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Literatura - Moderna Plus-772-774

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SEÇÃO 
ESPECIAL
 Máscara da tribo Chokwe, 
África Central.
Literatura africana
O moçambicano Mia Couto, em uma 
conferência intitulada “Que África escreve 
o escritor africano?”, resumiu a dificuldade 
enfrentada pelos autores africanos: apresentar 
um país que não se reduza a estereótipos 
culturais e folclóricos. 
É somente por meio das vozes de poetas e 
romancistas que podemos conhecer melhor os 
países africanos que têm o português como 
língua oficial. São eles que têm a importante 
tarefa de, por meio de suas palavras, fecundar 
seus leitores de sentimentos e encantamento 
e de neles despertar o desejo de conhecer 
ainda mais de perto esses países que lutaram 
tanto para conquistar a própria independência 
política e cultural. Como resumiu Mia Couto, “O 
que queremos e sonhamos é uma pátria e um 
continente que já não precisem de heróis”.
Nas seções especiais apresentadas a 
seguir, muitas vozes africanas nos convidarão 
a nos deixarmos seduzir pela beleza e 
vitalidade das literaturas africanas de língua 
portuguesa. 
 A poesia africana de língua 
portuguesa, 722
 A narrativa africana de língua 
portuguesa, 744
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A poesia africana 
de língua portuguesa
Cinco povos em busca 
de uma identidade 
cultural. Essa é só uma 
parte da história de Angola, 
Cabo Verde, Guiné-Bissau, 
Moçambique e São Tomé e 
Príncipe. Mas é uma parte 
importante, porque revela 
os dilemas enfrentados 
após a conquista da 
independência em lutas 
sangrentas que vitimaram 
milhares. 
Como herança do 
passado colonial, a língua 
portuguesa também 
precisava ser conquistada, 
tornar-se portadora da 
identidade nova que 
começava a ser construída. 
Nos versos dos poetas, as 
palavras ganham vida 
e dão forma aos sonhos 
de uma África livre.
Primeira proposta para uma 
noção geográfica
Sou testemunho da noção geográfica
que identifica as quatro direcções
do sol às muitas mais que o homem tem.
Sou mensageiro das identidades
do que se forja a fala do silêncio.
Habito um continente e a comunhão prevista
além dos horizontes por transpor.
Renovo-me em saber, olhando o sol
acesa a cor para além destas fronteiras. [...]
Habito um corpo móvel de paisagens
protegidas por clareiras de fartura.
Habito o movimento e a minha pátria
é todo o continente de que não sei o fim.
Irei tão longe quanta for a sede e a urgência da mudança.
Cruzar-me-ei com as nuvens de outros corpos
movidos por idêntica voragem. [...]
DUARTE DE CARVALHO, Ruy (angolano). In: APA, L.; BARBEITOS, A.; 
DÁSKALOS, M. A. (Orgs.) Poesia africana de língua portuguesa: 
antologia. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. p. 90-92. (Fragmento).
 Homens andam de bicicleta em acostamento, Moçambique, 2001.
Primeira proposta para uma 
noção geográfica
Sou testemunho da noção geográfica
que identifica as quatro direcções
do sol às muitas mais que o homem tem.
Sou mensageiro das identidades
do que se forja a fala do silêncio.
Habito um continente e a comunhão prevista
além dos horizontes por transpor.
Renovo-me em saber, olhando o sol
acesa a cor para além destas fronteiras. [...]
Habito um corpo móvel de paisagens
protegidas por clareiras de fartura.
Habito o movimento e a minha pátria
é todo o continente de que não sei o fim.
Irei tão longe quanta for a sede e a urgência da mudança.
Cruzar-me-ei com as nuvens de outros corpos
movidos por idêntica voragem. [...]
DUARTE DE CARVALHO, Ruy (angolano). In: APA, L.; BARBEITOS, A.; 
DÁSKALOS, M. A. (Orgs.) Poesia africana de língua portuguesa: 
antologia. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. p. 90-92. (Fragmento).
Homens andam de bicicleta em acostamento, Moçambique, 2001.
Mulher moçambicana carregando bandeja 
com bananas na cabeça, 2002.
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A poesia africana 
de língua portuguesa
Manhã submersa
(para Jaime de Figueiredo)
Agora que as raízes desciam
mais fundo na terra amada;
agora que novos olhos
a terra seca reviam;
agora que céu e mar
e terra se entrelaçavam
e confundidos no sangue
um novo sangue me davam; [...]
Meu corpo arremessado
flutua inerte e reclama
o litoral que eu amava 
a árida face e os olhos
o abraço, o amor intacto
das ilhas da minha dor. [...]
E quando a maré baixar
virei de pé caminhando.
MARIANO, Gabriel (cabo-verdiano). 
In: APA, L.; BARBEITOS, A.; DÁSKALOS, M. A. (Orgs.). 
Poesia africana de língua portuguesa: antologia. 
Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. 
p. 148-149. (Fragmento).
 Barco para a cidade de Maxixe, em Moçambique, 2001.
 Mulher estendendo roupa no chão em São Pedro, 
Ilha de São Vicente, Cabo Verde, 1988.
Barco para a cidade de Maxixe, em Moçambique, 2001.
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