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GENÉTICA E NEUROANATOMIA AULA 3 Profª Patrícia Carla de Oliveira 2 CONVERSA INICIAL Iniciaremos esta aula com o estudo das etapas do desenvolvimento embrionário que originam o sistema nervoso. Dessa forma, será possível entender por que alguns termos são utilizados mesmo quando nos referimos ao sistema nervoso adulto. Além disso, esse estudo permite a divisão didática do sistema nervoso de acordo com critérios anatômicos e funcionais, bem como a compreensão das malformações que podem ocorrer em recém-nascidos. Dentro desse contexto, discutiremos sobre a formação dos ventrículos encefálicos pela luz do tubo neural durante o desenvolvimento embrionário, bem como a formação do líquido que preenche os ventrículos e o espaço subaracnóideo no encéfalo e na medula. Entenderemos também os principais conceitos sobre a distribuição, componentes e funções das membranas que recobrem e protegem o sistema nervoso central: dura-máter, aracnoide e pia- máter. Por fim, estudaremos sobre a vascularização e as barreiras encefálicas do sistema nervoso central, além das correlações anatomoclínicas referentes ao conteúdo desta aula. TEMA 1 – DESENVOLVIMENTO E ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO O sistema nervoso tem origem nas primeiras semanas de vida do embrião, portanto, a neuroembriologia (organogênese do sistema nervoso) permite a compreensão da disposição anatômica e da nomenclatura utilizada, além da compreensão das malformações congênitas do sistema nervoso. O folheto embrionário que dá origem ao sistema nervoso é o ectoderma que, a partir da terceira semana de desenvolvimento, é induzido pela notocorda e se espessa formando a placa neural. A região craniana mais larga dessa placa dará origem ao encéfalo e a região caudal mais estreita dará origem a medula espinal. Para que isso aconteça, a placa neural apresenta progressivamente uma invaginação que formará um sulco neural e então a goteira neural. O posterior fechamento dessa goteira na quarta semana de vida intrauterina cria o tubo neural, responsável pela origem do sistema nervoso central. Esse processo chamado neurulação tem início na porção média da placa neural e termina nos 3 sentidos cranial (neuroporo anterior) e caudal (neuroporo posterior), isolando o ectoderma do meio externo (Figura 1). Figura 1 – Formação do tubo neural Crédito: Vasilisa Tsoy/Shutterstock. Durante a formação do tubo neural, duas projeções dorsolaterais de células da placa neural formam uma estrutura chamada crista neural. As células da crista neural darão origem a grande parte do sistema nervoso periférico, como os gânglios sensoriais dos nervos espinais e cranianos, os gânglios viscerais do sistema nervoso autônomo, as células de Schwann e as meninges. O tubo neural dilata-se mais na sua extremidade anterior, formando uma dilatação denominada vesícula encefálica ou arquencéfalo. Esta originará o encéfalo, enquanto a parte posterior do tubo, que não sofre tanta diferenciação, dará origem a medula espinal (Schmidt; Prosdócimi, 2017). O lúmen do tubo dará origem ao sistema ventricular encefálico e ao canal central da medula. Como descrito por Schmidt e Prosdócimi (2017), ao final da quarta semana de vida intrauterina, o arquencéfalo formará três dilatações chamadas de vesículas encefálicas primordiais (ou primárias): prosencéfalo ou encéfalo anterior; mesencéfalo ou encéfalo médio e; rombencéfalo ou encéfalo posterior, que é contínuo ao restante do tubo neural, a medula primitiva. Assim, as três 4 dilatações formam o encéfalo primitivo e o restante do tubo neural forma a medula primitiva, que, futuramente, originará a medula espinal (Figura 2). Figura 2 – Formação das vesículas encefálicas primordiais Crédito: Vasilisa Tsoy/Shutterstock. Na quinta semana de desenvolvimento, as três vesículas primárias dividem-se e formam cinco vesículas secundárias: o prosencéfalo se divide em telencéfalo e diencéfalo; o rombencéfalo de divide em metencéfalo e mielencéfalo; e o mesencéfalo permanece como dilatação única. O telencéfalo formará os hemisférios cerebrais e os núcleos de base, enquanto o diencéfalo formará o tálamo, o hipotálamo, o epitálamo e o subtálamo. Todas essas estruturas juntas formam a região conhecida como cérebro. Por sua vez, o metencéfalo formará a ponte e o cerebelo, enquanto o mielencéfalo formará o bulbo. O mesencéfalo continua com o mesmo nome no adulto (Figura 3). 5 Figura 3 – Formação do encéfalo Crédito: Veronika By/Shutterstock. As células-tronco existentes no tubo neural e nas vesículas encefálicas sofrem divisões celulares sucessivas entre a sexta e a vigésima semanas da vida uterina, num processo de proliferação denominado neurogênese. Na medida em que são formadas, essas células respondem a sinais químicos secretados por outras células do embrião e iniciam o processo de migração para a região definitiva do sistema nervoso em que exercerão suas funções. A partir daí, acontece a diferenciação e a maturação dessas células, que adquirem características morfológicas e bioquímicas específicas no tecido nervoso, bem como a mielinização e a formação das redes neuronais. Como o resultado dessas etapas anteriores é um número maior de neurônios e sinapses do que caracteriza o ser humano após o nascimento, acontece uma morte neuronal programada, regulada por fatores neurotróficos no tecido-alvo. Para compreender melhor a disposição, a organização e o funcionamento do sistema nervoso, este pode ser dividido didaticamente de acordo com critérios embriológicos, anatômicos ou funcionais. Anatomicamente, o sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC), do qual fazem parte o encéfalo e a medula espinal; e sistema nervoso periférico (SNP), composto pelos gânglios nervosos, nervos cranianos e nervos espinais. No encéfalo estão localizados cérebro, cerebelo e tronco encefálico que, por sua vez, é composto pelo mesencéfalo, ponte e bulbo (Figura 4). 6 Figura 4 – Divisão anatômica do sistema nervoso Crédito: marina_ua/Shutterstock. Pelo critério funcional, o sistema nervoso é dividido em sistema nervoso somático (SNS), que relaciona o organismo com o meio ambiente de forma consciente, e o sistema nervoso visceral (SNV), que realiza controle e inervação inconsciente de estruturas viscerais. Nas duas divisões existem vias aferentes que levam os estímulos até os centros de controle e vias eferentes que partem do sistema nervoso desencadeando respostas voluntárias no SNS e involuntárias no SNV. O componente eferente do sistema nervoso visceral é denominado sistema nervoso autônomo (SNA) e se divide em simpático e parassimpático. TEMA 2 – MENINGES O sistema nervoso central é revestido por três membranas de origem conjuntiva, que protegem e isolam o SNC dos outros tecidos corporais. A membrana mais externa é a dura-máter, também chamada de paquimeninge, e se relaciona com o crânio e o canal vertebral. A aracnoide é a meninge intermediária e a pia-máter recobre diretamente o encéfalo e a medula. Juntas, aracnoide e pia-máter formam uma estrutura chamada leptomeninge. A Figura 5 evidencia as três membranas que recobrem do SNC. 7 Figura 5 – Meninges e o SNC Crédito: Designua/Shutterstock. A dura-máter é a membrana mais superficial, espessa e resistente, devido a sua composição de tecido conjuntivo rico em fibras colágenas, vasos sanguíneos e nervos. A inervação principal é realizada pelo nervo trigêmeo e a artéria meníngea média promove a vascularização mais evidente. De acordo com Machado; Raertel (2014), como o encéfalo não possui terminações nervosas sensitivas, toda a sensibilidade intracraniana se localiza na dura-máter e nos vasos sanguíneos, responsáveis, assim, pela maioria das dores de cabeça. No encéfalo, a dura-máterdivide-se em dois folhetos: o periosteal, mais externo e aderido aos ossos do crânio, correspondendo, portanto, ao periósteo que reveste a face interna desses ossos; e a camada meníngea, mais interna e contínua à dura-máter única que envolve a medula espinal. Dessa forma, na região encefálica não há um espaço epidural entre os ossos e a dura-máter, como aquele observado na região medular. O folheto periosteal não possui capacidade de regeneração, o que dificulta a consolidação de fraturas ou perdas ósseas no crânio. Porém, essa característica se torna importante e vantajosa, visto que calos ósseos nessa região poderiam trazer danos ao encéfalo. A camada meníngea está aderida ao folheto externo, mas em algumas áreas projeta-se para formar as cinco pregas da dura-máter, que dividem a 8 cavidade craniana em compartimentos que se comunicam. São elas: foice do cérebro, tenda do cerebelo, foice do cerebelo, diafragma da cela túrcica e cravo trigeminal. O espaço gerado entre as camadas da dura-máter, durante a formação das pregas, forma os seios venosos responsáveis por receber sangue do encéfalo e do globo ocular e drenar sangue para as veias jugulares internas. São eles: seio occipital, seio sagital inferior, seio reto, seios transversais direito e esquerdo, seio sigmoide, seios intercavernosos, seio esfenoparietal, seio petroso superior, seio petroso inferior e seio basilar. A aracnoide é uma membrana avascular, delicada e impermeável localizada entre a dura-máter e a pia-máter. É separada da pia-máter pelo espaço virtual subdural, que contém pequena quantidade de líquido lubrificante, e separada da pia-máter pelo espaço subaracnóideo, que contém o líquido cerebroespinhal ou líquor, por onde as trabéculas da aracnoide atravessam para se ligar à pia-máter. De acordo com Snell (2019), todas as artérias e veias cerebrais residem no espaço subaracnóideo, bem como os pontos de saída dos nervos cranianos. A profundidade do espaço subaracnóideo é variável e as grandes dilatações são denominadas cisternas, que contêm grande quantidade de líquor. São elas: cisterna magna, cisterna pontinha, cisterna interpeduncular, cisterna quiasmática, cisterna superior e cisterna da fossa lateral do cérebro. Martinez, Allodi e Uziel (2014) destacam que a cisterna magna é a maior delas e pode ser puncionada entre o osso occipital e o atlas para coleta de líquor. A aracnoide apresenta algumas projeções chamadas granulações aracnoideas, que penetram nos seios da dura-máter, principalmente no seio sagital superior, em que se apresentam em maior quantidade. As granulações aracnoideas são locais onde o líquor é absorvido e passa para a corrente sanguínea e progressivamente se tornam maiores, dando origem aos corpos de Paccioni, podendo ocorrer sangramentos. A pia-máter é uma membrana fina, delicada e altamente vascularizada localizada mais internamente e fixando-se diretamente no SNC, onde cobre os giros e desce no interior dos sulcos mais profundo do encéfalo, o que confere resistência ao tecido mole que compõe essa estrutura. De acordo com Martinez, Allodi e Uziel (2014), a pia-máter medular é mais espessa, firme e menos vascularizada do que a craniana, devido ao fato de apresentar uma camada adicional externa. A pia-máter forma o ligamento coccígeo juntamente com a 9 dura-máter e forma ainda, lateralmente a toda a extensão da medula, uma prega longitudinal, constituindo o ligamento denticulado que prende a medula à aracnoide e à dura-máter. Os vasos arteriais que se dirigem ao tecido nervoso penetram na pia- máter. Nesse nível, a pia-máter acompanha inicialmente os vasos, formando os espaços perivasculares (Menezes, 2015). Nestes espaços existem prolongamentos do espaço subaracnóideo, contendo líquor, que forma um manguito protetor em tomo dos vasos, muito importante para amortecer o efeito da pulsação das artérias ou picos de pressão sobre o tecido circunvizinho (Machado; Raertel, 2014). TEMA 3 – VENTRÍCULOS E LÍQUOR Durante o desenvolvimento embrionário e a diferenciação das estruturas do tubo neural, a luz do tubo na região encefálica origina o sistema ventricular formado por cavidades chamadas ventrículos. Os ventrículos estão localizados profundamente dentro do núcleo encefálico, são preenchidos pelo líquor e se conectam entre sim e com o espaço subaracnóideo por meio de aberturas ou forames. Fazem parte do sistema ventricular adulto os ventrículos laterais direito e esquerdo, o III e IV ventrículos, além do aqueduto cerebral que comunica o III e o IV ventrículos (Figura 6). 10 Figura 6 – Sistema ventricular Crédito: joshya/Shutterstock. Os ventrículos laterais são os maiores, são simétricos e formam um “C” no interior de cada hemisfério cerebral. Cada ventrículo lateral se divide em uma parte central que ocupa os lobos frontal e parietal e três prolongamentos: o corno frontal ou anterior, um corno posterior ou occipital e um corno inferior ou temporal. Os três prolongamentos se estendem para dentro dos lobos frontal, occipital e temporal, respectivamente. Os ventrículos laterais, antigamente denominados I e II ventrículos, se comunicam com o III ventrículo por meio do forame interventricular e a porção central dos ventrículos laterais localiza-se posteriormente ao forame interventricular estendendo-se até a extremidade posterior do tálamo. A porção central possui teto, parede medial e assoalho. O corno occipital possui teto e parede lateral, estende-se posteriormente no lobo occipital e termina em fundo de saco passando pelas fibras do corpo caloso. O corno temporal estende-se anteriormente no lobo temporal, possui teto e assoalho, passando pelo hipocampo. O III ventrículo é uma pequena cavidade ímpar em forma de fenda na porção central do diencéfalo, entre o tálamo e o hipotálamo. Comunica-se posteriormente com o IV ventrículo por meio do aqueduto do mesencéfalo, é 11 atravessado pela aderência intertalâmica e evagina-se formando quatro recessos: infundíbulo, óptico, pineal e suprapineal. O IV ventrículo tem forma losangular e situa-se anteriormente ao cerebelo e posteriormente à ponte e à metade superior do bulbo, se prolongando inferiormente com o canal central da medula. Possui duas aberturas laterais (forames de Luschka) e uma abertura mediana (forame de Magendie) que permitem o fluxo do líquor para o espaço subaracnóideo. No interior de todos os ventrículos, existem vasos modificados associados à pia-máter, denominados plexos corioides. Estes, junto com as células ependimárias, formam o líquor (líquido cerebroespinhal ou fluido cefalorraquidiano) a partir do plasma sanguíneo (Schmidt; Prosdócimi, 2017). O líquido cerebroespinhal encontra-se nos ventrículos do encéfalo e no espaço subaracnóideo em volta do encéfalo e da medula espinal. Seu volume aproximado é de 150 mL. É um líquido claro e incolor e possui, em solução, sais inorgânicos semelhantes àqueles do plasma sanguíneo. O nível de glicose é aproximadamente metade da glicemia e há apenas uma pequena quantidade de proteína. Apenas algumas células estão presentes e são linfócitos. A pressão do líquido cerebroespinhal é mantida notavelmente constante (Snell, 2019). A Figura 7 evidencia a distribuição do líquido cerebroespinal. Figura 7 – Líquido cerebroespinal Crédito: Hanafi Latif/Shutterstock. 12 O líquor apresenta várias funções. O fluxo existente dos ventrículos para o sangue promove a remoção de diferentes metabólitos. Como o líquor do espaço subaracnóideo envolve o SNC, o encéfalo flutua nesse meio, formando uma proteção mecânica contra os traumatismos cranianos. O líquor contém anticorpos e leucócitos, o que auxilia a defesa contra agentes e microrganismos externos (Meneses, 2015). O líquido cerebroespinhal produzido nos ventrículos laterais flui até o terceiro ventrículo, posteriormenteaté o quarto ventrículo e, por fim, para o espaço subaracnóideo. De acordo com Cosenza (2013), o líquido cerebroespinhal então retorna ao sangue, sendo absorvido na região das granulações aracnoideas, que são projeções da aracnoide para o interior dos seios da dura-máter. Qualquer defeito na reabsorção ou um bloqueio na circulação do líquor pode ocasionar o seu acúmulo no interior das cavidades do SNC, promovendo as chamadas hidrocefalias. TEMA 4 – VASCULARIZAÇÃO E BARREIRAS ENCEFÁLICAS Assim como os demais sistemas corporais, o sistema nervoso necessita de irrigação sanguínea constante. Um suprimento elevado de glicose e oxigênio é necessário para que estruturas tão nobres e especializadas, quanto as que se encontram nesse sistema, possam realizar seu metabolismo. Como explica Machado e Raertel (2014), a parada da circulação cerebral por mais de dez segundos leva o indivíduo à perda da consciência. Após cerca de cinco minutos, começam a aparecer lesões irreversíveis pois, como se sabe, a maioria das células nervosas não se regeneram. Isso acontece, por exemplo, como consequência de paradas cardíacas. O encéfalo constitui 2 a 2,5% do peso corpóreo, mas recebe em torno de 17% do rendimento cardíaco e consome aproximadamente 20% do oxigênio utilizado pelo corpo (Schmidt; Prosdócimi, 2017). Os processos patológicos que acometem os vasos cerebrais ocorrem com frequência cada vez maior com o aumento da vida média do homem moderno. São os acidentes vasculares cerebrais (AVC) hemorrágicos ou oclusivos, também denominados isquêmicos (tromboses e embolias). Eles interrompem a circulação de determinadas áreas encefálicas, causando necrose do tecido nervoso, e são acompanhados de alterações motoras, sensoriais ou psíquicas, que podem ser características para área e a artéria lesada (Machado; Raertel, 2014). 13 Vale lembrar que não existe circulação linfática no sistema nervoso central e as artérias que suprem o sistema nervoso normalmente apresentam paredes mais finas que as artérias encontradas em outros órgãos, fator esse determinante para a maior propensão a rupturas e hemorragias. As artérias de maior calibre percorrem a superfície do sistema nervoso no espaço subaracnóideo até se tornarem delgadas o suficiente para penetrarem em seu parênquima, perfurando, antes disso, a pia-máter. Esta meninge, como vimos anteriormente, acompanha toda a superfície do encéfalo e, onde especificamente os vasos penetram no parênquima, ela se dobra formando uma parede externa e delimitando um espaço perivascular. Esse espaço é de extrema importância, pois, pelo fato de conter líquor, é um dos mecanismos existentes para absorver o impacto da pulsação das artérias que penetram no cérebro (Martinez; Allodi; Uziel, 2014). O SNC é irrigado basicamente por dois sistemas arteriais: o carotídeo e o vertebral. As artérias carótidas internas sobem pelo pescoço e, após penetrarem no crânio, dão origem as artérias cerebral anterior e cerebral média. A primeira origina ramos na face medial do cérebro, enquanto a segunda origina vários ramos na face dorsolateral do cérebro. As artérias vertebrais que penetram no crânio pelo forame magno dão ramos que irão irrigar a medula e o cerebelo e se fundem na face ventral da ponte, formando a artéria basilar. Esta última dá origem a ramos que vão para o tronco encefálico e o cerebelo e se divide em duas artérias cerebrais posteriores, que irrigarão a superfície inferior do cérebro (Cosenza, 2013). A anastomose entre os ramos das duas artérias carótidas internas e das duas artérias vertebrais na base do cérebro forma o círculo arterial do cérebro, ou polígono de Willis. Esse polígono permite que o sangue seja distribuído a qualquer parte dos hemisférios cerebrais e que rotas alternativas ocorram em caso de obstrução de uma das artérias principais do círculo (Figura 8). 14 Figura 8 – Vascularização do encéfalo Crédito: Medical Media/Shutterstock. O sangue que circula no SNC é drenado para veias cerebrais, que levam esse sangue para os seios venosos da dura-máter. O sangue segue então para as veias jugulares internas, passando para as veias cavas e chegando, no final, ao coração. A circulação venosa é mais lenta e a pressão do sangue é mais baixa, pois as veias do encéfalo não possuem valvas e são mais calibrosas que as artérias. Dessa forma, outros fatores auxiliam a circulação venosa: pulsação das artérias próximas, força da gravidade e aspiração da cavidade torácica. Para proteger o tecido nervoso de agressões causadas por toxinas e microrganismos, existem barreiras encefálicas capazes de impedir ou dificultar a passagem de substâncias do sangue para o parênquima nervoso (barreira hematoencefálica), do sangue para o líquor (barreira hematoliquórica) e do líquor para o tecido nervoso (barreira líquorencefálica). Essas barreiras estão presentes no encéfalo e na medula espinal, e permitem a passagem de nutrientes e gases, controlando o microambiente do parênquima nervoso. Por outro lado, impedem também a passagem de vários medicamentos administrados por via sanguínea, diminuindo sua eficácia. TEMA 5 – CORRELAÇÕES ANATOMOCLÍNICAS O uso, pela mãe, de determinados medicamentos, álcool e drogas, bem como a exposição à radiação, pode afetar as diversas etapas do desenvolvimento embrionário do sistema nervoso. No primeiro trimestre podem 15 interferir na proliferação neuronal e o número menor de neurônios pode originar a microcefalia. Já no segundo ou terceiro trimestres a organização neuronal pode ficar prejudicada e o menor número de sinapses pode causar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Falhas no fechamento do tubo neural são as malformações mais comuns do SNC. A espinha bífida e a meningocele ocorrem quando o neuroporo caudal não se fecha e o arco vertebral da coluna espinal está incompleto ou ausente, sem comprometimento do sistema nervoso. Na espinha bífida a meninge dura- máter e a medula são normais, por isso, o quadro é frequentemente assintomático, enquanto na meningocele ocorre um déficit ósseo maior, sendo assim, a dura-máter sobressai como um balão na região lombossacra contendo líquor e raízes medulares, tornando necessária uma correção cirúrgica. Existe ainda a mielomeningocele, quando defeitos na formação do tubo neural acompanham a abertura óssea e a medula espinal penetra na bolsa meníngea, ocasionando grave comprometimento e possível paraplegia (Figura 9). Figura 9 – Espinha bífida, meningocele e mielomeningocele Crédito: rumruay/Shutterstock. Quando o neuroporo craniano não se fecha, o prosencéfalo não se desenvolve, resultando em falha no fechamento do crânio, das meninges e do couro cabeludo, o que expõem o tecido encefálico remanescente ao líquido amniótico cincundante. Essa condição letal é chamada anencefalia. A 16 suplementação com ácido fólico é indicada para mulheres que tem intensão de engravidar, pois reduz a incidência dos distúrbios de fechamento do tubo neural. Infecções nas meninges causadas por bactérias, vírus e fungos são conhecidas como meningites e caracterizam-se por sintomas como cefaleias, rigidez nucal, febre, vômito e irritação. Os meningiomas, por sua vez, são tumores tipicamente benignos originados por meningócitos ou células aracnoides. Podem crescer em qualquer lugar das meninges e os principais sintomas são cefaleias, convulsões, fraqueza muscular, distúrbios visuais, perda auditiva, déficit neurológico focal progressivo e alterações de personalidade e comportamento. O espaço subaracnóideo é de grande importância clínica na realização de punções e introdução de anestésicos ou contrastes para a realização de exames. A punção lombar é realizada com o paciente inclinado para frente ou em decúbito lateral com o dorso fletido, sendo introduzida uma agulha fina entre a 3ª e 4ª vértebraspara retirar uma amostra do líquido cerebroespinhal, níveis em que não há riscos de lesar a medula. A agulha perfura então a dura-máter e a aracnoide, entrando na cisterna lombar (Figura 10). Esse é um importante instrumento de diagnóstico para avaliar distúrbios do SNC, pois as doenças desse sistema podem alterar as células no líquido ou mudar a concentração dos seus constituintes químicos (Schmidt; Prosdócimi, 2017). Figura 10 – Punção lombar Crédito: rumruay/Shutterstock. 17 Os aneurismas cerebrais ocorrem mais comumente no local onde duas artérias se juntam na formação do polígono de Willis. Nesse ponto, o desenvolvimento de um ateroma enfraquece a parede arterial a ponto de ocorrer dilatação local. O aneurisma pode comprimir as estruturas vizinhas, como o nervo óptico ou outros nervos cranianos, produzindo sinais e sintomas ou rompendo-se subitamente no espaço subaracnóideo. No último caso, sobrevém dor de cabeça intensa seguida por confusão mental. O grampeamento ou ligadura do colo do aneurisma oferece a melhor chance de recuperação (Snell, 2019). NA PRÁTICA O aumento anormal do volume do líquido cerebroespinhal e consequente aumento dos ventrículos encefálicos é denominado hidrocefalia. Essa condição pode comprimir o encéfalo nos ossos do crânio causando cefaleia, náuseas, vômitos, distúrbios visuais, incoordenação motora, alterações na personalidade e dificuldade de concentração. A hidrocefalia pode ser classificada em comunicante obstrutiva, comunicante não obstrutiva e não comunicante. O tratamento é realizado por meio de um procedimento cirúrgico chamado derivação ventrículo-peritoneal. Consulte os livros indicados nas referências e procure explicar a diferença entre os tipos de hidrocefalia em relação às suas origens e características. Descreva também as etapas do processo cirúrgico utilizado como tratamento da hidrocefalia. FINALIZANDO Durante essa aula foram construídos os principais conceitos referentes aos processos que originam o sistema nervoso durante o desenvolvimento embrionário. Nesse contexto, entendemos a sequência de eventos desde o fechamento do tubo neural, a formação do arquencéfalo, das vesículas encefálicas primárias e secundárias, a migração e diferenciação neuronal, até a formação completa dos componentes do sistema nervoso, que pode ser dividido didaticamente para facilitar seu estudo anatômico e funcional. Aprendemos também sobre a formação do sistema ventricular pela luz do tubo neural em desenvolvimento, sistema esse composto, nos adultos, pelos 18 ventrículos: laterais direito e esquerdo, III e IV ventrículos, além do aqueduto cerebral. Além disso, identificamos as meninges como membranas que recobrem e protegem o SNC e estudamos sobre seus componentes e sua distribuição. O líquor é produzido pelos plexos corioideos e células ependimárias, preenche os ventrículos e o espaço subaracnóideo, protege mecanicamente o SNC e contém anticorpos e leucócitos que auxiliam na defesa. No final, relacionamos as malformações denominadas espinha bífida, meningocele, mielomeningocele e anencefalia com o não fechamento adequado do tubo neural; e discutimos sobre as meningites, os meningomas e a importância da punção lombar no diagnóstico de distúrbios do SNC. 19 REFERÊNCIAS COSENZA, R. M. Fundamentos de neuroanatomia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. MACHADO, A.; RAERTEL, L. M. Neuroanatomia funcional. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2014. MARTINEZ. A.; ALLODI, S.; UZIEL, D. Neuroanatomia essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. MENESES, M. S. Neuroanatomia aplicada. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. SNELL, R. S. Neuroanatomia Clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019.