijões, ervilha, lentilha, grão de bico), cereais (arroz, milho, produtos à base de farinhas de mandioca, trigo, centeio, aveia etc., como macarrão), raízes e tubérculos (mandioca, batata), legumes e verduras, frutas, carnes e ovos, laticínios, oleaginosas etc. Esses alimentos devem ser a base da alimentação da criança e da família. Ressalta-se que se deve ter cuidado para não ofertar alimentos em pedaços grandes, 19 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS duros ou secos que possam, de alguma forma, fazer a criança engasgar. Outros alimentos não recomendados para crianças são café e chás, como chá mate, verde e/ou preto. Além disso, sugere-se que alguns alimentos não sejam ofertados até os dois anos da criança, como mel, melaço e rapadura. Sempre que possível, se deve priorizar alimentos orgânicos, isto é, sem adição de agrotóxicos e outros produtos químicos, de forma a evitar intoxicação, alergias e demais agravos à saúde da criança. Ademais, sempre que possível, deve-se evitar salgar, temperar muito e/ou adoçar os alimentos, dando prioridade para ofertar os alimentos à criança no seu sabor original, até para que se consiga compreender quando a criança gosta ou não do alimento em questão. Em relação aos alimentos processados, são aqueles que recebem modificações, incluindo a adição de sal, açúcar, óleo e/ou outros ingredientes, como conserva de legumes, extrato de tomate, carnes salgadas, peixes conservados em óleo, água e/ou sal, queijos e pães. Na introdução alimentar, as crianças podem consumir alimentos processados, mas de forma moderada e em menor quantidade quando em comparação aos alimentos in natura ou minimamente processados. Dos alimentos processados listados anteriormente, os mais indicados para fazer parte da introduçãoalimentar são os pães e os queijos, devendo-se evitar os conservados em sal, açúcar e óleo. Quanto aos alimentos ultra processados, que são aqueles que levam a adição de diversos ingredientes, incluindo aditivos alimentares (adoçantes, aromatizantes, corantes e conservantes), estes não devem ser oferecidos a crianças – nem na introdução alimentar e nem depois, devendo ser evitados também na fase adulta. São exemplos de ultra processados: refrigerantes, 20 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS sucos industrializados, chás industrializados, bebidas energéticas, bebidas com sabor de chocolate e de frutas, biscoitos, salgadinhos de pacote, sorvetes, chocolates, balas, guloseimas, bolos e misturas para bolos, pães doces, gelatinas em pó, cereais matinais, barra de cereais, achocolatados, queijo processado UHT, queijo cheddar, temperos prontos, maionese, molhos prontos, produtos congelados (ex.: lasanha, tortas, pizza, nuggets, salsinha, hambúrguer, iogurte com corante e/ou adoçante, entre outros). Os alimentos ultra processados comumente apresentam adoçantes – mais um motivo pelo qual devem ser evitados para crianças, inclusive durante a introdução alimentar. Isso porque adoçantes não são recomendados para crianças, já que não há respaldo científico suficiente sobre o efeito dessas substâncias para esse público. O fato de os alimentos ultra processados serem muito doces, salgados ou temperados também implica na sua não utilização por crianças. Isso porque deve-se evitar acostumar o paladar infantil com sabores muito intensos e predominantes, o que evitaria o consumo de alimentos com muito açúcar, sal ou temperos, inclusive na vida adulta. Para esclarecer melhor a diferença entre os tipos de alimentos, o Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos, do Ministério da Saúde, exemplifica que o morango é um alimento in natura, a geleia caseira de morango é um alimento processado (adição de açúcar e cozimento) e o petit suisse de morango é um alimento ultra processado. O último, inclusive, é rico em açúcares e aditivos alimentares, sendo inadequado para crianças, apesar de muito ofertado para esse público (Figura 1). Figura 1. Exemplo de alimento in natura, processado e ultra processado do Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos do Ministério da Saúde. 21 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS Além de todos os seus malefícios, há resíduos de agrotóxicos também nos alimentos ultra processados. Assim, não há lógica em substituir alimentos com agrotóxicos por orgânicos, e continuar o consumo de alimentos ultra processados. Infelizmente, é comum ofertar alguns alimentos ultra processados para crianças, apesar do seu teor nutricional inadequado. Os alimentos desse tipo que devem ser evitados e o porquê é apresentado no Quadro 1. Quadro 1. Alimentos que devem ser evitados para crianças e o porquê. ALIMENTOS QUE DEVEM SER EVITADOS PARA CRIANÇAS Ricos em açúcares Ricos em açúcares, sal e/ou gorduras Achocolatados Biscoitos e bolachas doces e salgados simples (como biscoito maria, maizena, cream cracker, água) ou com recheio e cobertura (como biscoitos recheados, wafer) Cereais matinais Bolinhos industrializados Bebidas açucaradas ou gaseificadas (evitar, em especial, as bebidas à base de cola, mate, chá preto e guaraná, que deixam a criança agitada e prejudicam o aproveitamento de nutrientes) Batatinhas de pacote Farinhas de cereais instantâneas com açúcar (de arroz, milho e outros) Empanado de frango tipo nugget Gelatina em pó com sabor Macarrão instantâneo (massa e tempero) Geleia de mocotó industrializada Pão de forma, bisnaguinha e pão de queijo pronto para assar Guloseimas, como balas, chicletes, pirulitos e chocolates Salgadinhos de pacote Iogurte com sabores e tipo petit suisse Salsicha Leite fermentado Sorvete industrializado 22 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS Ainda na linha de raciocínio dos alimentos ultra processados, é interessante evitar as papinhas industrializadas por diversos motivos: a textura das papinhas não favorece o desenvolvimento da mastigação, o sabor é um conjunto de diversos alimentos, o que dificulta a percepção de diferentes sabores, não favorecem a tradição e a cultura alimentar da família e da região e, por fim, o aproveitamento nutricional dos nutrientes provenientes de alimentos in natura é melhor quando em comparação ao das papinhas. Quando na aquisição de alimentos industrializados, vale a pena conferir a lista de ingredientes do produto, devendo-se evitar aqueles com vasta lista de ingredientes com nomes desconhecidos. O Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos, do Ministério da Saúde, faz a comparação da lista de ingredientes entre o macarrão comum e o macarrão instantâneo. Essa comparação é apresentada no Quadro 2. Quadro 2. Comparação da lista de ingredientes do macarrão comum e do macarrão instantâneo. MACARRÃO COMUM MACARRÃO INSTANTÂNEO Sêmola de trigo, corantes naturais de urucum e cúrcuma. Farinha de trigo, gordura vegetal, sal, alho em pó, regulador de acidez, carbonato de potássio e de sódio, estabilizante tripolipofosfato de sódio, pirofosfatotetrassódico e fosfato de sódio monobásico, corante sintético idêntico ao natural betacaroteno. *Além do tempero, que apresenta mais de 11 ingredientes. Com base no Quadro 2, é possível perceber que o macarrão comum contém apenas três ingredientes, ao passo que o macarrão instantâneo apresenta mais de 20, sendo vários deles com nomes desconhecidos (substâncias artificiais) – os quais teriam potencial prejudicial à criança. Dicas de como preparar e de como ofertar alimentos específicos na introdução alimentar Leguminosas 23 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS O grupo das leguminosas inclui todos os tipos de feijão (branco, carioca, feijão-de-corda, feijão-fava, fradinho, jaloroxo, mulatinho, preto, rajado, roxinho, vermelho), além de ervilha, grão de bico, soja e lentilha. Esse grupo é rico em proteína vegetal e fibras alimentares, além de micronutrientes como ferro, zinco e vitaminas do complexo B. Percebe-se que é um grupo alimentar muito nutritivo, o qual deve estar presente na introdução alimentar e, posteriormente, na dieta da criança. Após os seis meses de idade, estes alimentos podem ser ofertados amassados (ex.: com garfo) para evitar o risco de engasgamento, sendo que, após os oito meses de idade, já se pode tentar ofertar o grão inteiro, sem amassar, para avaliar a aceitação da criança. Algumas situações podem ocorrer com o consumo de leguminosas na introdução alimentar, como pedaços da casca de feijão nas fezes ou maior presença de gases. Nenhuma dessas condições é motivo para suspender o consumo do feijão ou ofertar só o caldo. A primeira situação é normal (pedaço de cascas de feijão nas fezes) por certa imaturidade do trato gastrointestinal, ao passo que a segunda (gases) pode ser minimizada deixando o feijão de molho por oito a doze horas. Cereais O grupo dos cereais inclui os diversos tipos de arroz, aveia, centeio, milho, trigo, triguilho (trigo para quibe) e os diferentes tipos de farinha (ex.: fubá, flocão, amido de milho, farinha de trigo). Além desses, os alimentos feitos com esses ingredientes, como as massas, 24 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS também fazem parte desse grupo. Os cereais são fontes de carboidratos, incluindo fibras alimentares, e vitaminas e minerais (ex.: complexo B, vitamina E, magnésio etc.), desde que sejam consumidos na versão integral,caso contrário serão menos nutritivos. No que concerne à introdução alimentar, deve-se evitar exceder no consumo desses alimentos nos lanches, preferindo o consumo de frutas, por exemplo, nessas refeições, ao invés de pães. Quando oferecer pães à criança, deve-se priorizar os caseiros ou feitos em padarias ou armazéns, desde que não se utilize misturas prontas para elaborar esses pães, caso contrário serão entendidos como ultra processados. Em relação à pipoca (proveniente de uma variedade de milho), ela não deve ser oferecida para crianças com idade inferior a dois anos, pois é dura e confere risco de engasgamento e sufocamento. Além desses, deve se ter cautela com produtos alimentícios que são vendidos como “cereais”, mas são ultra processados, como cereais matinais, biscoitos, barra de cereal, farinhas instantâneas para o preparo de mingau, lasanha, pizza, macarrão instantâneo etc. Em suma, é importante ter o hábito de ler a lista de ingredientes, devendo evitar aqueles com mais de cinco ingredientes na composição, especialmente se forem de nomes desconhecidos. Vale salientar que não há necessidade de retirar o glúten durante a introdução alimentar, pois não há comprovação científica do benefício de tal prática, sendo recomendada apenas para crianças que apresentem alergia ou intolerância ao glúten. Tal como mencionado em tópicos anteriores, deve-se ter cautela com pedaços grandes e alimentos duros/crocantes para crianças em fase de introdução alimentar, de modo a não causar engasgamento ou sufocamento. 25 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS Raízes e tubérculos Esse grupo é composto por batata (doce, inglesa e baroa), cará, inhame, mandioca, farinha de mandioca, fécula de batata, polvilho e outras farinhas à base de raízes e tubérculos, sendo que a composição nutricional desses alimentos é semelhante à dos cereais. Esses alimentos tendem a ser bem aceitos por crianças, inclusive pela sua textura e gosto, sendo interessantes na introdução alimentar e na alimentação infantil. Apesar de serem consumidos apenas no almoço e no jantar em algumas regiões, em outras estão presentes também no café da manhã, ceia e lanches. É importante mencionar que produtos ultra processados à base desses alimentos não devem ser ofertados a crianças, a exemplo de batata chips, batata palha e batata congelada pronta para fritar. Legumes e verduras Os legumes e as verduras são fontes de diversos nutrientes, inclusive pelo fato de termos uma ampla variedade destes alimentos no Brasil. No que concerne à composição nutricional, as folhas verde escuras (verduras) são ricas em vitamina K, E, A, ferro, cálcio, magnésio e outros. Os legumes, a depender do tipo, são fontes de nutrientes específicos – por exemplo: a abóbora é rica em vitamina A, a cenoura é rica nas vitaminas A e C, o brócolis é rico nas vitaminas C e K, e assim por diante. Apesar de abundantes e variados, evidências indicam que a população brasileira consome pouco desses alimentos. Incluí-los na introdução alimentar é, inclusive, uma forma de aumentar o consumo desses 26 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS alimentos desde a infância, tornando sua ingestão um hábito para a vida adulta também. É comum ouvir pessoas dizerem que crianças não gostam de legumes e verduras, mas, o que é mais comum de acontecer é essas crianças nem terem oportunidade de experimentar esses alimentos porque eles não foram oferecidos pelos responsáveis. Nesse sentido, é importante estimular o seu consumo desde a introdução alimentar. Outro ponto importante de discussão é que a criança tende a imitar os pais e familiares, logo, se a criança percebe que ela é a única a consumir verduras e legumes, ela abandonará o hábito eventualmente. Nesse cenário, é importante que os indivíduos que convivem com a criança tentem manter uma alimentação saudável, de modo a servir como exemplo e inspiração para a criança. Quanto mais variada for a oferta de legumes e verduras, melhor, sendo que se pode preparar estes alimentos das mais diversas formas, inclusive oferta-los crus. Contudo, se deve ter cautela com crianças mais novas que têm dificuldade em mastigar alimentos crus, mesmo que estejam ralados. Conforme a criança vai crescendo, pode-se ofertar esses alimentos de maneira gradativa. Frutas Tal como os legumes e as verduras, a frutas são ricas em nutrientes, como vitaminas (ex.: C, A e complexo B). Quanto mais variada a oferta de frutas, melhor. Deve-se estimular o consumo de frutas da época e da região, não havendo restrição quanto à inclusão de frutas na introdução alimentar da criança. Não se deve incluir açúcar nas frutas para não habituar o paladar da criança com o excesso de doces e para que a criança passe a 27 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS reconhecer o sabor natural dos alimentos. As frutas podem ser amassadas com garfo, raspadas ou ofertadas em pedaços pequenos de modo que a criança possa segurar com as próprias mãos. Frutas pequenas ou com caroço (ex.: uva) exigem maior atenção, pois podem provocar engasgamento – deve-se retirar as sementes e cortar em pedaços bem pequenos (dividir cada fruta em 2 a 4 pedaços). As frutas ainda podem ser assadas ou cozidas, desde que não haja inclusão de açúcares e/ou adoçantes. Uma opção para deixar a fruta cozida mais doce é cozinha-la no suco de laranja (ex.: maçã). Submeter as frutas a algum processo de cocção pode ser uma boa forma de conservar os alimentos, por exemplo fazer um purê de banana quando a fruta estiver muito madura. Deve-se ter cautela ao ofertar açaí à criança – é preciso ter muita clareza sobre a sua procedência, pois há risco de contaminação do produto por barbeiros contaminados com o parasita que transmite a Doença de Chagas (Trypanosoma cruzi). Vale ressaltar que é melhor ofertar a fruta in natura ao invés do suco, pois a criança exercita sua musculatura ao mastigar, há mais fibras na fruta, o excesso de suco pode dar saciedade demais à criança e reduzir seu consumo alimentar, a criança pode se acostumar a se hidratar com suco ao invés de água, dentre outros problemas. Nesse cenário, o Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos não recomenda a oferta de sucos para crianças com menos de um ano de idade. Após essa idade (entre um a três anos), pode-se oferecer no máximo 120 ml de suco de frutas natural e sem açúcar por dia, apesar de continuar não sendo necessário. Caso seja ofertado, recomenda-se seu consumo no final da refeição, e não durante, para não atrapalhar o consumo alimentar. Aventa-se que as recomendações acima se referem a sucos naturais de frutas sem adição de açúcar, não sendo recomendado suco em pó, refresco ou néctar. 28 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS Carnes e ovos Esse grupo inclui as mais diversas carnes (bovina, suína, peixes, frutos do mar, aves etc.) e ovos, os quais são ricos em vitaminas (ex.: complexo B e vitaminas lipossolúveis) e em minerais (ex.: ferro, zinco, selênio). Todos os alimentos desse grupo podem ser oferecidos a crianças, devendo- se varia-los o máximo possível. No passado, era recomendado evitar carne de porco, peixe e clara de ovo no primeiro ano de vida, mas hoje já se sabe que eles já podem ser ofertados após os seis meses de idade, sendo, inclusive, considerados como bastante nutritivos para a criança. Alguns cuidados ao ofertar carnes e ovossão: nunca os ofertar crus ou mal passados para crianças, retirar todas as espinhas de peixe (se possível, utilizar apenas cortes/tipos sem espinhos, ex.: cação, pintado, pirarucu, tambaqui, jaú e bagre), não usar óleos em excesso na preparação, não aquecer demais ou deixar queimar, e não adicionar temperos prontos. Uma dica para favorecer a introdução alimentar desse grupo é oferta-los cozidos, refogados ou ensopados, pois ficam mais úmidos e mais fáceis de cortar, auxiliando sua ingestão. Quanto aos ovos, várias formas são bem aceitas pelas crianças, como mexido, cozido, pochê ou na forma de omelete. Vale mencionar que alimentos ultra processados à base de carne não devem ser ofertados, como nuggets, hambúrguer, salsicha, linguiça, salame, presunto, mortadela, apresuntado, fiambre, carnes e peixes empanados, e afins. Laticínios 29 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS Apesar de outros laticínios fazerem parte da introdução alimentar e da alimentação da criança, o leite mais importante para a criança menor de dois anos é o materno, como ressaltado inúmeras vezes ao longo desse material. A partir da introdução alimentar, no sexto mês de vida, pode-se ofertar também leites de outros mamíferos, coalhadas, iogurtes naturais sem açúcar e queijos, já que esses alimentos são ricos em proteínas, gorduras, vitaminas lipossolúveis, cálcio e outros. Uma combinação comum para a população brasileira é a de café com leite, porém, essa não deve ser ofertada para crianças com idade inferior a dois anos, pois a cafeína pode deixar a criança agitada – por esse motivo também não se recomenda o consumo de chá mate, chá preto, chá verde, chocolate, guaraná e refrigerantes à base de cola e de guaraná. Não são todos os chás que são proibidos até os dois anos de idade, sendo que o Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos pontua que os chás de camomila, erva- cidreira e hortelã podem ser ofertados a partir dos dois anos, desde que sem adição de açúcar/adoçante e não sendo substitutos de nenhuma refeição. Apesar de não constar no Guia, um cuidado adicional seria não ofertar os chás próximos de grandes refeições, já que eles podem conter fator anti-nutricionais (ex.: taninos), os quais afetam a absorção de nutrientes, em especial de minerais. É válido mencionar que produtos ultra processados á base de laticínios não são aconselhados, como leites aromatizados, achocolatados de caixinha, bebidas lácteas adoçadas, iogurtes adoçados, com sabor e coloridos artificialmente, iogurtes com mel e tipo petit suisse, queijos cheddar e fundido. Oleaginosas Compõem esse grupo as castanhas de caju, do Brasil e de baru, amêndoa, avelã, pistache, noz-pecã e amendoim. O último (amendoim) é, na verdade, uma leguminosa, mas pode ser considerado como oleaginosa 30 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS em razão de sua composição nutricional. As oleaginosas são muito nutritivas, ricas em vitaminas (exemplo: vitamina E e complexo B) e em minerais (exemplo: selênio), além de serem fontes de ácidos graxos. Contudo, deve-se ter cautela na oferta desses alimentos à criança, pois são muito duros e podem causar engasgamento, não devendo ser ofertados inteiros. É possível tritura-los ou pica-los em tamanhos bem pequenos e oferecer à criança, desde que não sejam açucaradas ou salgadas. Condimentos naturais, especiarias e ervas frescas e secas Os temperos/condimentos naturais conferem sabor, aroma e também nutrientes à introdução alimentar da criança, a exemplo de: alecrim, açafrão da terra (cúrcuma), canela, cebolinha, cheiro-verde, chicória do Pará, coentro, cominho, cravo, gengibre, louro, manjericão, orégano, pimentas de diversos tipos, salsa, sálvia e tomilho. Além desses, cebola, alho, limão, laranja, azeites e óleos também podem ser usados no preparo dos alimentos. Quanto aos temperos e molhos prontos industrializados, esses não devem ser utilizados de maneira alguma, pois são ricos em sódio, gorduras e aditivos alimentares. Mesmo com os temperos naturais, deve-se ter cautela com o excesso, pois, se o alimento estiver muito temperado na introdução alimentar, não se saberá ao certo se a criança não gostou do alimento ou do tempero em caso de recusa, dificultando a compreensão sobre as preferências e aversões da criança. É importante ressaltar que a comida da criança deve conter o mínimo de sal possível e que o açúcar não deve ser oferecido até os dois anos de idade, incluindo alimentos açucarados, como doces e guloseimas. Água 31 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS A criança passa a beber água a partir dos seis meses de idade, não sendo necessária a oferta de água antes desse período (aleitamento materno exclusivo). Na introdução alimentar, a criança deve começar a receber água e a sugestão é que seja ofertado um copo de água no intervalo entre as refeições. É importante mencionar que se deve oferecer água à criança, pois ela pode ainda não perceber a sensação de sede e não solicitar água aos responsáveis. Uma estratégia é deixar sempre um copo ou uma garrafinha com água acessível à criança (deve-se deixar o recipiente tampado, mas visível). Crianças que residem em locais mais quentes podem apresentar mais sede quando em comparação com crianças que habitam locais com clima mais ameno. Consistência No início da introdução alimentar, a criança deve receber a comida amassada com um garfo, evoluindo gradativamente para alimentos picados em pedaços pequenos, raspados e/ou desfiados, de modo que a criança aprenda gradualmente a mastigar. Posteriormente, pode-se oferecer alimentos que a criança consiga pegar na mão, em pedaços um pouco maiores. Finalmente, quando a criança estiver mais acostumada, pode consumir a comida da família, fracionando os pedaços dos alimentos quando necessário. Deve-se evitar usar preparações feitas em liquidificador, mixer e passadas na peneira, pois, caso a criança se habitue apenas a consistência líquida, ela terá maior dificuldade em aceitar alimentos sólidos no futuro, tendo, inclusive, maior risco de engasgamento. Uma boa consistência para a introdução alimentar é aquela que não escorre da colher, que é firme e que dá certo trabalho à criança ao mastigar – processo que ajuda no desenvolvimento da face e dos ossos da cabeça. 32 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS O Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos, do Ministério da Saúde, traz uma figura exemplificando como deve ser a evolução da consistência ao longo da introdução alimentar (Figuras 2 e 3). INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS 33 Figura 2. Evolução da consistência dos alimentos ao longo da introdução alimentar da criança. INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS 34 Figura 3. Evolução da consistência dos alimentos ao longo da introdução alimentar da criança. 35 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS Utensílios Deve-se usar utensílios adequados à idade, resistentes e em tamanho condizente com a idade da criança. Não se deve utilizar utensílios descartáveis de plástico, pois eles podem quebrar e machucar a criança. É preciso evitar copos que já venham com canudo na sua composição, em razão da dificuldade em limpa-los e no risco microbiológico associado. Deve-se evitar mamadeiras. Temperatura Antes de ofertar a comida à criança, deve-se assegurar de que ela não está muitoquente, de modo a não a machucar. Se for preciso, esfrie a comida mexendo-a com a colher, mas não soprando com a boca, pois há risco de contaminação microbiológica na segunda prática (soprar). Posição da criança A criança deve estar sentada e com as costas apoiadas durante a alimentação. O responsável deve sentar-se de frente para ela, de modo que a criança não tenha que posicionar a cabeça para baixo, para cima ou para o lado para que consiga se alimentar. Essa posição ainda permite que a criança se relacione com o cuidador que a está alimentando. Horários É importante que a criança tenha uma rotina e se alimente dentro de intervalos regulares, apesar de não haver necessidade de rigidez de horário. Deve-se evitar oferecer alimentos entre as refeições (“beliscadas”), de modo a não prejudicar o apetite da criança. Dicas sobre o que não fazer Alguns hábitos, apesar de comuns, são inadequados e podem prejudicar a introdução alimentar da criança, dentre eles, destacam-se: Não forçar a criança a comer; Não oferecer atrativos como TV, celular, tablet enquanto a criança come; Não utilizar aparelhos eletrônicos 36 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS enquanto oferece comida à criança; Não alimentar a criança enquanto ela anda e brinca pela casa; Não esconder alimentos que a criança não gosta em preparações; Evitar frases como: “se raspar o prato todo, vai ganhar sobremesa!”, “vou ficar tão triste se você não comer!”, “se você não comer, não vai brincar!”, “por favor, só mais uma colherzinha!” Exemplos O Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos, do Ministério da Saúde, traz alguns exemplos de como deve ser a introdução alimentar da criança de acordo com a sua idade – Figura 4 (6 meses de idade), Figura 5 (7 a 8 meses de idade), Figura 6 (9 a 11 meses de idade) e Figura 7 (1 a 2 anos de idade). Figura 4. Exemplo de introdução alimentar para crianças de seis meses. 37 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS Figura 5. Exemplo de introdução alimentar para crianças de sete a oito meses. Figura 6. Exemplo de introdução alimentar para crianças de nove a onze meses. 38 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS Figura 7. Exemplo de introdução alimentar para crianças de um a dois anos. 39 40 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS 3 DESMAME Tal como a introdução alimentar é complexa, o ato do desmame também é. Esse processo é natural, mas não ocorre de forma abrupta, mas sim gradativamente. Nesse processo, a mãe assume a liderança em impor alguns limites de acesso às mamadas, quando almeja deixar de amamentar. De forma gradativa, há a suspensão completa da amamentação. Conforme apresentado anteriormente, sugere-se que o desmame ocorra apenas após o segundo ano de vida da criança. Nesse momento, a criança já apresenta uma alimentação variada e, por esse motivo, se interessa menos pelas mamadas. Sabe-se que o aleitamento materno não ocorre apenas por questões nutricionais, mas também psicológicas. A criança cria vínculo com a mãe durante a amamentação e, por isso, a interrupção da prática pode gerar desconforto a ambos – mãe e bebê – apesar de eventualmente ser necessária. Quanto mais segura for a relação da mãe com o bebê, 41 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS mais fácil é o desmame, pois a criança aceita outras formas de conforto. A questão social também é relevante nesse aspecto. Quando a criança brinca, interage com outros indivíduos e tem outras atividades no seu dia-a-dia, mais fácil é o desmame. Não obstante, quando a criança prefere outras atividades, como brincar, ao invés de mamar, é um sinal de que ela está preparada para o desmame. Caso a mãe queira ou precise fazer o desmame mesmo sem a criança estar preparada, sugere-se planejar o processo com calma, haja vista que a criança necessitará de muita atenção e suporte, devendo-se evitar permanecer longos períodos sem a criança nesse momento. O Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos, do Ministério da Saúde, não aconselha a aplicação de métodos que alterem o sabor do leite e/ou façam a criança rejeitar as mamadas (ex.: colocar pimenta nos mamilos para alterar o sabor ou fazer curativos nos mamilos fingindo para a criança que está machucada). Introdução alimentar inadequada, obesidade e desnutrição Infelizmente, é comum crianças que recebem alimentos ultra processados, hipercalóricos, ricos em açúcares refinados, gorduras saturadas e sódio ainda na introdução alimentar. Esse é um problema multifatorial, que pode ser impulsionado por falta de instrução, de tempo (alta jornada de trabalho e longo tempo de deslocamento) e por questões socioeconômicas. Como resultado, observa-se aumento das taxas de sobrepeso e de obesidade infantil. É preciso admitir que as crianças do Brasil não têm as mesmas condições, inclusive no que tange ao acesso à uma alimentação saudável. Os alimentos ultra processados, como o macarrão instantâneo, tendem a ser mais baratos que alguns alimentos in natura, o que faz com que o seu consumo aumente, favorecendo o desenvolvimento da obesidade 42 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS infantil em classes mais vulneráveis. Aventa-se que o sobrepeso e a obesidade não impedem que a criança desenvolva deficiências nutricionais – pelo contrário – haja vista que muitos desses alimentos hipercalóricos são pouco nutritivos (a exemplo dos alimentos ultra processados). Apesar da redução do índice de desnutrição nos últimos tempos, há de se admitir que grande parcela das crianças ainda sofre com essa condição, o que aumenta o risco de mortalidade infantil. Além das causas listadas acima (como socioeconômicas), a presença de doenças (exemplo: desordens disabsortivas) predispõe ao maior risco de desnutrição e de deficiências nutricionais. Dentre as deficiências nutricionais mais comuns na infância, destacam-se: anemia ferropriva (principal deficiência nutricional a nível mundial) e hipovitaminose A. 43 44 INTRODUÇÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO ATÉ OS 2 ANOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Chatoor, I. Quando seu filho não quer comer (ou come demais): O guia essencial para prevenir, identificar e tratar problemas alimentares em crianças pequenas. Ed: Manole; 2017. Junqueira, P. Por que meu Filho Não Quer Comer? Uma Visão Além da Boca e do Estômago. Ed. Idea; 1º Edição. 2017. Ministério da Saúde. Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos. 2019. Morris, S.E; Junqueira, P. A Criança que Não Quer Comer: Compreenda as Interconexões do seu Universo Para Melhor. ED. Idea; 1ª Edição. 2019. Vitolo, Márcia Regina. 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