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GENÉTICA E NEUROANATOMIA AULA 5 Profª Patrícia Carla de Oliveira 2 CONVERSA INICIAL Daremos continuidade, nesta aula, à descrição espacial de estruturas anatômicas presentes no encéfalo, bem como na medula espinal, além do estudo dos nervos cranianos e espinais. Nesse contexto, começaremos com o estudo e a caracterização da formação reticular do tronco encefálico, uma rede de neurônios que forma núcleos e fibras envolvidas na modulação do córtex cerebral e no controle motor, por ser uma região de conexão com cérebro, cerebelo, medula espinal e núcleos de nervos cranianos. Os nervos cranianos, portanto, serão discutidos na sequência, com suas principais características referentes às origens, nomenclatura e funções. Posteriormente, passaremos para a descrição do cerebelo, o “pequeno cérebro”, estrutura composta por dois hemisférios ligados entre si e com o tronco encefálico, responsável pelo controle da coordenação motora. No estudo da medula espinal, entenderemos como é sua disposição dentro da coluna vertebral, sua forma, sulcos e colunas que formam a substância branca e cinza, além da função dos tratos ascendentes e descendentes envolvidos na passagem dos impulsos nervosos referentes à motricidade, equilíbrio e postura. Aprenderemos também sobre as raízes dos nervos medulares e suas funções na inervação sensorial e motora, além dos plexos nervosos. TEMA 1 – FORMAÇÃO RETICULAR A formação reticular, substância reticular ou sistema reticular refere-se ao conjunto de pequenos núcleos de neurônios e fibras nervosas entrelaçados que se assemelham, em cortes transversais, a uma rede. Distribui-se no eixo craniocaudal do tronco encefálico, desde os segmentos mais craniais da medula espinal até a transição do mesencéfalo com o diencéfalo, ocupando uma área central de ambos os lados e preenchendo o espaço não ocupado pelos núcleos e tratos (Figura 1). 3 Figura 1 – Formação reticular Crédito: Sakurra/Shutterstock. As projeções ascendentes difusas da formação reticular apresentam um papel importante na modulação da atividade do córtex cerebral, sendo chamada por alguns autores de sistema ativador reticular ascendente (SARA). Através de suas muitas conexões axonais e dendríticas com o cérebro, cerebelo, medula espinal e núcleos dos nervos cranianos, o sistema reticular influencia a atividade de músculos esqueléticos e postura, as sensações somáticas e viscerais, os sistemas autônomo e endócrino, a percepção da dor e até mesmo o nível de consciência. A formação reticular não é uma estrutura homogênea e possui grupos de neurônios com diferentes tipos de neurotransmissores, que constituem os núcleos da formação reticular com funções distintas. Entre eles destacam-se os núcleos da rafe, um conjunto de nove núcleos, entre os quais um dos mais importantes é o núcleo magno da rafe, que se dispõe ao longo da linha mediana em toda a extensão do tronco encefálico e contêm neurônios ricos em serotonina (Machado; Haertel, 2014). Uma via inibidora descendente, composta por axônios de neurônios serotoninérgicos da rafe (figura 2), inibe a transmissão ascendente de impulsos dolorosos. Os núcleos da rafe produzem, ainda, neurotransmissores 4 peptídicos conhecidos como encefalinas, que apresentam ação analgésica semelhante à da morfina (Schmidit; Prosdocimi, 2017). Figura 2 – Via serotoninérgica Crédito: Designua/Shutterstock. O locus ceruleus, localizado no assoalho do IV ventrículo, é o maior núcleo noradrenégico da formação reticular e apresenta neurônios com longos dendritos, exercendo influência excitatória sobre a vigília e os reflexos espinais. A área tegmentar ventral, situada na parte ventral do tegmento do mesencéfalo, medialmente à substância negra e com neurônios ricos em dopamina, é um núcleo com importância na regulação do comportamento emocional, com aferências para o corpo estriado ventral, sistema límbico e córtex frontal. As interações entre tronco encefálico e encéfalo podem ser observadas na figura 3. 5 Figura 3 – Vias dopaminérgica e serotoninérgica Crédito: Blamb/Shutterstock. A função da formação reticular no controle motor está relacionada aos tratos reticuloespinais pontino e bulbar que têm influência antagonista no tônus do músculo extensor. O trato reticuloespinal pontino facilita, e o trato reticuloespinal bulbar inibe o tônus do músculo extensor, enquanto as informações corticais para esse trato ajudam a facilitar sua função. Os ciclos de sono-vigília e alerta recebem influência dos neurônios noradrenérgicos, serotoninérgicos e colinérgicos presentes no sistema ativador reticular ascendente (SARA) por meio das influências talâmica e cortical (Noreldine, 2019). A Figura 4 representa alguns tratos que recebem informações da formação reticular. 6 Figura 4 – Vias da dor Crédito: Blamb/Shutterstock. Segundo o mesmo autor, os centros respiratórios bulbares posterior e anterior, e o centro pneumotáxico pontinho (Figura 5), assim como os neurônios envolvendo a função cardíaca, são todos mantidos sob a influência da formação reticular e tratos reticuloespinais, sendo que informações via seio carótico e de dióxido de carbono no sangue e o pH influenciam essas funções. Para Meneses (2015), quanto ao controle vasomotor, o seu centro encontra-se na formação reticular do bulbo, coordenando os mecanismos que regulam o calibre vascular, do qual depende basicamente a pressão arterial, influenciando também o ritmo cardíaco (Figura 6) 7 Figura 5 – Centros de controle respiratório Crédito: Blamb/Shutterstock. Figura 6 – Reflexo barorreceptor Crédito: Alila Medical Media/Shutterstock. 8 TEMA 2 – NERVOS CRANIANOS Os 12 pares de nervos cranianos têm origem no encéfalo e a maioria está ligada ao tronco encefálico, com exceção do nervo olfatório e do nervo óptico, que se conectam ao telencéfalo e ao diencéfalo, respectivamente. Ao atravessarem forames e fissuras no crânio, distribuem-se na cabeça, além da inervação realizada pelos nervos glossofaríngeo e vago em regiões do pescoço, vísceras torácicas e abdominais. Os pares cranianos podem ser classificados em sensitivos e/ou motores de acordo com seus componentes funcionais e suas aferências e eferências podem ser somáticas ou viscerais. Possuem nomenclatura específica e são numerados em algarismos romanos no sentido craniocaudal (Figura 7) Figura 7 – Nervos cranianos Crédito: Alila Medical Media/Shutterstock. O I par (nervo olfatório) é exclusivamente sensitivo e é formado por pequenos feixes que têm origem na região olfatória de cada cavidade nasal, atravessam a lâmina crivosa do osso etmoide e terminam no bulbo olfatório. O II par (nervo óptico), também de exclusividade sensitiva, é formado por um grosso 9 feixe de fibras nervosas que se originam na retina, emergem próximo ao polo posterior de cada bulbo ocular, penetrando no crânio pelo canal óptico. O quiasma óptico é formado pela união dos dois nervos ópticos, onde há cruzamento parcial de suas fibras. O III (nervo oculomotor), IV (nervo troclear) e VI (nervo abducente) pares são nervos motores que penetram na órbita pela fissura orbital superior, distribuindo-se aos músculos extrínsecos do bulbo ocular, proporcionando seus movimentos. O V par (nervo trigêmeo) é misto e seus prolongamentos sensitivos formam três ramos: nervo oftálmico, nervo maxilar e nervo mandibular, responsáveis pela sensibilidade somática geral de grande parte da cabeça. A raiz motora do trigêmeo é formada por fibras que acompanham o nervo mandibular e se distribuem aos músculos mastigatórios. O VII par (nervo facial) é misto e se forma pela junção das raízes dos nervos facial e intermédio queemergem do sulco bulbopontino e se dirigem para a maioria dos músculos da face e para as glândulas salivares submandibular e sublingual, além de conduzir sensibilidade gustativa aos dois terços anteriores da língua. O VIII par (nervo vestibulococlear) também tem origem no sulco bulbopontino, porém, é sensitivo, entra pelo meato acústico interno e se dirige à orelha interna, momento em que se separa em nervo vestibular e nervo coclear, sendo responsável pela condução dos impulsos auditivos provenientes da cóclea e dos impulsos relacionados com o equilíbrio advindos dos receptores localizados nos canais semicirculares. O IX par (nervo glossofaríngeo) emerge do sulco lateral posterior do bulbo e tem função mista, emitindo fibras para o tímpano, seios carotídeos, faringe, língua, glândula parótida e músculo estilofaríngeo. O X par (nervo vago), de mesma origem, é essencialmente visceral, recebendo e encaminhando informações nervosas do sistema nervoso parassimpático nas vísceras torácicas e abdominais. O XI par (nervo acessório) é formado por uma raiz craniana e uma raiz medular, sendo responsável pela inervação do musculo trapézio e do esternocleidomastoideo. O XII par (nervo hipoglosso), essencialmente motor, distribui-se pelos músculos intrínsecos e extrínsecos da língua, além dos músculos gênio-hióideo e tíreo-hióideo (figura 8). Figura 8 – Nervo cranial 10 Crédito: Chu-Kyung Min/Shutterstock. A origem real dos nervos cranianos não corresponde às suas origens aparentes. Os nervos cranianos oriundos do tronco do encéfalo são formados por núcleos de substância cinzenta existentes no interior do bulbo, da ponte e do mesencéfalo. Esses núcleos apresentam substância cinzenta homóloga à da medula espinal, diferente dos núcleos próprios do tronco do encéfalo (Meneses, 2015) descritos em aulas anteriores e estão distribuídos em colunas longitudinais que correspondem a seus componentes funcionais: coluna eferente somática, coluna eferente visceral geral, coluna eferente visceral especial, coluna aferente somática geral, coluna aferente somática especial e coluna aferente visceral. Aneurismas, tumores, doenças desmielinizantes e acidentes vasculares mesencefálicos são as causas mais comuns de lesões nos nervos cranianos. Lesões nos nervos oculomotor, abducente e coclear podem provocar o 11 estrabismo, em que os dois olhos não se fixam no mesmo objeto; a diplopia, sensação de ver dois objetos de uma vez; e até mesmo a oftalmoplegia, caracterizada pela queda da pálpebra e dilatação da pupila. Lesões no nervo trigêmeo estão relacionadas à perda de sensibilidade, como tato, dor, pressão e temperatura em todo o território de distribuição do nervo. Snell (2019) relata que a parte do núcleo do nervo facial que controla os músculos da parte superior da face recebe fibras corticonucleares dos dois hemisférios cerebrais. Portanto, em uma lesão envolvendo os neurônios motores superiores, apenas os músculos da parte inferior da face serão paralisados. Contudo, nos pacientes com lesão do núcleo motor do nervo facial ou do próprio nervo facial, ou seja, lesão dos neurônios motores inferiores, todos os músculos no lado afetado da face serão paralisados. A pálpebra inferior pende e o ângulo da boca descai. Lágrimas fluem sobre a pálpebra inferior e saliva escoa do ângulo da boca. O paciente é incapaz de fechar o olho e de expor os dentes totalmente no lado afetado. TEMA 3 – CEREBELO Localizado na fossa craniana posterior, ventralmente ao lobo occipital do cérebro e posteriormente ao IV ventrículo, à ponte e ao bulbo, o cerebelo se destaca por sua organização muito parecida com a do cérebro, apresentando um córtex de substância cinzenta que envolve um corpo medular de substância branca, onde são observados os núcleos centrais de substância cinzenta. Também é composto por dois hemisférios e estes são unidos medialmente por um verme estreito. Está conectado à face posterior do tronco encefálico por feixes de fibras nervosas denominados pedúnculos cerebelares e, embora bem menor que o cérebro, o cerebelo possui aproximadamente o mesmo número de neurônios (Figura 9). Figura 9 – Localização do cerebelo 12 Crédito: Sciencepics/Shutterstock. O cerebelo e os núcleos da base funcionam em associação ao córtex cerebral no controle da função motora, interação representada na Figura 10. O cerebelo tem função relevante no sequenciamento das atividades motoras e na rápida progressão de um movimento para o subsequente. Além disso, ajuda a controlar a interação instantânea entre grupos musculares agonistas e antagonistas, isto é, grupos que atuam de maneira coordenada, como por exemplo, um contraindo-se e o outro relaxando. Tem também um papel importante auxiliando o córtex cerebral a coordenar a sequência de movimentos, planejando a próxima ação com antecedência de frações de segundo (Martinez; Allodi; Uziel, 2014). 13 Figura 10 – Interação entre cerebelo, córtex cerebral e tronco encefálico Crédito: Morphart Creation/Shutterstock. A parte externa do cerebelo é dobrada com aspecto em faixa e cada dobra ou folha contém um cerne de substância branca ramificada que pode ser chamada de árvore da vida. Várias fissuras e sulcos podem ser observados, como as fissuras primária e posterolateral, que são as mais profundas. Anatomicamente, o cerebelo é dividido em três lobos principais: o lobo anterior, limitado anteriormente pelos pedúnculos cerebelares e posteriormente pela fissura primária; o lobo posterior, que se estende entre as fissuras primária e posterolateral; e o lóbulo floculonodular localizado entre a fissura posterolateral e os pedúnculos cerebelares. Meneses (2015) afirma que o lobo floculonodular é a parte ontogeneticamente mais antiga do cerebelo e está́ intimamente relacionado com o desenvolvimento do sistema vestibular e do controle do equilíbrio. Os lobos anterior e posterior constituem o corpo do cerebelo. Dois sulcos longitudinais pouco proeminentes separam o cerebelo em três regiões mediolaterais: uma parte central alongada chamada verme cerebelar e os dois hemisférios cerebelares, direito e esquerdo. Cada hemisfério apresenta uma porção intermediária chamada zona intermediária, próxima ao verme cerebelar, e uma porção mais lateral chamada zona lateral. Na região ventral do cerebelo, observa-se que a incisura cerebelar posterior separa completamente 14 os dois hemisférios. Nela, aloja-se uma pequena dobra da dura-máter denominada foice do cerebelo. Lateralmente à incisura, notam-se as tonsilas cerebelares, que se projetam medialmente sobre a face dorsal do bulbo. A relação anatômica entre as tonsilas e o bulbo é de extrema importância, pois, em casos de hipertensão craniana, as tonsilas podem ser deslocadas caudalmente, penetrando no forame magno e comprimindo o bulbo (Martinez, 2014). A Figura 11 apresenta a organização do cerebelo. Figura 11 – Cerebelo Crédito: Vector Mine/Shutterstock. O córtex cerebelar apresenta três camadas celulares que são, de fora para dentro: a camada molecular, a camada das células de Purkinje e a camada granular. As conexões entre as diferentes células são homogêneas, ou seja, repetem-se de modo regular em todo o cerebelo e chama a atenção a ausência de fibras de associação entre diferentes regiões do córtex cerebelar, como acontece no córtex cerebral. Os neurônios do córtex do cerebelo são inibitórios e têm como neurotransmissor o ácido gama-aminobutírico (GABA), com exceção dos neurônios granulares, que são excitatórios, e utilizam o glutamato como neurotransmissor (Cosenza, 2013). Na camada granular e na camada de células 15 de Purkinje chegam fibras excitatórias musgosas e trepadeiras, que emitem ramos para os núcleos centrais do cerebelo. Os núcleos cerebelares sãoformações de substância cinzenta dispostos na substância branca medular do cerebelo, constituindo estruturas exclusivas de saída de dados. São eles: núcleo do fastígio de localização mais medial, que recebe informações do verme e se projeta para os núcleos vestibulares e para a formação reticular; núcleo interposto lateral ao fastígio e composto pelos núcleos globoso e emboliforme, recebendo informações da zona intermediária (paravermal) e enviando impulsos para o núcleo rubro contralateral; e núcleo denteado, o maior e mais lateral, que recebe informações dos hemisférios cerebelares e envia impulsos para o núcleo rubro contralateral e tálamo (Noreldine, 2019). Noreldine (2019) ainda explica que, funcionalmente, o cerebelo pode ser dividido em vestíbulo-cerebelo, uma conexão íntima com o sistema vestibular, controlando, assim, os movimentos da cabeça e dos olhos; espinocerebelo, que recebe informações sensoriais proprioceptivas da medula espinal e controla a marcha e a postura, coordenando os movimentos do tronco e das pernas; e cerebrocerebelo ou pontocerebelo, de estreita interação como córtex cerebral contralateral e responsável pelos movimentos finos e rápidos dos membros superiores (Figura 12). Figura 12 – Divisão funcional do cerebelo Crédito: Elias Dahlke. 16 TEMA 4 – MEDULA ESPINAL, TRATOS ASCENDENTES E DESCENDENTES A medula espinal constitui, juntamente com as estruturas do encéfalo, o sistema nervoso central. Está localizada abaixo do frame magno do osso occipital e tem continuidade com o tronco encefálico na região superior, estendendo-se inferiormente até a junção entre a primeira e segunda vértebras lombares, ocupando os 2/3 superiores do canal vertebral. Seu comprimento, em adultos, fica entre 40 e 45 cm, tem aspecto cilíndrico em quase toda sua extensão e a substância cinzenta está distribuída em forma de H internamente à substância branca. A medula espinal é ligeiramente achatada no eixo anteroposterior e apresenta duas dilatações denominadas de intumescência cervical e intumescência lombossacral, diretamente relacionadas com a emergência das raízes nervosas que formam os plexos braquial e lombossacral que inervam os membros superiores e inferiores, respectivamente. Na extremidade inferior, a medula torna-se afilada, formando o cone medular, sendo protegida pelas vértebras e seus ligamentos e músculos associados, pelas meninges espinais pia-máter, aracnoide e dura-máter, além do líquido cefalorraquidiano. Os 31 pares de nervos espinais se ligam à medula pelas radículas das raízes anteriores motoras e raízes posteriores sensitivas que saem pelos forames intervertebrais. Um canal central perfura a comissura cinzenta da medula espinal e é contínuo com o IV ventrículo (Figura 13). 17 Figura 13 – Medula espinal Crédito: Vasilisa Tsoy/Shutterstock. Em toda a extensão da medula espinal existem sulcos no eixo vertical. A face anterior apresenta um sulco mais profundo na linha mediana, com cerca de 3 mm, chamado fissura mediana anterior. Lateralmente, existem dois sulcos laterais anteriores, por onde saem as raízes medulares anteriores. Na face posterior, o sulco mediano posterior, menos profundo que o anterior, continua com o septo mediano posterior. Os sulcos laterais posteriores, localizados de cada lado, são facilmente visualizados no nível da entrada das raízes medulares posteriores. Nas regiões cervical e torácica alta, os sulcos intermédios posteriores, entre o sulco mediano posterior e os sulcos laterais posteriores, continuam internamente com os septos intermédios posteriores (Meneses, 2015). As duas porções posteriores do H medular de substância cinzenta são denominadas colunas ou cornos dorsais (ou posteriores), as duas anteriores colunas ou cornos ventrais (ou anteriores) e, entre elas, está a substância cinza intermediária. As colunas são unidas por uma estreita comissura contendo o canal central. De forma geral, na coluna anterior predominam os neurônios motores ou motoneurônios; na coluna posterior há o predomínio de neurônios de segunda ordem das vias sensoriais; e na substância cinza intermediária o 18 predomínio de interneurônios ou neurônios de associação. Localizações funcionais mais precisas realizadas pelo neurocientista Bror Rexed dividiram a substância cinzenta medular em 10 núcleos com funções variáveis, de acordo com a citoarquitetura dos neurônios e sua disposição longitudinal. As fibras da substância branca da medula agrupam-se em tratos e fascículos que formam verdadeiros caminhos, ou vias, por onde passam os impulsos nervosos que sobem e descem (Machado; Haertel, 2014). As vias que se relacionam direta ou indiretamente com as fibras que penetram pela raiz dorsal e conduzem impulsos aferentes de várias partes do corpo são denominadas vias ascendentes, enquanto as formadas por fibras que se originam no córtex cerebral ou em diversas áreas do tronco encefálico e terminam fazendo sinapse com os neurônios medulares são denominadas vias descendentes (Schmidt; Prosdocimi, 2017). A substância branca da medula espinal é anatomicamente dividida em funículos anterior, posterior e lateral, onde se distribuem as vias ascendentes sensitivas. No funículo anterior localiza-se o trato espinotalâmico anterior, responsável pela condução do tato protopático (pouco discriminativo) e da pressão; no funículo posterior localizam-se os fascículos grácil e o cuneiforme, responsáveis pela sensibilidade proprioceptiva consciente da metade inferior e superior do tronco e dos membros inferiores e superiores, respectivamente, além de impulsos nervosos relacionados com o tato discriminativo, a sensibilidade vibratória e a estereognosia, que é a capacidade de perceber com as mãos a forma e o tamanho de um objeto; por fim, no funículo lateral se encontra o trato espinotalâmico lateral, que conduz temperatura e dor, e os tratos espinocerebelares anterior e posterior, que conduzem sensibilidade proprioceptiva inconsciente. O contingente mais importante das vias descendentes motoras faz sinapse com neurônios motores somáticos e, portanto, constitui as vias descendentes somáticas. Entretanto, também podem terminar nos neurônios pré-ganglionares do sistema nervoso autônomo (SNA), constituindo as vias descendentes viscerais. A classificação mais utilizada atualmente divide as vias descendentes motoras somáticas em sistema lateral e sistema medial. O sistema lateral contém os tratos corticoespinal e rubroespinal (figura 14), que conduzem impulsos nervosos aos neurônios da coluna anterior da medula. De acordo com Machado; Haertel (2014), no nível da decussação das pirâmides no bulbo, os 19 tratos corticoespinais se cruzam, o que significa que o córtex de um hemisfério cerebral comanda os neurônios motores situados na medula do lado oposto, visando a realização de movimentos voluntários. Assim, a motricidade voluntária é cruzada, sendo este um dos fatos mais importantes da neuroanatomia. Figura 14 – Tratos corticoespinal e corticobulbar Crédito: Polina Kudelkina/Shutterstock. Ainda de acordo com esse autor, os tratos tetoespinal, vestíbuloespinal e os tratos reticuloespinais pontinho e bulbar fazem parte do sistema medial, conduzindo impulsos nervosos para a coluna medial da medula. Dessa forma, controlam a musculatura do pescoço e do tronco, musculatura proximal dos membros, além da manutenção do equilíbrio e da postura (Figura 15). 20 Figura 15 – Subdivisões da medula espinal Crédito: Sakurra/Shutterstock. Na medula espinal, os arcos reflexos desempenham um papel importante na manutenção do tônus muscular, que é a base da postura corporal. O órgão receptor situa-se na pele, músculos ou tendões. O corpo celular do neurônio aferente está localizado no gânglioda raiz posterior da medula e o axônio central desse neurônio de primeira ordem termina em sinapse com o neurônio efetor (Snell, 2019), que transporta as informações para os músculos esqueléticos responsáveis pela resposta motora. Dessa forma, os reflexos são rápidos, involuntários e previsíveis, mesmo quando os estímulos são diferentes (Figura 16) 21 Figura 16 – Arco reflexo Crédito: Ducu59us/Shutterstock. Lesões medulares e das raízes nervosas relacionadas a compressões, hemissecções e transecção, geram incapacidade permanente, sensorial e motora, assim como perda do controle voluntário das funções vesical e intestinal, dependendo do local e intensidade da lesão. De acordo com Machado e Haertel (2014), na poliomielite ocorre paralisia flácida nos músculos correspondentes à área da medula que foi lesionada, seguida de hipotrofia desses músculos. A hemissecção da medula, por sua vez, produz a síndrome de Brown-Séquard, onde os sintomas resultantes da secção dos tratos que não se cruzam na medula aparecem do mesmo lado da lesão e os sintomas resultantes da lesão de tratos que se cruzam na medula manifestam-se no lado oposto ao lesado. Todos os sintomas aparecem somente abaixo do nível da lesão. TEMA 5 – NERVOS ESPINAIS E PLEXOS NERVOSOS Os nervos espinais correspondem às fibras nervosas que têm conexão com a medula espinal e são responsáveis pela inervação do tronco, dos membros e de parte da cabeça. São 31 pares de nervos espinais que correspondem aos 31 segmentos medulares: oito pares de nervos cervicais, 12 pares torácicos, cinco lombares, cinco sacrais e um coccígeo. Ao deixarem o 22 canal vertebral, cada nervo passa abaixo da vértebra correspondente, com exceção da região cervical, onde existem oito nervos e apenas sete vértebras. Nessa região, os nervos saem acima da vértebra correspondente e o nervo C8 passa abaixo da vértebra C7 e acima da vértebra T1 (Figura 17). Figura 17 – Nervos espinais Crédito: Vecton/Shutterstock. A medula espinal é mais curta que a coluna vertebral e, no adulto, termina inferiormente ao nível da borda inferior da primeira vértebra lombar. O espaço subaracnóideo estende-se inferiormente além da extremidade da medula e termina ao nível da borda inferior da segunda vértebra sacral. Em virtude da menor extensão da medula espinal em relação à coluna vertebral, as raízes nervosas dos segmentos lombares e sacrais seguem um trajeto oblíquo descendente até alcançar seus respectivos forames intervertebrais; a correia resultante de raízes nervosas forma a cauda equina (Snell, 2019). Cada nervo espinal possui uma raiz dorsal ou posterior que emerge do sulco lateral posterior da medula espinal e uma raiz ventral ou anterior que se liga ao sulco lateral anterior da medula. A união entre as raízes dorsal e ventral forma o tronco de cada nervo espinal. Na raiz dorsal, observa-se uma dilatação, o gânglio espinal, onde estão os corpos dos neurônios sensitivos, cujos prolongamentos central e periférico formam a raiz. A raiz ventral é formada por 23 axônios que se originam em neurônios situados nas colunas anterior e lateral da medula (Figura 18). Dessa forma, os nervos espinais são considerados mistos, pois possuem fibras aferentes sensoriais na raiz dorsal e fibras eferentes motoras na raiz ventral. Todos possuem, portanto, um território de inervação motora, representado pelo conjunto de músculos inervados pelas raízes ventrais e um território sensorial, representado por faixas na pele denominados dermátomos e que recebem a inervação das raízes dorsais (Figura 19). Figura 18 – Raízes dos nervos espinais Crédito: Stihii/Shutterstock. 24 Figura 19 – Fibras sensoriais e motoras dos nervos espinais Crédito: stihii/Shutterstock. As fibras aferentes podem ser somáticas ou viscerais. As fibras somáticas originadas em exteroceptores na pele trazem informações de diferentes modalidades de tato, dor, temperatura e pressão, enquanto as originadas em proprioceptores nos músculos e tendões trazem informações de propriocepção consciente e inconsciente. Já as fibras aferentes interoceptivas viscerais trazem informações sobre o estado geral do organismo. As fibras eferentes somáticas terminam em músculos estriados esqueléticos e as fibras eferentes viscerais terminam nos músculos liso, estriado cardíaco ou em glândulas, formando o sistema nervoso autônomo, responsável pela manutenção da homeostasia. Como explica Cosenza (2013), os nervos espinhais, às vezes, se anastomosam, ou seja, se unem com nervos vizinhos. Isso significa que as fibras que pertencem a um nervo passam a viajar em um nervo adjacente ou que vários nervos misturam suas fibras, o que dá lugar aos chamados plexos nervosos. É o que ocorre, por exemplo, na inervação dos membros superiores e inferiores (plexos braquial e lombossacral). Dessa maneira, os nervos espinhais podem ser unissegmentares, se têm fibras nervosas originadas em apenas um segmento medular (como os intercostais, na região torácica) ou plurissegmentares, se formados de plexos nervosos (caso da maioria dos nervos espinhais periféricos). 25 O plexo braquial (figura 20) é formado pelos ramos anteriores dos quatro últimos troncos cervicais e pelo primeiro tronco torácico, dando origem aos fascículos posterior, lateral e medial. O fascículo posterior forma os nervos axilar, radial e toracodorsal; o fascículo lateral forma os nervos musculocutâneos e uma das raízes do nervo mediano; e o fascículo medial forma o nervo ulnar, uma das raízes do mediano, os cutâneos mediais do braço e do antebraço. Os ramos anteriores dos troncos nervosos da parte torácica da coluna vertebral não formam plexos e dirigem-se diretamente para os espaços intercostais a que se destinam. Os que provêm de T7 em diante enviam, além da parede torácica, ramos para a parede abdominal e, por isso, são chamados de toracoabdominais (Schmidt; Prosdocimi, 2017). Figura 20 – Plexo braquial Crédito: Alila Medical Media/Shutterstock. De acordo com o mesmo autor, o plexo lombar é formado pelos ramos anteriores do primeiro ao quarto troncos lombares (acrescido de um ramo de T12). Os troncos de L2-L4 se dividem em ramos anteriores e posteriores denominados ílio-hipogástrico, ílioinguinal, genitofemoral, cutâneo femoral lateral, obturatório e femoral. O plexo sacral, por sua vez, é formado pelos ramos anteriores do quarto e quinto troncos lombares e dos quatro troncos sacrais que também apresentam divisões anteriores e posteriores. Os ramos do plexo sacral denominam-se glúteo superior e inferior, cutâneo femoral posterior, isquiático, tibial, fibular comum e pudendo. A Figura 21 representa o plexo lombossacral. 26 Figura 21 – Plexo lombossacral Crédito: Smile Ilustras. Os nervos espinais podem sofrer lesões e compressões que desencadeiam síndromes caracterizadas por diferentes níveis de dor, perda de movimento e de sensibilidade. A síndrome do túnel do carpo, por exemplo, causa dor e parestesia sobre a superfície palmar de três dedos e meio laterais devido à compressão do nervo mediano no túnel do carpo, o retináculo localizado anteriormente no punho. Na síndrome do túnel ulnar ou cubital, ocorre 27 formigamento e perda sensitiva no quarto e no quinto dedos, devido à compressão do nervo ulnar no túnel ulnar, um canal situado ao longo do cotovelo pelo qual o nervo passa para o antebraço. Compressões no nervo ciático, que tem origem nas raízes L4, L5, S1, S2 e S3, podem ser causadas por hérnias discais e aumento dos músculos piriformes em atletas, causando a dor ciática que se ramifica da região lombar em direção ao glúteo e parte posterior da coxa. NA PRÁTICA A ataxia é uma disfunção no cerebelo que causa perda da principal função dessa estrutura, a coordenação motora.A incoordenação do movimento pode afetar qualquer grupo muscular, incluindo olhos, membros e músculos axiais, entre outros. Ataxia, em grego, significa falta de ordem, sendo esse termo usado para indicar incoordenação motora, uma característica-chave dos distúrbios cerebelares. O envolvimento dos músculos axiais, isto é, os músculos do pescoço e do tronco levam à postura anormal e à marcha instável, portanto, uma marcha de base ampla é adotada para contrabalançar e manter o equilíbrio. No teste de marcha em tandem, é solicitado ao paciente andar em linha reta e tocar o calcanhar de um pé com os dedos do outro pé a cada passo. O dano ao verme cerebelar torna essa tarefa particularmente difícil. Quando a ataxia envolve os músculos dos membros, ela pode ser classificada em dismetria e disdiadococinesia. Com base na leitura das referências indicadas, explique a diferença entre essas duas denominações, bem como as consequências de cada ataxia na execução de movimentos e os testes que devem ser realizados com os pacientes para detecção dessas disfunções. Além disso, explique a diferença entre tremor intencional, nistagmo e disartria, distúrbios que também podem estar relacionados a doenças cerebelares. 28 FINALIZANDO Chegamos, com êxito, ao final do estudo e descrição das estruturas que compõem o sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico, de acordo com a divisão didática baseada no critério anatômico, já nos preparando para o enfoque funcional nos sistemas nervosos somático e autônomo, que será dado em outro momento de nossos estudos. Ainda no encéfalo, entendemos a organização da formação reticular, de influência tão importante no controle motor e postura, nos ciclos sono-vigília e alerta, na percepção da dor, nos centros respiratórios e vasomotor, e até mesmo o nível de consciência. O cerebelo está conectado ao tronco encefálico e possui, assim como o córtex cerebral, substância cinza externa e substância branca interna. Seus dois hemisférios estão ligados pelo verme cerebelar e, anatomicamente, são descritos três lobos principais. Os núcleos cerebelares são vias de saída e, funcionalmente, o cerebelo está envolvido na coordenação dos movimentos. A medula espinal, de aspecto cilíndrico, se distribui do tronco encefálico até as primeiras vértebras lombares, sendo constituída por substância branca externa e substância cinzenta em forma de H internamente. Sulcos estão dispostos no eixo vertical e as fibras da substância branca formam tratos que compõem as vias ascendentes e descendentes, sensitivas ou motoras, somáticas ou viscerais. Por fim, nervos cranianos, nervos medulares e gânglios nervosos próximos à medula fazem parte do sistema nervoso periférico e estão relacionados ao envio de informações da periferia aos centros nervosos e vice- versa. Os 12 pares de nervos cranianos têm origem no encéfalo e podem ser classificados em sensitivos e/ou motores, somáticos ou viscerais, inervando cabeça, pescoço, regiões torácicas e abdominais. Já os 31 pares de nervos espinais são considerados mistos, visto que possuem fibras aferentes sensoriais no gânglio da raiz dorsal e fibras eferentes motoras na raiz ventral, inervando tronco e membros, por meio de fibras unissegmentares ou plexos nervosos. 29 REFERÊNCIAS COSENZA, R. M. Fundamentos de neuroanatomia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. FALAVIGNA, A.; VALENTIN NETO, J. G. Neuroanatomia. Caxias do Sul: Educs, 2012. Tomo III. MACHADO, A.; HAERTEL, L. M. Neuroanatomia funcional. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2014. MARTIN. J. H. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH Editora LTDA, 2013. MARTINEZ. A.; ALLODI, S.; UZIEL, D. Neuroanatomia essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. MENESES, M. S. Neuroanatomia aplicada. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. NOURELDINE, M. H. A. Fundamentos de neuroanatomia: um guia clínico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019. PEDROSO, J. L. et. al. Neurogenética na prática clínica. Rio de janeiro: Atheneu, 2019. SCHMIDT, A. G.; PROSDOCIMI, F. C. Manual de neuroanatomia humana: um guia prático. São Paulo: Roca, 2017. SNELL, R. S. Neuroanatomia clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019.