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Hematologia Clínica Hematologia Clínica P ro f ª D r ª S u e l e n C r i s t i n a d e L i m a LEUCEMIAS AGUDAS E AVALIAÇÃO DA HEMOSTASIA Unidade IV Objetivos de aprendizagem ▪Reconhecer os aspectos clínicos e a classificação das leucemias agudas e as principais síndromes mielodisplásicas; ▪ Compreender o diagnóstico diferencial dos distúrbios de coagulação; ▪ Descrever os testes laboratoriais para análise da hemostasia primária e da hemostasia secundária; ▪ Caracterizar o transplante de medula óssea e as provas laboratoriais associadas; ▪ Compreender e interpretar os itens que integram o laudo hematológico. Leucemias agudas e síndromes mielodisplásicas As leucemias agudas são consideradas neoplasias agressivas e, muitas vezes, fatais, cuja principal característica está relacionada com a transformação de uma célula tronco hematopoiética, resultando no acúmulo de mais de 20% de células primitivas na medula óssea, chamadas de blastos. Essa transformação maligna é gerada por anomalias genéticas e moleculares, que caracterizam os subtipos de leucemias agudas. Leucemias agudas e síndromes mielodisplásicas Vale ressaltar que a leucemia pode ser classificada como linfocítica (mais comum em crianças, consistindo em 85% dos casos) e mielocítica (mais comum em adultos, consistindo em 80% dos casos). De modo geral, as manifestações clínicas das leucemias agudas são desencadeadas devido à insufi ciência da medula óssea, como, por exemplo, anemia, infecção e sangramento. Além disso, também pode ocorrer infiltração leucêmica tecidual. Leucemias agudas e síndromes mielodisplásicas As síndromes mielodisplásicas constituem em um conjunto de distúrbios hematológicos classificados dentro do espectro de neoplasias mieloides. As principais características dessas condições estão relacionadas a alterações clonais das células-tronco hematopoéticas, que levam à insuficiência progressiva da medula óssea com alterações displásicas (isto é, alterações da morfologia células) em uma ou mais linhagens celulares, citopenias e aumento do risco de progressão para leucemias agudas, mais especifi camente, a leucemia mieloide aguda. Leucemia mieloide aguda As leucemias mieloides agudas (LMAs) são neoplasias hematológicas, que podem ocorrer em qualquer idade, possuindo uma maior incidência observada em adultos (>60 anos). Geralmente, as LMAs variam conforme a linhagem e o grau de maturação das mieloides afetadas; no entanto, as características clínicas costumam ser semelhantes entre elas. Leucemia mieloide aguda O primeiro sistema de classificação das LMA, conhecido como classificação FAB (French-American-British), se baseava principalmente nos achados morfológicos no hemograma e na medula óssea. O Quadro 1 apresenta a classificação das LMA proposta pela FAB. Leucemia mieloide aguda Leucemia mieloide aguda Vale ressaltar que a classificação da LMA tem sofrido mudanças importantes à medida que os aspectos genéticos começaram a ser incorporados nos estudos das leucemias agudas. Sendo assim, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs uma classificação em seis grupos biologicamente distintos com base nos achados da citogenética e biologia molecular. O Quadro 2 apresenta os seis grupos principais de LMA com suas respectivas características. Leucemia mieloide aguda Leucemia mieloide aguda É importante entender que a principal diferença entre as duas classificações está relacionada com a quantidade de blastos necessária para definir o diagnóstico de LMA, uma vez que a FAB exige, pelo menos, 30% de blastos na medula óssea, ao passo que a OMS usa como critério um valor igual ou acima de 20% de blastos (incluindo promielócitos) no sangue periférico e na medula óssea. Além disso, a OMS também utiliza como critério de definição a presença de certas anomalias genéticas Leucemia mieloide aguda Para o diagnóstico das LMA, é essencial realizar a análise do hemograma, bem como uma aspiração de medula óssea para realizar o mielograma (exame morfológico) e a análise citogenética. Os principais achados laboratoriais que possibilitam a identificação de uma LMA são: Leucemia mieloide aguda • Sangue periférico: presença de blastos leucêmicos, como mieloblastos, monoblastos, megacarioblastos, eritroblastos primitivos ou uma população mista; • Tríade inicial: anemia, neutropenia e trombocitopenia; • Anemia normocítica e normocrômica ou hiporregenerativa; • Trombocitopenia, com contagem de plaquetas abaixo de 50.000/μL (50% dos casos); • Megacariócitos diminuídos ou ausentes; Leucemia mieloide aguda • Contagem global de leucócitos entre 25.000 e 100.000/ μL; • Hiperleucocitose, com contagem acima de 100.000/ μL (10% s 20% dos casos, LMA M4 e M5); • Contagem de blastos maior que 20%, podendo chegar, em alguns casos, a >90%. • Medula óssea hipercelular, com contagem de blastos superior a 20%; • Presença de bastão de Auer nos blastos e promielócitos. Leucemia mieloide aguda A Figura 1 mostra a presença de blastos sem diferenciação, encontrados no esfregaço sanguíneo de um paciente com LMA. Além disso, também é possível observar que essas células apresentam poucos grânulos, mas podem apresentar bastão de Auer. Leucemia mieloide aguda Muitas vezes, não é possível fazer a diferenciação mieloide por meio da análise microscópica, sendo necessário recorrer à imunofenotipagem, que utiliza anticorpos monoclonais marcados contra antígenos associados às linhagens mieloides. Os principais antígenos mieloides são MPO (mieloperoxidase), CD13, CD33, CD177. Leucemia mieloide aguda As técnicas citoquímicas também podem auxiliar na diferenciação granulocítica ou monocítica, sendo que as mais utilizadas são a mieloperoxidase e Sudan black para confirmar diferenciação granulocítica, e a α-naftil acetato esterase (esterase inespecífica) para diferenciação monocítica. Vale ressaltar que as técnicas de citoquímica podem ser aplicadas na medula óssea, no sangue periférico e em cortes histológicos. Além disso, a citometria de fluxo é considerada uma técnica útil para identificar os subtipos da LMA. Leucemia mieloide aguda A análise citogenética é importante para identificar as anormalidades que podem ser utilizadas para subclassificar a doença e definir o prognóstico na maioria dos casos. As anormalidades citogenéticas de bom prognóstico incluem as translocações t(8;21) e t(15;17), bem como a inversão inv(16). Já as anormalidades genéticas de mau prognóstico envolvem deleções dos cromossomos 5 ou 7, mutação TP53 e rearranjos complexos (>3 anomalias não relacionadas). Leucemia mieloide aguda Os principais sinais e sintomas associados às LMA incluem: mal-estar, fadiga, falta de ar, perda de peso, febre, dor óssea e nas articulações, hemorragia, petéquias, púrpuras, palidez acentuada, icterícia e infecção associada da neutropenia. Vale ressaltar que os sangramentos causados pela trombocitopenia e coagulação intravascular disseminada (CIVD) são características da variante promielocítica de LMA. Leucemia linfoblástica aguda A leucemia linfoblástica aguda (LLA), ou linfoide aguda, é uma doença agressiva, causada por mutações somáticas em células precursoras da linhagem linfoide. Essas mutações promovem um descontrole da proliferação celular, além de impedir a maturação celular e a apotose. Deste modo, a LLA é caracterizada pelo acúmulo de linfoblastos B e T anormais no sangue, na medula óssea e em outros locais extramedulares. O pico de incidência da LLA é por volta dos cinco anos de idade, porém, pode persistir até a vida adulta. Leucemia linfoblástica aguda A LLA pode ser subdivididas de acordo com os aspectos morfológicos, conforme a classificação FAB (grupo cooperativo Francês, Americano e Britânico) (Figura 2): Leucemia linfoblástica aguda do tipo L1 (LLA-L1) Leucemia linfoblástica aguda do tipo L2 (LLA-L2) Leucemialinfoblástica aguda do tipo L3 (LLA-L3) Leucemia linfoblástica aguda No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu uma nova classificação, que se baseia na análise citogenética e na imunofenotipagem para complementar os critérios estabelecidos pela FAB. A classificação OMS divide as LLA em: • Leucemia linfoblástica aguda B • Leucemia linfoblástica aguda T Síndromes mielodisplásicas As síndromes mielodisplásicas (SMDs) constituem um grupo heterogêneo de distúrbios clonais derivados de célula progenitora hematopoiética, caracterizadas por normocelularidade ou hipercelularidade da medula óssea, alterações displásicas (anormalidades morfológicas) em, pelo menos, uma das linhagens celulares e uma ou mais citopenias no sangue periférico. Síndromes mielodisplásicas De modo geral, as SMDs se manifestam como citopenias persistentes e refratárias devido à hematopoiese ineficaz que, em alguns casos, pode até evoluir para uma leucemia aguda. A FAB (grupo cooperativo Francês, Americano e Britânico) classifica as SMDs com base nas características morfológicas do sangue periférico e da medula óssea, conforme mostra a Tabela 1. Síndromes mielodisplásicas Síndromes mielodisplásicas No entanto, as SDMs são difíceis de serem caracterizadas, principalmente quando não há um aumento do número de blastos no sangue periférico e na medula óssea. Por esse motivo, a OMS estabeleceu uma nova classifi cação baseada nas características morfológicas, fenotípicas e citogenéticas. O Quadro 3 mostra os critérios mínimos para o diagnóstico das SMDs, estabelecidos pela OMS. Síndromes mielodisplásicas Síndromes mielodisplásicas As displasias encontradas no sangue periférico e/ou na medula óssea podem ser de três tipos: • Disgranulopoiese • Diseritropoiese • Dismegacariocitopoiese Síndromes mielodisplásicas Em relação às alterações cromossômicas encontradas nas SMDs, é mais comum as perdas de material genético do que as translocações. O Quadro 4 mostra as principais alterações citogenéticas encontradas nas SMDs e suas correlações com o prognóstico. Síndromes mielodisplásicas Hemostasia e trombose De acordo com Silva e colaboradores (2016, p. 317), “a hemostasia pode ser definida como o equilíbrio entre a hemorragia e a trombose, ou seja, o sangue deve correr no sistema circulatório de maneira fluida”. Se ocorrer o extravasamento sanguíneo (hemorragia) ou a formação de trombos (trombose), o organismo deve ativar os mecanismos que inibem essas situações Hemostasia e trombose Para que a hemostasia seja mantida, é necessário que todos os componentes, como as células endoteliais, as plaquetas, os fatores plasmáticos de coagulação, os inibidores fisiológicos da coagulação, o sistema fibrinolítico e os mecanismos antibrinogênio, funcionem de forma harmônica, ativando e desativando quando necessário Hemostasia e trombose A avaliação laboratorial da hemostasia sanguínea tem como objetivo identificar as causas e definir a intensidade do defeito da hemostasia. Além disso, essa avaliação também é importante para monitorar pacientes submetidos a terapia antitrombótica (anticoagulante oral). Deste modo, existem vários exames utilizados para avaliar a hemostasia, o qual envolve as plaquetas, a parede vascular e a coagulação. Hemostasia primária e secundária A hemostasia primária ocorre na microcirculação e tem a participação dos vasos sanguíneos, das plaquetas e das células endoteliais. As alterações na hemostasia primária, como, por exemplo, uma deficiência plaquetária (numérica ou estrutural), levam ao desenvolvimento de doenças hemorrágicas, denominadas de púrpuras, as quais têm como sangramento característico as: Hemostasia primária e secundária • Petéquias: sangramento puntiforme de coloração vermelho-vivo; • Equimoses: manchas de cerca de 1 cm de diâmetro, que adquirem uma coloração arroxeada; • Gengivorragias: sangramento gengival; • Epistaxe: sangramento nasal; • Sangramentos gastrintestinais e em sistemas nervosos. Hemostasia primária e secundária Toda vez que um vaso sanguíneo sofre uma lesão, ocorre a adesão plaquetária, por meio da interação entre as glicoproteínas de membrana (GPIb e GPIX) com o fator de von Willebrand e o colágeno. Após a adesão, as plaquetas mudam a sua forma discoide para uma estrutura com projeções, além de ocorrer a secreção dos grânulos e ativação de GPIIb/IIIa. Hemostasia primária e secundária A hemostasia secundária depende da ativação sequencial de uma série de fatores de coagulação e da participação das células endoteliais e plaquetas para alcançar o equilíbrio hemostático ou para estancar uma hemorragia. Vale lembrar que a hemostasia secundária envolve o processo de formação da fibrina para estabilizar o tampão plaquetário. Hemostasia primária e secundária Os fatores de coagulação podem ser divididos em três categorias: • Zimogênios • Cofatores • Proteína estrutural Hemostasia primária e secundária Vale ressaltar que a proteína C, a proteína S e a trombomodulina não atuam na ativação da cascata de coagulação, uma vez que agem como inibidores fisiológicos da coagulação. A Tabela 2 resume as propriedades dos principais fatores de coagulação. Hemostasia primária e secundária O Diagrama 1 mostra os fatores de coagulação envolvidos em cada via da cascata de coagulação, bem como os testes que são utilizados para avaliar a função de cada fator de coagulação nos pacientes. Avaliação laboratorial da hemostasia A avaliação laboratorial da hemostasia primária é realizada pela contagem de plaquetas, morfologia plaquetária e tempo de sangramento, que fazem parte do conjunto de exames do coagulograma. Além disso, alguns laboratórios também avaliam as alterações da hemostasia primária por meio da curva de agregação plaquetária e da citometria de fluxo. Avaliação laboratorial da hemostasia A Figura 3 apresenta esfregaços sanguíneos, mostrando a presença de plaqueta gigante, satelitismo plaquetário e agregados plaquetários no sangue periférico. Avaliação laboratorial da hemostasia O Quadro 5 mostra uma visão geral sobre os testes de triagem utilizados para avaliação da hemostasia secundária. Tromboses A formação patológica de trombos, que são massas sólidas ou tampões formados na circulação por constituintes do sangue (plaquetas e fibrina), recebe a denominação de trombose. De modo geral, a trombose ocorre devido a uma alteração no equilíbrio normal entre o mecanismo da hemostasia e os seus componentes. Tromboses A trombose arterial tem como causa a lesão do endotélio vascular. Essa lesão promove a adesão e agregação das plaquetas, resultando na formação de um coágulo pequeno que, dependendo da sua localização, pode acarretar em consequências graves, como trombose cerebral e infartos sistêmicos. A trombose venosa ocorre, normalmente, em áreas de estase e está relacionada a três fatores principais, denominados de tríade de Virchow. Transplante de medula óssea Alguns tipos de doenças, como leucemias e linfomas, são capazes de afetar a produção e a renovação celular da medula óssea. Em alguns casos, é recomendado o transplante de células-tronco, que é um procedimento realizado para substituir a medula óssea doente por células-tronco normais do próprio paciente ou de outro indivíduo, recuperando a função medular. Transplante de medula óssea As células-tronco podem ser obtidas de três formas diferentes: • Sangue periférico • Medula óssea • Cordão umbilical Transplante de medula óssea As proteínas HLA têm a função de apresentar o antígeno aos linfócitos T para o reconhecimento de corpos estranhos que entram em contato com o nosso organismo, e são divididas em antígenos classe I e antígenos classe II, cujas características estão apresentadas no Quadro 6. Transplante de medula óssea Tipos de transplantes de medula ósseaExistem três tipos de transplante de medula óssea: • Alogênico • Singênico • Autólogo Indicações e complicações O Quadro 7 apresenta as principais doenças para as quais há indicação de transplante de células-tronco. Indicações e complicações As complicações do transplante de células-tronco estão listadas no Quadro 8. Interpretação e elaboração de laudo diagnóstico O hemograma é o principal componente do laudo hematológico. De modo geral, o hemograma serve como suporte para avaliação de praticamente todas as patologias, porém ele tem um papel fundamental na identificação, diagnóstico e prognósticos das doenças que envolvem os componentes do sangue, principalmente as neoplasias hematológicas. Interpretação e elaboração de laudo diagnóstico Análise do exame hematológico As principais alterações observadas são: • Esferócitos • Estomatócitos • Eritrócitos em alvo • Dacriócitos • Drepanócitos • Inclusões eritrocitárias Nesta unidade, foi possível estudar: Bons Estudos!!! Hematologia Clínica Bons Estudos!