Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2023.0000949478 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007569-39.2022.8.26.0010, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes CAIO ANTÔNIO PINHEIRO DE BRITO, LUCAS PADOVANI HORTA E SILVA e MARIANA DUARTE DE LAURENTIS, é apelado QUINTO ANDAR SERVIÇOS IMOBILIÁRIOS LTDA. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores ROGÉRIO MURILLO PEREIRA CIMINO (Presidente sem voto), DAISE FAJARDO NOGUEIRA JACOT E LUÍS ROBERTO REUTER TORRO. São Paulo, 31 de outubro de 2023. CELINA DIETRICH TRIGUEIROS Relator(a) Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1007569-39.2022.8.26.0010 -Voto nº 5.561 5561 2 VOTO Nº : 5.561 APELAÇÃO Nº: 1007569-39.2022.8.26.0010 APELANTE : CAIO PINHEIRO DE BRITO E OUTROS APELADO : QUINTO ANDAR SERVIÇOS IMOBILIÁRIOS LTDA COMARCA : SÃO PAULO JUIZ : LÍGIA MARIA TEGÃO NAVE APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZATÓRIA DE DANO MORAL. Negativação indevida do nome dos requerentes pela requerida, a pretexto de inadimplemento das cotas condominiais, as quais já haviam sido quitadas. Contrato de locação intermediado pela ré Quinto Andar. Sentença de extinção do processo, sem julgamento do mérito, em razão da eleição de foro arbitral pelas partes. Apelação manejada pelos autores. EXAME: contrato de locação residencial celebrado entre os autores e o locador. Ré que não integra o contrato, inclusive deixando de manifestar anuência quanto à cláusula compromissória. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto. É nula de pleno direito a cláusula que determina a utilização compulsória de arbitragem, "ex vi" do art. 51, VII do diploma legal. Ausência de conflito da disposição legal com a Lei de Arbitragem. Norma especial que derroga a norma geral. Ônus demasiado ao consumidor, parte vulnerável, que não pode ser admitido. Entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça. Sentença anulada. RECURSO PROVIDO. Vistos Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a r.sentença que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, relativo a ação de inexistência de indébito e indenização por danos morais, fundada na negativação indevida do nome dos autores pela ré. Apelou a parte autora a fls. 284/300, alegando, em síntese, a nulidade da cláusula arbitral. O C. Superior Tribunal de Justiça entende que a relação entre locador e administradora imobiliária é de consumo. Assim, ante a incidência das disposições previstas no Código de Defesa do Consumidor, a cláusula que prevê arbitragem é PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1007569-39.2022.8.26.0010 -Voto nº 5.561 5561 3 nula de pleno direito, nos termos art. 51, III do diploma legal. Recurso tempestivo e preparado a fls. 302. Contrarrazões a fls. 306/355. É o relatório. Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a r.sentença que julgou extinto o processo, sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 485, VII do Código de Processo Civil, em razão do reconhecimento de validade da cláusula de eleição de foro arbitral. Em breve síntese, a ação foi proposta em razão da negativação do nome dos autores, pela ré, por dívida relativa ao inadimplemento de cotas condominiais que já haviam quitado. Em face da extinção do processo, apelaram os autores, pugnando pelo afastamento da cláusula compulsória de arbitragem. Pois bem. O contrato de locação residencial de fls. 104/110 foi celebrado entre os autores Caio, Mariana e Lucas, na qualidade de inquilinos, e Assistência Vicentina de São Paulo, na qualidade de locadora, com intermediação da ré Quinto Andar. O contrato apresenta cláusula compromissória, com eleição de foro arbitral, a qual dispõe que: "Ao efetuar a rubrica abaixo, as Partes estão integralmente de acordo que qualquer disputa ou controvérsia relativa a este Contrato será resolvida por Arbitragem." Todavia, a cláusula arbitral não se aplica ao caso concreto, visto que a ré não integrou o contrato de locação PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1007569-39.2022.8.26.0010 -Voto nº 5.561 5561 4 residencial de fls. 104/110, inclusive não expressando sua aceitação quanto à eleição de foro arbitral, como exigido acima. Além disso, o contrato de locação de imóvel não se confunde com o contrato de intermediação. Enquanto a relação jurídica entre contratantes é submetida à Lei do Inquilinato, aquela estabelecida entre os autores e a ré deve ser analisada à luz Código de Defesa do Consumidor, como já decidiu a jurisprudência em caso semelhante: LOCAÇÃO DE IMÓVEL POR PLATAFORMA DIGITAL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Negativação indevida do nome do consumidor – Dívida inexistente – Danos morais caracterizados – Majoração – Cabimento - Sucumbência exclusiva da ré – Súmula nº 326, do e. STJ – Ação parcialmente procedente – Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1011360-48.2022.8.26.0161; Relator (a): Melo Bueno; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro de Diadema - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/09/2023; Data de Registro: 28/09/2023) Em virtude da incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto, reputa-se nula de pleno direito a cláusula que determina a utilização compulsória de arbitragem, ex vi do art. 51, VII do diploma legal, notadamente quando o consumidor manifesta sua discordância quanto à eleição de foro arbitral. A esse respeito, leia-se a jurisprudência: APELAÇÃO. Ação indenizatória. Prestação de serviços de intermediação de locação de bem imóvel. Sentença de não resolução de mérito. Incompetência. Cláusula compromissória. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1007569-39.2022.8.26.0010 -Voto nº 5.561 5561 5 Juízo arbitral. Inconformismo da parte autora. Acolhimento. Adoção do entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é nula a cláusula compromissória que torna compulsória a solução do conflito pelo Juízo Arbitral em contrato envolvendo relação de consumo, quando o consumidor manifesta sua discordância ao ajuizar a ação perante o Poder Judiciário. Reconhecimento da competência do Juízo a quo para a resolução do mérito pautada na falha de prestação dos serviços de intermediação imobiliária pela fornecedora ré. Sentença anulada. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1001814-52.2023.8.26.0704; Relator (a): Rogério Murillo Pereira Cimino; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/09/2023; Data de Registro: 26/09/2023) Agravo de Instrumento. Contrato de adesão. Convenção de arbitragem. Ação de rescisão contratual c./c. danos materiais e morais. Decisão agravada que reconheceu como válida cláusula arbitral, determinando o cancelamento da distribuição do feito. Pleito recursal alegando que em janeiro de 2023 locou um imóvel residencial de propriedade da locadora Viviane Cristiane de Abreu Tomé por meio da plataforma digital "Quinto Andar", ambas rés e Agravadas no presente recurso. Aduz, outrossim, que na vigência do contrato de locação, "passou a sofrer diversos transtornos em razão da má conservação da infraestrutura do imóvel locado, que passou a apresentar graves problemas comprometendo a habitualidade do imóvel". Sustenta, ainda, que o contrato de locação celebrado com a sociedade "Quinto Andar", ora Agravada, é um contrato de adesão regido pelo Código de Defesa do Consumidor,de modo que é nula de PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1007569-39.2022.8.26.0010 -Voto nº 5.561 5561 6 pleno direito a cláusula que determina a compulsoriedade do uso da arbitragem. Argumentos que merecem prosperar. Contrato de adesão. Abusividade da imposição do juízo arbitral a parte vulnerável. Direito de acionar a justiça estatal. Precedentes do C. STJ e deste E. TJSP. Decisão reformada. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2084761-27.2023.8.26.0000; Relator (a): L. G. Costa Wagner; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/08/2023; Data de Registro: 31/08/2023). Não se olvida que cabe ao Juízo Arbitral a análise de validade da cláusula compromissória. Todavia, o mesmo entendimento não se aplica aos contratos de natureza consumerista. Isso porque, entre as disposições da Lei de Arbitragem e do Código de Defesa do Consumidor, este deve ser aplicado, por ser norma mais específica. Além disso, a cláusula compromissória de arbitragem colocaria o consumidor em situação bastante onerosa, o que não se admite, por ser o sujeito mais vulnerável da relação jurídica. Esse é o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO COMINATÓRIA PARA ENTREGA DE IMÓVEL. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. LIMITES E EXCEÇÕES. CONTRATOS DE CONSUMO. IMPOSIÇÃO DA ARBITRAGEM. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE. 1. O propósito dos embargos de divergência consiste em dizer se: a) é nula a cláusula de contrato de PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1007569-39.2022.8.26.0010 -Voto nº 5.561 5561 7 consumo que determina a utilização compulsória da arbitragem; e b) se o fato de o consumidor ajuizar ação judicial afasta a obrigatoriedade de participação no procedimento arbitral. 2. Na linha da pacífica e atual jurisprudência desta Corte Superior, observa-se que, com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade: (I) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes; (II) a regra específica, aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e (III) a regra ainda mais específica, incidente sobre contratos sujeitos ao CDC, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96. 3. É nula a cláusula de contrato de consumo que determina a utilização compulsória da arbitragem. 4. O ajuizamento, pelo consumidor, de ação perante o Poder Judiciário caracteriza a sua discordância em submeter-se ao juízo arbitral, não podendo prevalecer a cláusula que impõe a sua utilização. 5. Na hipótese dos autos, extrai-se dos fatos delineados pelas instâncias ordinárias, que se está diante de contrato de consumo, motivo pelo qual é nula a cláusula que determina a utilização compulsória da arbitragem pelos consumidores, que, ademais, optaram por ajuizar a presente ação, o que denota a sua discordância em submeter-se ao juízo arbitral, não podendo prevalecer a cláusula que impõe a sua utilização. 6. Embargos de divergência acolhidos para negar provimento ao recurso especial. (EREsp n. 1.636.889/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 9/8/2023, DJe de PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Cível nº 1007569-39.2022.8.26.0010 -Voto nº 5.561 5561 8 14/8/2023.) Diante do exposto, DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, anulando-se a r.sentença e remetendo-se os autos ao primeiro grau para regular prosseguimento do feito. CELINA DIETRICH TRIGUEIROS TEIXEIRA PINTO Relatora 2023-10-31T16:49:48-0300 Not specified
Compartilhar