Prévia do material em texto
1 Direito Administrativo Freitas do Amaral INTRODUÇÃO I. Administração Pública 1. Conceito de Administração Quando se fala em administração pública, tem-se presente todo um conjunto de necessidades colectivas cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental pela colectividade, através de serviços por esta organizados e mantidos. Exemplos: a necessidade de protecção de pessoas e bens contra incêndios ou inundações é satisfeita mediante os serviços de bombeiros, etc. Onde quer que exista e se manifeste com intensidade suficiente uma necessidade colectiva, aí surgirá um serviço público destinado a satisfazê-la, em nome e no interesse da colectividade. No entanto, convém notar que nem todos os serviços que funcionam para a satisfação das necessidades colectivas têm a mesma origem ou a mesma natureza: uns são criados e geridos pelo Estado (polícias ou impostos, por exemplo), outros são entregues a organismos autónomos que se auto-sustentam financeiramente (correios, portos, vias férreas), outros ainda são entidades tradicionais de origem religiosa, hoje assumidas pelo Estado (Universidades). Desses serviços, alguns são mantidos e administrados pelas comunidades locais autárquicas (limpeza, abastecimento público, …), outros são assegurados em concorrência por instituições públicas e particulares (estabelecimentos escolares ou de saúde, …), outros ainda são desempenhados em exclusivo por sociedades especialmente habilitadas para esse efeito (concessionários, …). Apesar das diferentes naturezas destes serviços, todos existem e funcionam para a mesma finalidade: a satisfação das necessidades colectivas (que podemos reconduzir a três espécies fundamentais: segurança, cultura e bem-estar). 2. Sentidos para a expressão “Administração Pública” a. Sentido de organização, sentido orgânico e subjectivo A Administração Pública não se limita ao Estado: inclui-o mas comporta muitas outras entidades e organismos com personalidade própria (municípios, freguesias, regiões autónomas, universidades, institutos públicos, empresas públicas, associações públicas, pessoas colectivas de utilidade pública, entre outras). Por isso, nem toda a actividade administrativa é uma actividade estadual. Noção de Administração Pública: sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas colectivas públicas, que asseguram em nome da colectividade a satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar. b. Sentido de actividade, sentido material e objectivo. Neste sentido, a administração pública é uma actividade, a actividade de administrar. Noção de administração pública: actividade típica dos serviços públicos e agentes administrativos desenvolvida no interesse geral da colectividade com vista à satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar, obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais convenientes. 2 Esta função administrativa foi, inicialmente, concebida como actividade meramente executiva, mas na segunda metade do século XX compreendeu-se que à Administração Pública não compete apenas promover a execução das leis. O que ela tem que garantir (nos termos da lei e sem ofender a legalidade) é a satisfação das necessidades colectivas, se o faz executando leis, ou praticando actos e realizando operações de natureza não executiva e não judicial, é um aspecto secundário. 3. Administração pública e Administração privada Diferenças quanto: a. Objecto Administração pública: necessidades colectivas Administração privada: necessidades individuais b. Fim Administração pública: interesse público Administração privada: interesses pessoais/particulares c. Meios Administração pública: a lei permite a utilização de determinados meios de autoridade, que possibilitam às entidades e serviços públicos impor-se aos particulares sem ter que aguardar o seu consentimento ou fazê-lo, mesmo, contra a vontade destes. Administração privada: igualdade entre as partes; os particulares são juridicamente iguais entre si 4. A administração pública e as funções do Estado a. A política e administração pública A política tem o fim de definir o interesse geral da colectividade. O seu objecto são as grandes opções que o país enfrenta ao traçar os rumos do seu destino colectivo (a administração pública tem como fim e objecto a satisfação das necessidades colectivas). A política tem uma natureza criadora e a administração executiva. A administração pública sofre influência directa da política, as suas funções e meios variam conforme esta. O Governo é um órgão simultaneamente o órgão fundamental político e o órgão supremo administrativo. b. Legislação e administração pública A função legislativa encontra-se no mesmo plano da função política. A diferença principal entre a legislação e a administração pública está no facto de a administração pública ser uma actividade totalmente subordinada à lei: a lei é o fundamento, o critério e o limite de toda a actividade administrativa. c. Justiça e administração pública Traços comuns: ambas são secundárias, executivas e subordinadas à lei. Uma consiste em julgar, a outra em gerir. Há a submissão da administração pública aos tribunais. 5. Evolução Histórica Comecemos pela Administração Pública no Estado moderno (Idade Média e contemporânea do sé. XVI ao séc. XX). Esta tem as seguintes características: aparecimento do conceito de Estado, centralização do poder político e afirmação da soberania do Estado como poder supremo na ordem interna. Podemos dividi-la em cinco fases: a. Estado corporativo: monarquia limitada pelas ordens. Características: forma de transição entre o Estado medieval e o Estado moderno, organização do elemento humano do Estado em ordens ou estados, multiplicidade de instituições de carácter corporativo e progressão muito lenta das garantias dos indivíduos. 3 Este Estado cresce, acabando com o feudalismo, e a sua administração aumenta com o exército, as finanças e com a justiça e expansão colonial. b. Estado absoluto: fase da Monarquia absoluta Características: centralização completa do poder real, enfraquecimento da nobreza, ascensão da burguesia, vontade do rei como lei suprema, o despotismo esclarecido e recuo nítido em matéria de garantias individuais face ao Estado. Assiste-se a um aperfeiçoamento da máquina administrativa. Em França consolida-se o Estado moderno, assente na centralização do poder político e administrativo e na organização e expansão dos grandes serviços públicos nacionais. O maior ponto fraco deste sistema administrativo é o modo de recrutamento e promoção do funcionalismo público (por favoritismo e não por mérito), ponto este combatido pela Prússia que deu grande importância ao mérito No entanto, no século XIII europeu a administração não é nem limitada, nem abstencionista. O absolutismo político reforça o controlo do Estado sobre a sociedade e, na sua vertente de despotismo cultural e assistencial. Em Portugal nas reformas pombalinas, assiste-se a um aperfeiçoamento técnico dos serviços, maior disciplina dos funcionários etc. c. A Revolução Francesa Triunfam os ideais de liberdade individual contra o autoritarismo tradicional da Monarquia europeia. Estabelece-se o princípio da separação de poderes. O princípio da legalidade impede a Administração de invadir a esfera dos particulares ou prejudicar os seus direitos sem ser com base numa emanada do poder legislativo. Se os órgãos administrativos lesam os direitos dos particulares, estes têm o poder de recorrer aos tribunais para fazerem valer os seus direitos – garantia jurídica (nasce). É apenas com o constitucionalismo monárquico que os poderes públicos passam a ser verdadeiramente controlados – intervencionismo controlado. Dentro deste ponto podemos incluir a revolução liberal em Portugal e as reformasde Mouzinho da Silveira. Uma das principais reformas introduzidas em França foi a separação entre a justiça e a administração. Pois bem, o mesmo sucedeu em Portugal. A Constituição de 1822 determinou logo a separação de poderes. Foi apenas Mouzinho da Silveira que concretizou os princípios consagrados na Carta Constitucional de 1826, em legislação ordinária e de forma pormenorizada e compreensível a todos. Foi então em 1832 nos Açores nas mãos de M.S. que nasceu a moderna Administração Pública, onde ainda hoje se mantém o essencial das suas reformas: a separação entre a justiça e a administração. d. O Estado liberal Características: aparecimento das primeiras Repúblicas nos países ocidentais, adopção de constitucionalismo como limitação do poder político, reconhecimento de direitos ao Estado e que este deve respeitar, proclamação da igualdade jurídica de todos os homens, adopção da soberania nacional, aparecimento de partidos políticos, entre outros. Do ponto de vista económico, o século XIX é a fase do abstencionismo, isto é, laissez-faire – redução do papel activo do Estado. Contudo, o Estado como nem cria empresas públicas, nem nacionaliza empresas privadas, vê-se obrigado a montar alguns serviços públicos se carácter social e cultural e inicia construções de obras públicas. Por último, é importante de referir que é nesta época em que se reforçam as garantias dos indivíduos, devido a concepções teóricas dominantes e à acção corajosa do Conseil d´Ètat francês que praticamente sem textos legais, foi consolidando um sistema global de garantias dos particulares. Entre nós, depois da vitória do liberalismo em 1834, estas inovações chegam depressa: com um Conselho de Estado em 1845 e o início do ensino universitário 4 do Direito Administrativo como disciplina autónoma em 1853 e em 1870 com o Supremo Tribunal Administrativo. O Estado liberal afirma-se como Estado de Direito. e. O Estado constitucional do século XX Características: todas as modalidades do Estado do nosso tempo. Todos os Estados têm uma Constituição mas não significa sempre um modo de limitação do poder, é pelo contrário, muitas vezes, uma forma de legitimação do poder do arbítrio estatal. Todos proclamam o princípio da legalidade, mas esta cede várias vezes perante a razão do Estado. Ao lado dos direitos, liberdades e garantias, temos os direitos sociais, culturais e económicos, mas enquanto que para os democratas, os segundos acrescem os primeiros, para os totalitários são uma justificação da limitação dos direitos, liberdades e garantias. Aumenta também o intervencionismo económico. Dentro deste podemos incluir as suas três modalidades: – Estado comunista Este modelo de Estado é estruturado em conformidade com o pensamento do marxismo-leninismo: partido único, controlo absoluto do partido sobre o Estado, Estado centralizado e poder concentrado, inexistência de direitos fundamentais dos cidadãos. Este modelo desmoronou-se a partir da Revolução democrática de 1989. Características: uma completa centralização com o poder de decisão situado no topo das hierarquias, aliado a um dever de obediência por parte dos subalternos, enorme aumento do número dos ministérios no âmbito do governo central, aumento também de serviços públicos e de empresas públicas. O Estado chama a si praticamente todas as actividades com um mínimo de relevo no campo económico, social, cultural, educativo, desportivo etc.… A administração está sujeita ao princípio da legalidade, mas esta converte- se em legalidade socialista, devendo ser interpretada em função do fim ideológico de uma sociedade socialista: assim todos os direitos fundamentais ficam condicionados e limitados pela necessidade de contribuir para tal fim. Os tribunais não são independentes, pois devem obediência à interpretação da lei feita pelo Governo ou pelo partido único e servem, sobretudo, para dirimir os litígios entre particulares. – Estado fascista Características: para combater a ameaça comunista é demasiado fraco o Estado Liberal parlamentar, sendo necessário construir um Estado forte e autoritário que apesar de adoptar os mesmos meios e instituições utilizados pelo Estado comunista, tem outros fins. Do ponto de vista da organização administrativa, adopta-se um sistema fortemente centralizado e concentrado. No plano das tarefas do Estado não há nacionalizações de empresas, nem colectivização da terra. Mas a banca e a grande indústria estão sujeitas a forte controlo governamental. E em todos os sectores o abstencionismo liberal é substituído pelo intervencionismo estatal. Lançam-se vastos programas de obras públicas e transportes. A melhor prova de que o Estado fascista é um regime autoritário, onde o interesse colectivo prevalece sempre sobre os interesses particulares, é o facto de que em Itália a doutrina dessa época considerar que o cidadão que impugna em tribunal um acto ilegal que o lesou não actua em nome individual para defesa de um direito próprio, mas antes como órgão do Estado para defesa da legalidade objectiva. – Estado democrático Características: tipo de Estado assente na soberania popular e caracterizado pela democracia política, económica, social e cultural. 5 Modelo que se implantou a seguir à queda dos regimes fascistas, ou no caso da Rússia e nos países da Europa de Leste após o fracasso do modelo comunista. O Estado democrático é profundamente descentralizador e desconcentrado. Fornece também uma ampla panóplia de instrumentos jurídicos de protecção, para isso existem tribunais administrativos inteiramente independentes, recursos e acções de plena jurisdição e processos executivos eficazes e não sujeitos a qualquer controlo governamental. Foi a primeira Guerra Mundial que deu o sinal para um novo ciclo de expansão do intervencionismo económico – o Estado fiscaliza cada vez mais. A crise económica de 1929 vem reforçar isto e em vários países converte-se o intervencionismo em dirigismo. Com a segunda Guerra Mundial avança-se bastante mais na mesma direcção. A intervenção e o dirigismo económico traduzem-se na proliferação de organismos autónomos ligados à administração mas não integrados nos ministérios – os institutos públicos e as nacionalizações dão origem a numerosas empresas públicas. Estamos perante um Estado de Providência – um Estado que se sente na obrigação de derramar sobre os seus membros todos os benefícios do progresso, colocando-se ao serviço da construção de uma sociedade mais justa, especialmente para os mais desfavorecidos. Concluindo, passou-se do abstencionismo para o intervencionismo económico ou até mesmo para um dirigismo económico, de uma administração de conservação para uma administração de desenvolvimento. Contudo, talvez a melhor fórmula para retratar a passagem do século XIX para o século XX, no mundo ocidental seja a transição como uma evolução do Estado liberal de Direito para o Estado social de Direito. Estado social, porque visa promover o desenvolvimento económico, o bem-estar, a justiça social; e Estado de Direito, porque não prescinde do legado liberal oitocentista, mas pelo contrário, reforça-o e acentua em matéria de subordinação dos poderes públicos ao Direito e de reforço das garantias dos particulares frente à Administração Pública. Cumpre, agora, explicar a evolução em Portugal no século XX: a. A primeira República Ainda pertenceu claramente no Estado liberal, não tinha uma ideia clara da política económica a prosseguir. A estrutura do Governo e da administração central cresceu bastante. b. Estado Novo Foi um longo período onde a Administração acusou a influência de factores externos e internos que a condicionaram. Correspondeu no plano político administrativo a um modelo de Estado fascista. Manteve-se o princípio geral da separação entre justiça e administração. Instalou-se no entanto o predomínio da administração central sobre a administração municipal. O Estado,movido pelo autoritarismo político e pelo intervencionismo económico, converteu-se na mais importante peça de todo o aparelho administrativo; as suas funções, os seus serviços e os seus funcionários tornaram-se muito numerosos. Mas não houve apenas um aumento de extensão da administração central, assistiu-se também a um controlo/predomínio do poder central sobre os órgãos locais. Acentuou-se também fortemente o intervencionismo estadual na vida económica, cultural e social. Neste período (após depressão dos anos 30 etc.) deu-se um grande aumento do papel do Estado em relação a actividades até aí puramente privadas. Todavia, por não ser socialista, o regime nunca nacionalizou 6 ou assumiu directamente a gestão de actividades económicas privadas, salvo casos excepcionais. Quanto às garantias dos particulares, houve uma diminuição nas matérias que pudessem revestir conotação política, contudo as garantias nos outros casos foram aperfeiçoadas e reforçadas. c. A terceira República com o 25 de Abril Corresponde ao modelo do Estado democrático – a partir daí a Administração Pública iniciou uma nova fase da sua existência – consolidou-se o princípio da separação entre a administração e a justiça, introduzido com a Revolução liberal oitocentista. Manteve-se o predomínio da administração central sobre a administração municipal, que se iniciara no Estado Novo, embora ainda atenuado. A atenuação resulta pelo facto de todos os órgãos das autarquias locais passarem a ser livremente eleitos no âmbito das comunidades a que respeitam. Mas o predomínio subsiste, dado que continuam escassas as receitas e despesas locais em comparação com as estaduais e ainda porque várias atribuições até então pertencentes aos municípios, foram retiradas destes e transferidas para o Estado. Deu-se, na verdade, um forte aumento do intervencionismo estadual, através da socialização dos principais meios de produção. Deste modo, o Estado – que já exercia funções de autoridade e soberania e, além disso, assegurava os serviços públicos essenciais e fiscalizava empresas privadas de interesse colectivo – ainda assumiu uma nova feição: passou a revestir a natureza de empresário económico. A instituição de um regime democrático trouxe consigo, como é natural, uma liberalização do sistema de garantias dos particulares contra os actos da Administração. Mas foi apenas em 2002,que se aprovou e publicou uma profunda reforma do contencioso administrativo. Concluindo, enquanto que sob o aspecto económico o Estado cada vez mais condiciona as actividades privadas, sob o ponto de vista político o cidadão cada vez vê mais reforçadas as garantias que o protegem contra o arbítrio estatal: o Estado acha-se cada vez mais limitado pelas normas que defendem os direitos e interesses legítimos dos particulares contra os comportamentos ilegais ou injustos da Administração. II. Os sistemas administrativos no Direito Comparado 1. Sistema administrativo de tipo britânico ou de administração judiciária Características: a. Separação dos poderes b. Estado de Direito c. Descentralização As autarquias locais gozavam tradicionalmente de ampla autonomia face a uma intervenção central diminuta. Sempre foram encaradas como entidades independentes, local governments. d. Sujeição da Administração aos tribunais comuns e. Sujeição da Administração ao direito comum (common law) Em consequência do rule of law, todos se regem pelo mesmo direito, não dispondo os agentes administrativos de privilégios ou de prerrogativas de autoridade pública. f. Execução judicial das decisões administrativas A Administração Pública não pode executar as suas decisões por autoridade própria. Se um órgão da administração, seja central ou local, toma uma decisão desfavorável a um particular e se o particular não a acata voluntariamente, esse órgão não poderá por si só empregar meios coactivos, terá de ir para tribunal – as decisões unilaterais da Administração não têm em princípio força executória 7 própria, não podendo, por isso, ser impostas pela coacção sem uma prévia intervenção do poder judicial. g. Garantias jurídicas dos particulares Os cidadãos dispõem de um sistema de garantias contras as ilegalidades e abusos da Administração Pública. Os tribunais comuns gozam de plena jurisdição face à Administração Pública: o juiz pode não apenas anular as decisões ou eleições ilegais, mas também ordenar às autoridades administrativas que cumpram a lei. 2. Sistema administrativo de tipo francês ou de administração executiva a. Separação de poderes b. Estado de Direito c. Centralização As autarquias locais, embora com personalidade jurídica própria, não passam de instrumentos administrativos do poder central (fruto da influência da Revolução Francesa) d. Sujeição da Administração aos tribunais administrativos Antes da R.F., os tribunais comuns tinham-se insurgido várias vezes contra a autoridade real. Depois da revolução, continuando esses tribunais nas mãos da nobreza, eles foram focos de resistência à implantação do novo regime e das novas ideias. O poder politico teve que tomar providências para impedir intromissões do poder judicial no normal funcionamento do poder executivo. Surgiu, assim, uma interpretação peculiar do princípio da separação dos poderes, se o poder executivo não podia imiscuir-se no assuntos da competência dos tribunais, o poder judicial também não podia interferir no funcionamento da Administração Pública. São, assim, criados os tribunais administrativos (não eram verdadeiros tribunais, mas órgãos da Administração incumbidos de fiscalizar a legalidade dos actos da Administração). e. Subordinação da Administração ao direito administrativo O Conseil d’État considerou que os órgãos e agentes administrativos não estão na mesma posição que os particulares, pois exercem funções de interesse público e utilidade geral, o seu interesse geral sobrepõe-se aos interesses particulares, por isso, devem dispor quer de poderes de autoridade, quer de privilégios de imunidades pessoais. Surge, assim, um conjunto de normas jurídicas de direito público, bem diferentes das do direito privado: diferentes para mais (poderes de autoridade) e para menos (sujeita a deveres e restrições que não constam na vida dos particulares). Nota: hoje o fundamento actual da jurisdição contencioso-administrativa é apenas o da conveniência de uma especialização dos tribunais em função do direito substantivo que são chamados a aplicar, esta “vantagem” reside numa especialização material dos órgãos jurisdicionais. f. Privilégio da execução previa É um dos poderes concedidos à Administração, que permite à Administração executar as suas decisões por autoridade própria. As decisões unilaterais da Administração Pública têm em regra força executória própria, e, podem, por isso mesmo, ser impostas pela coacção aos particulares, sem necessidade de qualquer intervenção prévia do poder judicial. g. Garantias jurídicas dos particulares São efectivadas através dos tribunais administrativos. No entanto, nem mesmo os tribunais administrativos gozam de plena jurisdição face à Administração: na maioria dos casos, estando em causa uma decisão unilateral tomada no exercício dos poderes de autoridade, o tribunal administrativo só pode anular o acto praticado se ele for ilegal. As garantias são aqui menores do que no sistema britânico. 8 III. O Direito Administrativo Para haver Direito Administrativo é necessário que se verifiquem duas condições: que a Administração Pública e a sua actividade sejam reguladas por normas jurídicas de carácter obrigatório e que essas normas jurídicas sejam distintas daquelas que regulam as relações dos cidadãos entre si. A Administração Pública está subordinada ao Direito (art. 266º CRP). Este regime resulta historicamente dos princípios da Revolução Francesa. Definição de Direito Administrativo: ramo de direito público constituídopelo sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o funcionamento da Administração Pública, bem como as relações por ela estabelecidas com outros sujeitos de direito no exercício da actividade administrativa de gestão pública. 1. Caracterização a. Duguit e Jèze: noção de serviço público; b. Rivero: contrapõe a outorga de prerrogativas especiais e sujeição a restrições especiais pela parte da Administração; c. Prosper Weil: o Direito Administrativo é quase um milagre, na medida em que existe apenas porque o poder aceita submeter-se à lei em benefício dos cidadãos, o Direito Administrativo nasce quando o poder aceita submeter-se ao Direito. O Direito Administrativo não é apenas um instrumento de liberalismo frente ao poder, é ao mesmo tempo o garante de uma acção administrativa eficaz. 2. Traços a. Juventude Nasceu com a Revolução Francesa. Aparece em Portugal a partir das reformas de Mouzinho da Silveira. b. Influência jurisprudencial Em França, o Direito Administrativo nasceu por via jurisprudencial: surgiram primeiro os tribunais administrativos, para subtrair à Administração a possibilidade de intromissão no poder judicial, e foram depois os tribunais administrativos, ao tomar contacto com os casos surgidos da acção administrativa, que começaram a ensaiar soluções novas, regras específicas, princípios e conceitos diferentes daqueles que se aplicavam nos tribunais judiciais à luz do Direito Civil. Apesar de em Portugal o Direito Administrativo ter nascido por via legislativa e não jurisdicional, a jurisprudência tem um papel muito influente. Primeiro porque nenhuma regra legislativa vale apenas por si própria, elas só têm o sentido que os tribunais lhes atribuem, pela interpretação. Segundo porque apesar de tudo há casos omissos e quem vai preencher as lacunas são os tribunais administrativos, aplicando a esses casos normas que os não abrangiam, ou criando para eles normas até aí inexistentes. c. Autonomia O Direito Administrativo é um ramo de direito autónomo, constituído por normas e princípios próprios, e não apenas por excepções ao direito privado, havendo lacunas a preencher, essas lacunas não podem ser integradas através de soluções que se vão buscar ao direito privado. Deve-se, primeiro, procurar conformidade dentro do próprio sistema do Direito Administrativo, segundo, procurar princípios gerais do Direito Administrativo ou, terceiro, recorrer à analogia e aos princípios gerais do direito público. d. Codificação parcial Não há nenhum país que tenha codificado todo o Direito Administrativo. Nos nossos dias nota-se uma tendência codificadora. 9 3. Fronteiras a. Direito Administrativo e direito privado Distintos quanto ao objecto (um ocupa-se das relações entre particulares e outro das relações de direito público que se travam entre a Administração Pública e outros sujeitos de direito), quanto à origem e idade, quanto às soluções materiais (soluções de igualdade entre as partes e soluções de autoridade), quanto aos princípios e quanto às soluções concretas. b. Direito Administrativo e Direito Constitucional O Direito Constitucional está na base e é o fundamento de todo o direito público de um país, o Direito Administrativo é, em múltiplos aspectos, complemento, e execução do Direito Constitucional. c. Direito Administrativo e Direito Judiciário Os dois têm grandes semelhanças, entre elas o facto de regulam serviços públicos que visam satisfazer as necessidades colectivas, no caso do Direito Judiciário strictu sensu e, no caso do Direito Judiciário Processual o facto de tanto o Direito Processual Administrativo como este conterem normas reguladoras do exercício da função jurisdicional (apesar do diferente objecto). d. Direito Administrativo e Direito Penal O Direito Penal visa proteger a sociedade contra o crime e o Direito Administrativo visa satisfazer a necessidade colectiva da segurança. Existe aqui uma certa sobreposição, mas ela dá-se em planos diferentes – um é repressivo e o outro é preventivo. e. Direito Administrativo e Direito Internacional Existe o Direito Internacional Administrativo. O Direito Administrativo não pode ignorar o crescente número de normas comunitárias que modificam e condicionam o Direito Administrativo interno. A ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO ESTADO I. O Estado 1. O Estado como pessoa colectiva Estado-Administração: é uma entidade jurídica de per si, ou seja, é uma pessoa colectiva pública entre muitas outras. É uma pessoa colectiva pública autónoma, não confundível com os governantes (o Estado é permanente, estes não) nem com os funcionários (estes actuam ao serviço do Estado) que o servem ou com as outras entidades autónomas que integram a Administração (regiões autónomas, autarquias locais, associações públicas, etc.), nem, ainda, com os cidadãos que com ele entram em relação. Entre as consequências do considerarmos o Estado como pessoa colectiva estão: a enumeração, constitucional e legal, das atribuições e dos órgãos do Estado, a definição das atribuições e competências a cargo dos diversos órgãos, a delimitação do seu património ou a previsão da prática de actos jurídicos por parte deste, nomeadamente actos unilaterais e contratos. 2. Espécies de Administração do Estado a. Administração central Órgãos ou serviços que exercem competência extensiva a todo o território nacional b. Administração local Órgãos ou serviços instalados em diversos pontos do território nacional e com competência limitada a certas áreas (circunscrições). Exemplo: governadores civis 10 Nota deve-se sempre referir, aqui, a administração local do Estado, se não podemos estar a confundir esta com a administração regional ou autárquica (não fazem parte do Estado). c. Administração directa Art. 199º d) CRP: actividade exercida por serviços integrados na pessoa colectiva Estado. Exemplos: Presidência do Conselho, ministérios, secretarias de Estado, direcções gerais, etc. d. Administração indirecta Art. 199 d) CRP: actividade exercida por pessoas colectivas públicas distintas do Estado. Exemplos: Estradas de Portugal, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Instituto Português da Juventude, etc. 3. Administração directa do Estado Características: a. Unicidade O Estado é a única espécie deste género, o conceito de Estado pertence apenas a um ente – ao próprio Estado. b. Carácter originário Não é criado pelo poder constituído, tem natureza originária e não derivada, por isso, vários dos seus órgãos (Governo) são órgãos de soberania. c. Territorialidade O Estado é uma pessoa colectiva de cuja natureza faz parte um certo território, o território nacional. Todas as parcelas territoriais, mesmo que afectas a outras entidades, estão sujeitas ao poder do Estado. d. Multiplicidade de atribuições O Estado é uma pessoa colectiva de fins múltiplos, podendo e devendo prosseguir diversas e variadas atribuições (diferentemente de outras pessoas colectivas, que só podem prosseguir fins individuais). e. Pluralismo de órgãos e serviços Órgãos: Governo, membros do Governo individualmente, os directores-gerais, governadores civis, chefes de repartições, entre outros. Serviços: ministérios, secretarias de Estado, direcções gerais, governos civis, repartições de finanças, entre outros. f. Organização em ministérios Estruturação em departamentos, organizados por assuntos ou matérias, os quais se denominam de ministérios. g. Personalidade Jurídica una Apesar da multiplicidade de atribuições, do pluralismo de órgãos e serviços e das divisões em ministérios, o Estado mantém uma personalidade jurídica una – todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, eles não têm personalidade jurídica, cada órgão do Estado vincula o Estado no seu todo e não apenas o seu ministério ou serviço. h. Instrumentalidade A administração do Estado é subordinada, não é independente nem autónoma, constituium instrumento para o desempenho dos fins do Estado (por isso é que a CRP estabelece a administração directa do Estado ao poder de direcção do Governo – art. 199º, d)). i. Estrutura hierárquica A administração directa do Estado está estruturada de acordo com um modelo de organização administrativa constituído por um conjunto de órgãos e agentes ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direcção e ao subalterno o dever de obediência. Justificação: considerações de eficiência e razões de coerência com o princípio da instrumentalidade. j. Supremacia 11 O Estado-Administração exerce poderes de supremacia não apenas em relação aos sujeitos de direito privado, mas também sobre outras entidades públicas. O grau/intensidade desses poderes varia conforme a maior ou menor autonomia que a ordem jurídica pretende conceder às várias pessoas colectivas públicas. 4. Atribuições As atribuições do Estado são numerosas e têm vindo a crescer, à medida que os tempos vão passando. Enquanto que as atribuições do Estado se encontram definidas por forma dispersa, as atribuições das restantes pessoas colectivas públicas encontram-se definidas de forma integrada. Em qualquer dos casos, a definição das respectivas atribuições tem de resultar sempre expressamente da lei (a lei é o fundamento, o critério e o limite de toda a acção administrativa). 5. Órgãos a. Órgãos centrais: Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais b. Outros órgãos (colocados sob a direcção do Governo): directores-gerais, directores de serviços, chefes de divisão, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Procurador-Geral da República, inspectores-gerais, entre outros. c. Órgãos independentes: Provedor de Justiça, Conselho Económico e Social, Comissão Nacional de Eleições, entre outros. II. O Governo É o órgão principal da administração central do Estado e é simultaneamente um órgão administrativo e um órgão político (art. 182º CRP). 1. Principais funções a. Garantir a execução das leis – art. 199º c) e f) CRP b. Assegurar o funcionamento da Administração Pública – art. 199º a), b) e d) e e) CRP c. Promover a satisfação das necessidades colectivas – art. 199º g) CRP O Governo não só dirige a administração directa do Estado, como superintende na administração indirecta e tutela esta última e a administração autónoma 2. A Competência e o seu exercício As funções do Governo traduzem-se, juridicamente, na prática de actos e no desempenho de actividades da mais diversa natureza. Ele elabora regulamentos, actos administrativos, celebra contratos administrativos e exerce, de um modo geral, determinados poderes funcionais, como os de vigilância, fiscalização, superintendência, tutela, etc. A competência pode ser exercida por forma colegial (através do Conselho de Ministros) ou de forma individual, pelos vários membros do Governo: cada um, nas matérias das suas atribuições, decide sozinho, embora em nome do Governo. 3. Estrutura (art. 183º CRP) a. Primeiro-Ministro 12 Do ponto de vista administrativo, tem dois tipos de funções: funções de chefia (dirige o funcionamento do Governo, coordena e orienta a acção de cada um dos Ministros, preside ao Conselho de Ministros, referenda os decretos regulamentares e intervém pessoalmente na nomeação de certos altos funcionários do Estado) e de gestão (administra ou gere o serviços próprios da Presidência do Conselho). Dirige, igualmente, a função pública e cabe-lhe a representação do Estado português quando este haja de ser citado perante tribunais estrangeiros. b. Vice-Primeiros-Ministros Eventual. Tem a função de substituir o Primeiro-Ministro ou coadjuvá-lo. c. Ministros Membros do Governo que fazem parte do Conselho de Ministros. Entre Ministros existe o princípio da igualdade (teoricamente é assim, no entanto existem, na prática, diferenças de peso e de importância entre os Ministros). As suas competências encontram-se no art. 201º/2 CRP, apesar de deixar em claro a maior parte das competências administrativas (fazer regulamentos administrativos; nomear, exonerar e promover o pessoal que trabalha no seu ministério, exercer poderes de superior hierárquico sobre todo o pessoal do seu ministério, exercer poderes de superintendência ou de tutela sobre as instituições dependentes do seu ministério o por ele fiscalizadas, assinar em nome do Estado os contratos celebrados com particulares ou outras entidades e, em geral, resolver todos os casos concretos que por lei devam correr por qualquer dos serviços que pertençam ao seu ministério). O princípio geral é de que tudo sobe ao escalão superior para decisão. O acto mais simples e mais banal tem de ser autorizado por despacho ministerial. d. Secretários de Estado Membros do Governo que, embora com funções administrativas, não têm funções políticas e não fazem parte do Conselho de Ministros. Não participam das funções política e legislativa nem, em regra, no Conselho de Ministros, só exercem competência administrativa delegada, não são hierarquicamente subordinados aos Ministros, mas estão sujeitos à supremacia política destes. e. Subsecretários de Estado Eventual. Entre as três últimas categorias não existe uma relação hierárquica, há relação de supremacia ou subordinação política de uns face aos outros, mas não há hierarquia em sentido jurídico. A que se deve, então, este fenómeno de diferenciação interna? Há três motivos: complexidade e acréscimo de funções do Estado moderno, propensão centralizadora do nosso sistema e dos governantes e a necessidade de libertar do despacho corrente os Ministros para que estes se possam dedicar, sobretudo, às suas funções políticas e de alta administração. 4. Funcionamento 1º Momento: constituição, nomeação e tomada de posse do Governo, que elabora o seu programa 2º Momento: o Conselho de Ministros define as linhas gerais da política governamental (art. 200º/1 a) CRP) 3º Momento: o Primeiro-Ministro dirige a política geral do Governo e o funcionamento deste (art. 201º/1 a) e b) CRP) 4º Momento: os Ministros executam a política definida para os seus ministérios (art. 201º/2 a) CRP), a CRP não diz mas, os ministros para além de executarem a política definida para o seu ministro têm a responsabilidade de a propor Cabe ao Primeiro-Ministro coordenar e orientar a acção dos Ministros (art. 201º/1 a) CRP). Mas, o que é orientar? Orientar não é o mesmo que dirigir, dirigir é dar ordens 13 (comandos as quais os seus destinatários devem obediência), ao passo que orientar é apenas formular directivas, dar conselhos ou fazer recomendações. E o que é coordenar? É orientar a resolução dos assuntos que tenham de ser decididos em conjunto, por dois ou mais Ministros. 5. Estrutura dos Ministérios Civis Lei 4/2004 de 15 de Janeiro, art. 11º: Serviços executivos Direcções-gerais ou direcções regionais. Podem adoptar uma estrutura interna hierarquizada ou matricial. Acrescenta-se às direcções de serviços unidades flexíveis designadas de divisões, podendo, ainda, ser criadas secções. Serviços de controlo, auditoria e fiscalização Inspecções-gerais ou inspecções regionais. Podem adoptar uma estrutura interna hierarquizada ou matricial. Serviços de coordenação Quanto à localização: Serviços centrais Serviços periféricos III. Órgãos e Serviços de Vocação Geral – Órgãos Consultivos Há alguns órgãos centrais com funções consultivas (por oposição a órgão com funções deliberativas, o órgão consultivo é um órgão que emite pareceres, opiniões ou conselhos, este segundo é um órgão que toma decisões), o que não há é nenhum órgão do tipo do Conselho de Estado francês (que, para além de funções consultivas genéricas desempenha igualmente uma função contenciosa). 1. Procuradoria-Geral da República A CRP33 consagrava um órgão consultivo da Assembleia Nacional (e, depois,do Governo também) denominado de Câmara Corporativa, que se podia pronunciar sobre todos os aspectos (políticos, jurídicos, sociais, etc.). Para além deste, havia outro órgão de natureza consultiva, a Procuradoria-Geral da República, isto é, o órgão de direcção superior do Ministério Público, cujo Conselho Consultivo desempenhava funções consultivas a nível jurídico, e não político. Com o 25 de Abril de 1974 o primeiro órgão foi abolido mas o segundo manteve-se, continuando a funcionar junto do Ministério da Justiça e com as funções anteriores. É, neste momento, o único órgão consultivo central de competência alargada a todos os ramos da administração pública. Quanto à existência de um órgão consultivo central de competência genérica no nosso país, as opiniões dividem-se. 2. Conselho Económico e Social Esta é, igualmente, uma instituição de carácter consultivo. “É o órgão de consulta e concertação no domínio das políticas económica e social, participa na elaboração das propostas das grandes opções e dos planos de desenvolvimento económico e social e exerce as demais funções que lhe sejam atribuídas por lei”. (art. 92º/1 CRP) As suas principais funções são, assim, consultivas e de concertação social. 14 IV. Órgãos e Serviços de Vocação Geral – Órgãos de Controlo Cumpre destacar, dentro das principais instituições administrativas centrais do Estado as que exercem poderes genéricos de controlo e de inspecção sobre o conjunto da Administração Pública. 1. Tribunal de Contas Existe junto do Ministério das Finanças, embora não na dependência do Ministro das Finanças. Não está integrado na estrutura do poder judicial, é um tribunal autónomo, que existe de per si, e não faz parte de nenhuma hierarquia de tribunais. O Tribunal de Contas “é o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas” (art. 214º CRP). São quatro as suas principais funções: a. Dar parecer sobre a Conta Geral do Estado (incluindo a da Segurança Social e a das Regiões Autónomas) Função consultiva de natureza técnica e política. O Estado, do ponto de vista financeiro, é limitado por dois documentos fundamentais que se elaboram todos os anos: o Orçamento de Estado, antes do ano a que se refere, e a Conta Geral do Estado, depois de findo o ano a que respeita. O Tribunal de Contas analisa a Conta Geral do Estado do ponto de vista da legalidade administrativa e da regularidade financeira, terminando por emitir um parecer acerca dela, de modo a habilitar a A.R. a pronunciar-se sobre o seu mérito geral. b. Fiscalizar a legalidade das despesas públicas Função de fiscalização. Pronuncia-se sobre a legalidade administrativa e financeira da generalidade das despesas públicas (dupla perspectiva). Actualmente, na maioria dos casos, esta fiscalização é apenas feita a posteriori. c. Julgar as contas dos organismos públicos e efectivar a responsabilidade de dirigentes e funcionários por infracções financeiras Função jurisdicional, exercida a posteriori. O Tribunal vai analisar as contas apresentadas: se considera que estão em ordem, declara que as pessoas por elas responsáveis ficam “quites” com a Fazenda Nacional e emite a “quitação”, se não estão em ordem, e nomeadamente se houve fraude, julga os responsáveis, podendo mesmo condená-los. O Tribunal pode, ainda, ordenar e realizar inquéritos e auditorias, no exercício de uma fiscalização sucessiva da legalidade financeira. d. Assegurar, no âmbito nacional, a fiscalização da aplicação dos recursos financeiros oriundos das Comunidades Europeias Visa apreciar se os recursos financeiros oriundos das Comunidades Europeias foram aplicados ao fim a que se destinavam. 2. A Inspecção-Geral de Finanças Natureza inspectiva. Pertence-lhe inspeccionar, em nome do Governo e sob a direcção do Ministério das Finanças, a actividade financeira dos diferentes serviços e organismos do Estado. 3. A Inspecção-Geral da Administração do Território Actua de dois modos diferentes: por um lado, faz averiguações e instrui processos quando aparece um caso que o justifica (se há um escândalo ou uma denúncia em determinada autarquia), por outro, independentemente dos casos especiais que surjam, desenvolve actividades normais de fiscalização sistemática, regular e contínua de surpresa neste ou naquele município/freguesia. 15 4. Inspecção-Geral da Administração Pública Criada em 2000. De acção inspectiva no domínio dos recursos humanos e da modernização de estruturas e simplificação de procedimentos. Fiscaliza os serviços públicos, com especial incidência na administração indirecta. V. Órgãos e Serviços de Vocação Geral – Serviços de Gestão Administrativa Serviços da Administração central do Estado que, integrados num ou noutro ministério, desempenham funções administrativas de gestão que interessam a todos os departamentos da administração central do Estado, ou a todo o sistema de autarquias locais do país. Exemplos: Instituto Nacional da Administração, Direcção-Geral do Desenvolvimento Regional, Instituto Nacional de Estatística, Direcção-Geral do Património, Conselho Superior de Informações, entre outros. VI. Órgãos e Serviços de Vocação Geral – Órgãos Independentes A título excepcional, a Constituição e a lei criam, por vezes, no âmbito da administração central do Estado, certos órgãos independentes, que não devem obediência a ninguém no desempenho das suas funções administrativas. Alguns integram a administração consultiva (Conselho Económico e Social), outros à administração de controlo (Tribunal de Contas), mas há órgãos independentes que exercem funções de administração activa, ou funções mistas. As suas principais características são: eleitos pela A.R. (regra geral), os indivíduos nomeados pelo Poder executivo para estes órgãos não representam o Governo nem estão sujeitos às instruções deste, não devem obediência a nenhum outro órgão ou entidade, não podem ser demitidos nem dissolvidos, as suas tomadas de decisão são públicas e os pareceres, recomendações ou directivas emitidos por eles são, em regra, vinculativos. 1. Comissão Nacional de Eleições 2. Alta Autoridade para a Comunicação Social A ADMINISTRAÇAO PERIFÉRICA Cumpre, primeiro, destacar que a administração periférica, mesmo quando local, não pode ser confundida com a administração local autárquica. Esta é constituída por autarquias locais, ao passo que aquela é composta por órgãos e serviços do Estado, ou de outras pessoas colectivas públicas não territoriais. Definição: conjunto de órgãos e serviços de pessoas colectivas públicas que dispõem de competência limitada a uma área territorial restrita, e funcionam sob a direcção dos correspondentes órgãos centrais. Espécies que para este curso nos interessam: Órgãos e serviços locais do Estado e órgãos e serviços externos do Estado. 1. Transferência dos serviços periféricos Regra geral, os serviços periféricos estão na dependência dos órgãos próprios da pessoa colectiva a que pertencem: os serviços periféricos do Estado são dirigidos por órgãos do Estado. 16 Pode acontecer, todavia, que a lei, num propósito de descentralização, atribui a direcção superior de determinados serviços periféricos a órgãos de autarquias locais (fenómeno vulgar em Inglaterra mas não no nosso país). No caso português existe uma importante excepção: a transferência dos serviços periféricos para a dependência dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e Madeira. I. A ADMINISTRAÇAO LOCAL DO ESTADO Assenta sobre três ordens de elementos: divisão do território, órgãos locais do Estado e serviços locais do Estado. 1. Divisão do território É a ela que leva à demarcação de áreas, zonas ou circunscrições (circunscrições administrativas) que servem para definir a competência dos órgãos e serviços locais do Estado, que fica, assim, delimitada em razão de território. Existe a divisão militar ea divisão comum. Dentro da comum temos duas modalidades, a divisão administrativa do território para efeitos de administração local do Estado e outra para efeitos de administração local autárquica. Só nos interessa aqui a primeira, pois é nessas circunscrições administrativas que actuam os órgãos locais do Estado. Exemplo: repartições de finanças 2. Órgãos locais do Estado São os centros de decisão dispersos pelo território nacional, mas habilitados por lei a resolver assuntos administrativos em nome do Estado, nomeadamente face a outras entidades públicas e aos particulares em geral. Nas diferentes circunscrições em que o território se encontra dividido, o Estado instala os seus serviços e põe à frente destes quem se encarregue de chefiá-los e de tomar decisões – são os órgãos locais do Estado. A tendência é para a sua criação, num propósito de desconcentração de poderes. Caracterizam-se por três elementos: são órgãos, são órgãos do Estado e têm uma competência meramente local. Surge, aqui, o conceito de Magistrados Administrativos O que são? São os órgãos locais do Estado que nas respectivas circunscrições administrativas desempenham a função de representantes do Governo para fins de administração geral e de segurança pública. Actualmente, a única categoria que existe ainda de magistrados administrativos, no nosso direito, é a de Governador Civil. a. Governador Civil A sua definição é de magistrado administrativo que representa o Governo na circunscrição distrital. A sua criação surge como algo de equiparado ao Prefeito no direito francês, no entanto, o Governador Civil manteve-se sempre apenas como um órgão político de representação local do Governo e não veio a evoluir para um órgão administrativo de coordenação de todas as administrações locais do Estado. Quais são as suas funções? A CRP faz uma referência, que algo incompleta, a este ponto, no art. 291º/3. As suas principais funções são: representação do Governo (informa o Governo do que de relevante a nível político se passa no distrito, executar as ordens deste e enviar-lhe os requerimentos, exposições e petições que sejam entregues no governo civil), tutela administrativa (fiscaliza a actividade das autarquias locais) e defesa da ordem pública (ele é a suprema autoridade policial do distrito). 3. Serviços locais do Estado 17 Serviços público encarregados de preparar e executar as decisões dos diferentes órgãos locais do Estado. A ADMINISTRAÇAO ESTADUAL INDIRECTA Já sabemos que o Estado prossegue uma grande multiplicidade de fins: tem uma grande variedade de atribuições a seu cargo. A maior parte destes fins e atribuições é prosseguida de forma directa e imediata, ou seja, pela pessoa colectiva Estado e sob direcção do Governo. Há outros casos, porém, em que os fins do Estado não são prosseguidos dessa forma. Pode haver, e há, dentro do Estado, serviços que desempenham as suas funções com autonomia. São serviços do Estado, mas não dependem directamente das ordens do Governo, estão autonomizados, têm os seus próprios órgãos de direcção ou gestão, mas não são independentes. Estamos aqui perante a administração central descentralizada (caso da maior parte das escolas secundárias públicas). Há um outro grupo de serviços ou estabelecimentos que, para além de um grau maior de autonomia, têm personalidade jurídica. Passam a ser sujeitos de direito distintos da pessoa-Estado. Já não são o Estado, já não estão incorporados no Estado e já não integram o Estado. No entanto, está aqui, ainda, em causa a prossecução de fins ou atribuições do Estado, mas não por intermédio dele próprio, através de outras pessoas colectivas, distintas deste, ou seja, o Estado transfere-lhes algumas atribuições e alguns poderes (que continuam, no entanto, a ser, de raiz, do Estado). Qual a sua razão de ser? As necessidades do mundo actual levaram à conveniência de adoptar novas fórmulas de organização e funcionamento da Administração Pública, para melhor prossecução dos fins do Estado. Por isso o Estado cria estes centros autónomos (embora o grau de autonomia varie – pode atingir o nível máximo como as empresas públicas empresarias ou o nível mínimo, agindo como verdadeiras direcções-gerais do ministério a que respeitam, passando pela posição intermédia) de decisão e de gestão, descentralizando funções em organismos que recebem para o efeito toda uma série de prerrogativas que os erigem em entidades autónomas, com a sua personalidade jurídica, com o seu pessoal, com o seu orçamento, com o seu património e com as suas contas. Outros motivos podem, ainda, ser evocados: o de escapar às regras apertadas da contabilidade pública, proteger certas actividades em relação a interferências políticas, fugir ao controlo do Parlamento, alargar o intervencionismo do Estado, entre outros. Cumpre, ainda, frisar, que é característica essencial deste tipo de administração, a sua sujeição aos poderes de superintendência e de tutela do Governo (art. 199º CRP). I. Institutos Públicos Definição: pessoa colectiva pública, de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública. Diploma regulador: Lei-quadro dos Institutos Públicos Espécies de Institutos públicos: serviços personalizados, fundações públicas e estabelecimentos públicos. 1. Serviços Personalizados “Serviços públicos de carácter administrativo a que a lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira” (art. 3º/1 e 2 LQIP). A lei dá-lhes personalidade jurídica e autonomia para poderem funcionar como se fossem verdadeiras instituições, no entanto não o são. Estes serviços são 18 verdadeiramente departamentos do tipo “direcção-geral”. Exemplo Junta de Energia Nuclear Há ainda dentro destes uma sub-espécie: organismos de coordenação económica. Exemplo: Instituto do Vinho do Porto 2. Fundações Públicas “Fundação que reveste natureza de pessoa colectiva” (art. 3º/1 e 2 LQIP). Trata-se, aqui, de patrimónios que são afectados à prossecução de fins públicos especiais. Exemplo: Fundo de Abastecimento (hoje já revogado) 3. Estabelecimentos Públicos São os institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efectuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam. As diferenças destes estabelecimentos públicos face às anteriores espécies são: pertencem ao organograma dos serviços centrais de um Ministério, assenta basicamente num património e é um estabelecimento aberto ao público e destinado a fazer prestações de carácter cultural ou social aos cidadãos. Exemplos: Universidades Públicas ou Hospitais do Estado II. Empresas Públicas Esta é uma matéria cuja importância tem vindo a crescer, sobretudo a seguir à 2ª Guerra Mundial, em que o Estado ganhou um maior poder interventivo. 1. Sector Empresarial do Estado (SEE) Nasceu, na sua configuração actual, sob o signo das nacionalizações (importa notar que apesar de todas as empresas nacionalizadas serem empresas públicas nem todas as empresas públicas são empresas nacionalizadas). Há três fases que importa distinguir na evolução histórica das empresas públicas no nosso país: antes do 25 de Abril de 74 (eram poucas), de 25 de Abril de 74 até 99 (muitas empresas privadas foram nacionalizadas, outras foram criadas ex novo) e de 99 em diante (com a entrada de Portugal para a CEE, com a moda das privatizações com a aplicação na ordem interna das directivas comunitárias e dos mecanismos de defesa do consumidor e da concorrência, a situação modifica-se por completo). Há três espécies de empresas que fazem parte do Estado: a. Empresas públicas sob forma privada São sociedades controladas pelo Estado. Caracterizam-se pela sua subordinação à influência dominantedo Estado, ou de outras entidades públicas, a qual pode resultar, quer da maioria do capital, quer da existência de direitos especiais de controlo. b. Empresas públicas sob forma pública Também chamadas de entidades públicas empresariais, são pessoas colectivas públicas. Têm direcção e capitais públicos. c. Empresas privadas participadas pelo Estado Não são empresas públicas, mas integram o SEE. Não interessam para o nosso estudo. 2. Conceito de empresa pública Definição: organizações económicas de fim lucrativo, criadas e controladas por entidades jurídicas públicas 19 O que é uma empresa? Há diversas definições para este conceito. Para este caso vamos recorrer ao conceito de unidade de produção, ou seja, as organizações de capitais, técnica e trabalho, que se dedicam à produção de determinados bens ou serviços, destinados a ser vendidos no mercado mediante um preço. Ora, se as unidades de produção funcionam de modo a prosseguir o lucro, ainda que não o consigam, se têm um fim lucrativo, são empresas. Quanto à autonomia: o actual estatuto das empresas públicas reconhece implicitamente o traço característico de as empresas públicas serem dotadas de personalidade e autonomia. Umas são sociedades, dotadas de personalidade jurídica privada, outras são pessoas colectivas públicas. Quanto à designação: as empresas públicas que revistam forma jurídica privada serão denominadas como sociedades anónimas (S.A.), se revestirem forma jurídica pública são entidades públicas empresariais (E.P.E.) As empresas públicas, como de resto também os institutos públicos, estão sujeitas à intervenção do Governo, que reveste as modalidades da superintendência e da tutela (económica e financeira). Este pode definir a orientação estratégica de cada empresa pública, isto é, definir os objectivos a atingir e os meios e modos a empregar para tal (note-se que o mesmo não acontece com as autarquias locais – administração autónoma). A regra geral, no nosso país, é que estas empresas públicas, embora muitas vezes administradas por uma direcção pública e sempre sujeitas a um apertado controlo público, aplicam em princípio, na sua actividade, o princípio da gestão privada e o direito privado. Motivos de criação de empresas públicas: a. Domínio de posições-chave na economia b. Modernização e eficiência da Administração c. Aplicação de uma sanção política d. Execução de um programa ideológico e. Necessidade de um monopólio A ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA A Administração Autónoma é aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do Governo. Ela, ao contrário da administração indirecta (que prossegue as atribuições do Estado), prossegue interesses públicos próprios. Dirige-se a si mesma, apresentando- se como um fenómeno de auto-administração: são os seus próprios órgãos que definem com independência a orientação das suas actividades, sem estarem sujeitos a ordens ou instruções, nem a directivas ou orientações do Governo. Enquanto que a administração directa do Estado, central ou local, depende sempre hierarquicamente do Governo, e a administração estadual indirecta está sujeita, em princípio, à superintendência do Governo, a administração autónoma não deve obediência a ordens ou instruções do Governo, nem tão-pouco a quaisquer directivas ou orientações dele emanadas. O único poder que constitucionalmente o Governo pode exercer sobre a administração autónoma é o poder de tutela (artigo 199º d), 229º/4 e 242º CRP), que é um mero poder de fiscalização ou controlo, que não permite dirigir nem orientar as entidades a ele submetidas. Existem três espécies de entidades públicas que desenvolvem uma administração autónoma: as associações públicas, as autarquias locais e as regiões autónomas 20 (embora numa posição muito especial). As primeiras são entidades de tipo associativo, as segundas e terceiras são pessoas colectivas de população e território. Em comum têm o facto de em todas elas haver um substrato humano (todas são agrupamentos de pessoas). I. Associações Públicas Uma associação é uma pessoa colectiva constituída pelo agrupamento de várias pessoas singulares ou colectivas que não tenha por fim o lucro económico dos associados (se o tivesse, seria uma sociedade) – artigos 157º e 167º do Código Civil. A maior parte das associações são entidades privadas. Mas em relação a algumas associações a lei cria ou reconhece com o objectivo de assegurar a prossecução de certos interesses colectivos, chegando mesmo a atribuir-lhes para o efeito um conjunto de poderes públicos ao mesmo tempo que as sujeita a especiais restrições de carácter público. Estas associações têm ao mesmo tempo natureza associativa e de pessoas colectivas públicas, daí a denominarem-se de associações públicas. Definição: pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, destinadas a assegurar autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos pertencentes a um grupo de pessoas que se organizam com esse fim. Enquanto que os institutos públicos e as empresas públicas têm um substrato de natureza institucional e existem para prosseguir interesses públicos do Estado, as associações públicas têm um substrato de natureza associativa e prosseguem interesses públicos próprios das pessoas que as constituem. Há, ainda, uma diferença relevante entre estas associações e as empresas públicas, elas não têm por fim o lucro. Elas caracterizam-se pela sua heterogeneidade quanto ao tipo de associado, quanto às origens históricas e quanto aos fins prosseguidos: existem associações públicas de entes públicos, associações públicas de entes privados e, simultaneamente, entidades públicas e privadas. Não existe um diploma legal que regule as associações públicas no seu conjunto. No entanto, como pessoas colectivas que são há um grande conjunto de regras e princípios constitucionais que a elas se aplicam, tais como: princípio da conformidade dos actos com a CRP (3º/3 CRP); vinculação ao regime dos direitos, liberdades e garantias (18º/1 CRP); direito dos particulares de poderem aceder aos tribunais para defesa dos seus direitos (20º CRP), princípio da responsabilidade civil por violação dos direitos dos particulares (22º CRP); fiscalização das suas finanças pelo Tribunal de Contas (214º CRP); submissão a todos os princípios constitucionais sobre organização ou actividade administrativa (267º e 267º CRP) e a todos os direitos constitucionais dos particulares (268º CRP), entre outros. O recurso ao direito privado é, também aqui, crescente. Estas entidades actuam segundo regras de direito público quando pretendem agir perante os seus associados, ou mesmo terceiros, munidas de poderes de autoridade, e quando desenvolvem actividades instrumentais seguem, normalmente, o direito privado. 1. Associações públicas de entidades públicas São entidades que resultam da associação, união ou federação de entidades públicas menores e, especialmente, de autarquias locais. Nos últimos anos têm se desenvolvido e multiplicado de uma forma muito intensa. Nestes casos a leis entrega a uma associação de pessoas privadas a prossecução de um interesse público destacado de uma entidade pública de fins múltiplos, o Estado, e coincidente com os interesses particulares desses mesmos sujeitos. A lei confia nas capacidades destes par, em associação, desempenharem adequada e correctamente a missão de interesse público colocada sobre os seus ombros. Ela reconhece, de uma forma implícita, que nas circunstancia do caso, um certo interesse público será melhor 21 prosseguido pelos particulares interessados, em regime de associação, e sob a direcção de órgãos por si próprios eleitos, do que por um serviço integrado na administração directa do Estado. Exemplos: associações defreguesias, comunidades intermunicipais, áreas metropolitanas ou as regiões de turismo. Todos estes casos representam a associação de determinadas pessoas colectivas públicas para a prossecução de um fim em comum. Em especial das ordens profissionais: Definição: associações públicas formadas pelos membros de certas profissões de interesse público com o fim de, por devolução de poderes do Estado, regular e disciplinar o exercício da respectiva actividade profissional. As suas funções são de: representação da profissão face ao exterior, apoio dos seus membros, regulação da profissão e outras funções administrativas acessórias ou instrumentais. As funções de regulação profissional desdobram-se na regulação do acesso à profissão e na regulação do exercício da profissão. Estas funções exigem, como é natural, que seja colocado na disponibilidade destas um conjunto de instrumentos jurídicos de vária natureza. Elas dispõem de poder regulamentar, bem como do poder de praticar actos administrativos, definidores da situação jurídica individual e concreta dos seus membros e mesmo de terceiros. Assim, os traços do regime legal das ordens profissionais que suportam a sua actividade traduz-se, normalmente, nas características de: a. Unicidade Impede a existência de outras associações públicas com os mesmos objectivos e o mesmo âmbito de jurisdição, mas não inviabiliza outras associações com diferente âmbito territorial, nem, muito menos, a existência de associações privadas paralelas para desempenhar funções vedadas às ordens profissionais (funções sindicais, por exemplo). b. Filiação ou inscrição obrigatória c. Quotização obrigatória d. Auto-administração e. Poder disciplinar Vai desde à interdição do exercício da actividade profissional, implica a existência de um conjunto de garantias dos seus destinatários 2. Associações públicas de entidades privadas É a categoria mais importante das associações públicas pois constitui o seu paradigma. Exemplos: ordens profissionais ou câmaras profissionais (partilham do mesmo conceito das anteriores mas neste caso o grau académico dos associados é intermédio e no primeiro é superior), podendo-se ainda considerar as academias cientificas e culturais. 3. Associações públicas de carácter misto Numa mesma associação agrupam-se uma ou mais pessoas colectivas públicas e indivíduos ou pessoas colectivas privadas. É o caso dos centros de formação profissional e de gestão partilhada, das cooperativas de interesse público ou dos centros tecnológicos. 4. Figuras afins São figuras afins: a. Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Freguesias b. Associações políticas c. Igrejas e as demais comunidades religiosas d. Associações sindicais 22 e. Cruz Vermelha Portuguesa f. Federações desportivas g. Casas do povo h. Associações de solidariedade, voluntários ou de acção social i. Associações de desenvolvimento regional j. Câmaras de comércio e indústria k. Universidades públicas l. Comissão da Carteira Profissional do Jornalista II. Autarquias Locais A existência de autarquias locais é um imperativo constitucional (art. 235º CRP). 1. Conceito de Autarquia Local A CRP dá-nos uma noção de autarquia local no artigo 235º, no entanto, esta noção carece de alguns esclarecimentos, através de uma outra definição: são pessoas colectivas de população e território, correspondentes aos agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos interesses comuns resultantes da vizinhança mediante órgãos próprios, representativos dos respectivos habitantes. As autarquias locais são, todas elas, pessoas colectivas distintas do Estado, elas não fazem parte do Estado, não são o Estado nem pertencem ao Estado. São entidades independentes e completamente distintas do Estado. Não são instrumentos da acção do Estado, mas formas autónomas de organização das populações locais residentes nas respectivas áreas. Constituem-se de baixo para cima, emanando das populações residentes, e não de cima para baixo, emanando do Estado. O conceito de autarquia comporta, assim, quatro elementos: a. Território Este é o elemento de maior importância. Ele é, naturalmente, parte do território do Estado (e a essa parte chama-se circunscrição administrativa). No entanto, não devemos confundir a circunscrição administrativa (apenas a porção do território) com autarquia local (pessoa colectiva organizada com base nesse território). O território tem uma tripla função: identificar a autarquia local, definir a população respectiva e delimitar as atribuições e as competências da autarquia e dos seus órgãos em razão do lugar. b. Agregado populacional É em função dele que se definem os interesses a prosseguir pela autarquia e, também, porque a população constitui o substrato humano da autarquia local. Aqui é o critério de residência que funciona primariamente, levando à designação de munícipes – a qualidade de membro da população de uma autarquia local, confere uma série de direitos e deveres (o direito mais importante é o de voto, como dever temos o exemplo do dever de pagar impostos locais). c. Interesses comuns São estes interesses que servem de fundamento à existência das autarquias locais, as quais se formam para prosseguir os interesses privativos das populações locais, resultantes do facto de elas conviverem numa área restrita, unidas pelos laços da vizinhança. É a existência de interesses locais diferentes dos interesses gerais da colectividade nacional que justifica que ao lado do Estado existem entidades especificamente locais, destinadas a tratar dos interesses locais. d. Órgãos representativos Não há, em rigor, autarquia local quando ela não é administrada por órgãos representativos das populações que a compõem. 23 É isto que se passa nos regimes democráticos, estes órgãos são eleitos em eleições livres pelas respectivas populações, são as eleições locais ou autárquicas As autarquias locais são compostas, igualmente, por alguns traços gerais: a. Divisão do território Só pode ser estabelecida por lei (236º/4). b. Descentralização A lei administrativa tem de respeitar este princípio (237º CRP). c. Património e finanças locais As autarquias locais possuem património e finanças próprias (238º/1 CRP) d. Correcção de desigualdades O regime das finanças locais visará a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau (238º/2 CRP) e. Órgãos dirigentes As autarquias locais são dirigidas por uma assembleia deliberativa e por um órgão colegial executivo (240º/1 e 2 CRP) f. Referendo local É autorizado sobre matérias da competência exclusiva da autarquia (240º/3 CRP) g. Poder regulamentar As autarquias locais têm poder regulamentar próprio (241º CRP) h. Tutela administrativa As autarquias locais estão sujeitas à tutela do Estado. Mas esta tutela consiste unicamente na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos, e só pode ser exercida nos casos e segundo as formas previstas na lei (242º/1 CRP), as medidas tutelares que restrinjam a autonomia local são obrigatoriamente precedidas de parecer de um órgão autárquico (nº2) e a dissolução dos órgãos autárquicos directamente eleitos só pode ter por causa acções ou omissões ilegais graves (nº3). i. Pessoal As autarquias locais têm quatros de pessoal próprio e a estes funcionários é aplicável o regime jurídico dos funcionários públicos (243º/1 e 2 CRP). j. Apoio do Estado O Estado tem o dever de, nos termos da lei, conceder às autarquias locais apoio técnico e em meios humanos (243º/3) Fazem parte das autarquias locais três espécies: a. Freguesias b. Municípios c. Regiões A CRP prevê-las, no entanto não se encontram ainda em prática. 2. Descentralização, auto-administração e poder local A existência constitucional de autarquias locais e o reconhecimento da sua autonomia faceao poder central fazem parte da própria essência da democracia e traduzem-se no conceito jurídico-político de descentralização. Isto significa que as tarefas da administração pública não são desempenhadas por uma só pessoa colectiva, mas por várias pessoas colectivas diferentes. Pode haver descentralização em sentido jurídico e não em sentido político, foi o caso do regime da CRP33, mas quando estamos presente os dois modos de descentralização, estamos em presença de um fenómeno que se chama auto- administração, as populações administram-se a si próprias (não confundir com auto- governo). E o que é o poder local? Para que exista é necessária ainda mais alguma coisa, além da auto-administração. Pode haver autarquias locais e não haver poder local, 24 desde logo se não existir descentralização política. No entanto pode existir descentralização política e jurídica e não existir poder local. Só há poder local quando as autarquias locais são verdadeiramente autónomas e têm um amplo grau de autonomia administrativa e financeira. Existe, sem dúvida em Inglaterra e na Alemanha (o professor Freitas do Amaral não considera que exista em Portugal). 3. O princípio da autonomia local A CRP consagra este princípio mas o entendimento do sentido e do alcance deste tem variado conforme as épocas históricas e regimes políticos, não havendo, ainda, na actualidade, unanimidade de opinião acerca do assunto. O princípio da autonomia local pressupõe e exige, pelo menos, os direitos seguintes: a. “O direito e a capacidade efectiva de as autarquias regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos” (Carta Europeia, art. 3º/1) domínio reservado b. O direito de participarem na definição das políticas públicas nacionais que afectem os interesses próprios das respectivas populações c. O direito de partilharem com o Estado ou com a região as decisões sobre matérias de interesse comum d. O direito de, sempre que possível, regulamentarem a aplicação das normas ou planos nacionais de forma a adaptá-los convenientemente às realidades locais 4. A Freguesia Definição: autarquias locais que, dentro do território municipal, visam a prossecução de interesses próprios da população residente em cada circunscrição paroquial. A paróquia é uma expressão sinónima de freguesia e tem, portanto, um, sentido administrativo e não apenas religioso. Quais são as atribuições da freguesia? A matéria está regulada no artigo 14º da Lei 159/99 (lei que estabelece o quadro de transferências de atribuições e competências do Estado para as autarquias, a LQTACA). As suas principais atribuições são: recenseamento eleitoral (no plano político), administração dos seus bens, promoção de obras públicas (no plano económico), prestar assistência social e desenvolver matéria de cultura popular (no plano social). A freguesia tem dois órgãos: a. Assembleia de Freguesia Reúne ordinariamente quatro vezes por ano. A sua competência está regulada no art. 17º da LAL e pode ser agrupada em quatro funções: eleitoral, de fiscalização, de orientação social e decisória b. Junta de Freguesia É o corpo administrativo da freguesia e é composta por um Presidente (a pessoa que tiver encabeçado a lista mais votada para a Assembleia de Freguesia) e por um certo número de vogais. É de funcionamento regular e reúne ordinariamente uma vez por mês. O art. 34º da LAL regula as funções da Junta de Freguesia, que se podem agrupar em 5 tipos: executiva, de estudo e proposta, de gestão, de fomento e de colaboração. É de referir, igualmente, que a Junta de Freguesia pode exercer competências delegadas pela Câmara Municipal (art.37º e 66º LAL e 13º/2 LQTACA) devendo o acto de delegação ser objecto de ratificação pela Assembleia Municipal. 5. O Município 25 Definição: autarquia local que visa a prossecução de interesses próprios da população residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos representativos por ela eleitos. O município é o único tipo de autarquia que tem existência universal, é nele que se estrutura e pratica a democracia local, chama a si a responsabilidade por um número muito significativo de serviços prestados à comunidade. No que à transferência de atribuições da Administração Central para as autarquias locais vigora a Lei nº 159/99 (LQTACA). Esta tem simultaneamente uma intenção unificadora (reúne num só elenco atribuições já transferidas e a transferir para as autarquias) e uma intenção reguladora (traça um quadro lógico dos princípios a que deve obedecer cada operação de transferência de atribuições). Ela proclama como objectivo geral a concretização dos princípios da descentralização administrativa e da autonomia do poder local. O sistema português não faz, a nível do município, muito sentido. Não e nem um sistema de tipo convencional, nem de tipo parlamentar, nem de tipo presidencialista. O município toma decisões através de órgãos (abaixo) mas essas decisões têm que ser cuidadosamente estudadas e preparadas e, uma vez tomadas, têm que ser executadas. A preparação e execução das decisões competem aos serviços municipais. Estes têm duas categorias: os serviços municipais (em sentido restrito, exemplos: secretaria/tesouraria da câmara) e os serviços municipalizados (exemplos: captação, condução e distribuição de água, transportes colectivos). Estes últimos são, do ponto de vista material, verdadeiras empresas públicas municipais que, não tendo personalidade jurídica, estão integrados na pessoa colectiva município. Órgãos do município: a. Assembleia Municipal É o órgão deliberativo. Pode destituir a Câmara Municipal, pois esta é responsável perante a Assembleia Municipal e tem o poder de aprovar ou rejeitar a proposta de orçamento anual apresentada pela Câmara Municipal. Não e toda ela eleita directamente: é, em parte, constituída por membros eleitos (que não pode ser inferior ao dos membros por inerência) e, em parte, constituída por membros por inerência (presidentes das juntas de freguesia). Tem anualmente cinco sessões ordinárias (Fevereiro, Abril, Junho, Setembro e Novembro). Das suas funções destacam-se cinco: orientação geral do município, fiscalização da Câmara Municipal, regulamentação (emite posturas municipais), tributária e de decisão superior (exemplo: aprovação do plano de urbanização). b. Câmara Municipal Órgão colegial, directamente eleito pela população, de tipo executivo a quem está atribuída a gestão permanente dos assuntos municipais, é o corpo administrativo do município. É composta pelo Presidente da Câmara e pelos vereadores e funciona em sessão permanente. Tem cinco tipos de funções: preparatória e executiva (prepara as deliberações da AM e executa-as); consultiva, de gestão, de fomento (apoia, exclusiva ou conjuntamente, o desenvolvimento de actividades de interesse municipal de natureza social, cultura, desportiva, etc.) e de decisão (toma todas as decisões de autoridade que a lei lhe confia, através da prática de actos administrativos, contratos administrativos ou de emissão de posturas municipais). c. Presidente da Câmara Municipal Órgão executivo. A CRP quase que deixa em silêncio esta figura, ele será ou não órgão consoante os poderes que a lei lhe atribua. Actualmente o basto elenco de competências anunciadas no art. 65º da LAL confirmam que este é um órgão de vasta competência executiva, é a figura emblemática do município e o verdadeiro chefe da administração municipal. 26 As suas funções são: presidencial (convoca e preside às reuniões da Câmara), executiva (executa as deliberações tomadas pela própria Câmara), decisória (dirige e coordena os serviços municipais, como superior hierárquico dos respectivos funcionários e resolve todos os problemas que a lei lhe confie ou Câmara delegue) e interlocutória (fornece informações aos vereadores e à AM).