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Bacteriologia e bacterioses I Listeria A maioria das espécies de Listeria apresenta-se como cocobacilos Gram- positivos pequenos, com mais de 2 μm de comprimento. São catalase- positivos, oxidase-negativos, móveis e anaeróbios facultativos. O gênero é composto de seis espécies, sendo três patogênicas. Listeria monocytogenes, o mais importante desses patógenos, tem sido implicado em doenças de muitos animais e humanos no mundo todo. Esse microrganismo foi primeiramente isolado de coelhos de laboratório com septicemia e monocitose. O microrganismo pode crescer dentro de uma grande margem de temperatura, que vai de 4 a 45°C, e pode tolerar valores de pH entre 5,5 e 9,6. Os outros dois patógenos, L. ivanovii e L. innocua, estão menos frequentemente implicados em doenças de animais. Habitat usual Espécies de Listeria podem replicar-se no meio ambiente. Estão amplamente distribuídas e podem ser recuperadas de pastagens, fezes de animais saudáveis, efluente de esgoto e corpos de água. Diferenciação entre espécies de listeria O modelo de hemólise em ágar-sangue, o teste de CAMP e a produção de ácido a partir de um pequeno número de açúcares são os métodos laboratoriais úteis para a diferenciação entre as espécies de Listeria. As colônias são pequenas, lisas e transparentes após incubação por 24 horas. • Kits de testes bioquímicos comercialmente disponíveis podem ser usados para a diferenciação entre espécies de Listeria. • São conhecidos 16 sorotipos com base nos antígenos de parede celular e flagelares. • Fagotipagem pode ser realizada e serve para diferenciar as espécies, mas as aplicações diagnósticas são limitadas. • Um ensaio com sonda de DNA quimioluminescente está disponível para a identificação rápida e específica de colônias de L. monocytogenes em placas com isolamento primário. • Métodos fingerprinting (impressão digital) do DNA são correntemente usados em laboratórios de referência. Patogênese e patogenicidade A infecção por L. monocytogenes ocorre após a ingestão de alimento contaminado e pode resultar em septicemia, encefalite ou aborto. Os microrganismos provavelmente penetram através das células M nas placas de Peyer do intestino. A disseminação ocorre pela via linfática e sanguínea de vários tecidos. Em fêmeas prenhes, a infecção tem como resultado a transmissão transplacentária. Existe evidência de que o microrganismo possa invadir pela mucosa oral ou pela nasal lesada. Desse local, acredita-se que a migração em nervos craniais seja a principal rota de infecção na listeriose nervosa. Lesões no tronco cerebral, frequentemente unilaterais, são compostas de microabscessos e de infiltrado linfocítitico perivascular. A Listeria monocytogenes tem habilidade para invadir células fagocíticas e não-fagocíticas, sobreviver e replicar-se intracelularmente e transferir-se de uma célula para outra sem exposição aos mecanismos de defesa humoral. Proteínas de superfícies específicas (internalinas) facilitam a aderência do microrganismo às membranas do hospedeiro e sua subsequente entrada. Linhagens virulentas também possuem uma toxina citolítica, a listeriolisina, que destrói as membranas de vacúolos fagocíticos, permitindo à listéria a evasão para o citoplasma. No citoplasma, o microrganismo utiliza microfilamentos para gerar estruturas semelhantes a caudas (tails), as quais lhe conferem motilidade. Listérias móveis ligam-se à superfície interna da membrana celular e induzem projeções semelhantes a pseudópodes. Essas projeções contendo as bactérias são absorvidas por células adjacentes. O processo completo é então repetido após a replicação da listeria em células recentemente infectadas. Infecções clínicas As infecções com Listeria monocytogenes têm sido relatadas em mais de 40 espécies de animais domésticos e selvagens. Abortos esporádicos em ovelhas e vacas têm sido atribuídos à infecção por L. ivanovii. Listeria innocua teve implicação em um caso de meningoencefalite ovina. Listeriose em ruminantes A listeriose em ruminantes pode apresentar-se como encefalite, aborto, septicemia ou endoftalmite. Geralmente só uma forma da doença ocorre em determinado grupo de animais afetados. A septicemia freqüentemente é encontrada em recém-nascidos — leitões, potros, pássaros de gaiolas e aves domésticas — e também pode ocorrer em ovinos adultos. Embora a L. monocytogenes esteja amplamente distribuída no ambiente, surtos de listerioses tendem a ser sazonais em países da Europa e a afetar animais em final de gestação que se alimentam com silagem contaminada. Listeria monocytogenes pode replicar-se nas camadas superficiais de silagem de pobre qualidade com valores de pH acima de 5,5. Em tais circunstâncias, o número de listerias pode alcançar 107 unidades formadoras de colônias por kg–1 de silagem. Em silagens de boa qualidade, a multiplicação do microrganismo é inibida pela produção de ácido durante a fermentação. A susceptibilidade à infecção por L. monocytogenes tem sido atribuída ao decréscimo da imunidade mediada por células associado ao avanço da prenhez. Sinais clínicos O período de incubação da listeriose nervosa (doença do “andar em círculos”) é de 14 a 40 dias. Sonolência, andar em círculos e cabeça caída são os sinais clínicos mais comuns. A paralisia facial unilateral resulta em salivação e em queda das pálpebras e das orelhas. Ceratite de exposição pode ocorrer em alguns casos. A temperatura corporal pode ser elevada nos estágios precoces da doença. Em ovinos e caprinos, os animais deitam, e a morte pode ocorrer poucos dias após a emergência dos sinais clínicos. A duração da doença geralmente é mais longa em bovinos. Aborto sem evidência de doença sistêmica pode ocorrer 12 dias após a infecção. A listeriose septicêmica, com um curto período de incubação de 2 a 3 dias, é mais encontrada em cordeiros, embora possa ocorrer ocasionalmente em ovelhas prenhes. Em bovinos e ovinos, a ceratoconjuntivite e a irite (listeriose ocular) são localizadas, muitas vezes unilaterais, e têm sido atribuídas ao contato direto com silagem contaminada. Diagnóstico Sinais neurológicos característicos ou abortos associados à alimentação com silagem podem ser sugestivos de listeriose. • Espécimes apropriados para exame laboratorial dependem da forma da doença: — Fluido cerebrospinal e tecidos da medula e ponte de animais com sinais neurológicos devem ser amostrados; tecido fresco é requerido para isolamento dos microrganismos, e tecido fixado, para exame histopatológico; — Espécimes de casos de aborto devem incluir cotilédones, conteúdo abomasal do feto e descargas uterinas; — Amostras adequadas para casos de septicemia incluem fígado fresco ou baço e sangue. • Esfregaços de cotilédones ou de lesões de fígado podem revelar bactérias cocobacilares Gram-positivas. • Imunofluorescência usando-se anticorpos monoclonais pode facilitar um diagnóstico rápido. • Exame histopatológico do tecido cerebral revela microabscessos e intenso infiltrado perivascular mononuclear na medula e em qualquer parte do tronco cerebral. • Na listeriose nervosa, o número de leucócitos encontrados no fluido cerebrospinal é superior a 1,2 × 107 L–1, e a concentração de proteínas é maior que 0,4 gL–1. • Métodos para isolamento: — Espécimes de casos de abortos e de septicemias podem ser inoculados diretamente em ágar-sangue, ágar-sangue seletivo e ágar MacConkey; as placas são incubadas em aerobiose a 37°C por 24 a 48 horas; — Procedimento de crioenriquecimento é necessário para isolamento do microrganismo de tecido cerebral; pequenos fragmentos da medula são homogeneizados, e é realizada uma suspensão de 10% em caldo nutriente; a suspensão é colocada em refrigeração a 4°C e subcultivada semanalmente por até 12 semanas. • Critérios para identificação dos isolados de L. monocytogenes: — As colônias são pequenas, lisas e planas, com uma coloraçãoazul-esverdeada quando iluminadas obliquamente; variantes rugosas têm ocorrência rara; colônias individuais são em geral rodeadas por uma estreita zona de hemólise completa; — O teste da catalase é positivo, o que distingue este microrganismo de estreptococos e de Arcanobacterium pyogenes, os quais possuem colônias semelhantes, mas são catalase-negativos; — O teste de CAMP é positivo com Staphylococcus aureus, mas não com Rhodococcus equi; — A esculina é hidrolisada; — Isolados incubados em caldo a 25°C por 2 a 4 horas exibem motilidade rotativa característica; — A maioria dos isolados de origem animal é virulenta, uma característica que pode ser confirmada pela inoculação em animais; instilação de uma gota de cultura em caldo dentro do olho de coelho induz ceratoconjuntivite (teste de Anton). Tratamento Ruminantes em estágio inicial da listeriose septicêmica respondem à terapia sistêmica com ampicilina ou amoxicilina. A resposta à terapia antibiótica pode ser pobre na listeriose nervosa, embora altas doses de ampicilina ou amoxicilina combinadas com um aminoglicosídeo e administradas por tempo prolongado possam ser eficazes. A listeriose ocular requer tratamento com antibióticos e corticosteróides injetados subconjuntivamente. Controle • Silagens de pouca qualidade não devem ser dadas a ruminantes prenhes. A alimentação com silagem deve ser suspendida caso um surto de listeriose seja confirmado. • Devem ser implementados métodos de alimentação que minimizem o contato ocular direto com a silagem. • Vacinação com vacinas mortas, que não induzem uma efetiva resposta mediada por células, não são protetoras, porque a L. monocytogenes é um patógeno com localização intracelular. Vacinas vivas atenuadas, que estão disponíveis em alguns países, são relatadas por reduzir a prevalência da listeriose em ovinos Listeriose humana Se adultos normais saudáveis adquirem a infecção, a doença geralmente apresenta-se como uma enfermidade com febre moderada, semelhante à influenza. Lesões papulares nas mãos e nos braços, sobretudo de veterinários e de tratadores, podem ser resultantes do contato com material infectivo. Infecções por L. monocytogenes podem causar abortos em mulheres grávidas e morte em neonatos, idosos e indivíduos imunossuprimidos. Infecções em humanos geralmente resultam do consumo de alimentos contaminados, como leite cru, queijos moles, legumes e vegetais crus. Listeria monocytogenes pode sobreviver à pasteurização, pois tem localização intracelular e é tolerante ao calor. A transmissão direta de animais infectados para humanos é rara e tem poucas consequências em indivíduos saudáveis e em não-gestantes.
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