Prévia do material em texto
Hematologia Clínica Hematologia Clínica P ro f ª D r ª S u e l e n C r i s t i n a d e L i m a DIAGNÓSTICO HEMATOLÓGICO, TRANSTORNOS MIELOPROLIFERATIVOS E OUTRAS ANEMIAS Unidade II Objetivos de aprendizagem ▪Caracterizar e reconhecer os métodos de diagnóstico das anemias autoimunes; ▪ Identificar as principais anemias causadas por insuficiência medular, como a anemia aplástica e a anemia de Fanconi; ▪Conhecer a aplicabilidade do diagnóstico citogenético e molecular na hematologia clínica; ▪Definir e caracterizar as principais doenças mieloproliferativas crônicas, como a leucemia mieloide crônica, a policitemia vera, a trombocitemia essencial e a mielofibrose primária. Anemias por destruição periférica aos eritrócitos As anemias hemolíticas fazem parte do grupo das anemias regenerativas e manifestam-se quando ocorre uma destruição acelerada dos eritrócitos na corrente sanguínea, ou seja: eles são destruídos antes de seu tempo de vida esperado (120 dias). A medula óssea, por sua vez, aumenta sua produção para compensar o número de eritrócitos perdidos por hemólise e, geralmente, há aumento da liberação de reticulócitos. Anemias por destruição periférica aos eritrócitos A hemólise pode ocorrer através de dois mecanismos: • Extravascular: é a forma mais comum de hemólise e corresponde a 90% da destruição fisiológica dos eritrócitos. • Intravascular: a destruição ocorre na corrente sanguínea e correspon de a 10% da destruição normal dos eritrócitos. Anemias por destruição periférica aos eritrócitos As anemias hemolíticas podem ser classificadas etiologicamente em adquiridas e congênitas. As anemias hemolíticas hereditárias são causadas por alterações intrínsecas dos eritrócitos, como, por exemplo, defeitos na membrana (como esferocitose), no metabolismo (como deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase) ou na hemoglobina (como talassemias). Por outro lado, as anemias hemolíticas adquiridas são aquelas provocadas por fatores extrínsecos que incluem destruição mecânica, agentes tóxicos, fármacos e agentes infecciosos. Anemias hemolíticas autoimunes A anemia hemolítica autoimune é uma síndrome adquirida causada pelo sistema de defesa do próprio indivíduo, no qual são produzidos anticorpos (autoanticorpos) capazes de se ligar à membrana eritrocitária, causando sua destruição precoce. É um tipo de anemia hiperproliferativa. Anemias hemolíticas autoimunes Os anticorpos envolvidos nas anemias hemolíticas autoimunes podem ser do tipo IgG e IgM, sendo que o IgA pode estar relacionado com alguns casos raros. De modo geral, a atividade hemolítica desses anticorpos varia de acordo com a temperatura e, por isto, são classificados em: • Anticorpos quentes • Anticorpos frios ou crioaglutininas • Anticorpos Donath-Landsteiner Anemias hemolíticas autoimunes A remoção dos eritrócitos pode ocorrer de formar total ou em partes, sendo que a remoção de parte da membrana resulta na formação de esferócitos, conforme evidencia a Figura 1. Anemias hemolíticas autoimunes Os principais achados laboratoriais da anemia hemolítica autoimune por IgG incluem diminuição dos níveis da hemoglobina, aumento do volume corpuscular médio (VCM), macrocitose e excesso de reticulócitos (reticulocitose). Além disso, o CHCM é elevado de forma característica e seus valores encontram-se acima de 36%. A análise do esfregaço sanguíneo evidencia policromatofilia (devido ao aumento reativo de reticulócitos) e anisocitose, além da presença de esferócitos, pontilhados basófilos e esquizócitos. Em casos de quadros hemolíticos de longa duração, também podem ser observados dacriócitos Anemias hemolíticas autoimunes O exame morfológico da medula óssea mostra um padrão de hiper-regeneração eritroide e os níveis de bilirrubina indireta e a fragilidade osmótica encontram-se elevados. Em alguns casos, também pode-se observar hemoglobinemia e hemoglobinúria. A confirmação do diagnóstico é realizada pelo teste da antiglobulina direta, também conhecido como teste de Coombs direto, que detecta a presença (positivo) de anticorpos (IgG) ou da fração do complemento C3b na superfície eritrocitária. Anemias hemolíticas autoimunes A anemia hemolítica autoimune por IgM ou anticorpos frios é causada por anticorpos que apresentam atividade hemolítica em temperaturas abaixo de 37 ºC, principalmente anticorpos com especificidade de anti-I e anti-i. Essa condição pode estar associada a diversas doenças de base, como, por exem plo, Mycoplasma pneumoniae (anti-I) e mononucleose infecciosa (anti-i). Anemias hemolíticas autoimunes Anemias por fragmentação dos eritrócitos As anemias por fragmentação dos eritrócitos, também conhecidas como síndromes de fragmentação eritrocitária, são desencadeadas por trauma mecânico, físico ou químico. Se a intensidade desses traumas for significativa, o paciente irá apresentar um quadro de anemia hemolítica. Anemias por fragmentação dos eritrócitos De modo geral, o hemograma de um paciente com anemia por fragmentação eritrocitária é caracterizado por poiquilocitose, isto é, há um aumento do número de eritrócitos com formas anormais. As principais causas de trauma aos eritrócitos no sangue periférico incluem: • Próteses valvulares (válvulas cardíacas artificiais) • Marcha e corrida • Queimaduras • Microangiopatias Anemias decorrentes de doenças na medula óssea e insuficiência medular As anemias decorrentes de doenças na medula óssea costumam ocorrer devido a falta ou defeito proliferativo do tecido hematopoiético na medula óssea, comprometendo a produção das três linhagens mieloides, que são: • Leucócitos (glóbulos brancos): responsáveis pela defesa do organismo; • Hemácias (glóbulos vermelhos): responsáveis pelo transporte de oxigênio; • Plaquetas: responsáveis pela coagulação sanguínea. Anemias decorrentes de doenças na medula óssea e insuficiência medular As principais anemias decorrentes da insuficiência da medula óssea são: • Anemia aplástica • Hemoglobinúria paroxística noturna • Aplasia pura de série vermelha (anemia de Blackfan Diamond) • Anemia de Fanconi • Síndrome de Shwachman-Diamond • Anemia diseritropoética congênita Anemia aplástica A anemia aplástica, ou aplasia medular, é uma síndrome de insufi ciência da medula óssea caracterizada por uma alteração do sistema imunológico que leva à diminuição da atividade da medula óssea. Deste modo, as contagens de células sanguíneas começam a reduzir, levando ao quadro de pancitopenia, o qual indica que a anemia aplástica se instalou. Anemia aplástica A maior parte das anemias aplásticas adquiridas são idiopáticas. Além disso, existem outros fatores etiológicos envolvidos, tais como: • Agentes tóxicos: radiação ionizante e agentes químicos (como benzeno, inseticidas e drogas citotóxicas); • Fármacos: butazonas, indometacinas, ibuprofeno, anti-inflamatórios não hormonais, aspirina, antibióticos; • Infecções: hepatite, Epstein Barr, citomegalovírus, vírus da imunodeficiência humana (HIV), parvovírus e dengue. Anemia de Fanconi A anemia de Fanconi é uma doença congênita rara com herança autossômica recessiva que leva à falência da medula óssea. É um tipo de anemia aplástica que impede a medula óssea de produzir novas células, além de gerar células sanguíneas anormais. Isso pode levar ao aumento da predisposição às doenças malignas, tais como mielodisplasia, leucemias e tumores sólidos. Anemia de Fanconi A anemia de Fanconi é resultado de defeitos genéticos que podem ser citogeneticamente identificados, como quebras, deleções e fi guras cromossômicas. As mutações que resultam na anemia de Fanconi podem ocorrer em pelo menos 16 genes diferentes que agem controlando o sistema de reparo do DNA, sendo que a mais comum ocorre em 16g24.3, comprometendo o gene FANCA. Anemia de Fanconi Teste de fragilidade cromossômica A Figura 3 mostra o cariótipode um paciente com diagnóstico de anemia de Fanconi, em que é possível observar um número elevado de alterações cromossômicas que foram induzidas pelo uso de substâncias clastogênicas. Citogenética hematológica: clássica e molecular As células sanguíneas também podem ser examinadas por uma série de técnicas especiais que complementam os exames convencionais do setor de hematologia, como, por exemplo, citogenética, métodos de biologia molecular, imunofenotipagem e citoquímica. Diagnóstico citogenético Os testes citogenéticos podem ser utilizados para investigar alterações cromossômicas nas células que sofreram uma mutação. Esses testes contribuem para o prognóstico de neoplasias, a classificação e o acompanhamento de pacientes em tratamentos. Diagnóstico citogenético As alterações estruturais são classificadas em: • Translocações: troca recíproca de segmentos entre cromossomos diferentes (tipo mais frequente em neoplasias hematológicas); • Deleções: perda de um segmento cromossômico e podem ocorrer em regiões terminais ou intersticiais; • Inversões: se dá quando ocorrem duas quebras no mesmo cromossomo, que alteram a sequência de um segmento cromossômico intersticial; • Duplicações: produzem duas ou mais cópias do mesmo segmento cromossômico. Diagnóstico citogenético A Figura 4 apresenta um esquema das etapas do exame citogenético Diagnóstico citogenético A técnica de FISH (técnica de hibridização in situ por fluorescência) representou um grande avanço para o diagnóstico e monitoramento das neoplasias hematológicas, uma vez que os resultados são obtidos de modo mais rápido e pode ser realizada em diversos tipos de amostras, não necessitando de células em metáfase. Basicamente, a técnica utiliza sondas marcadas com fluorescência para identificar sequências específicas no DNA. Na hematologia, a técnica de FISH é utilizada para monitorar pós-transplantes de medula óssea e para identificar os tipos de leucemias. Provas citoquímicas As provas ou colorações citoquímicas são empregadas para identificar linhagens celulares em diversas patologias hematológicas, principalmente na classificação de leucemias e linfomas. Esses métodos podem ser aplicados tanto à medula óssea quanto ao sangue periférico. Provas citoquímicas As principais colorações citoquímicas são: • Reação de Sudan Black (SD) • Mieloperoxidase (MPO) • Ácido Periódico de Schiff (PAS, do inglês Periodic Acid-Schiff ) • Fosfatase ácida • Fosfatase alcalina de leucócitos (neutrófilos) • Esterases específicas • Esterases não específicas (EE/ENE) Provas citoquímicas Diagnóstico molecular Os métodos mais utilizados para avaliar os mecanismos das alte rações genéticas são: • PCR convencional (reação em cadeia da polimerase): analisa a am plifi cação de sequências específicas de DNA. • RT-PCR (transcriptase reversa-PCR): produz cópias do DNA a partir de uma molécula molde de RNA por meio da enzima transcriptase reversa. • RQ-PCR (PCR em tempo real): técnica capaz de avaliar quantitativamente a presença de alterações genéticas. Doenças mieloproliferativas crônicas As neoplasias mieloproliferativas formam um grupo de doenças hematológicas que apresentam características semelhantes em relação à expansão clonal (produção excessiva de uma ou mais células sanguíneas), clínica e biológica. De modo geral, esse grupo de doenças mieloproliferativas apresentam medula óssea hipercelular com hematopoiese eficaz e predomínio de células precursoras mieloides, eritroides ou plaquetárias. Doenças mieloproliferativas crônicas Assim, as doenças mieloproliferativas são classificadas de acordo com as células que se proliferam de forma excessiva, tais como: • Leucemia mieloide crônica • Policitemia vera • Trombocitose essencial • Mielofibrose primária Leucemia mieloide crônica (LMC) A leucemia mieloide (ou mielocítica) crônica (LMC) é uma doença mielo proliferativa clonal de uma célula-tronco pluripotente. Sua causa genética está relacionada com uma translocação entre os braços longos dos cromossomos 9 e 22, resultando em um gene híbrido BCR-ABL com atividade tirosina quinase. A atividade quinase ativada promove uma desregulação da proliferação celular e uma diminuição da apoptose. Leucemia mieloide crônica (LMC) Podemos dizer que ocorre troca de material genético, sendo que parte do oncogene ABL1 é transferida para o gene BCR no cromossomo 22 e parte do cromossomo 22 é transferida para o cromossomo 9 (Figura 6). Sendo assim, o cromossomo 22 anormal é denominado de cromossomo Philadelphia (Ph1) e representa a principal característica genética da LMC, uma vez que é encontrado em 95% dos pacientes. Leucemia mieloide crônica (LMC) A manifestação da LMC pode ser classificada em três fases: crônica, acelerada e aguda/blástica, cujas características e achados laboratoriais são: Fase crônica (duradoura) Fase acelerada (intermediária) Fase aguda/blástica Leucemia mieloide crônica (LMC) A Figura 7 apresenta imagens do sangue periférico de um paciente com leucemia mieloide crônica em que podemos observar a presença de leucocitose com células mieloides em vários estágios de maturação, como mieloblastos, mielócitos, promiélocitos e metamielócitos. Policitemia vera (PV) A policitemia ou eritrocitose é uma doença clonal, adquirida e caracterizada pelo elevado número de eritrócitos, ou seja: há aumento da massa eritrocitária no sangue periférico. É uma doença que ocorre em idades mais avançadas e com incidência igual entre homens e mulheres. Policitemia vera (PV) A policitemia pode ser classificada em absoluta ou relativa. A policitemia absoluta, ou verdadeira, é causada pela hiperprodução da medula celular, sendo dividida em primária ou policitemia vera (doenças clonais) e secundária (doenças não clonais). A policitemia relativa, por sua vez, é uma forma moderada causada pela redução do volume plasmático. Normalmente, essa condição está associada à diminuição do consumo de fluidos, perda destes por meio de diarreias graves, vômitos persistentes e sudorese abundante, entre outros. Policitemia vera (PV) Policitemia vera (PV) Trombocitemia idiopática ou essencial (TI) A trombocitemia idiopática ou essencial é uma doença mieloproliferativa clonal na qual a medula óssea apresenta uma proliferação excessiva de megacariócitos e plaquetas (trombocitose). Em casos raros, a trombocitemia essencial pode se desenvolver para mielofibrose e leucemia aguda. Trombocitemia idiopática ou essencial (TI) A Figura 8 mostra um esfregaço sanguíneo de um paciente com trombocitemia essencial em que é possível observar um elevado número de plaquetas anormais e um fragmento nucleado de megacariócito. Mielofibrose idiopática ou primária (MP) A mielofibrose idiopática ou primária, também conhecida como metaplasia mieloide agnogênica (desenvolvimento de hematopoese no baço e no fígado), é um tipo mais raro de neoplasia mieloproliferativa que atinge as células sanguíneas, predominantemente a série megacariocítica. Geralmente, a mielofibrose é diagnosticada em pessoas com mais de 50 anos de idade e acomete mais homens do que mulheres. Mielofibrose idiopática ou primária (MP) O esfregaço sanguíneo evidencia a presença de dacriócitos (eritrócitos em forma de “gota” ou “lagrimas”), conforme mostra a Figura 9. Além disso, também podem ser encontrados precursores eritroides (eritroblastos) e mieloides (neutrófilos) no sangue periférico. Mielofibrose idiopática ou primária (MP) Os critérios diagnósticos são utilizados como uma ferramenta de padronização, evitando assim a variabilidade diagnóstica. Tendo isto em mente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) dividiu os critérios em dois grupos, conforme evidencia o Quadro 4: Sumarizando o módulo II: PRÓXIMOS PASSOS UNIDADE III Estudem!!! DOENÇASLINFOPROLIFERATIVAS CRÔNICAS Hematologia Clínica Bons Estudos!