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GESTÃO DE SERVIÇOS SOCIAIS AULA 2 Profª Carla Andréia Alves da Silva Marcelino 2 CONVERSA INICIAL Aproximações com o conceito de gestão social Nesta aula, começaremos a nos aproximar do conceito de gestão social, que é o modelo ou sistema de gestão mais usado pelos assistentes sociais quando estão em funções de gestão, gerência, chefia ou coordenação de políticas, programas e projetos que ofertam serviços sociais. Se esse é o tipo de gestão mais usado, você deve então estar se perguntando: por que, anteriormente, falamos de administração? Porque a administração e suas técnicas nos fornecem ferramentas para a gestão. Porém, a gestão é um processo bem maior que a administração, sendo que a segunda está inclusa na primeira. A administração se refere ao processo administrativo, enquanto a gestão está mais relacionada ao processo político e gerencial em uma instituição, incentivando os funcionários, a participação dos usuários, valorizando habilidades e gerindo processos políticos-administrativos orientados para a obtenção dos melhores resultados possíveis. Ou seja, enquanto a administração trata-se do componente racional e instrumental, a gestão é maior, abrange o processo político de condução, para o qual também se lança mão das ferramentas da administração. Mas, por que dizermos gestão social e não apenas gestão? Isso é o que debateremos no Tema 1 desta aula. Nos Temas 2 e 3, trabalharemos a gestão social nos contextos do welfare State e no cenário atual, com o neoliberalismo em larga escala se espraiando pelo Estado brasileiro. Já nos Temas 4 e 5 analisaremos os modelos de gestão adotados no Estado brasileiro durante a nossa história. Assim, convido-o(a) a construirmos juntos um conceito e uma compreensão ampliada do que são a gestão e a gestão social. TEMA 1 – APROXIMAÇÕES AO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL Para fazer uma gestão de serviços sociais de fato democrática, não podemos apenas pensar com a racionalidade e a instrumentalidade típicas dos processos clássicos de gestão, pautados apenas nos princípios da administração científica. Tenório (2005) nos explica que a gestão chamada estratégica favorece a lógica do mercado e do indivíduo, da competitividade, e que a dita gestão social, por sua vez, favorece a lógica comunitária, da 3 solidariedade entre os sujeitos e da ação coletiva, na qual o resultado não visa ao lucro, mas sim ao bem-estar social comum. Assim, esse autor, considerado um dos maiores expoentes do tema gestão social, irá definir: [...] gestão social como processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que pode ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público, privado ou de organizações não-governamentais). O adjetivo social qualificando o substantivo gestão será entendido como o espaço privilegiado de relações sociais em que todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação (Tenório, 2005, p. 2, grifos do original). Isso posto, a gestão social não é apenas um modelo de gestão comum, pautado em resultados materiais, mas em resultados sociais, que gerem benefícios difusos e coletivos, mediante a participação coletiva dos envolvidos na construção desses processos. Para saber mais sobre a questão conceitual, pedimos que leia o artigo a seguir, do autor Fernando Guilherme Tenório: • Gestão social: uma perspectiva conceitual (Tenório, 1998), disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/7754>. TEMA 2 – GESTÃO SOCIAL NO WELFARE STATE A esse ponto do curso de Serviço Social, certamente vocês já ouviram falar e debateram bastante a questão do welfare State, modelo de Estado de bem-estar social iniciado na Europa, após a Segunda Guerra Mundial, o qual muito tardiamente chegou ao Brasil, onde nem logrou completar seu ciclo. Vale lembrar que o welfare State, segundo Carvalho (1999), foi resultado de um pacto entre as classes sociais, na tentativa de conciliar capitalismo e democracia, com o Estado assegurando aos cidadãos, ainda que sem superar as contradições entre capital e trabalho, direitos sociais fundamentais. Nesse sentido, o Estado passa a ter um papel fundamental na proteção de todos os sujeitos. Como é de se imaginar, em uma sociedade que preconiza o Estado como grande agente protetor, a oferta de serviços sociais públicos se amplia e torna- se mais robusta e, com isso, a gestão social ganha mais espaço. De acordo com Carvalho (1999), estes elementos engendraram o modo de pensar da gestão social: 4 • gestão centralizada do Estado-nação; • políticas sociais universalistas; • gestão hierarquizada e setorizada; • consolidação da sociedade salarial, com a mundialização da figura do trabalhador assalariado; • primazia do Estado regulador. Assista à nossa videoaula para debatermos um pouco mais sobre cada ponto citado. Como é de conhecimento, na década de 1980 e início dos anos 1990, o welfare State entra em crise, motivada pelos déficits estatais ocasionados pelos recursos gastos para a proteção social, o que impediu o Estado de investir em itens que favorecessem a área privada, bem como pela financeirização do capital e pela crise do trabalho assalariado. Esse cenário levou à derrocada dessas políticas sociais públicas universalistas e com intenção redistributiva, dando origem ao Estado neoliberal, que mudou drasticamente a lógica da gestão social, como veremos a partir do próximo tema. TEMA 3 – GESTÃO SOCIAL NO NEOLIBERALISMO Com a crise do welfare State e a financeirização do capital, tivemos novamente um processo de acirramento da pobreza e das desigualdades, paralelo ao processo de emergência do Estado neoliberal, o qual preconiza um Estado mínimo, com pouca intervenção sobre a economia e desprovido da sua função protetora dos sujeitos, precarizando assim a oferta dos serviços sociais e, por consequência, afetando as formas de gestão social. Segundo Carvalho (1999, p. 22), “a ideia de um Estado mínimo e a primazia do mercado se impunham como a receita mágica para enfrentar a crise”. Nesse contexto, a gestão social é afetada pela premissa de que se deve racionalizar a oferta dos serviços sociais, aplicando-se a ideia do menor custo ao maior resultado, assimilando-se aos processos de gestão as culturas típicas da gestão estratégica. Com base nessa lógica, Conti (2010, p. 162) afirma: “O desafio da gestão social está em romper com os conceitos tradicionais e ao mesmo tempo agregar valores e princípios da administração privada, como por exemplo: avaliação, planejamento, controles menos burocráticos, eficiência nos gastos e, eficácia e efetividade nos resultados”. 5 É fácil observar, se o compararmos aos conteúdos estudados anteriormente, como o conceito formulado antes se aproxima da racionalidade de uma gestão voltada para resultados, assimilando inclusive os conceitos de eficiência e eficácia. Vale ressaltar que o próprio autor citado (Conti, 2010), apesar de formular tal conceito, critica esse modelo e aponta a necessidade da superação da oferta de serviços sociais pautada na lógica de mercado. Assista à nossa videoaula para saber mais sobre a gestão social no neoliberalismo. Pede-se também que leia o artigo indicado no link a seguir, da autoria de Diego de Melo Conti (2010): <http://revistailuminart.ti.srt.ifsp.edu.br/revistailuminart/index.php/iluminart/articl e/view/85/90>. TEMA 4 – MODELOS DE GESTÃO SOCIAL (PARTE 1) Para a construção deste e do nosso próximo tema, utilizaremos como referência o livro-base desta disciplina: Gestão pública de serviços sociais, de autoria de Samira Kauchakje (2012). Tal autora reconhece que, ao longo da história da gestão de serviços sociais brasileira, existiram três modelos de gestão. Vale ressaltar que, para ela (Kauchakje, 2012), a gestão social refere-seà gestão de ações sociais públicas; mas, como já vimos no Tema 1, essa não é uma posição de consenso na literatura sobre o tema. Gonçalves, Kauchakje e Moreira (2015) explicam que a gestão social no Brasil acompanhou as modalidades de gestão adotadas em cada momento histórico do país. Dawbor (1999, citado por Gonçalves; Kauchakje; Moreira, 2015, p. 137-138) “[...] afirma que os serviços que compõem a área social têm necessidades específicas, no entanto, alterna burocratismos estatais ultrapassados e privatizações desastrosas em sua gestão”, isso porque, segundo as autoras, a gestão social no Brasil se valeu dos mesmos paradigmas das áreas produtivas, sem assimilar o conteúdo teórico acumulado na área (Gonçalves; Kauchakje; Moreira, 2015). As mesmas autoras fazem o alerta de que esses modelos de gestão que se apresentaram não o fizeram de forma linear, ou seja, um após o outro, e nem tiveram momentos demarcados de início e fim, sendo que, muitas vezes, suas características se entrecruzaram, avançaram e retrocederam, havendo sobreposição de modelos. Alertam ainda que, até os dias de hoje, não há mudanças completas ou grandes guinadas nos modelos de gestão, visto que 6 pontos se alteram, mas velhas práticas continuam em uso (Gonçalves; Kauchakje; Moreira, 2015). Vejamos agora o primeiro tipo de gestão adotado no Brasil, a patrimonialista. 4.1 Gestão patrimonialista A gestão patrimonialista, segundo Kauchakje (2012), é aquela em que o gestor toma o Estado para uso em favor de seus interesses privados ou de interesses de grupos economicamente dominantes. Esse tipo de gestão foi o utilizado nas primeiras décadas do Brasil República. Certamente, você já deve ter estudado o coronelismo, fenômeno da República Velha, o clientelismo e o mandonismo, ainda muito presentes na cultura política brasileira. Os cargos públicos não eram profissionalizados e não havia normas gerais que regessem as atividades de Estado. O nepotismo e a corrupção eram normas, além da indistinção entre o público e o privado. Essas práticas ainda são resquícios do patrimonialismo. Zanlorenzi (2007) aponta algumas das principais características da gestão patrimonialista: • prevalência do Estado, centralização da gestão, excesso de burocratismos e legalismos; • clientelismo e troca de favores; • fusão entre poder político e poder econômico; • influência direta dos detentores do poder econômico no Estado; • poder econômico ligado à posse da terra e do território; • rigidez hierárquica, desigualdade de tratamento. Tais características perduraram, segundo Kauchakje (2012), até o final da chamada Era Vargas, por volta de 1945, quando foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), primeiro traço de profissionalização da gestão no Brasil, surgindo os primórdios da gestão técnico-burocrática, de que trataremos em nosso próximo tema. 7 TEMA 5 – MODELOS DE GESTÃO SOCIAL (PARTE 2) 5.1 Gestão técnico-burocrática O modelo de gestão técnico-burocrática adotado visava a imprimir maior racionalidade e instrumentalidade à gestão, criando critérios técnicos para a gestão dos serviços sociais públicos, aproximando-a da administração clássica ou científica. Esse modelo teve seu ápice nas gestões militares e adotou meios para coibir a participação população na gestão pública. Nesse sentido, Gonçalves, Kauchakje e Moreira (2015, p. 139) afirmam que A gestão técnico-burocrática distingue-se pela adoção de critérios técnicos, que se, por um lado, despersonaliza as decisões do Estado, por outro, promove a despolitização da população, pois a ênfase está na racionalidade burocrática dos processos. As regras e formas de atuação estão subordinadas aos critérios técnicos. Também adotado pelas empresas, o modelo tinha como principais características: distinção entre a propriedade privada e o bem público, servidores públicos profissionalizados, existência de normas e procedimentos administrativos padronizados, organização departamental com chefias imediatas, decisões impessoais, meritocracia, entre outras. A olharmos assim, apenas isoladamente, tais características parecem interessantes, já que, em certa medida, contribuíram para o desenvolvimento da gestão. Mas, esse modelo teve consequências e também não prosperou, pois as instituições tornaram-se “engessadas” e inflexíveis, fragmentadas, mecânicas, com concentração de decisões apenas nos escalões mais altos, formalismos, foco nas normas e não nos objetivos, valorização das rotinas em detrimento dos resultados, corporativismo e atrasos por medo de se testar o novo. Tal modelo esteve muito próximo do proposto por Henry Fayol, que vimos anteriormente, com base em Chiavenatto (2003). 5.2 Gestão gerencial O modelo de gestão gerencial, que tem seu início nos Estados Unidos no final dos anos de 1980, é adotado no Brasil a partir dos anos 1990, com o projeto de reforma do Estado, e é integralmente incorporado e imitado da iniciativa privada, fazendo uso de várias ferramentas dos modelos contemporâneos de 8 administração empresarial. Ganhou forças com o Plano Diretor de Reforma do Estado (Pdrae), conhecido como Plano Bresser Pereira. Segundo Gonçalves, Kauchakje e Moreira (2015), esse modelo é pautado por dois conceitos-chave: qualidade total e reengenharia. A primeira categoria é adotada do toyotismo, visando à maior produtividade, com a melhor qualidade e o menor custo, em processos de supervisão que asseguram um aperfeiçoamento contínuo, o qual é chamado de qualidade total. A segunda categoria, a reengenharia, prevê um reordenamento nas instituições, visando à redução das hierarquias e departamentalizações, a terceirizações, maior agilidade na prestação dos serviços e incorporação das tecnologias em geral, especialmente as de informação. Esse modelo gerencial se desdobrou em três submodelos, os quais exporemos em nossa videoaula. O modelo de gestão gerencial está focado na gestão do Estado neoliberal, adotando princípios empresariais descompromissados com as camadas sociais menos favorecidas, com oferta de poucos serviços sociais. Por outro lado, aponta Kauchakje (2012), cria mecanismos importantes como a transparência na gestão pública, os processos de prestação de contas e participação social, ainda que de forma protocolar. NA PRÁTICA Como apresentado nesta aula, os modelos de gestão adotados no Brasil, em que pese tenham tempos demarcados, acabam se sobrepondo, sendo que, mesmo com a mudança de um modelo para outro, características dos modelos anteriores ainda podem ser vistas. Faça uma análise de conjuntura da política brasileira no atual momento em que você está tendo esta aula e sinalize, ao menos, uma característica, nela presente, de cada um dos modelos de gestão aqui apresentados. FINALIZANDO Nesta aula, vimos que a administração é uma ferramenta para a gestão e que gerir políticas e serviços sociais é muito mais que administrar, é um processo político. Estudamos também o conceito de gestão social com base no autor Fernando Tenório (1998), o qual afirma que aquela é pautada pelo diálogo, pela participação social, pela lógica do bem comum da coletividade, em detrimento 9 dos modelos tradicionais, que são pautados no individualismo, no mercado e na concorrência. Enquanto, na gestão social, o fundamento é o bem de todos, na estratégica ele é a eliminação do outro, segundo a lógica de mercado. O outro é uma ameaça. Apesar de usarmos Tenório (1998; 2005) como referência, importa dizer que temos vários outros expoentes do tema, com visões diferentes, tais como Kauchakje (2012), a qual entende que a gestão social se aplica somente aos serviços sociais públicos, ao contrário de Tenório (1998; 2005), que a entende como uma forma de fazer gestão. Por fim, vimos os modelos de gestão presentes no Brasil, desde o seu surgimentocomo república, passando pelo patrimonialismo, gestão técnico- burocrática e administração gerencial, vendo que cada um refletiu a política e o modelo de Estado de seu tempo e que, apesar das modernizações, práticas antigas, enraizadas em modelos patrimonialistas, clientelistas e mandonistas, ainda vigoram na cultura política brasileira. 10 REFERÊNCIAS CARVALHO, M. do C. B. de. Gestão social: alguns apontamentos para o debate. In: RICO, E. de M.; DEGENSZAJN, R. R. (Org.). Gestão social: uma questão em debate. São Paulo: Educ; IEE, 1999. CHIAVENATO, I. Introdução à teoria geral da administração: uma visão abrangente da moderna administração das organizações. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsavier, 2003. CONTI, D. de M. Uma abordagem do tema: gestão social. Revista Iluminart do IFSP, Sertãozinho, v. 1, n. 4, p. 162-170, abr. 2010. Disponível em: <http://revistailuminart.ti.srt.ifsp.edu.br/revistailuminart/index.php/iluminart/articl e/view/85/90>. Acesso em: 18 jul. 2019. DOWBOR, L. A gestão social em busca de paradigmas. In: RICO, E. de M.; DEGENSZAJN, R. R. (Org.). Gestão social: uma questão em debate. São Paulo: Educ; IEE, 1999. GONÇALVES, M. T.; KAUCHAKJE, S.; MOREIRA, T. A. Modalidades de gestão social no Brasil. InSitu, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 131-154, 2015. Disponível em: <http://www.revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/situs/article/view/349/0>. Acesso em: 18 jul. 2019. KAUCHAKJE, S. Gestão pública de serviços sociais. Curitiba: InterSaberes, 2012. TENÓRIO, F. G. Gestão social: uma perspectiva conceitual. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 32, n. 5, p. 7-23, set./out. 1998. _____. (Re)Visitando o conceito de gestão social. Revista Desenvolvimento em Questão, v. 3, n. 5, p. 101-124, jan./jun. 2005. ZANLORENZI, I. Modalidades de gestão pública: uma análise da política de uso e ocupação do solo em Campo Largo. 200 p. Dissertação (Mestrado em Gestão Urbana) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2007.