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GENÉTICA E NEUROANATOMIA AULA 1 Profª Patrícia Carla de Oliveira 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, exploraremos os principais conceitos que envolvem a genética, ciência responsável pelo estudo da estrutura e da função dos genes, da hereditariedade e da variação existente entre os organismos, além de desenvolver as primeiras noções sobre o papel dos fatores hereditários na etiologia de diversas doenças. Veremos que se trata de um tema complexo e desafiador, cujo estudo acompanha a história da humanidade, embora tenha ganhado decisivos ares a partir dos experimentos do monge austríaco Gregor Mendel no século XIX, que estabeleceram as bases desses estudos. Entenderemos, por fim, que a descrição da estrutura molecular do DNA e o sequenciamento do genoma humano permitiram avanços científicos importantes no desenvolvimento de diagnósticos moleculares e de possíveis tratamentos. TEMA 1 – BASES DA HERANÇA BIOLÓGICA Todos os seres vivos possuem unidades básicas de vida denominadas células. Seres mais primitivos como as bactérias possuem apenas uma célula e, por isso, são classificados como unicelulares. Organismos mais complexos como plantas e animais são chamados de seres pluricelulares, pois em sua constituição possuem conjuntos de células especializadas, capazes de realizar funções como proteção, nutrição, produção e armazenamento de energia, transporte e reprodução. Ao se reproduzir, os seres vivos transmitem as informações genéticas presentes nas moléculas de DNA (ácido desoxirribonucleico) do núcleo celular aos seus descendentes. Na reprodução assexuada, os organismos gerados são cópias idênticas do seu progenitor, como no caso das bactérias, pois recebem o DNA de apenas um indivíduo. Já na reprodução sexuada, que acontece na maioria das plantas e animais, cada indivíduo gerado recebe DNA de dois organismos, o que ajuda a manter a variabilidade genética da espécie. Nos seres humanos, portanto, a reprodução é sexuada e acontece por meio do encontro e fusão de células sexuais denominadas gametas, óvulos e espermatozoides, que carregam o DNA da mãe e o DNA do pai, respectivamente. Esse processo de fecundação entre os gametas permite a combinação do material genético dos pais e a consequente formação de um DNA 3 único no descendente, o que ajuda a explicar as diferentes características observadas entre os seres humanos. A estrutura e a organização da molécula de DNA foram descritas em 1953 por James Watson e Francis Crick, fato histórico determinante para o entendimento de que sequências específicas de nucleotídeos presentes no DNA formam os genes e estes, por sua vez, determinam a produção de proteínas que mantém a constituição e o funcionamento do organismo. Ao conjunto de genes presentes em um indivíduo dá-se o nome de genótipo. Já o fenótipo é representado pelas características de fato observadas em um indivíduo, como a cor dos olhos, da pele e dos cabelos, bem como características de desenvolvimento, propriedades bioquímicas ou fisiológicas e características comportamentais, sendo resultado da interação entre o genótipo e o ambiente. Desse modo, como interagimos com as variações do ambiente em que vivemos, o fenótipo pode se alterar ao longo da vida. TEMA 2 – CROMOSSOMOS E HEREDITARIEDADE O ácido desoxirribonucleico (DNA) é um longo polímero formado por dois filamentos paralelos em forma de hélice e cada um deles é constituído por unidades de repetição chamadas nucleotídeos. Os nucleotídeos são compostos por três componentes ligados entre si: o açúcar desoxirribose, um grupo fosfato e uma base nitrogenada, que pode ser adenina (A), timina (T), citosina (C) ou guanina (G). A sequência de bases nitrogenadas de cada filamento do DNA é complementar e específica, ou seja, a adenina (A) liga-se à timina (T) e a citosina (C) liga-se à guanina (G), sendo essa sequência responsável pela codificação da informação genética do DNA dentro dos genes (Figura 1). Dentro do núcleo celular, a longa molécula de DNA está associada a diversas proteínas que permitem a compactação do material genético nesse pequeno espaço. Esse complexo formado pelo material genético e proteínas é chamado cromatina. Durante o processo de divisão celular, a cromatina se condensa formando estruturas enoveladas chamadas cromossomos, o que assegura a transmissão completa dos genes de uma célula a outra (Figura 1). Cada espécie de ser vivo apresenta um número fixo de cromossomos por célula e o número que caracteriza os humanos é 46, correspondendo ao número de cromossomos presentes no núcleo das células somáticas, denominadas células diploides 4 (representadas por 2n), pois nelas são encontrados dois cromossomos de cada tipo, totalizando 23 pares. As células reprodutivas ou gametas possuem apenas 1 cromossomo de cada tipo, totalizando 23 cromossomos e, por isso, são denominadas células haploides (representadas por n). A fecundação entre óvulo e espermatozoide durante a reprodução permite a recomposição do número total de cromossomos nas células do embrião. Figura 1 – Estrutura e organização da molécula de DNA Créditos: Soleil Nordic/Shutterstock. Dos 46 cromossomos humanos, 44 são homólogos, formando 22 pares nos dois sexos, e são denominados autossomos, pois carregam informações hereditárias não relacionadas ao sexo. O par restante é de cromossomos sexuais, pois são responsáveis por estabelecer o sexo do indivíduo, sendo homólogos na mulher (XX) e diferentes no homem (XY). Durante a divisão celular que forma os gametas, os óvulos recebem sempre um cromossomo sexual X, mas os espermatozoides podem receber o cromossomo X ou Y. Dessa forma, o cromossomo sexual que o espermatozoide carrega no momento da fecundação determinará se o zigoto formado será do sexo feminino ou masculino. O conjunto cromossômico característico de cada espécie é denominado cariótipo. Por meio da ordenação dos cromossomos de um cariótipo em um cariograma, é possível estudar a forma e o tamanho dos cromossomos em populações normais, bem como alterações que determinam síndromes 5 relacionadas ao número ou estrutura anormal de cromossomos, que são causas de abortos recorrentes, ambiguidade sexual, neoplasias e incapacidade infantil. O cariótipo normal é representado por 44,XX e 44,XY em mulheres e homens, respectivamente (Figura 2). Figura 2 – Cariótipo humano normal Créditos: Kateryna Kon/Shutterstock. As alterações cromossômicas podem ocorrer tanto nos cromossomos autossomos quanto nos cromossomos sexuais. O Quadro 1 contém as principais síndromes cromossômicas numéricas. Quadro 1 – Síndromes cromossômicas Síndrome Cariótipo Alteração Principais manifestações clínicas Down (1/800 nascidos vivos) 47, XX ou XY +21 Trissomia do cromossomo 21 Braquicefalia, orelhas dobradas e pequenas, boca aberta, face achatada, hipotonia, comprometimento cognitivo. Edwards (1/8.000 nascidos vivos) 47, XX ou XY +18 Trissomia do cromossomo 18 Hipertonia, boca pequena, osso esterno curto, rim em ferradura, comprometimento mental. Patau (1/19.000 nascidos vivos) 47, XX ou XY +13 Trissomia do cromossomo 13 Ausência do nervo olfatório, graves defeitos oculares, surdez, fenda labial e palatina, malformações cardíacas. 6 Klinefelter (1/600 nascimentos masculinos) 47, XXY Mais de um cromossomo X Braços e pernas longos, braços e mãos longos, pouco desenvolvimento dos testículos, infertilidade. Turner (1/2.000 nascimentos femininos) 45, X Apenas um cromossomo X Baixa estatura, dobras de pele no pescoço, pouco desenvolvimento das mamas e dos ovários. Fonte: Oliveira, 2020. TEMA 3 – GENÉTICA MENDELIANA Embora a genética tenha se desenvolvido durante o século XX, sua origem está baseada no trabalho de Gregor Mendel, ummonge que viveu no século XIX. Ele estudou a herança de diferentes características em ervilhas, que cultivava no jardim do mosteiro. A análise cuidadosa de Mendel possibilitou o discernimento de padrões, que o levaram a postular a existência de fatores hereditários responsáveis pelas características que estudara (Sinustad; Simmons, 2016). A escolha de Mendel pelo estudo de ervilhas se justifica pela facilidade de cultivo desse vegetal, a existência de variedades facilmente identificáveis por características distintas, o ciclo de vida curto, permitindo a observação de várias gerações em pouco tempo, a obtenção de descendentes férteis no cruzamento de variedades diferentes e a facilidade na realização de polinização artificial. Foram estudadas 34 variedades de ervilhas e, em cada experimento, Mendel considerava apenas uma característica de cada vez, como cor das sementes, altura das plantas, forma das sementes e posição das flores, cada uma delas com dois traços contrastantes, para que não houvesse dúvidas na sua identificação após os cruzamentos. Antes de iniciar os experimentos, Mendel se certificou de que os cruzamentos eram feitos apenas entre linhagens puras, aquelas que, por autofecundação, davam origem a plantas iguais entre si. Portanto, plantas puras de sementes amarelas eram cruzadas com plantas puras de sementes verdes, plantas puras altas eram cruzadas com plantas puras anãs e assim por diante. Nos experimentos de cruzamento, a geração composta pelas linhagens puras foi chamada de geração parental (P), a descendência desse cruzamento 7 foi chamada de primeira geração de filhos (F1) e a descendência gerada pela autofecundação da F1 foi chamada de segunda geração de filhos (F2), como demonstra a Figura 3. Figura 3 – Cruzamento mendeliano entre ervilhas verdes e amarelas Créditos: Sergey Merkulov/Shutterstock. Com base nesses cruzamentos, Mendel observou que a primeira geração de filhos apresentava a mesma característica de apenas um dos pais e que o outro traço desaparecia. Esse traço encoberto voltava a aparecer na segunda geração de filhos, após a autofecundação da geração F1. Mendel então concluiu que, quando uma característica prevalece em relação a outra, essa é uma característica dominante, enquanto a segunda é recessiva. Além disso, esses experimentos permitiram a Mendel estabelecer que a proporção entre os dois tipos de plantas da geração F2 e os números obtidos nos diferentes experimentos era sempre 3:1, ou seja, a cada 3 descendentes com a característica dominante, apenas 1 descendente com a característica recessiva era gerado. De acordo com esses resultados, Mendel postulou a lei da segregação dos fatores, cujas premissas são: cada característica hereditária é determinada por fatores, herdados em igual quantidade da mãe e do pai; esses fatores se organizam aos pares nos pais e se segregam na formação dos gametas; e os fatores voltam a estar em pares nos filhos pela combinação dos fatores recebidos dos pais, na fecundação dos gametas. Hoje, sabe-se que os fatores hereditários descobertos por Mendel são os genes presentes nos cromossomos e que cada gene é composto por duas versões, chamadas alelos e localizadas em cada um dos cromossomos 8 homólogos nas células somáticas diploides. Durante a divisão celular que forma os gametas, ocorre a separação dos cromossomos homólogos e a consequente separação os alelos de cada gene, portanto, cada gameta haploide recebe apenas um desses alelos, que, posteriormente, serão combinados durante a fecundação entre óvulo e espermatozoide na formação do zigoto, o que determina as características hereditárias apresentadas pelos filhos. Os alelos de um gene são representados por letras do alfabeto, normalmente a primeira letra do nome referente à característica. A letra maiúscula determina um alelo dominante enquanto o alelo recessivo é determinado pela mesma letra minúscula. Quando os alelos de um gene são iguais, sejam eles dominantes ou recessivos, diz-se que o indivíduo é homozigoto para esse gene. Quando um gene é composto por um alelo dominante e um alelo recessivo, diz-se que o indivíduo é heterozigoto para esse gene. Dessa forma, é possível entender que uma característica é considerada dominante quando a presença de apenas um dos alelos é suficiente para a expressão do seu fenótipo, ou seja, a característica é expressa tanto na condição de homozigose dominante quanto na de heterozigose, enquanto a característica recessiva só é expressa quando os alelos estiverem em dose dupla no gene, na condição de homozigose recessiva (Figura 4). Figura 4 – Homozigose e heterozigose Créditos: Aldona Griskeviciene/Shutterstock. A maioria das combinações entre os alelos de um gene durante um cruzamento segue as regras de herança descobertas por Mendel nos seus experimentos com ervilhas, mas existem exceções. Com o avanço da genética, 9 percebeu-se que muitas características são determinadas por apenas um par de alelos, enquanto outras precisam da interação entre vários genes para existirem. As heranças monogênicas podem ser dominantes ou recessivas e seu gene pode estar localizado nos cromossomos autossomos (características autossômicas) ou nos cromossomos sexuais (características ligadas ao sexo). Alguns exemplos de herança monogênica autossômica são o albinismo (ausência de pigmentação), a fenilcetonúria (distúrbio no metabolismo de aminoácidos), a presença de sardas e o bico de viúva (raiz do cabelo em V na testa). Exemplos de herança monogênica ligada ao sexo são a hemofilia (deficiência na coagulação sanguínea), o daltonismo (dificuldade na distinção de cores) e a distrofia muscular de Duchenne (fraqueza muscular progressiva). A representação gráfica desses padrões de herança e o cálculo da probabilidade de determinada característica aparecer entre os descendentes de um cruzamento pode ser feita por meio do quadro de Punnett. Utilizaremos o albinismo, característica autossômica recessiva, para essa demonstração (Quadro 2). Um casal, em que o homem é albino e a mulher não possui ausência de pigmentação da pele, mas que é filha de um homem albino, deseja saber a probabilidade de um filho nascer com essa característica. Quadro 2 – Representação e combinação de alelos no quadro de Punnett ♂ ♀ a a A Aa Aa a aa aa Fonte: Oliveira, 2020. Com base na combinação entre os alelos desse gene distribuídos nos gametas feminino e masculino, a resposta para esse casal é que a metade (1/2 ou 50%) dos seus filhos tem a probabilidade de nascer albina. Outra forma de representação dos padrões de transmissão de características hereditárias é o heredograma, uma representação da árvore genealógica de uma família com base em símbolos padronizados (Figura 5). De acordo com Sinustad e Simmons (2016), o heredograma é utilizado em casos de 10 aconselhamento genético em que os pais desejam saber qual é o risco de que os filhos herdem determinado distúrbio, principalmente se houver outros parentes afetados. É responsabilidade do conselheiro genético avaliar esses riscos e explicá-los aos futuros pais. A avaliação do risco requer bom conhecimento de probabilidade e estatística, além do amplo conhecimento de genética. Figura 5 – Heredograma e os símbolos mais comuns utilizados Fonte: Gestão Educacional, [S.d.]. TEMA 4 – GENES E MUTAÇÕES O sequenciamento dos quase 3 bilhões de pares de nucleotídeos do DNA humano foi realizado pelo Projeto Genoma Humano, que contou com um esforço mundial na análise computacional desse DNA. Em 2001, os resultados desse projeto sugeriram a presença de mais de 30.000 genes no genoma humano e análises mais recentes apontam que esse número é menor, cerca de 20.500 genes, que foram catalogados por localização, estrutura e possível função. Muitos genes são formados portrechos de pares de nucleotídeos ao longo de uma molécula de DNA, passando por processos de duplicação, transcrição e tradução em aminoácidos para a formação de proteínas, processo chamado de expressão gênica (DNA → RNA → proteína). A sequência de aminoácidos que formarão uma proteína dependerá da sequência de códons (trincas de bases nitrogenadas) presentes no gene. Cada um dos 20 aminoácidos é codificado por 11 códons específicos, como o aminoácido glutamina, que é codificado quando um gene possui os códons GTT ou GTC na molécula de DNA. Dessa forma, as proteínas são sintetizadas pela leitura gradual e ordenada dos códons (Figura 6). Figura 6 – Expressão gênica Créditos: Soleil Nordic/Shutterstock. Qualquer modificação em um par de bases, em qualquer parte da molécula de DNA, pode ser considerada uma mutação. Entretanto, como o genoma humano é formado principalmente por regiões não codificadoras, a maior parte das mutações não afeta os produtos ou a expressão gênica, sendo denominadas mutações neutras. Além disso, as mutações podem ser somáticas, as quais ocorrem nas células somáticas e estão relacionadas ao desenvolvimento de tumores e doenças degenerativas, ou gaméticas, que ocorrem em células da linhagem germinativa e são transmitidas às futuras gerações (Becker; Barbosa, 2018). De acordo com Borges-Osório e Robinson (2013), as mutações que ocorrem num lócus gênico especifico são chamadas mutações gênicas de ponto ou pontuais, que podem envolver substituição, adição ou perda de uma única base. Se as modificações forem maiores, alterando os cromossomos, elas são denominadas mutações cromossômicas, sendo mutações estruturais as que modificam a estrutura dos cromossomos, e mutações numéricas as que alteram 12 o seu número. Algumas anomalias cromossômicas foram apresentadas no Tema 2 desta aula. As mutações também podem ser fixas entre gerações ou instáveis, quando sofrem alterações ao serem transmitidas de uma geração a outra. Um exemplo de mutação instável é a repetição da trinca CAG causadora da doença de Huntington, um distúrbio neurodegenerativo grave de herança autossômica dominante. A idade de início dessa doença é progressivamente mais precoce a cada geração; quanto maior o número de repetições, mais cedo a doença aparecerá. Embora não haja tratamento para esse distúrbio, a identificação do erro genético garantiu um teste preciso para o diagnóstico da doença (figura 7). Figura 7 – Mutação causadora da doença de Huntington Créditos: Blamb/Shuttterstock. As causas das mutações podem ser espontâneas, surgindo naturalmente durante erros nos processos replicação e reparo do DNA, mas também podem ser induzidas, quando a exposição a agentes mutagênicos induz ou aumenta a taxa de novas mutações. Exemplos de agentes mutagênicos são as radiações eletromagnética, raios X, substâncias químicas presentes em agrotóxicos e 13 corantes e agentes virais. Quanto maior for a exposição, maior será a taxa de mutação. TEMA 5 – HERANÇA DE GRUPOS SANGUÍNEOS ERITROCITÁRIOS Os sistemas de grupos sanguíneos eritrocitários são antígenos situados na superfície das hemácias, os quais constituem polimorfismos (alelos múltiplos) considerados importantes marcadores genéticos. Atualmente são conhecidos mais de 300 antígenos, dos quais 270 estão agrupados em cerca de 30 sistemas de grupos sanguíneos diferentes. Entretanto, os sistemas ABO e Rh são os mais importantes nos casos de transfusão sanguínea, uma vez que os receptores devem receber sangue de um tipo sanguíneo idêntico ao seu, mas, nos casos de emergência, indivíduos de outros tipos podem ser doadores, contanto que exista compatibilidade sanguínea entre o doador e o receptor (Becker; Barbosa, 2018). O sistema de grupos sanguíneos ABO classifica os seres humanos em quatro tipos sanguíneos, de acordo com a presença ou ausência dos antígenos (ou aglutinogênios) A e B nas hemácias de dos anticorpos (ou aglutininas) anti- A e anti-B no plasma sanguíneo (Figura 8). Figura 8 – Tipos sanguíneos do sistema ABO Créditos: Cloud Hoang/Shutterstock. Os antígenos A e B também podem ser encontrados em outras células, como linfócitos, plaquetas, endotélio de vasos sanguíneos e medula óssea, além de secreções como saliva, leite, urina e sêmen. Os anticorpos anti-A e anti-B começam a ser produzidos cerca de três meses após o nascimento e atingem sua produção máxima na adolescência. 14 Dessa forma, entende-se que uma pessoa do tipo A, que possui o anticorpo anti-B em seu plasma, não pode receber sangue de doadores tipo B ou AB, pois estes possuem antígenos B em suas hemácias. Da mesma forma, uma pessoa do tipo B, que possui anticorpo anti-A em seu plasma, não pode receber sangue de doadores tipo A ou AB, pois estes possuem o antígeno A em suas hemácias. Entretanto, pessoas do tipo AB, que não possuem anticorpos em seu plasma, são consideradas receptores universais e, portanto, podem receber sangue dos tipos A, B, AB e O, visto que os antígenos A e B recebidos não terão com quem reagir. Por fim, pessoas do tipo O, que possuem anticorpos anti-A e anti-B em seu plasma, só poderão receber sangue do seu próprio tipo, mas são consideradas doadoras universais, pois não apresentam antígeno A nem B nas suas hemácias (figura 9). Figura 9 – Transfusão entre grupos sanguíneos no sistema ABO Créditos: Igdeeva Alena/Shutterstock. Os quatro fenótipos observados no sistema ABO – A, B, AB e O – são determinados por três alelos principais, localizados no par de cromossomos número 9, denominados A, B e O. Cada um apresenta diversas variantes que foram surgindo por meio de mutações. Os alelos A e B são codominantes, o que 15 explica o fenótipo AB, e o alelo O é recessivo em relação aos dois anteriores, portanto, indivíduos com fenótipo O são, obrigatoriamente, homozigotos recessivos. O sistema de grupos sanguíneos Rh é determinado por um único par de alelos, Dd, embora existam variações. Indivíduos homozigotos dominantes (DD) ou heterozigotos (Dd) apresentam o fenótipo Rh+, indicando a presença do fator Rh nas hemácias, enquanto indivíduos homozigotos recessivos (dd) apresentam o fenótipo Rh- e, portanto, não apresentam o fator Rh. Os anticorpos anti-D não existem naturalmente no plasma sanguíneo dos seres humanos como os anticorpos anti-A e anti-B. A doença hemolítica perinatal (DHPN), também conhecida como eritroblastose fetal, pode acontecer quando a mãe Rh- é sensibilizada pelo filho Rh+. Neste caso, rupturas na placenta após o terceiro trimestre gestacional ou durante o parto possibilitam a passagem de hemácias da criança para a circulação materna e os anticorpos anti-D gerados como resposta podem ser transferidos para a circulação fetal, destruindo as hemácias do feto e causando anemia e liberação de eritroblastos (hemácias imaturas) no sangue. Geralmente, o primeiro filho não sofre ação dos anticorpos maternos, mas em uma segunda gestação o feto poderá ser prejudicado. Além disso, quando a mãe Rh negativa já sofreu uma transfusão incompatível, abortou um feto Rh positivo ou fez amniocentese, ela poderá ter ficado sensibilizada, o que acarretará em problemas logo na primeira gestação. As crianças que sobrevivem à DHPN apresentam, geralmente, surdez, deficiência mental e paralisia cerebral. Podem apresentar outros sinais clínicos, como hepatoesplenomegalia, ascite, petéquias hemorrágicas e edema generalizado (Borges-Osório; Robinson, 2018). NA PRÁTICA A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma das doenças neurodegenerativas do neurônio motor inferior (DNM), cujas manifestações clínicas mais evidentes são de natureza motora, incluindo perda de força, atrofia muscular, câimbras e distúrbios da marcha. A incidência anual da ELA ao redor do mundo varia entre 0,2 e 2,5 casos/1000.000 habitantes e os pacientesvão a óbito cerca de três anos após os primeiros sintomas, que aparecem em torno da quinta a sexta década de vida. 16 A esclerose lateral amiotrófica familiar (ELAf) é um tipo de ELA associada a uma herança genética de segregação mendeliana e mais de 20 genes já foram relacionados a essa doença, entre eles o gene C9ORF72 localizado no par de cromossomos número 9. Sabendo que a mutação de apenas um dos alelos que compõem esse gene é suficiente para uma pessoa manifestar a ELAf, procure explicar se esse é um exemplo de herança autossômica recessiva ou herança autossômica dominante. Calcule a probabilidade de filhos sem a doença e filhos afetados por ela nascerem de um casal heterozigoto para esse gene. FINALIZANDO Nesta aula, aprendemos que a descrição da estrutura e da organização da molécula de DNA foi determinante para o desenvolvimento da genética como conhecemos hoje. Por meio dessa descoberta, foi possível entender como o material genético se organiza dentro das células, quais são os genes associados à produção de proteínas humanas e como mutações nesses genes estão associadas à ocorrência de diversas doenças. O Projeto Genoma Humano permitiu o sequencimento de todos os cromossomos humanos, trazendo significativos avanços no estudo, em diagnósticos e no aconselhamento de diversas síndromes hereditárias. Entretanto, vimos que as bases da genética foram estabelecidas um século antes, pelos experimentos realizados por Gregor Mendel com suas ervilhas, postulando a lei da segregação dos fatores, comprovadamente correta pelos avanços posteriores. Dessa forma, aprendemos os principais conceitos relacionados à genética, de que forma as características hereditárias são passadas de geração a geração e como os genes estão relacionados aos diferentes fenótipos encontrados nos seres humanos, como os grupos sanguíneos e determinadas doenças. 17 REFERÊNCIAS BECKER. R. O.; BARBOSA, B. L. F. Genética básica. São Paulo: Sagah Educação S. A., 2018. BORGES-OSÓRIO, M. R.; ROBINSON, W. M. Genética humana. 3. ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2013. GESTÃO EDUCACIONAL. Heredograma – O que é? Simbologia, Termos e Exercícios. [S.d.]. Disponível em: <https://www.gestaoeducacional.com.br/heredograma-o-que-e>. Acesso em: 3 dez. 2020. SINUSTAD, D. P.; SIMMONS, M. J. Fundamentos da genética. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.