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Manual infame... mas útil, para escrever uma boa proposta de tese ou dissertação Contém ainda: 1) duas pequenas pérolas para escrever o trabalho final e sobreviver às sessões de defesa; 2) uma receita inédita para realizar uma tese foucaultiana e, na medida do possível, manter a saúde física e mental, enquanto tudo isso se faz. Sandra Mara Corazza Professora Adjunta no Departamento de Ensino e Currículo da Faculdade de Educação e do PPGE em Educação - Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mestre em Educação pela PUC/RS e doutora em Educação pela UFRGS. e-mail: sandracorazza@uol.com.br Todo mundo sabe o que é um manual. Quando abre um, sabe o conteúdo que vai encontrar, pois ele é sempre de... ou para.... Assim como sabe o tipo de escrita que ali foi cometida. Um manual não precisa e nem mesmo deve ser definido, explicado, contextualizado, senão deixa de ser manual e passa a ser um artigo, ensaio, epopeia, lírica ou tragédia. Deste, infame, só vou dizer uma coisa singela, pragmática, franca: ele nasceu por absoluta necessidade minha, como professora orientadora de dissertações e teses pós-estruturalistas, na área temática Pós-currícido, diferença e subjetivação de infantis da linha de pesquisa Filosofias da diferença e Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS. Porque cansei de falar as mesmas coisas, em sessões individuais ou coletivas de orientação: coisas que eram repetidas porque o que as impulsionava também era recorrente. mailto:sandracorazza@uol.com.br Thiago Nota BIANCHETTI, Lucídio; MACHADO, Ana. (Orgs.) A bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação e escrita de teses e dissertações. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2012. 356 A BÚSSOLA DO ESCREVER Você que começou a ler, de algum modo, está-se deixando implicar neste manual. Não vou dizer que lhe poderá ser útil, já que poderia configurar uma propaganda enganosa. Sua prática é que decidirá. Para mim e meus orientandos está sendo útil. Se for proveitoso para você: que bom! Agora, atenção! Preciso lhe fazer uma advertência, a mesma que fiz a meus orientandos: se você perceber, sentir, entender, intuir, sacar que as orientações contidas no manual funcionam para padronizar, engessar, burocratizar suas produções... Então, será preciso desconstruir, desfazer, corromper, tornar o manual mais infame e baixo, bárbaro e grotesco, ainda. Porque o que vale, o que mais importa é o que cada um pode criar de produtivo e plausível para a "sua" proposta, dissertação, tese. Como eu pude inventar - até aqui, e sempre provisoriamente - isso, deste manual, que minha prática de pesquisadora e orientadora me possibilitou escrever, com todos os seus limites e também devires. I Esqueleto de u m a proposta Introdução - Apresentar brevemente a temática e a teorização, o solo teórico da Proposta. Pode-se também resumir algo da problematização e do novo objeto a ser por ela constituído. - No final desta seção, costuma-se realizar uma síntese de cada grande seção - evite a denominação "capítulo", que tem todo um formato específico, várias subdivisões, número extenso de páginas, etc. - , referindo o título e dizendo em que consiste, o que nela foi trabalhado. - Esta parte apresenta diversas possibilidades de montagem: desde as mais breves, mais "burocráticas" - tipo as dos artigos - , até as mais elaboradas, no sentido de já "analíticas". Pode ser dividida em subseções, se for esta a necessidade, no caso de existir material escrito sobrando. - Cuidado com as repetições! Não é distinto e, aliás, é muito chato, ler, no decorrer do texto, uma ou mais frases exatamente iguais às que já Manual infame... mas útil, para escrever uma boa proposta de tese ou dissertação havíamos lido na Introdução. Seja criativo: mesmo que faltem ideias, não as repita do mesmo modo, encontre sinónimos, remonte as frases, varie os parágrafos. -Outra coisa: por amor de deus ou do diabo, tanto faz, invente um título bonito e adequado a seu trabalho. Não precisamos mais escrever os aborrecidos e indigentes "Introdução" ou "Apresentação", não é mesmo? Apresentação do objeto "bruto" - Aqui, importa dar a conhecer, ao leitor, o objeto de pesquisa "em estado bruto". - Apresentamos os "ditos e escritos" daquele objeto, daquele discurso, que sejam os das significações correntes, das ideias e sent imentos hegemónicos, dominantes , ace i tos sem qualquer questionamento sobre seu valor, importância, elevação, nobreza. - Apresentamos, também, as pesquisas já realizadas sobre tal objeto. Traçamos o mapa comum, que é, a princípio, o território de onde partimos para investigar o objeto. - Para isso, realizamos sínteses, resumos dos argumentos, indicamos o que se repete, isolamos o mais importante, que nos importa desconstruir, na posterior atividade de análise. - Recheamos tal apresentação com fragmentos discursivos, seguidos das devidas aspas e referências. - Fazemos tudo isto, com paciência, para poder ficar claro que nada disso queremos pensar e dizer. Fazemos o movimento de nos filiar e, ao mesmo tempo, aqui, começamos a preparar a nossa desfiliação dos sentidos e práticas correntes. / - Importante: é preciso saber, nesta hora, que o objeto "bruto", que estamos dando a conhecer, pode ser objeto de muitos, que vivem 358 A BÚSSOLA DO ESCREVER numa determinada época, episteme, formação discursiva, sociedade, etc. Mas, que não é o "nosso" objeto, o objeto de nossa pesquisa pós-crítica. Porque, logo, logo, virá o "2 a objeto". 'Problematização do "objeto de pesquisa" - De posse da teorização que escolhemos, e dos conceitos que aí - selecionamos, vamos, agora, "problematizar", isto é: fazer com o objeto bruto uma outra coisa. Vamos criar problemas, ali onde não existiam, onde nem se pensava que existissem. Ao menos, os que formos capazes de ver e formular. - Há, então, dois objetos de pesquisa: 1) o "bruto"., que é o de todos. Que todos, ou muitos, podem escolher para investigar, estudar, discutir, analisar; 2) e o "nosso objeto de pesquisa", que, afinal, é aquele que questionamos e desfiguramos, relemos e reescrevemos, desde a conceptualização escolhida. - Aqui, nesta seção, levantamos "talvez", "pode ser que...'": interrogamos, fazemos as perguntas de pesquisa, relativizamos os sentidos, suspeitamos das significações, desassossegamos o que parecia sossegado. - É assim que criamos o "nosso" objeto de pesquisa, o "verdadeiro" objeto que vamos investigar. - Exemplo. Se perguntarem: - Qual é o teu objeto de pesquisa? Rapidamente, respondemos: - A infância contemporânea. Não! Este é o objeto "bruto". O verdadeiro "objeto de pesquisa", a ser investigado é: - O dispositivo poder-saber-subjetividade de infantilização, no sentido foucaultiano. Pois, então, estamos diante de um outro objeto, de nosso legítimo objeto de pesquisa, ao qual atribuímos outros sentidos, pela via dos conceitos escolhidos. Já não pode mais ser aquele outro objeto, não costurado com a teoria que escolhemos, mas com outras teorias, que não a nossa. Manual infame... mas útil. para escrever uma boa proposta de tese ou dissertação "Re-visãov teórica 359 - A pergunta mais importante a ser feita, nesta parte, para que seja produtiva, e para que a Proposta fique coerente, redonda, é: - O que é que eu vou usar? . -Há vários níveis dessa escolha de uso: 1) da perspectiva teórica, como um todo; 2) do autor, ou autores; 3) da "fase" conceituai e metodológica de cada autor; 4) de conceitos específicos, dentro da produção ou daquela fase. - U m a das coisas mais lamentáveis quando analiso um.texto, para ir a uma Banca de Defesa, é me deparar com páginas e páginas de revisão teórica - na maioria das vezes, repetitiva, cansativa, mal escrita, incompleta - , e chegar ao fim da'Proposta, ou mesmo,da Dissertação/ Tese, e constatar que, daquilo tudo, a criatura usou muito pouco. - I s so é triste, porque fico pensando em todo aquele investimento, que poderia ter sidocanalizado para uma análise, em maior profundidade, das ferramentas conceituais a serem efetivamente usadas na analítica. - N ã o se tem, a cada Proposta, que partir, cada um, do marco zero. A produção do autor escolhido, na maioria das vezes, já foi - e muito bem - comentada, explicada, interpretada, discutida, por outros autores, geralmente bem mais competentes do que nós. Por que, então, não focar no que interessa para o nosso trabalho de pesquisa?. - É frequente, também, que a tal revisão teórica sofra um excesso tal, que acabe ocupando mais páginas do que o próprio trabalho com o objeto. - Se o gosto do candidato for este, o da revisão teórica,- ele pode pensar, então, em fazer um trabalho apenas conceituai - que, aliás, não é "apenas", porque é um trabalho complexo, que requer muito estudo e interlocução com .muitos autores. Se não for esse o gosto, e se quiser realizar uma pesquisa "operatória", é preciso modular, enfocar, restringir ao que interessa. 360 A BÚSSOLA DO ESCREVER - Quanto mais uma revisão teórica for interessada mais produtiva será! - Há casos, mais difíceis, em que não se quer escrever uma seção de revisão teórica. Tudo bem. Só que, nesta condição, a costura entre teoria e objeto deverá acontecer desde o início da Proposta. Para tal, é preciso bastante tempo de estudo da teoria, imitação - no bom sentido - de como o autor operou com os seus objetos, bastante interação com o bruto, e conhecimento do próprio objeto de pesquisa. Embora eu prefira tal tipo de eliminação da revisão teórica, reconheço que é mais difícil, especialmente para o tempo, cada vez mais exíguo, do Mestrado. A não ser que a pessoa venha estudando aquilo tudo há, no mínimo, uns 5, 6 anos. - Por último. Se optamos por realizar uma revisão teórica, por favor, que seja criativa, diferente, com ênfases originais, inesperadas. Não domestiquemos a produção do "pobre" autor, que, às vezes, levou uma vida inteira para estudar, pensar e escrever aquilo. Controlemos nosso excesso de academicismo, no mau sentido. - Mas, também há que se ter rigor, sempre. Nada de "vale tudo"! Nem de dar uma de "neófito"', que se julga um "génio" de compreensão relâmpago! » "Exercício" analítico t - Pensem comigo: - O que é, por definição, um "exercício analítico"? - Ora, do modo com vem sendo usado, é uma amostra, uma porção, uma parte da analítica a ser feita no trabalho final, que apresentamos à Banca Examinadora. - Isto implica quê? Na coisa mais difícil de todas, que é levantar, inventar, criar "unidades analíticas", que nos permitam olhar e dizer coisas diferentes das que são olhadas e vistas, com outros óculos e linguagem, sobre e acerca do objeto bruto. ' Manual infame... mas útil, para escrever uma boa proposta de tese ou dissertação - Se vamos apresentar, no texto de nossa Proposta, um exercício analítico, já temos, evidentemente, que estar operando com nosso objeto. No mínimo, já temos que ter uma espécie de "mapa" das unidades que vamos usar. - Uma das coisas mais maravilhosas, para mim, na função do pesquisador é sua "arbitrariedade". Ele escolhe, desde o início. Ele tem de escolher: desde o bruto, a teoria, a porção da teoria, as unidades. Arbitrariedade que, como todas, não é tão arbitrária assim, pois há algo aí que não sabemos: por que escolho isto e não aquilo, por que isto ou aquilo também "me escolheu". E algo que é da ordem da responsabilidade ética de se ser um pesquisador/estudioso daquela teoria, autor, objeto bruto, etc. Ou seja, como pesquisadores, estabelecemos uma relação de pertencimento a uma cultura, formada pelos que já estudaram e usaram tal teorização, pelos que já pesquisaram, de outros modos, o objeto bruto, etc. Fazemos, também, uma inserção nossa no próprio campo da prática de pesquisa em Educação. E isto não é pouca "porcaria"! - Por isso, atenção! Em face dessa arbitrariedade, inerente à pesquisa, cada um precisa avaliar onde, em que porção do território, problemática, temática educacional, pode se autorizar a pesquisar. Onde pode se movimentar, com mais facilidade, buscar as obras mais significativas, trançar conceitos, ter insights e justificá-los, etc. Ou seja, em outras palavras: escolhe-se aquilo que, até chegar no Mestrado ou Doutorado, mais se estudou, viveu, preocupou, pensou, praticou. Pois não existe nenhum "superorientador", que possa guiar o tempo inteiro cada um e-todos es orientandos, na totalidade dos caminhos que ele precisa percorrer. Em outras palavras, ainda: não é aconselhável inventar "coisas totais", ou "de última hora", ou uma atividade de pesquisa que seja "inteiramente" nova. - Mas, voltando às benditas "unidades". Elas nascem, só podem nascer, como gosto de dizer, do encontro das duas rãzinhas que pulam da teoria e do objeto bruto - nem tão "bruto" assim, aliás, porque já lido e redito com os óculos teóricos. Tenho comprovado que as mais produtivas unidades são as geradas deste modo. Por um motivo bem 362 A BÚSSOLA DO ESCREVER simples: temos "munição" nas duas gavetas, na do objeto bruto e na gaveta teórica. - Quanto às "2 rãzinhas". Em verdade, as tais "rãzinhas", ao invés de duas, são três. Por um motivo cristalino: na criação das unidades analíticas, junto com a da teorização e com a que emerge do discurso que estamos estudando, "pula" também, e de modo às vezes decisivo, muito do que é nosso, do que trazemos, ensinamos, vivemos, gostamos, nos-apaixonamos. Por isto, esta terceira rãzinha eu a chamei de "rãzinha do gosto". Atentem para ela, porque é um pedacinho de nós, de nossa prática profissional, de nosso estilo de existência, de nosso modo de pensar, significar e viver 3 vida, enfim. - Retomando: somente se temos as unidades analíticas, na hora da Proposta, é que poderemos mostrar à Banca algo do que será mais e melhor trabalhado na Tese/Dissertação. - Caso contrário, não. Caso contrário, prefira apenas indicar o rol das possíveis unidades analíticas. Porque isto também é aceito: não desenvolver nenhum exercício analítico e apenas apresentar, referir as unidades, sob as quais se vai analisar o objeto pesquisado. Então, descreva tais unidades na "carta de intenções", que é também uma "carta de compromisso". Carta de "intenções/compromisso" - Esta costuma ser a parte final da Proposta, onde escrevemos o que vamos fazer. Diante de tudo o que foi escrito, daqui para a frente, com esses viáticos, vamos realizar tais e tais coisas, deste e daquele jeito. - Aqui são apresentados o "método", as "fontes", o apontamento de algumas unidades analíticas, que não foram desenvolvidas, apenas indicadas, etc. As vezes, são reunidas, sob a forma de sínteses, algumas coisas que ficaram dispersas no texto. Manual infame... mas útil, para escrever uma boa proposta de tese ou dissertação - Esta também é uma seção conclusiva, mas que não pode ter um "tom" de conclusão. Ao contrário, tem que ser um riacho que corre, um canal que joga pra frente, um rio que deixa abertos os rumos, para que os membros da Banca sintam-se à vontade para fazer o que se espera que façam: avaliem, sugiram, indiquem rotas. A Banca tem de se sentir "convidada" a entrar em sua Proposta. Por isso, sua escritura tem de levá-la a produzir sobre/entre/com o seu texto. Se o seu texto for onipotente, cheio de razão, pleno de certezas e tal, nada disso vai acontecer. Então, pra que Banca Examinadora? - Esta é também uma seção onde selam-se os compromissos de pesquisa. Ao menos até, se for o caso, de eles serem desguiados pela arguição e problematização da Banca. i Outras dicas Se a sua leitura chegou até aqui é porque interessou. Então, aqui vai mais. 1) Aprenda a abrir/criar subseções. Elas, sempre, permitem enfocar melhor o que estamos escrevendo. Seja na revisão teórica, na apresentação do objeto bruto, no exercício analítico. Esta é uma arte importante para quem escreve e também para quem lê. Muitas vezes, não conseguimos identificar as subseções que,inclusive, já estão presentes em nosso texto, que vão acontecendo à medida que escrevemos. Por isto. um olhar externo, como o da Orientadora e do Grupo de Orientação, ajuda e muito. 2) Atente para os títulos, desenvolva a arte de criar títulos. Os melhores costumam ser os mais "finos", de um certo modo. irónicos, lúdicos, instigantes - no sentido de que já sinalizam para as deformidades que se pretende realizar no objeto bruto. Eles devem saltar das duas gavetas, do objeto e da teoria, ao mesmo tempo. Bem como saltar do gosto, do prazer, do divertimento que é criar, da vontade de dar nomes diferentes, próprios, a nossas "crias", ao que estamos criando. 364 A BÚSSOLA DO ESCREVER 3) Uma outra arte que é preciso desenvolver é a da montagem final da Proposta. Implica sensibilidade e astúcia, diante'do conjunto. O que combina? O que tem o mesmo tom? O que é melodioso? E o que não é? Juntar, apartar. Este é o movimento duplo. Muitas vezes, nos perdemos na escrita, ela nos extravia. Neste momento, porque já estamos saturados dela, sempre é bom um outro olhar e outra escuta a teu texto. Alguém em quem confiamos, como bom leitor, pode auxiliar, uma amiga, um namorado, uma amante, até um inimigo. Alguém arguto, de preferência, que saiba "escutar" o texto, como um competente analista. 4) Outra questão importante é a escolha do "formato" da Proposta. Caso se esteja trabalhando, metodologicamente, com conceitos de autor/ autores que sejam propícios, que forneçam elementos/linhas/cores para um novo "desenho" - tais como a cartografia de Deleuze & Guattari, a desconstrução de Derrida, a arqueologia de Foucault, os aforismos de Nietzsche - . por que usar os nossos formatos clássicos e tão repetitivos? Por que usar o "esqueleto" deste Manual infame... mas útil..., por exemplo? Deve-se aproveitar o que os autores inventaram para inventar também, para ousar. 5) Aprenda, no texto, a se apropriar das ideias, argumentos, conceitos. Torne-os "seus". Evite o excesso de citações em destaque, e os malfadados "conforme,, fulano...", "para beltrano...". Use aspas, em pequenos fragmentos, em frases-chaves, somente naquilo que não dá para fazer e ser "seu". Ao agir assim - como um "bom ladrão" - , você se obrigará a entender melhor a argumentação, a incorporá-la a seu objeto de pesquisa, a escrever mais, inclusive. E estará, então, minimamente, abrindo as "janelas" para elaborar uma nova, uma diferente, uma outra teorização. Porém, cuidado para não botar o seu objeto de pesquisa na boca do autor escolhido! Para o "coitado", talvez seu objeto nem existisse, nem não fosse questão. Imite como fazem, nesta direção, os pesquisadores/escritores/ intelectuais que você admira muito. Então, ficará tudo bem. 6) A última dica: "demonstre" sempre e bastante, demonstre exaustivamente as coisas de seu objeto, em junção com a teoria. Não Manual infame... mas útil. para escrever uma boa proposta de tese ou dissertação "aplique", a teoria, seja um "usuário" competente dela, use-a para demonstrar as coisas novas, que apenas nascem da interação com o seu objeto. A análise tem de ser, acima de tudo, demonstrativa, nunca uma exemplificação ou ilustração para a teoria estudada. Os autores com os quais você pesquisa não precisam que você comprove o quanto eles tinham razão. Eles já sabiam disso, ao inaugurarem novos modos de dizer e de olhar as coisas do mundo. E você só fará isso, ou um pouquinho disso, se demonstrar esses novos modos com que você está olhando e dizendo o seu objeto. II Duas pequenas "pérolas" Para escrever a Dissertação ou Tese Escreva um texto que esteja pronto para ser publicado. Não coloque, nele, tudo o que for excessivamente académico: pilhas de cansativas citações em destaque, centenas de notas de rodapé, que doem aos olhos e que ninguém tem obrigação de ler, tediosas revisões bibliográficas que, se o leitor quiser, vai ao autor original, etc. Deixe o texto fluido, articulado, legível, como um livro, que é o que ele deve ser. Afinal das contas, escreve-se para os outros do mundo, não? Quanto mais "pronto" estiver para voar, melhor. Mais chances você terá de publicá-lo, sem precisar ficar meses.faxinando, cortando, acrescentando, articulando, tomando-o publicável. Como sobreviver às sessões de Defesa Olhe: você sabe mais sobre o seu trabalho do que ninguém, certo? Portanto, defenda-o digna e firmemente. O Examinador pode ter as suas razões quando o critica, porque conhece profundamente o autor ou a teoria em questão, por exemplo. Só que é você quem "conhece" mais é melhor o que você "fez" com aquilo tudo, na análise do seu objeto de pesquisa. 366 A BÚSSOLA DO ESCREVER Mas. não seja prepotente, nessa hora, nem em nenhuma outra. Tenha a desejável humildade intelectual, mas também não seja frouxo. Não morda nem rasteje. Não deixe questões sem exame. Agradeça, se não "Souber responder, diga que vai pensar, que não havia anteriormente contemplado aquela questão. Ou. que sabia daquilo, mas optou,por não usar, por julgar mais produtivo usar tal e tal ferramenta analítica, por tal e tal motivo. Se for o trabalho final, diga que aquilo que está sendo apontado como estando frágil._deverá ser fortalecido, sim. em pesquisas e produções vindouras, pois aquele, com certeza, não será o seu último trabalho, etc. Em poucas palavras: faça "bonito", como Mestre ou Doutor que você quer ser, pois vem trabalhando para isso. Aproveite o espaço da Sessão de Defesa para continuar "produzindo" sobre o seu texto, pois é uma instância'muito importante para a sua pesquisa: a hora em que ela sai do ninho, que é o da Orientação, e começa a ganhar o mundo, o tempo, a história. Em suma. seja firme, mas também temo. E isto é difícil de praticar, embora fácil de lembrar e dizer, desde o Che. III Receita de uma tese foucaultiana 1) Misture em sua cabeça (a mistura deve ficar bem seca): ai 3 xícaras de porcelana do melhor Foucault da época pós- estruturalista b) 1 envelope de fermento arqueológico (o mais profundo que encontrar, sem ter de passar pelos horrores da Arqueologia do saber) c) 1 colher de chá de sal-da-vida (Mas, só o sal, quanto à vida, propriamente dita, esqueça! Enquanto estiver fazendo esta receita, você não viverá, a não ser uma vez por semana - e olhe lá, já é lucro! Só que, aí, já estará tão cansado, que logo, logo se embriagará, mesmo que não esteja tomando um "30 anos'". A comida lhe dará azia, gastrite, até úlcera. O antológico Manual infame... mas útil. para escrever uma boa proposta de tese ou dissertação filé de linguado com alcaparras do Gambrinus terá gosto de pirão. O filme lhe trará novas - e disparatadas, sempre inúteis! - ideias para adicionar à sua tese. A Bienal do Mercosul lhe mostrará que você não é, nunca foi, não será, não tem a mínima chance de ser criativo. O jazz do Café Majestic será ouvido como se fosse pagode e as músicas do Bardo Nito, como pura perda de tempo. As conversas com os amigos lhe parecerão terrivelmente triviais e os próprios amigos tremendamente banais. O cigarro terá o amargor do fel, além de você ficar cheio de picumã. O café expresso, que você tanto curte, terá gosto de cevada braba. Você terá que dominar os seus impulsos zoocidas, quando os 3 cachorros e os 5 gatos lhe pedirem comida. O próprio fazer-amor terá sabor de um perigoso suplemento, como diria Derrida, que o desvia de seu verdadeiro amódio' atual: a tal da tese. E a maior de todas as desgraças é que você ficará, nesta única vez na semana, com uma vontade imensa, inegociável, quase incontrolável, de regressar aos livros, às notas manuscritas, ao teclado, a seu texto, em suma.) d) 1 colher de chá de bicarbonato de sódio (não para que a massa cresça, mas para combater aquela maldita queimação estomacal). 2) Bata, bata, bata... no Processador (seu cérebro devastado, com vários neurónios mortinhos), na Batedeira (que é um dispositivo de bater, merecedor de uma genealogia, tipo Vigiar e bater...),ou a Mão (se ela não estiver entrevada pela tendinite, epicondilite, todas as ites), até formar uma espécie de geléia real (não soberana, pois este tipo de poder já era... Era? E FFHHCC, o Príncipe?). Assim, você deverá obter: uma espécie de caldo, como o cultural; um creme, como os de beleza (a qual, aliás, você vem gradativamente perdendo, dia e noite, noite e dia, mais à noite, nos serões, horas e horas debaixo da irradiação das fluorescentes); um mel, como o da abelha, muito, mas muito mais profícua do que você; etc. Neologismo que condensa o binómio amor-ódio. 368 A BÚSSOLA DO ESCREVER Inevitavelmente, o ponto certo de tal mistura somente é atingido em função da liga incolor, ligeiramente salgada, formada por todas as lágrimas que você chora, chorou, e chorará, durante as grandes e pequenas revoltas, crises, bloqueios, e os surtos intermináveis dos quais a receita é feita. 3) Adicione 1 xícara de açúcar (no mais das vezes, pode-se usar vinagre mesmo, por seu caráter inerente ao preparado). 4) 5 colheres de sopa de margarina (mas, não pense que pode ficar de colher na mão, já que os dias, semanas, meses, anos, em que se faz essa receita, não são dias de sopa, mas de churrasco mesmo, daqueles esturricados, queimados, carvãozinho) - substitua por manteiga, se tiver coragem. Antes, faça todos os exames laboratoriais necessários, para verificar as taxas de colesterol - total, HDL, LDL - , triglicerídeos, creatinina, fosfatase alcalina, anticitomegalovirus, HIV, pois todas as suas taxas devem estar alteradíssimas. Reveja o filme O último tango em Paris, embora possa ser substituído por O império dos sentidos, embora eu não me lembre de manteiga por lá e esta associação tenha sido apenas.livre, e tome a sua decisão entre margarina e manteiga, já que você está tendo que tomar, parece, todas as decisões mais importantes do mundo. 5) Caso o(s) filme(s) e os resultados dos exames tenham produzido bons efeitos em você, acrescente 2 ovos (de galinha, de preferência, nada0 de inventar ovos humanos) à mistura anterior e bata mais um pouco (vontade de bater é que não falta!). 6) Junte a mistura seca à molhadíssima, e acrescente 1 xícara e lA de leite (de vaca, cabra, cobra - afaste-se do leche de su propia madre). Misture isso (do jeito que puder, a estas alturas do campeonato), mas sem bater demasiadamente, apenas para formar uma massa homogénea (embora você já esteja disforme). 7) Agora, sim, é chegada a hora de botar em movimento sua identidade mestiça, fronteiriça, estrangeira, estranha, e isolar as heterogeneidades, delimitar as rupturas, descontinuidades, deslocamentos. Em poucas palavras, Manual infame... mas útil, para escrever uma boa proposta de tese ou dissertação meu deus: definir AS UNIDADES DE SUA ANÁLISE. O perigo não moFa ao lado, mora aqui. Faça isso, com coragem, sulcando a massa, com variadas microfísicas de poder, todas as vontades de saber de que for capaz, histórias muitas histórias, usando os poucos prazeres que lhe sobraram, sem cuidar nadica de nada de si. Afinal - e já não era sem tempo (esta frase que nenhuma criatura que fala outra língua entende) - , a doença do corpo, a mental, a loucura se avizinham. Já não se escutam mais as palavras, nem se olham as coisas, pois elas não fazem mais nenhum sentido. Todas as três sexualidades, bem como as outras, não publicadas, impublicáveis, foram para as cucuias. Da prisão não se escapará, pois ainda matamos alguém, deixando para publicação póstuma um dossiê do tipo Eu, que fazia a tese, degolei minha mãe, meu pai, minha irmã, meu irmão, meu marido, os três filhos, a empregada, a faxineira, o vizinho, et alii. Sorte nossa, apesar de nossas pós- críticas, que o poder disciplinar criou o asilo e a psiquiatria e a clínica e o hospital: salvarão nossos corpos e libertarão nossas sofridas almas de intelectuais, resgatando, de suas relações com o poder do PPGEDU, da CAPES e do CNPq, sua função autêntica e legitimamente política. Entretanto, do suplício, igualzinho ao de Damiens, não escaparemos. Pois, afinal das contas, estamos ou não estamos fazendo uma tese? Somos, ou não, mulheres e homens criminosos, subversivos, anormais, ao nos propormos a ser autores? 8) A esses efeitos, que são de superfície, não se preocupe, acrescente 1 xícara de nozes (elas têm, sim, a forma do seu cérebro!) e 1 xícara de passas secas (pode ser daqueles seus neurónios, para sempre descartados). Coloque nas forminhas e leve ao forno médio (como variação, pode-se ir a uma fogueira de Sabá), até dourar todas as camadas sedimentares (enquanto isto, dê uma sesteada, pois está chovendo de novo - 4 o monstro do El Nifw, ou a monstra de sua irmã, que espalham furores e flagelos no Planeta, tal como o de meter a gente a fazer uma tese - , e a madrugada será longa, até o alvorecer, como todas "as outras). ' 9) Por fim, leve o resultado dessas ações sobre suas próprias ações para o Grupo de Orientação e, em companhia da Orientadora e dos 370 A BÚSSOLA DO ESCREVER colegas, deguste todas as alegrias a que você tem direito. Caso avalie que vai precisar, tome 6 Prozacs, uma hora antes, para evitar o repé, o bode, a pós-orgia. E, bom proveito! O que dá gosto regala a vida! Obs.: Não existem variações para esta receita. Se alguém as descobriu, até hoje não contou. Ou, então, é daqueles metidos a besta, que dizem que a coisa toda sai na urina, sendo, portanto, falsa a receita. Não acredite em nenhuma palavra desse teor. Perdoai-o, porque o cara não sabe o que diz, nem - o que é mais sério - o que faz! Universidade: nos bastidores da produção do conhecimento1 Teresa Maria Frota Haguette' (20/08/1934-12/12/1995) Trata de dois temas interligados e que repercutem intensamente no pro- cesso de geração de conhecimento nos programas de pós-graduação da academia: a incompetência metodológica do orientador de dissertações e teses e seu relacionamento com o aluno. Ao final, são propostos vinte princípios considerados cruciais para assegurar as condições básicas do rigor científico, associadas ao relacionamento ótimo entre orientador e orientando. Muitas das universidades brasi leiras vêm há alguns anos implementando um processo de avaliação institucional com vistas à identificação dos seus goulots d'étranglement e à consequente melhoria de seu desempenho nos mais variados níveis. A preocupação que me açoda neste momento tem uma dimensão específica, situando-se no âmbito mais restrito da produção do conhecimento dentro da academia. Parto de uma Artigo originalmente publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, INEP/MEC, v.75, na179/180/181, p.157-169, jan./dez. 1994. Nossos agradecimentos ao INEP pela liberação do artigo para fazer parte desta coletânea. 2 A professora Teresa era PhD. em Sociologia e professora titular da UFC. Entre suas publicações destacam-se: Metodologias qualitativas na sociologia e Dialética hoje, pela Vozes. Agradecemos ao professor Dr. André Haguette, pela presteza e gentileza com as quais liberou o artigo para compor esta coletânea. A "revisão da bibliografia" em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis - o retorno Alda Judith Alves-Mazzotti Professora e coordenadora do Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá, RJ; mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora em Psicologia da Educação pela Universidade de Nova York. e-mail: aldamazzotti@uol.com.br Este artigo - publicado pela primeira vez em 1992 nos Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas,1 e parcialmente utilizado em livro2 - analisa o papel da revisão da bibliografia em trabalhos de pesquisa e aponta as principais deficiências observadas em dissertações de mestrado e teses de doutorado no que se refere a esse aspecto. Ao ser procurada pelos editores desta coletânea para autorizar a republicação do artigo, fui reler o que havia escrito em 1992, chegando à conclusão de que, infelizmente, os problemascontinuam os mesmos. Por essa razão, optei por manter o texto original, reduzindo ao mínimo ALVES, Alda Judith. Revisões bibliográficas em teses e dissertações: Meus tipos inesquecíveis. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, Fundação Carlos Chagas/Cortez, na 81 , p.53-61, maio de 1992. Ficam aqui expressos os agradecimentos aos editores pela liberação deste artigo para fazer parte desta coletânea. , 2 ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith & GEWANDSZNAJDER, Fernando. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisas quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998 ( l .ed.); 1999 (2.ed.); 2000 (1* reimpressão). mailto:aldamazzotti@uol.com.br 26 A BÚSSOLA DO ESCREVER as alterações. Apenas solicitei à REDUC (Rede Latino-Americana de ' Informação e Documentação em Educação) que atualizasse a lista de "estados da arte" que constavam da versão original, o que foi feito com a presteza e a competência que caracterizam o trabalho dos responsáveis pela rede, a quem expresso meus agradecimentos. Introdução A revisão da bibliografia, apesar de sua indiscutível importância para o encaminhamento adequado de um problema de pesquisa, é frequentemente apontada como um dos aspectos mais fracos de teses"e dissertações de pós-graduação em Educação. Almeida (1977), ao avaliar a qualidade das dissertações defendidas em mestrados do Rio de Janeiro, observou que 70% das revisões se situaram nos níveis regular e sofrível, tendo sido também, dentre os aspectos avaliados, o mais frequentemente classificado como péssimo. Igualmente preocupadas com esse problema, Castro e Holmesland (1984) avaliaram as revisões apresentadas em dissertações de mestrado da PUC-RS e constataram que a maioria não se baseava em trabalhos de pesquisa e artigos de revistas nacionais ou estrangeiras e, sim, em livros, os quais, sabidamente, refletem com atraso o estado do conhecimento numa dada área. A má qualidade da revisão da literatura compromete todo o estudo, uma vez que esta não se constitui em uma seção isolada, mas, ao contrário, tem por objetivo iluminar o caminho a ser trilhado pelo pesquisador. desde a definição do problema até a interpretação dos resultados. Para isto, ela deve servir a dois aspectos básicos: (a) a contextualização do problema dentro da área de estudo; e (b) a análise dõ referencial teórico. Esses dois aspectos serão aqui discutidos, procurando-se apontar as dificuldades enfrentadas por pesquisadores iniciantes, especialmente alunos de pós-graduação, no que se refere à revisão da literatura necessária à elaboração de suas teses e dissertações, e sugerir procedimentos que possam contribuir para a elevação da qualidade desses trabalhos. Dado A "revisão da bibliografia" em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis - o retomo o fato de que a revisão da bibliografia deve estar a serviço do problema de pesquisa, é impossível, além de indesejável, oferecer modelos a serem seguidos. Por essa razão, procuramos oferecer apenas orientações gerais. Mas, se não se pode especificar como deve ser uma revisão da literatura, é possível mostrar o que deve ser evitado. É o que procuramos fazer ao apresentar, ao final deste trabalho, os tipos de equívocos mais frequentes no que se refere a revisões da bibliografia. Esses tipos são apresentados usando o recurso da caricatura, para tomar mais visíveis certos traços e amenizar a aridez do tema. Finalmente, é importante esclarecer quê aqui trataremos de dois tipos de revisão de literatura: (a) aquela que o pesquisador necessita pa raseu próprio consumo, isto é, para ter clareza sobre as principai s questões teórico-metodológiças pertinentes ao tema escolhido, e (b) aquela que vai, efetivamente, integrar o.relatório do estudo. Quanto mais eficiente for a primeira, mais funcional e focalizada será a segunda. Contextualização do problema A produção do conhecimento não é um empreendimento isolado. E uma construção coletiva da comunidade científica, um processo cont inuado de busca, no qual cada nova investigação se insere, complementando ou contestando contribuições anteriormente dadas ao estudo do tema. A proposição adequada de um problema de pesquisa exige, portanto, que o pesquisador se situe nesse processo,_analisando criticamente o estado atual do_conhecimento em sua área de interesse, comparando e contrastando abordagens teórico-metodológicas utilizadas e avaliando o peso e a confiabilidade de resultados de pesquisa, de modo a identificar pontos de consenso, bem como controvérsias, regiões de sombra e lacunas que merecem ser esclarecidas. Essa análise ajuda o pesquisador a definir melhor seu objeto de es tudo e a selecionar teorias, procedimentos e instrumentos ou, ao contrário, a evitá-los, quando estes tenham se mostrado pouco eficientes 28 A BÚSSOLA DO ESCREVER na busca do conhecimento pretendido. Além disso, a familiarização com a literatura já produzida evita o dissabor de descobrir mais tarde (às vezes, tarde demais) que a roda já tinha sido inventada. Por essas razões, uma pr imeira revisão da literatura, extensiva, ainda que sem o aprofundamento que se fará necessário ao longo da pesquisa, deve anteceder a elaboração do projeto. Durante essa fase, o pesquisador, auxiliado por suas leituras, vai progressivamente conseguindo definir de modo mais.preciso o objetivo de seu estudo, o que, por sua vez, vai permitindo-lhe selecionar melhor a literatura realmente relevante para o encaminhamento da questão, em um processo gradual e recíproco de focalização. Esse trabalho inicial é facilitado quando existem revisões atuais publicadas sobre o tema. Infelizmente, são poucas as revisões produzidas no Brasil sobre o conhecimento acumulado numa dada área (Schiffelbem e Cariola , 1989), o que obriga o pesquisador a um trabalho de "garimpagem". Prática tradicional nos países desenvolvidos, a elaboração dos chamados estados da arte entre nós fica muito restrita a capítulos encontrados em teses e dissertações de mestrado e doutorado. Tal contribuição, embora não possa ser desprezada, é insatisfatória. Em primeiro lugar, porque estados da arte devem ser elaborados por especialistas, pessoas que aliem profundo conhecimento da área e capacidade de sistematização, o que, como já foi dito, nem sempre é o caso de alunos de mestrado e doutorado. Além disso, teses e dissertações são, em geral, pouco divulgadas, só estando disponíveis nas bibliotecas das instituições em que foram defendidas. De qualquer forma, sempre que houver revisões de bibliografia recentes e de boa qualidade sobre o tema é conveniente começar por elas e, a partir delas, identificar estudos que, por seu impacto na área, e/ ou maior proximidade com o problema a ser estudado, devam ser objeto de análise mais profunda. Essas revisões, ainda que constituam precioso auxiliar, precisam ser complementadas pela leitura de outros estudos que, por terem sido publicados posteriormente, ou por não atenderem aos critérios adotados nas revisões, nelas não tenham sido incluídos. A "revisão da bibliografia" em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis - o retomo - 29 Quando não houver revisões disponíveis, é recomendável começar pelos artigos mais recentes e, a partir destes, ir identificando outros citados nas respectivas bibliografias. Obras de referência (como os Abstracts e os resumos de teses e dissertações publicados pela ANPEd), sistemas de informação (como o ESIC-Educational Research Information Center), redes de informação por computadores (como aREDUÇ), bibliografias selecionadas,3 também são de extrema utilidade na identificação e seleção de estudos para revisão. Mais recentemente, programas de busca disponíveis na Internet e portais especificamente elaborados para a divulgação de pesquisas, como o Prossiga do CNPq e o portal do INEP, facilitam sobremaneira a tarefa do pesquisador. Não devemos esquecer, porém, que, à exceção dos estados da arte, o pesquisador deve, sempre que possível, basear sua revisãoem fontes primárias, isto é, nos próprios artigos, documentos ou Tiyros, e não em citações de terceiros. Cabe ainda assinalar que, no caso de pesquisas em educação realizadas no Brasil, a comparação entre pesquisas é dificultada pelo caráter fragmentário dessa produção e pela grande variedade_de abordagens teóricas e metodológicas adotadas. Muitas vezes, resultados conflitantes que focalizam um mesmo tópico são devidos à utilização de diferentes procedimentos, unidades de análise, bem como ao tipo de população envolvida. Sempre que for este o caso, tais diferenças devem ser avaliadas em termos de adequação do instrumental teórico e metodológico utilizado em cada estudo. Tal procedimento frequentemente permite relativizar, ou até mesmo anular, a significância de certas incongruências entre resultados de pesquisa. Mas, se uma certa quantidade de leitura é necessária ao investigador na abordagem de um tema, isto não quer dizer que o leitor da tese ou dissertação tenha que acompanhá-lo nesta longa e penosa caminhada. A Por exemplo, as bibliografias publicadas pelo INEP/MEC no periódico Em Aberto, ou os estados da arte elaborados para -a REDUC, publicados pelo INEP e pela Fundação Calos Chagas (ver relação anexa ao final das referências deste artigo). 30 "A BOSSOLA DO ESCREVER visão abrangente da área por parte do pesquisador deve servir justamente ' para capacitâ-lo a identificar as questões relevantes e a selecionar os estudos mais significativos.para a construção do problema_a__ser investigado. A identificação das questões relevantes dá organicidade à revisão, evitando a descrição monótona de estudo por estudo. Em tomo de cada questão são apontadas áreas de consenso, indicando autores que defendem a referida posição ou estudos que fornecem evidências da proposição apresentada. O mesmo deve ser feito para áreas de controvérsia. Em outras palavras, não tem sentido apresentar vários autores ou pesquisas, individualmente, para sustentar um mesmo ponto. Análises individuais se justificam quando a pesquisa ou reflexão, por seu papel seminal na construção do conhecimento sobre o tema, ou por sua contribuição original a esse processo, merecem destaque. Em resumo, é a familiaridade com o estado do conhecimento na área que toma o pesquisador capaz de problematizar um tema, indicando a contr ibuição que seu_ est.udo_pretende trazer à £xpansão_dgsse conhecimento, quer procurando esclarecer questões controvertidas ou inconsistências, quer preenchendo lacunas._E_são os aspectos básicos para a compreensão da "lógica adotada para a construção do objeto" (Warde, 1990, p.74) que devem aparecer, de forma clara e sistematizada, na introdução do relatório. É ainda a familiaridade com a literatura produzida na área que permite ao pesquisador selecionar adequadamente as pesquisas que serão utilizadas, para efeito de comparação, na discussão dos resultados por ele obtidos. Análise do referencial teórico A exigência de um referencial teórico nos trabalhos de pesquisa, frequentemente um fator de ansiedade para os alunos de mestrado e doutorado, merece algumas considerações. A primeira diz respeito à ausência de consenso quanto à abrangência do próprio conceito de teoria. As definições encontradas na literatura variam desde aquelas que, dentro A "revisão da bibliografia" em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis - o retomo da tradição positivista, adotam o modelo das ciências naturais - o que implica um alto grau de formalização - até as que incluem os níveis mais rudimentares de interpretação. P rocurando dar conta dessa diversidade, particularmente sensível no campo da educação, Snow (1973) propõe uma hierarquia entre vários níveis de conceitualização que, part indo do nível mais r igoroso (que ele chama de "teoria axiomática"), inclui, como construções teóricas, níveis de elaboração bem mais modestos, como constructos, hipóteses, taxonomias, ou até mesmo metáforas. Nesse sentido, podem ser admitidos como pertencendo ao campo teórico diversos tipos de esforços para ir além da mera descrição, atribuindo significado aos dados observados. O nível de teorização possível em um dado estudo vai depender do conhecimento acumulado sobre o problema focalizado, bem como da capacidade do pesquisador para avaliar a adequação das teorizações disponíveis aos fenómenos por ele observados. Esse esforço de elaboração teórica éessencial, pois o quadro referencial clarifica o racional da pesquisa, orienta a definição de categorias e constructos relevantes e dá suporte às relações antecipadas nas hipóteses, além de constituir o principal instrumento para a interpretação dos resultados da pesquisa. A pobreza interpretativa de muitos estudos, várias vezes apontada em avaliações da produção científica na área de educação (Gatti, 1987; Warde, 1990, por exemplo), deve-se essencialmente à ausência de um quadro teórico criteriosamente selecionado. Vários autores (Goergen, 1986; Tedesco, 1984, entre outros) assinalam, entretanto, que a educação carece de um corpo teórico próprio e consistente, um problema que está diretamente vinculado às dificuldades de definição da natureza e especificidade da própria educação. (Para uma discussão sobre estas questões, ver Em Aberto, 1984.) Sem um campo claramente definido e teorias próprias, a pesquisa educacional frequentemente recorre a conhecimentos gerados em outras áreas, como a Psicologia, a Sociologia, a Filosofia, a História, a Antropologia. Isto não constitui necessariamente um problema: essa "tradução" de teorias para o campo da educação pode resultar em abordagens originais e de 3 2 A BÚSSOLA DO ESCREVER ' " grande potencial heurístico, desde que não se assuma uma posição reducionista (psicologizante, socializante, ou outra), perdendo de vista a natureza mais ampla do fenómeno educacional; por outro lado, quando se recorre a não apenas uma dessas ciências, mas a várias, em uma abordagem inter ou transdisciplinar, o resultado tende a ser altamente enriquecedor. O perigo, portanto, é reduzir o âmbito e a complexidade da questão investigada, através de interpretações parciais e/ou enviesadas. É importante lembrar, ainda, que a utilização de conceitos ou cons t ruc tos pe r tencen tes a teorias diversas para dar conta da complexidade dos fenómenos observados em um estudo requer cautela. Ao se valer de mais de uma vertente teórica para interpretar seus resultados, é necessário que o pesquisador esteja seguro de que as teorias utilizadas^das quais muitas vezes tomou apenas parte, não apresentam, em sua globalidade, contradições entre seus pressupostos e relações. Além disso, conforme observa Tedesco (1984), a situação de dependência cultural dos países da América Latina faz com que estes adotem, de modo acrítico, modelos teóricos gerados nos países desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos e na França. Tais teorias, por terem sido elaboradas em resposta a situações encontradas em outros países, nem sempre são adequadas à compreensão dos problemas latino-americanos. Não se trata aqui de defender uma posição xenófoba, de rejeição a priori de toda e qualquer teoria que tenha sido construída além das nossas fronteiras, até porque sabemos que a produção do conhecimento científico se dá em nível internacional, e que a atitude segregacionista leva à estagnação ou ao retrocesso. Defendemos, sim, uma posição "antropofágica" - que implica um conhecimento profundo do contexto focalizado, para que se possa avaliar se uma dada teoria é ou não adequada - , o que não exclui um esforço maior no sentido de procurarmos gerar nossas próprias teorias. Numa atitude mais radical, alguns autores ligados à vertente qualitativa (como por exemplo Lincoln e Guba, 1985) questionam a adoção de qualquer esquema teórico a priori, defendendo a ideia A "revisão da bibliografia" em teses e dissertações: meus tipos Inesquecíveis - o retomo proposta por Glaser e Strauss (1967) de que este deveráe m e r g i r i a análise dos dados. Argumentam que a escolha de um quadro teórico a p r /on jbca l i za prematuramente a visão do pesquisador, levando-o a enfatizar determinados aspectos e a desconsiderar outros, muitas vezes igualmente relevantes no contexto estudado, mas que não se encaixam na teoria adotada. Observam esses autores que, dada a natureza idiográfica dos fenómenos sociais, nenhuma teoria selecionada a priori é capaz de dar conta das especificidades de um dado contexto. Sem entrar na discussão sobre as vantagens e desvantagens de tal posição,4 cabe assinalar que, quer o pesquisador se valha de teorias elaboradas por outros autores, quer construa suá própria, com base nas observações feitas, utilizando-se ou não de teorias preexistentes, a teorização deve estar sempre presente no relatório final. Deve-se esclarecer, entretanto, que a construção teórica não é tarefa simples, exigindo profundo conhecimento do campo conceituai per t inente , além de grande capacidade de raciocínio formal. Finalmente, quanto à forma de apresentação do quadro teórico na _tese ou<lissertação, HàcTfiá consenso: alguns pesquisadores preferem uma apresentação sistematizada em um capítulo à parte, enquanto outros consideram isto desnecessário, inserindo a discussão teórica ao longo da análise dos dados. Esta última alternativa^ embora exi ja maior competência, tendea tomar o relatório mais elegante. Em qualquer circunstância, porém, a literatura revista deve formar com os dados um todo integrado: o referencial teórico servindo à interpretação e as pesquisas anteriores orientando a construção do objeto e fornecendo parâmetros para comparação com os resultados e conclusões do estudo em questão. A seguir, serão brevemente descritos alguns tipos de revisão de literatura frequentemente encontrados em relatórios académicos. A caricatura, como foi mencionado, é utilizada como recurso didático, não apenas para facilitar o reconhecimento dos tipos focalizados, como para induzir a rejeição As vantagens e desvantagens de uma teoria a priori são analisadas em publicação recente {Alves-Mazzotti e Gewandsznajder, 2000). 34 A BOSSOLA DO ESCREVER a esses modelos. Os tipos descritos não pretendem ser exaustivos nem tampouco são mutuamente exclusivos. Muitos outros poderiam ser acrescentados, e inúmeras combinações entre eles são encontradas. Tipos de revisão a serem evitados Swnma Pesquisadores inexperientes frequentemente sucumbem ao fascínio representado pela ideia (ilusória) de "esgotar o assunto". De origem medieval, a summa é aquele tipo de revisão em que o autor considera necessário apresentar um resumo de toda a produção científica da cultura ocidental sobre o tema (em anos recentes, passando a incluir também contribuições de culturas orientais), bem como suas ramificações e relações com campos limítrofes. Por essa razão, poderia ser também chamado "Do universo e outros assuntos". Arqueológico Imbuído da mesma preocupação exaustiva que caracteriza o tipo anterior, distingue-se daquele pela ênfase na visão diacrônica. No que se refere à educação, começa pelos jesuítas mesmo que o problema diga respeito à politecnia; se o assunto for de educação física, considera imperioso recuar à Grécia clássica, e assim por diante.5 Patchwork Este tipo de revisão se caracteriza por apresentar uma colagem de conceitos, pesquisas e afirmações de diversos autores, sem um fio É certo que, muitas vezes, torna-se necessário um breve histórico da evolução do conhecimento sobre um tema para apontar tendências e/ou distorções, marcos teóricos, estudos seminais. Estes casos, porém, não se incluem no tipo arqueológico. A "revisão da bibliografia" em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis - o retomo 3 5 condutor capaz de guiar a caminhada do leitor através daquele labirinto. (A denominação "Saudades de Ariadne" talvez fosse mais apropriada.) Nesses t r aba lhos , não se consegue v is lumbrar um mínimo de planejamento ou sistematização do material revisto: os estudos e pesquisas são meramente arrolados sem qualquer elaboração comparativa ou crítica, o que frequentemente indica que o próprio autor se encontra tão perdido quanto seu leitor. Suspense No tipo suspense, ao contrário do anterior, pode-se notar a existência dé um roteiro; entretanto, como nos clássicos do género, alguns pontos da trama permanecem obscuros até o final. A dificuldade aí é saberaonde o autor quer chegar, qual a ligação dos fatos expostos com o leitmotiv, ou seja, o tema do estudo. Em alguns casos, o mistério se esclarece nas páginas finais. Frequentemente, porém, como nos maus romances policiais, o autor não consegue convencer. E em outros, ainda, numa variante que poderíamos chamar de "cortina de fumaça", tudo leva a crer que o estudo se encaminha numa direção e, de repente, se descobre que o foco é outro. Rococó Segundo o "Aurélio" (Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1. ed., p. 1.253), o termo rococó designa o estilo ornamental surgido na França durante o reinado de Luiz XIV(1710-1774) e caracterizado pelo excesso de curvas caprichosas e pela profusão de elementos decorativos (...) que buscavam uma elegância requintada, uma graça não raro superficial. Impossível não identificar a definição do mestre Aurélio com cer tos t r aba lhos académicos nos quais conce i tuações teóricas rebuscadas (ou tratamentos metodológicos sofisticados) constituem 36 A BÚSSOLA DO ESCREVER os "elementos decorativos" que tentam atribuir alguma elegância a dados irrelevantes.6 Caderno B Texto leve que procura tratar, mesmo os assuntos mais complexos, de mod"o~ ligeiro, sem apxofundamentos cansativos. A predileção por fontes secundárias, de preferência handbooks, onde o material já se encontra mais digerido, é uma constante, e as Coleções do tipo "Primeiros Passos", auxiliares preciosos. Coquetel teórico Diz-se daquele estudo que, para atender à indisciplina dos dados, apela parat r^s_^sautores disponíveis. Nestes casos, Marx, Freud, Jtieidegger, Bachelard, Gramsci, Habermas, Bourdieu, Foucault, Morin, Lyotard e muitos outros podem unir forças na tentativa de explicar pontos obscuros. Apêndice inútil Este é o tipo em que o pesquisador, após apresentar sua revisão de literatura, organizada em um ou mais capítulos à parte, aparentemente exaurido pelo esforço, recusa-se a voltar ao assunto. Nenhuma das pesquisas, conceituações ou relações teóricas analisadas é utilizada na interpretação dos dados ou em qualquer outra parte do estudo. O fenómeno pode ocorrer com a revisão como um todo ou se restringir a apenas um de seus capítulos. Neste último caso, o mais frequentemente acometido desse mal é o que se refere ao "Contexto Histórico". 6 Isto não quer dizer que se deva passar por cima de complexidades teóricas ou metodológicas, e sim que teorizações e metodologias complexas não conferem consistência a dados superficiais e/ou inadequados ao estudo do objeto. Além disso, cabe lembrar que o rigor teórico-metodológico inclui a obediência ao princípio da parcimônia. A "revisão da bibliografia" em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis - o retomo 37 Monástico Aqui parte-se do princípio de que o estilo dos trabalhos académicos deve ser necessariamente pobre, mortificante, conduzindo, assim, o leitor ao cultivo das virtudes da disciplina e da tolerância. Os estudos desse tipo nunca têm menos de trezentas páginas e, à semelhança de sua fonte de inspiração, estão destinados ao silêncio e ao isolamento. Cronista social É aquele em que o autor dá sempre um "jeitinho" de citar quem está na moda, aqui ou no exterior. Esse tipo de revisão de literatura é o principal responsável pelo surgimento dos "autores curinga", que se tomam referência obrigatória, seja qual for o tema estudado. Colonizado versus xenófobo Optamos aqui por apresentar esses dois tipos em conjunto, pois um éexatamente o reverso do outro, ambos igualmente inadequados.O colonizado é aquele que se baseia exclusivamente em autores estrangeiros, ignorando a produção científica nacional sobre o tema. O xenófobo, ao contrário, não admite citar_^eratoaj;stra£geira, mesmo quando a produção nacional sobre o tema é insuficiente. Quando é Indispensável recorrer a alguma formulação feita por autor estrangeiro, prefere o similar nacional, isto é, a fonte secundária, ou ainda, o que diz a mesma coisa sem citar a fonte original. Off the records Este termo, tomado do vocabulário jornalístico, refere-se àqueles ( casos, como o citado acima, em que o autor garante o anonimato às suas fontes. O anonimato é frequentemente garantido pela utilização de 38 A BOSSOLA DO ESCREVER expressões como "sabe-se", "tem sido observado",7 "muitos autores", "vários estudos" e outras similares, impedindo seu leitor de avaliar a consistência das afirmações apresentadas, além de negar o crédito a quem o merece. Ventríloquo É o t i pode revisão na qual o autor só fala pela boca dos outros, quer citando-os litgralmenfò^querparafra^ando suas ideias. Em ambos os casos, a revisão torna-se uma sucessãQ_monótona de afirmações, sem comparações entre elas, sem análises críticas, tomadas de posição ou resumos conclusivos. O estilo é facilmente reconhecível: os parágrafos se sucedem alternando expressões como "Para Fulano", "Segundo Beltrano", "como Fulano afirma", "Beltrano observa", "Sicrano pontua", até esgotar o estoque de verbos.8 7 O uso do sujeito indeterminado é pertinente nos casos em que a conclusão veiculada já é de "domínio público", isto é, consensual ou quase consensual entre os autores que trataram do tema, não cabendo, portanto, destacar apenas um ou dois. * Citações literais devem ser usa^s_com_cautela, uma vez que, por serem extraídas de outro contexto conceituai, raramente se adequam perfeitamente ao fluxo da exposição, além de, através dessa extração, correr-se o risco de desvirtuar o pensamento do autor. E imperioso respeitar a "ecologia conceituai", indicando a que tipo de situação, preocupações e condições a afirmação se refere. Consideramos que citações literais se íustihcãm em trêssituações básicas: (a) Quando o autor citado foi tão feliz e acurado emsuafonnulação da questão que qualquer tentativa de parafraseá-la seria empobrecedora; (b) quando sua posição em relação ao tema é, além de relevante, tão idiossincrática, tão original, que o pesquisador julga conveniente expressá-la nas palavras do próprio autor, para afastar a dúvida de que a paráfrase pudesse ter traído o pensamento do autor; e (c) quando, no que se refere a autores cujas ideias tiveram considerável impacto em uma dada área, se quer demonstrar que a ambiguidade de suas formulações, ou a inconsistência entre definições dos mesmos conceitos, quando se considera a totalidade de sua obra, foram responsáveis pela diversidade de interpretações dadas a essas afirmações (o conceito de narcisismo em Freud e o conceito de paradigma em Kuhn são exemplos desse tipo de ambiguidade). A "revisão da bibliografia' em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis - o retomo Considerações finais A importância atribuída à revisão critica de teorias e pesquisas no processo de produção de novos conhecimentos não é apenas mais uma exigência formalista e burocrática da academia. É um aspecto essencial à construção do objeto de pesquisa e como tal deve ser tratado, se quisermos produzir conhecimentos capazes de contribuir para o desenvolvimento teórico-metodológico na área e para a mudança de práticas que já se evidenciaram inadequadas ao trato dos problemas com que se defronta a educação brasileira. Acreditamos, entretanto, que o que aqui foi dito com referência à revisão da bibliografia pode ter parecido, a alguns, excessivo, ou mesmo fruto de uma mente obsessiva. Esclareçamos: supõe-se que uma pessoa, ao se propor a pesquisar um tema, não seja leiga no assunto, isto é, supõe- se que já o tenha trabalhado em cursos ou pesquisas anteriormente realizados. Consequentemente, o que se exige é apenas um esforço de atualização e integração desses conhecimentos. No que se refere especificamente a alunos de pós-graduação, é necessário assinalar que o papel do orientador é aí fundamental: ele deve, portanto, ser um especialista na área, e, como tal, capaz de indicar as leituras necessárias ao desenvolvimento da questão de interesse, evitando que o aluno parta para um "vôo cego". Um outro ponto que merece comentários é a distinção, no que se refere ao nível esperado, entre estudos realizados para a obtenção dos títulos de mestre e de doutor. É evidente que as exigências deverão ser diferenciadas, uma vez que a tendência dominante é garantir, aos mestres, uma iniciação à pesquisa, enquanto, dos doutores, espéra-se uma formação que lhes permita futura a tuação como pesquisadores autónomos. Especificar em que consiste essa diferenciação é, entretanto, praticamente impossível, uma vez que, em termos concretos, as exigências variam segundo a instituição e, dentro de cada instituição, de um orientador para outro. Podemos dizer que visamos aqui, precisamente, 4 0 A BOSSOLA DO ESCREVER àquilo que é desejável para uma pesquisa competente. Se, para os alunos de doutorado, isto deve ser visto como uma exigência, para os de mestrado deve ser visto como uma direção para a qual deverá caminhar. Finalmente, muito se tem lamentado que o destino de grande maioria das teses e dissertações é mofar nas prateleiras das bibliotecas universitárias. Uma das causas desse fato é, sem dúvida, a qualidade dos relatórios apresentados, particularmente no que se refere às revisões da bibliografia: textos repetitivos, rebuscados, desnecessariamente longos ou vazios afastam rapidamente o leitor não cativo, por mais que o assunto lhe interesse. Referências ALMEIDA, Rizoleta A. 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Soares 1989 EDUCAÇÃO E TRABALHO Acácia Z Kuenzer 1987 ENSINO SUPLETIVO Sérgio Haddad 1987 FORMAÇÃO DE PROFESSORES Rose Neubauer da Silva et al 1991 LIVRO DLDÁTICO BarbaraFreitag et al 1987 MULHER E EDUCAÇÃO FORMAL Fúlvia Rosemberg et al 1990 RESUMOS ANALÍTICOS TEMÁTICOS - ALFABETIZAÇÃO (2v.) v.l : 1989 ALFABETIZAÇÃO v.2 1991 AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA 1990-1998,..: 2000 Elba S. de S. Barreto e Regina Pahim Pinto, (Coord.) FORMAÇÃO DE PROFESSORES (v.3) 1987 RESUMOS ANALÍTICOS EM EDUCAÇÃO 1997 Elba S. de S. Barreto (Coord.) RESUMOS ANALÍTICOS EM EDUCAÇÃO 1998 1999 Elba S. de S. Barreto (Coord.) * REDUC (Centros associados INEP, Brasília, FCC, São Paulo) A "revisão da bibliografia" em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis - o retomo Coleção Em aberto (Brasília, INEP/MEC) Tema Vol. N1 Data ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO 6 36 OutVdez. 1987 ARTE E EDUCAÇÃO 2 15 Maio 1983 AVALIAÇÃO EDUCACIONAL 15 66 AbrVjun. 1995 CURRÍCULO: REFEENCIAIS E TENDÊNCIAS 12 58 AbrVjun.-1993 CIÊNCIAS HUMANAS E EDUCAÇÃO Contribuição da Filosofia 9 45 Jan./mar. 1990 Contribuição da História 9 47 JulVset. 1990 Contribuição da Psicologia 9 48 OutVdez. 1990 Contribuição da Sociologia 9 46 AbrVjun. 1990 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 10 70 AbrVjun. 1996 1 EDUCAÇÃO: NATUREZA E ESPECIFICIDADE 3 22 JulVago. 1984 1 EDUCAÇÃO COMPARADA 3 24 Nov./ago. 1984 EDUCAÇÃO E INFORMÁTICA ' 2 17 Jul.1983 TENDÊNCIAS NA INFORMÁTICA EM EDUCAÇÃO 12 57 JanVmar. 1993 1 EDUCAÇÃO ESPECIAL 2 13 Fev. 1983 1 EDUCAÇÃO INDÍGENA 3 21 • Maio/jun. 1984 ' EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA 14 63 OutVdez. 1994 l EDUCAÇÃO NÃO FORMAL 2 ÍST Ago./nov. 1983 ' TENDÊNCIAS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 11 56 OutVdez. 1992 . EDUCAÇÃO RURAL 1 9 SeL 1982 ; EDUCAÇÃO BÁSICA: A CONSTRUÇÃO DO SUCESSO ! ESCOLAR 11 52 OutVdez. 1991 EDUCAÇÃO E IMAGINÁRIO SOCIAL: REVENDO A ESCOLA 14 61 Jan./mar. 1994 EDUCAÇÃO E TRABALHO 3 19 Mar. 1984 do jovem 4 28 OutVdez. 1985 EDUCAÇÃO, TRABALHO E DESENVOLVIMENTO 15 65 JanVmar. 1995 EDUCAÇÃO AMBIENTAL 10 49 JanVmar. 1981 1 EDUCAÇÃO NO MUNDO PÓS-GUERRA FRIA 14 64 OutVdez. 1994 ENSINO DE 1*GRAU Aprendizagem da língua materna 2 12 Jan. 1983 Ensino de Ciências 7 40 OutVdez. 1988 Ensino de Estudos Sociais 7 37 JanVmar. 1988 Pontos de estrangulamento 6 33 JanVmar. 1987 ENSINO SUPLETIVO 2 16 Jun. 1983 ESPORTE NA ESCOLA 1 5 Abr. 1982 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA 3 23 SetVout. 1984 44 A BOSSOLA DO ESCREVER LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL Educação e Constituinte 5 30 Abr./jun. 1986 Educação na nova Constituição (1988): Ensino de 2a grau 8 41 JanVmar. 1989 Qualidade e democratização 8 44 OutVdez. 1989 Recursos para educação 8 42 AbrVjun. 1989 Universidade 8 43 JulVset. 1989 Lei de Diretrizes e Bases 7 38 AbrVjun. 1988 LIVRO DIDÁTICO 6 35 JuIVseL 1987 Livro didático e qualidade de ensino 16 69 JuIVmar. 1996 MERCOSUL 15 68 OutVdez. 1995 MERENDA ESCOLAR 15 67 JulVset. 1995 PESQUISA EDUCACIONAL NO BRASIL 5 31 AgoVset. 1986 PESQUISA PARTICIPANTE 3 20 Abr. 1984 POLÍTICA EDUCACIONAL Educação e política 14 26 Abr./jun.1985 Governo e cultura 1 11 Nov. 1982 Municipalização do ensino 5 29 JanVmar. 1986 Perspectivas da educação brasileira 4 25 JanVmar. 1985 Política social e educação 4 27 JulVset. 1985 Universalização do ensino básico 7 39 JulVset. 1988 Plano decenal de educação para todos 13 58 JulVset. 1993 Balanço da atual política educacional e ações educativas: iniciando a discussão 10 50/51 AbrVsel 1991 PROFESSOR Formação, carreira, salário, organ. pol. 6 34 AbrVjul. 1987 Leigo 5 32 OutVdez. 1986 Tendências na formação de professores 11 54 AbrVjun. 1992 TENDÊNCIAS NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 14 62 AbrVjun. 1994 TENDÊNCIAS NA EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS 11 55 JulVset. 1992 VESTIBULAR 1 3 Fev. 1982