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Victoria Almeida 1 Doença do refluxo gastroesofágico Definição A DRGE é uma afecção crônica decorrente do fluxo retrógrado de parte do conteúdo gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes, acarretando um espectro variável de sintomas e/ou sinais esofágicos e/ou extraesofágicos, associados ou não a lesões teciduais. Fisiopatologia A DRGE surge da quebra do equilíbrio entre os fatores de proteção e de agressão, em associação à falha dos mecanismos de contenção do refluxo. A incompetência da junção esofagogástrica (JEG) ocorre por 3 fatores principais: 1. Relaxamento transitório do Esfíncter Esofágico Inferior (EEI): No relaxamento transitório, há duração maior do relaxamento do EEI, bem como da sua frequência, e este não é acompanhado por movimento peristáltico do corpo esofágico. Além disso, o mecanismo desencadeante parece ser a distensão gástrica em posição ortostática, que é a posição em que mais ocorrem os eventos de refluxo. 2. Hipotonia deste esfíncter: O EEI é um segmento de musculatura lisa tonicamente contraída de 2 a 3 cm de extensão no esôfago distal. A pressão normal de repouso varia de 10 a 30 mmHg, sendo menor no período pós-prandial e maior à noite. Apenas a minoria dos indivíduos com doença do refluxo tem hipotensão severa do EEI (abaixo de 10 mmHg). São fatores que podem reduzir a pressão do EEI: distensão gástrica, colecistocinina, alimentos (gordura, cafeína, chocolate, álcool), tabagismo e drogas. 3. Fatores anatômicos na junção esôfago gástrica: As alterações anatômicas da transição esofagogástrica, como a hérnia de hiato, podem comprometer os mecanismos antirrefluxo. Diagnóstico A DRGE apresenta grande variedade de manifestações clínicas. As típicas estão diretamente relacionadas à ação do conteúdo refluído sobre o esôfago, e as atípicas decorrem da ação do material refluído sobre órgãos adjacentes ou aumento do reflexo esofagobrônquico. Manifestações típicas: A pirose retroesternal é o principal sintoma e é definida como a sensação de queimação retroesternal que se irradia do manúbrio do esterno à base do pescoço, podendo atingir a garganta. Ocorre, em geral, de 30 a 60 minutos após a alimentação, especialmente se copiosa, gordurosa, condimentada e ácida. A intensidade e a frequência dos sintomas são fracos preditores da presença ou da gravidade da esofagite. O tempo de história está associado ao aumento do risco de desenvolvimento do esôfago de Barrett. Regurgitação ácida significa o retorno espontâneo do conteúdo ácido ou dos alimentos em direção à cavidade oral. No quadro clínico da DRGE, é importante considerar a idade do paciente (> 40 anos) e a presença de manifestações de alarme (disfagia, odinofagia, anemia, hemorragia digestiva, emagrecimento, náusea e vômito, história familiar de câncer), casos para os quais se indica EDA. Manifestações atípicas: Victoria Almeida 2 Diagnóstico Endoscopia e biópsia de esôfago: Compõem o método de escolha para o diagnóstico de alterações causadas pelo refluxo e para a exclusão de outras doenças esofágicas. A endoscopia permite avaliar a gravidade da esofagite e possibilita a realização de biópsia quando indicada. Juntas, possuem sensibilidade diagnóstica de cerca de 50%. A EDA também está indicada aos pacientes com mais de 40 anos e/ou sinais/sintomas de alarme. As lesões consequentes do refluxo gastroesofágico visualizadas à endoscopia são: a) Erosões (solução de continuidade limitada à mucosa com, pelo menos, 3 mm de diâmetro, com depósito de fibrina e permeação neutrofílica do epitélio); b) Úlceras (solução de continuidade que atinge ao menos a camada muscular da mucosa, com presença de tampão e tecido de granulação); c) Estenose péptica; d) Esôfago de Barrett (metaplasia intestinal). Com relação à biópsia esofágica, está indicada em quadros sugestivos de esôfago de Barrett, com reepitelização com mucosa avermelhada, circunferencial ou não, com extensão de, pelo menos, 2 cm acima das pregas gástricas, ou sugestivos de epitelização colunar do esôfago distal, com reepitelização com mucosa avermelhada de extensão superior a 2 cm. Deve ser realizada em todos os pacientes com úlcera e/ou estenose. Não está indicada a pacientes na fase aguda da esofagite erosiva, sem úlcera, estenose ou suspeita de metaplasia colunar. Classificações endoscópicas: 1. Grau A: 1 ou mais rupturas da mucosa, ≤ 5 mm de comprimento cada; 2. Grau B: pelo menos 1 ruptura da mucosa > 5 mm de comprimento, mas não contínua entre as partes superiores das dobras adjacentes da mucosa; 3. Grau C: pelo menos 1 ruptura da mucosa é contínua entre as partes superiores das dobras adjacentes da mucosa, mas não é circunferencial; 4. Grau D: 1 ruptura da mucosa envolve ao menos 3 quartos da circunferência luminal. Tratamento 1. Não farmacológico Victoria Almeida 3 a) Dependendo da correlação com os sintomas, moderar a ingestão de alimentos gordurosos, cítricos, café, álcool, bebidas gaseificadas, menta, hortelã, produtos de tomate, chocolate e condimentos; b) Cuidados com medicamentos de risco, como anticolinérgicos, teofilina, antidepressivos tricíclicos, bloqueadores dos canais de cálcio, agonistas beta-adrenérgicos (todas essas medicações podem ocasionar relaxamento do EEI e piorar o refluxo), alendronato (essa medicação causa dano direto à mucosa esofágica por contato com a medicação que pode levar à formação de erosões, úlceras e perfuração); c) Evitar deitar-se nas 2 horas após as refeições; d) Evitar refeições copiosas/fracionar as refeições; e) Reduzir ou cessar o fumo. 2. Farmacológico O tratamento farmacológico inicial dos pacientes com DRGE e sintomas típicos consiste em IBPs em dose plena, por período de 4 a 8 semanas. Em casos graves, atípicos e de resposta parcial, pode-se administrar dose dobrada pelo mesmo período. Os IBPs são os mais potentes inibidores da secreção ácida gástrica por ligação irreversível e inibição da bomba de H+/K+ATPase. São mais efetivos quando administrados 30 minutos antes da primeira refeição do dia, devido à quantidade de bombas H+/K+ATPase presentes na célula parietal ser maior após jejum prolongado. Apesar de não ter havido diferença estatística significativa entre o tempo de tratamento de 4 ou 8 semanas, o número de respostas satisfatórias foi maior com 8 semanas (alívio dos sintomas de DRGE e cicatrização da esofagite em mais de 86% dos pacientes com esofagite erosiva). Também não há diferença estatística na resposta clínica ao IBP quando comparado o uso diário em dose única ou 2 tomadas. Apesar disso, devido à meia-vida dos IBPs girar em torno de 18 horas e ao paciente poder ficar descoberto no período noturno, recomenda-se dividir a dose em 2 tomadas, administradas pela manhã em jejum, meia hora antes do café da manhã, e à noite, meia hora antes do jantar (por exemplo, omeprazol 20 mg em jejum e 20 mg antes do jantar), nos pacientes que apresentem sintomas noturnos. Outro dado importante é a equivalência dos diferentes IBPs (omeprazol, esomeprazol, pantoprazol etc.) no tratamento da DRGE nos estudos realizados. Omeprazol (40mg), lansoprazol (30mg), pantoprazol (40mg), rabeprazol (20mg), esomeprazol (40mg), dexlansoprazol (60mg). Aos pacientes com DRGE e sintomas atípicos e naqueles com esofagites de maior gravidade (graus 3 e 4 de Savary- Miller ou C e D de Los Angeles), úlcera e/ou estenose à endoscopia, está indicada a terapia farmacológica com IBP dose dobrada (omeprazol 80 mg/d, lansoprazol 60 mg/d, pantoprazol 80 mg/d, rabeprazol 40 mg/d, esomeprazol 80 mg/d). O tempo de tratamento nos pacientes com sintomas atípicos deve ocorrer por períodos mais prolongados, de 2 a 6 meses. Já nos pacientes com esofagites mais graves, úlcera e/ou estenose, deve-se estender o tratamento por 12 semanas, com indicação de repetição do exame endoscópico ao final do tratamento. A DRGE é uma doença crônica. Oitenta por cento recidivam nos primeiros 6 meses após o tratamento epraticamente 100% em 1 ano. Nos pacientes que não apresentam indicação cirúrgica, mas necessitam de IBP para controle sintomático, pode-se optar pelo uso de IBP quando necessário, na menor dose possível. Quanto ao uso crônico do IBP, não há relato de neoplasia que seja suportado por evidências, mas ocorrem alterações na mucosa gástrica, como gastrite crônica, atrofia e pólipos de glândulas fúndicas, aumento dos casos de pneumonia de repetição, infecções intestinais, por exemplo, por Clostridium difficile, anemia ferropriva e má absorção de magnésio, cálcio, vitamina B12 e ferro. Victoria Almeida 4 Com relação ao uso dos antagonistas dos receptores H2 da histamina, como ranitidina, e procinéticos, como domperidona e bromoprida, não há evidência estatística que suporte o seu uso no tratamento da DRGE. Os antagonistas dos receptores H2 da histamina desenvolvem taquifilaxia em 2 a 6 semanas, limitando sua eficácia na DRGE. As grávidas com DRGE devem ser primeiramente tratadas com modificações no estilo de vida e na dieta. Se não há melhora, usam-se antiácidos (não usar bicarbonato de sódio e os que têm magnésio) e sucralfato 1 g, VO, 3 vezes ao dia.
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