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GENÉTICA E NEUROANATOMIA AULA 6 Profª Patrícia Carla de Oliveira 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, daremos ênfase à divisão funcional do sistema nervoso, diferenciando os principais aspectos neurofuncionais dos sistemas somático e autonômico. Iniciaremos, dentro dessa abordagem, com as diferenças entre os componentes sensoriais e motores presentes nesses sistemas, responsáveis pelo reconhecimento e transporte de estímulos, permitindo a integração do corpo humano ao ambiente ao seu redor e também a manutenção das atividades vitais em equilíbrio. Baseados nesses conceitos, poderemos sistematizar as principais características do sistema nervoso autônomo, bem como suas duas divisões: simpática e parassimpática, consideradas antagonistas fisiológicas no equilíbrio do ambiente interno, devido às diferenças morfológicas, nos neurotransmissores e nos efeitos de cada divisão no funcionamento das vísceras. Estudaremos as vias aferentes relacionadas a dor, temperatura e propriocepção e a cadeia de neurônios envolvida no trajeto desses estímulos até o córtex cerebral. Também serão contempladas as vias eferentes compostas pelos neurônios motores superiores e inferiores que interferem nos movimentos da cabeça, tronco e membros, além de síndromes relacionadas a lesões nas vias motoras. Finalizaremos com as principais técnicas de neuroimagem utilizadas no estudo e no diagnóstico de doenças do sistema nervoso, que possibilitam a identificação com precisão de estruturas anatômicas e também de áreas funcionais importantes. TEMA 1 – SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO Funcionalmente, o sistema nervoso pode ser dividido em sistema nervoso somático e sistema nervoso autônomo, de acordo com o local e o tipo de informação nervosa transmitida. A divisão somática do sistema nervoso é aquela que relaciona o organismo com o meio ambiente e, por isso, pode ser chamada de sistema nervoso de vida de relação. Para isso, os neurônios sensoriais das vias aferentes somáticas conduzem sinais nervosos dos receptores periféricos aos centros nervosos capazes de interpretar informações referentes a visão, olfato, audição, paladar e equilíbrio, além de sensações dolorosas, térmicas, táteis e proprioceptivas. Os neurônios motores das vias eferentes somáticas, por 3 sua vez, levam aos músculos esqueléticos informações dos centros nervosos para a produção de movimentos conscientes e voluntários, na maioria das vezes, levando à integração com o meio externo. O sistema nervoso autônomo compreende a divisão do sistema nervoso responsável pela inervação das estruturas viscerais, permitindo a integração no funcionamento dessas estruturas e a consequente homeostasia corporal. Dessa forma, pode ser denominado também de sistema nervoso visceral. Os neurônios sensoriais das vias aferentes autônomas estão associados a viscerorreceptores que monitoram condições internas, como os níveis sanguíneos de O2 e CO2, diâmetro das paredes dos vasos sanguíneos, pressão arterial, entre outros (Figura 1). Os neurônios motores das vias eferentes autônomas levam impulsos dos centros nervosos até os tecidos efetores, como os músculos lisos e cardíaco, e as glândulas, que podem ser estimulados ou inibidos, constituindo os reflexos viscerais, na maior parte das vezes involuntários e inconscientes (Figura 2). Alguns autores consideram apenas o componente eferente visceral como constituinte do sistema nervoso autônomo, visto que as vias aferentes somáticas e autônomas são semelhantes e compartilham o mesmo gânglio sensitivo. Figura 1 – Controle nervoso da micção Crédito: Alila Medical Media/Shutterstock. 4 Figura 2 – Reflexo barorreceptor Crédito: Alila Medical Media/Shutterstock. Alguns impulsos viscerais tornam-se conscientes e se manifestam sob a forma de sensações como a sede, fome, plenitude gástrica ou dor. A sensibilidade visceral difere da somática principalmente por ser mais difusa, não permitindo localização precisa. Assim, pode-se dizer que dói a ponta do dedo mínimo, mas não se pode dizer que dói a primeira ou a segunda alça intestinal. Por outro lado, os estímulos que determinam dor somática são diferentes dos que determinam a dor visceral. A secção da pele é dolorosa, mas a secção de uma víscera não o é. A distensão de uma víscera, como uma alça intestinal, é muito dolorosa, o que não acontece com a pele. Considerando-se que a dor é um sinal de alarme, o estímulo adequado para provocar dor em uma região é aquele que mais usualmente é capaz de lesar esta região (Machado; Haertel, 2014). Uma diferença importante entre os componentes eferentes do sistema nervoso somático e do sistema nervoso autônomo é que existe apenas um neurônio motor somático ligando o sistema nervoso central ao órgão efetuador. O corpo desse neurônio se localiza no encéfalo ou na medula espinal e seu axônio chega ao músculo esquelético por meio de terminações nervosas conhecidas como placas motoras, já evidenciadas por nós em outra 5 oportunidade. Em contrapartida, dois neurônios motores unem o sistema nervoso central ao órgão efetuador no sistema nervoso autônomo. Um deles tem o corpo dentro do tronco encefálico ou da medula espinal, enquanto o outro está localizado no sistema nervoso periférico, nas dilatações que formam os gânglios autônomos. Dessa forma, o primeiro é denominado neurônio pré-ganglionar e o segundo, neurônio pós ganglionar, como representado na Figura 3. Figura 3 – Reflexo motor somático e autônomo Crédito: Sithii/Shutterstock. Do sistema nervoso autônomo, fazem parte estruturas presentes no sistema nervoso central e no sistema nervoso periférico. Centros de controle autônomo estão localizados nos núcleos hipotalâmicos, na formação reticular do tronco encefálico, no sistema límbico, na área pré-frontal do córtex cerebral e na medula espinal. Segundo Martinez, Allodi e Uziel (2014), as vias nervosas que conectam o sistema nervoso central aos neurônios pré-ganglionares podem ser indiretas ou diretas. As vias indiretas começam na formação reticular do mesencéfalo e projetam-se para os neurônios pré-ganglionares por meio do trato reticuloespinal, e as vias diretas conectam o hipotálamo aos neurônios pré- ganglionares pelo trato hipotalamoespinal. O sistema nervoso autônomo é dividido em sistema simpático e parassimpático e essa divisão baseia-se nas diferenças anatômicas, diferenças nos neurotransmissores e diferenças nos efeitos fisiológicos de cada divisão. As divisões simpática e parassimpática produzem efeitos opostos na maioria dos 6 órgãos e, portanto, são consideradas antagonistas fisiológicos. No entanto, deve-se enfatizar que as duas divisões operam em conjunto entre si, e é o equilíbrio das atividades que conserva o ambiente interno estável (Snell, 2019). TEMA 2 – DIVISÕES SIMPÁTICA E PARASSIMPÁTICA O sistema simpático é a maior divisão do sistema nervoso autônomo e tem como função preparar o corpo para uma emergência. É geralmente catabólico, pois eleva a frequência cardíaca e a pressão arterial; dilata as pupilas; inibe a musculatura lisa dos brônquios, intestinos e paredes vesicais; fecha os esfíncteres; promove a sudorese; os pelos são eriçados; e promove a vasoconstrição na pele e a vasodilatação nos músculos esqueléticos para que o sangue seja redistribuído e a produção de energia aumente no encéfalo, coração e músculos esqueléticos. A divisão simpática é estruturalmente formada por pares de gânglios autônomos localizados de forma paralela à medula espinal, nos 12 segmentos torácicos e nos 3 segmentos lombares superiores. Esses gânglios paravertebrais formam o tronco simpático e, por essa localização, o sistema nervoso simpático é chamado de toracolombar. Os neurônios pré-ganglionares estão dispostos na coluna cinzenta da medula espinal, saempela raiz anterior do nervo espinal e chegam aos gânglios por meio de um ramo comunicante branco (mielinizado), realizando sinapse com 20 ou mais neurônios pós-ganglionares. O neurotransmissor envolvido na maioria dessas sinapses é a acetilcolina. Os neurônios pré-ganglionares podem também fazer sinapse com neurônios pós-ganglionares situados em gânglios pré-vertebrais, em posição anterior à coluna vertebral. Estes são os gânglios celíacos, gânglios aorticorrenais e gânglios mesentéricos superiores e mesentéricos inferiores, unidos ao tronco simpático pelos nervos esplâncnicos. A medula da glândula suprarrenal também pode ser considerada um gânglio simpático, porém, separado da cadeia de gânglios, pois recebe inervação direta das fibras provenientes dos neurônios pré-ganglionares. A epinefrina e a norepinefrina produzidas pela medula da suprarrenal intensificam as respostas obtidas pelos neurônios pós-ganglionares simpáticos. Os neurônios pós-ganglionares simpáticos são mais longos que os neurônios pré-ganglionares, se estendem para formar os ramos comunicantes cinzentos (não mielinizados) que chegam nos órgãos-alvo, e a maioria realiza 7 sinapse por meio do neurotransmissor noradrenalina (Figura 4). Exceções incluem aqueles que inervam as glândulas sudoríparas e alguns vasos sanguíneos por meio da acetilcolina, por exemplo. Figura 4 – Sistema nervoso autônomo simpático Crédito: Alila Medical Media/Shutterstock. A divisão parassimpática do sistema nervoso autônomo promove o equilíbrio e a manutenção da homeostase corporal. A atividade parassimpática de descansar e digerir envolve salivação, lacrimação (lágrimas), micção, digestão, defecação e excitação sexual. Ela reduz a pressão sanguínea e a frequência cardíaca, desse modo preservando e restaurando a energia (Noreldine, 2019). Estruturalmente, é formado por pares de gânglios localizados nas regiões cranianas e sacral, sendo, por esse motivo, chamado de sistema nervoso craniossacral. Na região craniana tem origem dos nervos cranianos oculomotor, facial, glossofaríngeo e vago, enquanto se compõe dos nervos espinais S2, S3 e S4 na região sacral. As fibras eferentes mielinizadas pré-ganglionares formam sinapses nos gânglios periféricos localizados próximos ou dentro das vísceras que elas 8 inervam. Aqui também, a acetilcolina é o neurotransmissor. Os gânglios parassimpáticos cranianos são o ciliar, pterigopalatino, submandibular e ótico. Em certos locais, as células ganglionares estão situadas em plexos nervosos, como o plexo cardíaco, o plexo pulmonar, o plexo mioentérico (plexo de Auerbach) e o plexo mucoso (plexo de Meissner); esses dois últimos associados ao trato gastrintestinal. As fibras parassimpáticas pós-ganglionares não são mielinizadas, possuem comprimento relativamente curto em comparação com as fibras pós-ganglionares simpáticas (Snell, 2019) e realizam sinapse no órgão- alvo por meio da acetilcolina (Figura 5). Figura 5 – Sistema nervoso autônomo parassimpático Crédito: Alila Medical Media/Shutterstock. Vale lembrar que os plexos mioentérico e mucoso fazem parte do chamado sistema nervoso entérico, que permite o suprimento nervoso intrínseco do tubo digestório do esôfago ao ânus. Esse sistema pode funcionar sem interferência do hipotálamo ou de outras estruturas do sistema nervoso central e coordena os movimentos peristálticos, as secreções glandulares, a transferência 9 de água e íons, o fluxo sanguíneo local para o trato gastrointestinal, assim como algumas funções do pâncreas e da vesícula biliar. Alguns órgãos são inervados pelas duas divisões do sistema nervoso autônomo, como as glândulas salivares, os pulmões, o coração e as vísceras abdominais e pélvicas. Outros, como as glândulas sudoríparas, a medula da glândula suprarrenal, a maioria dos vasos sanguíneos e os músculos eretores dos pelos, são inervados apenas pela divisão simpática, enquanto tecidos, como o parênquima das glândulas parótidas e das glândulas lacrimais, inervam-se pelo sistema nervoso parassimpático (Martinez; Allodi; Uziel, 2014). TEMA 3 – VIAS AFERENTES A rede de neurônios responsável pela captação de estímulos em receptores periféricos e o transporte das informações até os centros de associação do sistema nervoso central compõem as vias aferentes, que podem ser somáticas ou viscerais. Classificadas em vias aferentes da sensibilidade (dor, temperatura e pressão), vias aferentes proprioceptivas inconscientes (postura e equilíbrio) e vias aferentes sensoriais (visão, audição, gustação e olfato), em cada via existe o elemento receptor, o trajeto periférico, o trajeto central e a área de projeção cortical. De forma geral, as vias aferentes são compostas por três neurônios que encaminham as informações em cadeia. O neurônio I (neurônio sensorial) localiza-se fora do sistema nervoso central em um gânglio sensitivo, recebendo do receptor informações específicas. O neurônio II (neurônio de segunda ordem) localiza-se na coluna posterior da medula espinal ou em núcleos de nervos cranianos no tronco encefálico, recebe a informação do neurônio sensorial e a encaminha ao tálamo, onde se encontra o neurônio III (terceiro neurônio), cujos prolongamentos encaminham a informação ao córtex cerebral, com exceção da via olfativa. As terminações nervosas dos neurônios sensoriais podem ser classificadas de acordo com o estímulo recebido (Figura 6). Quimiorreceptores são sensíveis a estímulos químicos como na gustação e na olfação; osmorreceptores são capazes de detectar variações de pressão osmótica; termorreceptores detectam frio e calor; fotorreceptores são sensíveis a luz como na retina; nociceptores são ativados por estímulos mecânicos, térmicos ou químicos em intensidades que causam lesões e dor; e mecanorreceptores são 10 os mais variados e incluem os receptores de audição e de equilíbrio do ouvido interno, os receptores do seio carotídeo, sensíveis a mudanças na pressão arterial (barorreceptores), os fusos neuromusculares e órgãos neurotendinosos, sensíveis ao estiramento de músculos e tendões, assim como os vários receptores cutâneos responsáveis pela sensibilidade de tato, pressão e vibração, exemplificados anteriormente em nossos estudos. Figura 6 – Receptores sensoriais Crédito: Designua/Shutterstock. As vias sensoriais, dentro do SNC, são constituídas por cadeias de neurônios, nas quais se observa um cruzamento de um lado para o outro do organismo, ou seja, o hemisfério cerebral esquerdo irá receber as informações sensoriais originadas no lado direito do corpo e o hemisfério direito recebe as informações geradas na porção contralateral do corpo, ou seja, do lado esquerdo. A existência de sinapses ao longo da via sensorial é um fato importante, pois nesses locais a informação pode ser modificada ou ter o seu fluxo interrompido, devido à ação de outros centros nervosos (Cosenza, 2013). Entre as vias aferentes que penetram no sistema nervoso central por nervos espinais, estão as vias de dor e temperatura; pressão e tato protopático; propriocepção consciente, tato epicrítico e sensibilidade vibratória; 11 propriocepção inconsciente; e sensibilidade visceral. As vias aferentes trigeminais, gustativa, olfatória, auditiva, vestibulares e óptica chegam ao sistema nervoso central por meio de nervos cranianos. Os nociceptores e os termorreceptores são terminações nervosas livres, presentes na superfície do corpo e nas vísceras, responsáveis por recolher informações nervosas referentes a dor e a temperatura, enviando essas informações para neurônios sensoriais localizados nas raízes dorsais dos gânglios espinais. Os neurônios de segunda ordem localizados na coluna posterior da medula espinal emitem axônios que cruzam o plano mediano e sobem pelo trato espinotalâmico. No tálamo, o terceiro neurônio emiteaxônios que chegam à área somestésica do córtex cerebral e no sistema límbico. Essa via é responsável pela sensação de dor aguda e bem localizada na superfície do corpo, correspondendo à chamada dor em pontada. Algumas fibras terminam na formação reticular e na substância cinzenta periaquedutal do mesencéfalo, projetam-se para o tálamo e este faz conexão com o córtex cerebral, sendo essa via responsável por um tipo de dor pouco localizada, dor profunda do tipo crônico, correspondendo à chamada dor em queimação (Figura 7). Figura 7 – Vias da dor e temperatura Crédito: Blamb/Shutterstock. Os receptores para a propriocepção estão localizados na musculatura esquelética, nos tendões e nas cápsulas articulares, enquanto os receptores para o tato, pressão e vibração se localizam na pele. Nas vias aferentes 12 conscientes, os neurônios sensitivos chegam até os núcleos grácil e cuneiforme do bulbo e lá fazem sinapse com os neurônios de segunda ordem. Estes cruzam o plano mediano e pelo lemnisco medial (feixe largo de axônios mielinizados) chegam ao tálamo, onde o terceiro neurônio projeta-se para o córtex somestésico. Na propriocepção inconsciente, os neurônios de segunda ordem estão localizados na medula espinal e formam o trato espinocerebelar, que encaminha as informações ao cerebelo. Cílios e células sensoriais presentes na parte vestibular do ouvido interno são estimuladas pelo contato direto com a endolinfa, que se movimenta de acordo com os movimentos da cabeça, promovendo a movimentação reflexa dos olhos. Na via vestibular, os neurônios sensoriais localizam-se no gânglio vestibular e fazem sinapse com os neurônios de segunda ordem nos núcleos vestibulares. Estes alcançam o cerebelo nas vias inconscientes e a área vestibular do córtex cerebral nas vias conscientes (Figura 8). De acordo com Machado e Haertel (2014), o nervo vestibular transmite informações sobre a aceleração da cabeça para os núcleos vestibulares do bulbo que, então, as distribui para centros superiores. As informações ajudam a manter o equilíbrio e a postura, permitindo correções por retroalimentação. Figura 8 – Via vestibular Crédito: Songkram Chotik-anuchit/Shutterstock. 13 TEMA 4 – VIAS EFERENTES As vias eferentes põem em comunicação os centros suprassegmentares do sistema nervoso com os órgãos efetuadores. Podem ser divididas em dois grandes grupos: vias eferentes somáticas e vias eferentes viscerais, ou do sistema nervoso autônomo. As primeiras controlam a atividade dos músculos estriados esqueléticos, permitindo a realização de movimentos voluntários ou automáticos, regulando ainda o tônus e a postura. As segundas, ou seja, as vias eferentes do sistema nervoso autônomo, destinam-se ao músculo liso, ao músculo cardíaco ou às glândulas, regulando o funcionamento das vísceras e dos vasos (Machado; Haertel, 2014). De forma geral, as vias eferentes exercem sua influência pelos neurônios motores, também chamados de motoneurônios. Neurônios motores superiores são aqueles que possuem seus corpos celulares no córtex motor, descem pelo tronco encefálico formando o trato corticoespinal e fazem sinapse na medula espinal. Neurônios motores inferiores tem origem na medula espinal e formam fibras que inervam direta ou indiretamente os órgãos efetores. De acordo com Cosenza (2013), os motoneurônios responsáveis pela motricidade somática encontram-se em duas regiões do SNC: a coluna anterior da medula espinhal e alguns núcleos de nervos cranianos inervadores da musculatura somática (Figura 9). Figura 9 – Nervos motores somáticos Crédito: Blamb Shutterstock. 14 O núcleo rubro, os núcleos vestibulares e a formação reticular são as regiões do tronco encefálico que influenciam os motoneurônios somáticos. O núcleo rubro dá origem ao trato rubroespinal, que desce pelo funículo lateral e faz sinapse com interneurônios laterais da medula, sendo responsável, portanto, pela inervação da musculatura dos membros. Os núcleos vestibulares e a formação reticular dão origem aos tratos vestibuloespinal e reticuloespinal, respectivamente, que descem pelo funículo anterior e fazem sinapse com interneurônios anteriores na medula, influenciando os motoneurônios responsáveis pela inervação da musculatura do tronco. O córtex cerebral exerce influência na motricidade somática por meio dos tratos corticoespinal lateral, corticoespinal anterior e corticonuclear. O trato corticoespinal lateral termina em motoneurônios dorsolaterais na medula, atuando, portanto, no controle da musculatura dos membros. O trato corticoespinal anterior, por sua vez, termina em motoneurônios ventromediais na medula, atuando no controle da musculatura do tronco. O trato corticonuclear comanda a musculatura da cabeça, ligando-se aos neurônios motores dos núcleos dos nervos trigêmeo, facial, glossofaríngeo, vago, acessório e hipoglosso. Vale lembrar que motoneurônios também recebem estímulos vindos do cerebelo para o controle do equilíbrio e da postura. As fibras motoras autonômicas recebem informações dos centros superiores do sistema nervoso central, que cruzam a linha média no tronco encefálico, descem pelo funículo lateral da medula e fazem sinapse com motoneurônios autonômicos nas colunas cinzentas intermediárias, nos níveis torácico, lombares e sacrais. Os impulsos nervosos ganham os neurônios pré- ganglionares, atingem os neurônios pós-ganglionares e são distribuídos para o controle das vísceras, como estudado no tema 1 desta aula. As lesões das vias motoras podem provocar duas síndromes distintas: a síndrome do neurônio motor superior e a síndrome do neurônio motor inferior. Na primeira, decorrente, por exemplo, de um acidente vascular cerebral (AVC), observa-se paralisia (nesse caso a musculatura torna-se espástica), um aumento da amplitude dos reflexos (hiper-reflexia) e a existência de um reflexo plantar extensor (o sinal de Babinski), ou seja, os dedos do pé se estendem em resposta a um estimulo aplicado na pele plantar. Na segunda, decorrente, por exemplo, da poliomielite (na qual o motoneurônio é destruído), há uma paralisia flácida, ausência de reflexos e extrema atrofia muscular (Cosenza, 2013). A 15 esclerose lateral amiotrófica (ELA) é um exemplo de doença do neurônio inferior e foi estudada em aulas anteriores. TEMA 5 – NEUROIMAGEM As técnicas não invasivas que permitem o estudo do sistema nervoso em pacientes vivos, em condições normais e patológicas, tanto para o diagnóstico quanto para a pesquisa científica, são chamadas de técnicas de neuroimagem. O grande desenvolvimento de tecnologias nessa área nas últimas décadas permitiu maior resolução das imagens e precisão para o diagnóstico de neoplasias intracranianas, doenças vasculares do sistema nervoso, trauma craniano e raquimedular, doenças inflamatórias infecciosas e não infecciosas do encéfalo, doenças desmielinizantes, doenças degenerativas e malformações congênitas de encéfalo e medula espinal, com a vantagem de não trazer riscos ao paciente. Técnicas de neuroimagem funcional, por exemplo, permitem o estudo da anatomia e do cérebro em funcionamento, o que na área da pesquisa científica permitiu estudos antes realizados em animais experimentais apenas de forma invasiva, sendo possível o entendimento de processos complexos como a cognição. Na radiografia simples, uma fonte de raios X emite raios entre o paciente e o filme de impressão, formando imagens esbranquiçadas para tecidos densos como ossos e acinzentadas com baixa resolução para tecidos moles como o tecido nervoso. Quando essa técnica é aliada à injeção de contraste, como no estudo da árvore vascular (angiografia), resultados melhores podem ser identificados em relação a integridade, estreitamentos, obstruções, dilatações e malformações da rede sanguínea na área encefálica, por exemplo.A tomografia computadorizada foi a primeira técnica a permitir a visualização da estrutura encefálica de forma não invasiva e emprega fontes múltiplas de raios X que percorrem ponto a ponto a estrutura, formando a imagem no computador pela junção dos múltiplos pontos. É de grande valia na investigação de traumatismos cranianos e bastante sensível na detecção de hemorragias subaracnoides e de calcificações, o que contribui para o diagnóstico de tumores do sistema nervoso central, de doenças metabólicas e lesões congênitas decorrentes de doenças infecciosas (Figura 10). 16 Figura 10 – Tomografia computadorizada em corte transversal para investigação de acidente vascular encefálico hemorrágico Crédito: Suttha Burawonk/Shutterstock. A ressonância nuclear magnética não faz uso de raios X no seu funcionamento, mas sim de campos magnéticos que permitem a distinção de tecidos com base no seu teor de água. O tecido ósseo, por exemplo, não produz imagem, pois contém muito pouca água livre, o que facilita a visualização das estruturas do lobo temporal, base do crânio e da medula. Essa técnica apresenta maior poder de resolução possibilitando a distinção entre substância branca e cinzenta, e até mesmo pequenas massas de substância cinzenta como a do núcleo rubro ou da substância negra, podem ser visualizadas. Identifica também pequenos grupos de neurônios ectópicos, frequentemente associados a epilepsias de difícil controle (Figura 11). 17 Figura 11 – Ressonância magnética em corte sagital para investigação de tumor cerebral Crédito: Suttha Burawonk/Shutterstock. A angiorressonância permite o estudo detalhado dos vasos sanguíneos, de forma não invasiva e sem a utilização de contrastes e substitui a angiografia digital na maioria dos casos, com vantagens evidentes. Outras variações permitem o estudo dinâmico do fluxo liquórico, importante para avaliar casos de hipertensão liquórica subclínica ou problemas na comunicação entre as cavidades ventriculares. A espectroscopia por ressonância magnética permite a avaliação não invasiva da composição química das lesões, permitindo importantes avanços no seu diagnóstico diferencial, antes possível apenas por meio de biópsia. A tomografia por emissão de pósitrons e a ressonância magnética funcional detectam modificações no fluxo sanguíneo e no metabolismo cerebral, o que possibilita a avaliação de quais regiões estão ativas enquanto o paciente desempenha determinada função. Pelo menor custo, maior resolução e maior rapidez, a ressonância magnética funcional é mais utilizada, permitindo melhor compreensão da base orgânica dos transtornos neuropsiquiátricos como esquizofrenia, depressão e transtorno obsessivo compulsivo. É particularmente empregada para localização de áreas importantes ou para identificar o 18 hemisfério dominante para linguagem, aumentando, assim, a segurança de procedimentos cirúrgicos para retirada de tumores ou para tratamento de epilepsias refratárias. NA PRÁTICA O tônus muscular é um estado de tensão elástica permanente dos músculos quando estes estão em repouso. É por meio do tônus muscular que conseguimos manter a postura, mesmo contra a força da gravidade. A contração parcial contínua de um músculo depende da integridade do arco reflexo monossináptico, em que o neurônio aferente entra na medula espinal através da raiz posterior e faz sinapse com o neurônio efetor ou neurônio motor inferior na coluna cinzenta anterior. O motoneurônio inferior supre as fibras musculares depois de percorrer as raízes anteriores, os nervos espinais e os nervos periféricos. Lesões no sistema nervoso produzem sinais e sintomas relacionados ao tônus muscular. O tônus muscular é abolido, por exemplo, se qualquer parte do arco reflexo simples for destruída e um músculo atônico exibir consistência macia e flácida e sofrer atrofia rápida. Levando-se em conta essas informações e conforme o que foi estudado nesta aula, pesquise o significado e também quando e por que ocorre cada um dos sinais e sintomas, a seguir: • Hipotonia; • Hipertonia; • Tremores; • Espasmos; • Atetose; • Coreia; • Distonia; • Mioclonia; • Hemibalismo. FINALIZANDO Na descrição funcional do sistema nervoso, aprendemos que o sistema nervoso somático é responsável por relacionar o corpo humano com o ambiente, por meio da recepção de estímulos, interpretação e envio de respostas. Para 19 isso, receptores periféricos recebem e encaminham informações referentes a visão, olfato, audição, paladar, equilíbrio, sensações dolorosas, térmicas, táteis e proprioceptivas aos centros nervosos que, ao interpretarem os estímulos, encaminham impulsos conscientes e voluntários aos músculos esqueléticos. O sistema nervoso autônomo, por sua vez, é responsável pela homeostase corporal, mantendo o funcionamento adequado das vísceras frente a diferentes situações cotidianas. Para isso, a monitoração ininterrupta de condições fisiológicas como pressão arterial e concentração de substâncias permite o envio de informações eferentes constantes aos músculos liso, cardíaco e para as glândulas. Uma diferença marcante é a presença de um motoneurônio no componente eferente do sistema nervoso simpático, enquanto no sistema nervoso autônomo existem dois motoneurônios. De acordo com características anatômicas, neurotransmissores e efeitos fisiológicos, o sistema nervoso autônomo se divide em simpático e parassimpático. A divisão simpática está relacionada a situações de luta e fuga, preparando o organismo para situações de perigo por meio do aumento da frequência cardíaca, dilatação da pupila e bronquiodilatação, por exemplo. Possui nervos que saem das regiões torácida e lombar, neurônio pré-ganglionar mais curto que o neurônio pós-ganglionar e adrenalina como neurotransmissor no órgão-alvo. Nervos que saem das regiões cranial e sacral, neurônio pré- ganglionar mais longo que o neurônio pós-ganglionar e o neurotransmissor acetilcolina no órgão-alvo são características da divisão parassimpática do sistema nervoso autônomo, relacionada a preservação de energia, por meio de efeitos contrários, na maioria das vezes, a divisão simpática. As vias aferentes são compostas por neurônios sensitivos, neurônios de segunda ordem e terceiros neurônios responsáveis pela captação e transporte de estímulos para o córtex cerebral e podem adentrar o sistema nervoso central pelos nervos espinais e pelos nervos cranianos. As vias eferentes são formadas pelos neurônios motores superiores e inferiores que comunicam o sistema nervoso central com os órgãos efetuadores. O estudo e o diagnóstico de doenças relacionadas ao sistema nervoso têm avançado graças às técnicas de imagem que possibilitam a identificação de estruturas com precisão no encéfalo e na medula espinal. Entre as técnicas de neuroimagem mais utilizadas estão aquelas que utilizam a emissão de raios X, 20 como a tomografia computadorizada e aquelas que utilizam campos magnéticos, como a ressonância magnética e suas variantes. REFERÊNCIAS COSENZA, R. M. Fundamentos de neuroanatomia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. FALAVIGNA, A.; VALENTIN NETO, J. G. Neuroanatomia. Caxias do Sul: Educs, 2012. Tomo III. MACHADO, A.; HAERTEL, L. M. Neuroanatomia funcional. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2014. MARTIN. J. H. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH Editora LTDA, 2013. MARTINEZ. A.; ALLODI, S.; UZIEL, D. Neuroanatomia essencial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. MENESES, M. S. Neuroanatomia aplicada. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. NOURELDINE, M. 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