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SEÇÃO ESPECIAL Máscara da tribo Chokwe, África Central. Literatura africana O moçambicano Mia Couto, em uma conferência intitulada “Que África escreve o escritor africano?”, resumiu a dificuldade enfrentada pelos autores africanos: apresentar um país que não se reduza a estereótipos culturais e folclóricos. É somente por meio das vozes de poetas e romancistas que podemos conhecer melhor os países africanos que têm o português como língua oficial. São eles que têm a importante tarefa de, por meio de suas palavras, fecundar seus leitores de sentimentos e encantamento e de neles despertar o desejo de conhecer ainda mais de perto esses países que lutaram tanto para conquistar a própria independência política e cultural. Como resumiu Mia Couto, “O que queremos e sonhamos é uma pátria e um continente que já não precisem de heróis”. Nas seções especiais apresentadas a seguir, muitas vozes africanas nos convidarão a nos deixarmos seduzir pela beleza e vitalidade das literaturas africanas de língua portuguesa. A poesia africana de língua portuguesa, 722 A narrativa africana de língua portuguesa, 744 I_plus_literatura_especial1_C.indd 721 11/11/10 7:37 PM A poesia africana de língua portuguesa Cinco povos em busca de uma identidade cultural. Essa é só uma parte da história de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Mas é uma parte importante, porque revela os dilemas enfrentados após a conquista da independência em lutas sangrentas que vitimaram milhares. Como herança do passado colonial, a língua portuguesa também precisava ser conquistada, tornar-se portadora da identidade nova que começava a ser construída. Nos versos dos poetas, as palavras ganham vida e dão forma aos sonhos de uma África livre. Primeira proposta para uma noção geográfica Sou testemunho da noção geográfica que identifica as quatro direcções do sol às muitas mais que o homem tem. Sou mensageiro das identidades do que se forja a fala do silêncio. Habito um continente e a comunhão prevista além dos horizontes por transpor. Renovo-me em saber, olhando o sol acesa a cor para além destas fronteiras. [...] Habito um corpo móvel de paisagens protegidas por clareiras de fartura. Habito o movimento e a minha pátria é todo o continente de que não sei o fim. Irei tão longe quanta for a sede e a urgência da mudança. Cruzar-me-ei com as nuvens de outros corpos movidos por idêntica voragem. [...] DUARTE DE CARVALHO, Ruy (angolano). In: APA, L.; BARBEITOS, A.; DÁSKALOS, M. A. (Orgs.) Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. p. 90-92. (Fragmento). Homens andam de bicicleta em acostamento, Moçambique, 2001. Primeira proposta para uma noção geográfica Sou testemunho da noção geográfica que identifica as quatro direcções do sol às muitas mais que o homem tem. Sou mensageiro das identidades do que se forja a fala do silêncio. Habito um continente e a comunhão prevista além dos horizontes por transpor. Renovo-me em saber, olhando o sol acesa a cor para além destas fronteiras. [...] Habito um corpo móvel de paisagens protegidas por clareiras de fartura. Habito o movimento e a minha pátria é todo o continente de que não sei o fim. Irei tão longe quanta for a sede e a urgência da mudança. Cruzar-me-ei com as nuvens de outros corpos movidos por idêntica voragem. [...] DUARTE DE CARVALHO, Ruy (angolano). In: APA, L.; BARBEITOS, A.; DÁSKALOS, M. A. (Orgs.) Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. p. 90-92. (Fragmento). Homens andam de bicicleta em acostamento, Moçambique, 2001. Mulher moçambicana carregando bandeja com bananas na cabeça, 2002. 722 S eç ão e sp ec ia l I_plus_literatura_especial1_C.indd 722 11/11/10 5:29:11 PM A poesia africana de língua portuguesa Manhã submersa (para Jaime de Figueiredo) Agora que as raízes desciam mais fundo na terra amada; agora que novos olhos a terra seca reviam; agora que céu e mar e terra se entrelaçavam e confundidos no sangue um novo sangue me davam; [...] Meu corpo arremessado flutua inerte e reclama o litoral que eu amava a árida face e os olhos o abraço, o amor intacto das ilhas da minha dor. [...] E quando a maré baixar virei de pé caminhando. MARIANO, Gabriel (cabo-verdiano). In: APA, L.; BARBEITOS, A.; DÁSKALOS, M. A. (Orgs.). Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. p. 148-149. (Fragmento). Barco para a cidade de Maxixe, em Moçambique, 2001. Mulher estendendo roupa no chão em São Pedro, Ilha de São Vicente, Cabo Verde, 1988. Barco para a cidade de Maxixe, em Moçambique, 2001. 723 A p o es ia a fr ic an a d e lín g u a p o rt u g u es a R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_literatura_especial1_C.indd 723 11/11/10 5:29:17 PM
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