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1 Módulo II Hanna Briza CONCEITO A Doença Renal Crônica (DRC) é definida como: → Diminuição do ritmo de filtração glomerular (RFG) abaixo de 60 ml/min/1,73m² e/ou → Presença de anormalidades na estrutura renal, com duração acima de 3 meses. De um modo geral, a DRC é consequência de processos patológicos lentamente progressivos. Às vezes, DRC pode se instalar de forma aguda, como acontece em dois exemplos clássicos : 1. Necrose cortical aguda 2. Glomerulonefrite rapidamente progressiva. (DRC) é definida como: → Alteração estrutural ou funcional do rim, presente por mais de 3 meses. • Anormalidades estruturais: alteração em exames de imagens. • Alterações funcionais: proteinúria e/ou albuminúria persistentes • Anormalidades histológicas crônicas: fibrose, infiltrado • Distúrbios tubulares crônicos: acidose, alcalose • Alterações no sedimento urinário • Paciente com transplante renal. A classificação de DRC pela KDIGO através de sua taxa de filtração glomerular e proteinúria é capaz de estagiar e predizer o prognóstico da doença. Segundo KDIGO, a DRC é subdividida em estágios: 1. Com base do ritmo de FG em: 0, 1, 2, 3a, 3b, 4 e 5 2. Relação a proteinúria em: A1, A2 e A3 Antes, a doença era estadiada apenas pela TFG, porém, o risco de piora da função renal está intimamente ligado à quantidade de albuminúria, de modo que ela foi incorporada na classificação. Essas 2 classificações diferentes unidas estagiam a doença, assim como dão seu prognostico. A tabela a seguir mostra os parâmetros dos estágios dos 2 valores que são considerados e, também, o nível de gravidade da doença. Assim, vê-se: → Pacientes na faixa verde: dificilmente tem complicações graves → Pacientes na vermelha: geralmente estão em dialise, para evitar outras complicações. Em todos os seus estágios, a DRC é um fator de risco independente para doenças cardiovasculares, sendo considerado um “equivalente de risco cardiovascular”. A presença de proteinúria é um fator de risco adicional e independente do conferido pela própria DRC. Pacientes nos estágios 4-5 (RFG < 30 ml/min) e/ou albuminúria >300mg/24h (ou albumina/creatinina urinária >300 mg/g): → Devem ser referenciados para serviço de nefrologia. Além do impacto da DRC como fator de risco cardiovascular, o desenvolvimento da doença, principalmente em seus estágios finais, representa um grave problema de saúde pública. Ao contrário do que se observa na maioria dos casos de Insuficiência Renal Aguda (IRA), na DRC não ocorre regeneração do parênquima renal, e por isso a perda de néfrons, por definição, é IRREVERSÍVEL. 2 Módulo II Hanna Briza EPIDEMIOLOGIA → O ↑ no número de casos de doença renal crônica tem identificado na última década em diferentes contextos: • Associados ao envelhecimento • Transição demográfica da população • Resultado da ↑ expectativa de vida • Rápido processo de urbanização. Doenças prevalentes na população, como HAS e DM são as principais etiologias de doença renal crônica no mundo, inclusive no Brasil → Em países desenvolvidos, estima prevalência de DRC entre 10 e 13% na população adulta, com + de 4,5 milhões de adultos com a doença no mundo. → No Brasil: estimativas a prevalência são incertas de acordo com a caderneta de saúde coletiva de 2017: • + de 100 mil pacientes recebiam terapia dialítica no país, • Taxa de internação hospitalar de 4,6%/mês • Taxa de mortalidade 17%/ano. • ↑ predominância no sexo masculino com taxa de crescimento anual de 2,2% e, de 2% para o sexo feminino • Raça/cor predominante: branca (39,6%) em relação às raças/cor amarela (1,2%), indígena (0,1%), parda (36,1%) e preta (11,4%). → De acordo com o último censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia • O custo anual somente com a terapia renal substitutiva é mais de 2 bilhões/ano. → As principais causas de perda da função renal no nosso meio são: • HAS (35%) • DM (28,5%) • Glomerulonefrites (11,5%). Outro dado alarmante segundo o Vigitel 2011, considerando a população brasileira > de 18 anos: → 23% é hipertensa → 5,6% diabética → 18% fumante → 48% estão com excesso de peso → 16% são obesos (IMC>30 Kg/m²) TODOS OS FATORES DE RISCO QUE CONTRIBUEM PARA A PERDA DE FUNÇÃO RENAL. → A morbimortalidade de pacientes é muito ↑ em pacientes diabéticos do que nos demais pacientes não diabéticos, sendo as doenças cardiovasculares e as infecções as principais causas de morte. → A HAS é também uma causa importante de morbidade e mortalidade que acelera a aterosclerose e precipita complicações relacionadas ao aumento da pressão. ETIOLOGIA No Brasil as principais causas são: → 1º HAS → 2º DM, → 3º Glomerulonefrite Crônica. Nos EUA, observa-se o diabetes como principal etiologia da DRC (45%), seguido pela HAS e glomerulopatias. GRUPOS DE RISCO PARA DESENVOLVIMENTO PARA DRC Alguns pacientes são + suscetíveis para desenvolver DRC e podem ser considerados grupos de risco. São eles: HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA → HAS é uma doença bastante comum na DRC → Pode ocorrer em + de 75% dos pacientes → Independe da idade. DIABETES MELLITUS → diabéticos apresentam fator de risco aumentado para desenvolver DRC e doença cardiovascular (DCV), → Devem ser monitorados frequentemente para avaliar presença de lesão renal IDOSOS → pacientes com idade avançada já apresentam ↓ RFG. → Associando esse fator às lesões renais secundárias às doenças crônicas apresentadas nessa faixa etária, os idosos são suscetíveis a DRC. DOENÇA CARDIOVASCULAR → a DRC é fator de risco independente para a DCV 3 Módulo II Hanna Briza → Estudos demonstraram que a DCV se associa com a ↓ da filtração glomerular e com a ocorrência de DRC. FAMILIARES DE PORTADORES DE DRC → Pacientes com história familiar + para DRC apresentam prevalência ↑ de HAS, DM, proteinúria e doença renal. USO DE MEDICAÇÕES NEFROTÓXICA → Medicações nefrotóxicas devem ser evitadas ou otimizadas em pacientes que possuem DRC, principalmente quando o RFG < 60 ml/ min/1,73m². FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia da DRC caracteriza-se por 2 amplos grupos gerais de mecanismos lesivos: 1. Mecanismos desencadeantes 2. Mecanismos progressivos Mecanismo desencadeante: → Específicos da etiologia: anormalidades do desenvolvimento ou da integridade renal determinadas geneticamente, deposição de imunocomplexos e inflamação em alguns tipos de glomerulonefrite, ou exposição a toxinas em algumas doenças dos túbulos e do interstício renais. Mecanismos progressivos: → Um conjunto de mecanismos que envolvem hiperfiltração e hipertrofia dos néfrons viáveis remanescentes, que são consequências comuns da redução prolongada da massa renal, independentemente da etiologia primária. As respostas à ↓ da quantidade de néfrons são mediadas por: → Hormônios vasoativos → Citocinas → Fatores de crescimento. O aumento da atividade intrarrenal do sistema renina-angiotensina (SRA): → Contribui para a hiperfiltração adaptativa inicial e para a subsequente hipertrofia mal adaptativa e esclerose. → Esse processo explica por que a ↓ da massa renal secundária a uma lesão isolada pode causar declínio progressivo da função renal ao longo de muitos anos. → Esse processo pode ser simplificado no fluxograma abaixo. ADAPTAÇÃO À CURTO PRAZO: HIPERFILTRAÇÃO E HIPERTROFIA SÃO MAL ADPTAÇÕES QUANDO HÁ ↑ DA PRESSÃO E FLUXO SANGUÍNEO DENTRO DO NÉFRON DISTORÇÃO DA ARQUITETUTA DOS GLOMÉRULOS FUNÇÃO ANORMAL DOS PODÓCITOS ROMPIMENTO DA BARREIRA DE FILTRAÇÃO RESULTADO: ESCLEROSE E DESTRUIÇÃO DOS NÉFRONS REMANCENTES 4 Módulo II Hanna Briza FISIOPATOLOGIA DA SÍNDROME URÊMICA A síndrome urêmica é responsável pelo quadro clínico do paciente com DRC. Embora as concentraçõesséricas de ureia e creatinina sejam utilizadas para avaliar a capacidade excretora dos rins, o acúmulo dessas 2 moléculas não explica, por si só, muitos dos sinais e dos sintomas que caracterizam a síndrome urêmica nas doenças renais avançadas. Centenas de toxinas acumuladas na insuficiência renal têm sido implicadas na síndrome urêmica. Isso inclui: → Compostos hidrossolúveis, hidrofóbicos, ligados a proteínas, com carga e sem carga. → Outros tipos de escórias nitrogenadas excretadas incluem os compostos guanidínicos, os uratos e hipuratos, produtos do metabolismo do ácido nucleico, as poliaminas, o mioinositol e os fenóis, os benzoatos e indóis. Desse modo, fica evidente que: → As concentrações séricas da ureia e da creatinina, embora possam ser determinadas facilmente, devem ser entendidas como marcadores substitutos e imprecisos desses compostos; → A monitoração dos níveis da ureia e da creatinina do paciente com disfunção renal é uma simplificação exagerada do estado urêmico. A síndrome urêmica e o estado patológico associado à disfunção renal avançada envolvem + que uma falência excretora dos rins. → Numerosas funções metabólicas e endócrinas desempenhadas normalmente pelos rins também são comprometidas ou suprimidas, e isso causa: • Anemia, desnutrição e anormalidades do metabolismo dos carboidratos, das gorduras e das proteínas. • Os níveis plasmáticos de muitos hormônios (como PTH, FGF-23, insulina, glucagon, hormônios esteroides, como a vitamina D e os hormônios sexuais, e prolactina) alteram-se na DRC em razão da ↓ excreção, da sua ↓ decomposição ou da regulação hormonal anormal. Além disso, a DRC está associada à piora da inflamação sistêmica. Há: → ↑ níveis de proteína C-reativa: são detectados simultaneamente aos outros reagentes da fase aguda → ↓ concentrações dos chamados reagentes negativos da fase aguda p. ex., albumina e fetuína (são aquelas as quais os níveis diminuem quando se produz a resposta de fase aguda) Devido à redução progressiva da TFG. A inflamação associada à DRC é importante para a síndrome de desnutrição-inflamação e aterosclerose/calcificação, que contribui para: → Aceleração da doença vascular → Comorbidade associada à doença renal avançada. A fisiopatologia da síndrome urêmica pode ser subdividida em manifestações disfuncionais em 3 esferas: 1. Distúrbios secundários ao acúmulo das toxinas normalmente excretadas pelos rins, como os produtos do metabolismo das proteínas; 2. Anormalidades consequentes à perda das outras funções renais, como a homeostase hidreletrolítica e a regulação hormonal 3. Inflamação sistêmica progressiva e suas consequências vasculares e nutricionais. QUADRO CLÍNICO A uremia consequente da doença renal crônica causa distúrbios funcionais em quase todos os sistemas do organismo. A diálise crônica: → Pode ↓ a incidência e a gravidade de alguns desses distúrbios; → As manifestações evidentes e marcantes da uremia praticamente desapareceram do cenário de saúde moderno. O tratamento dialítico ideal não é totalmente efetivo como terapia renal substitutiva, porque: → Alguns distúrbios resultantes da disfunção renal não melhoram com diálise. Síndrome Urêmica: conjunto de sinais e sintomas que aparece na insuficiência renal grave, quando a RFG está < 30 ml/min A maioria dos pacientes só vai apresentar sintomas com a doença avançada. Isso ocorre devido a hiperfiltração adaptativa que mantem os níveis de filtração glomerular durante o início do quadro, evitando que sinais clínicos sejam notados. 5 Módulo II Hanna Briza DISTÚRBIOS VOLÊMICOS E ELETROLÍTICOS As quantidades corporais totais de Na+ e água mostram-se modestamente aumentadas, embora isso possa não ser perceptível ao exame clínico. Com a função renal normal: → A reabsorção tubular do sódio e da água filtrados é ajustada de forma que a excreção urinária fique igual à ingestão total. Alguns tipos de doença renal, por exemplo glomerulonefrite: → Há um desequilíbrio, onde a ingestão dietética de sódio seja maior que sua excreção urinária, resultando na retenção de sódio e consequente expansão do volume de líquido extracelular (VLEC). Isso pode contribuir para a hipertensão que, por si própria, pode acelerar a lesão dos néfrons. A hiponatremia não é comum nos pacientes com DRC, mas, quando presente, pode melhorar com a restrição de água. Além dos distúrbios da excreção de sal e água, alguns pacientes com DRC podem, em vez disso, apresentar reduzida conservação renal de sódio e água. Quando há uma causa extrarrenal para a perda de líquidos (por exemplo perdas gastrintestinais), esses pacientes podem ser suscetíveis à depleção do VLEC em razão da incapacidade de os rins insuficientes reterem quantidades adequadas de sódio filtrado. Além disso, a depleção do VLEC, em razão das perdas gastrointestinais ou do tratamento diurético exagerado: → Pode comprometer ainda mais a função renal em consequência da hipoperfusão ou por um mecanismo “pré-renal” → Resultando na descompensação aguda da insuficiência renal crônica. Com a DRC, o declínio da TFG: 1. Não se acompanha necessariamente da redução correspondente da excreção urinária de potássio, que é mediada de modo predominante pela secreção aldosterona-dependente nos segmentos distais dos néfrons. 2. Nesses pacientes, outra defesa contra a retenção de potássio é o aumento da sua excreção pelo trato GI. Apesar dessas 2 respostas homeostáticas, a hiperpotassemia pode ser precipitada em determinadas situações clínicas. Isso inclui: → ↑ da ingesta dietética de potássio → Catabolismo proteico → Hemólise → Hemorragia → Transfusão de hemácias estocadas → Acidose metabólica. DISTÚRBIO ACIDO-BÁSICO A acidose metabólica característica da DRC avançada é causada na maioria dos pacientes que ainda conseguem acidificar a urina, mas produzem menos amônia e, por essa razão, não é capaz de excretar a quantidade normal de prótons em combinação com esse sistema de tamponamento urinário. Quando presente, a hiperpotassemia suprime ainda mais a produção de amônia. A combinação de hiperpotassemia com acidose metabólica hiperclorêmica é observada comumente, mesmo nos estágios iniciais de DRC, nos pacientes com nefropatia diabética ou nos indivíduos com doença predominantemente tubulointersticial ou uropatia obstrutiva; esta condição é conhecida como acidose metabólica sem ânion gap. Com a deterioração da função renal, a excreção urinária total diária de ácidos costuma ficar limitada a 30 a 40 mmol, e os ânions dos ácidos orgânicos retidos podem então causar acidose metabólica com ânion gap. Desse modo, a acidose metabólica sem anion gap, que pode ser observada nos estágios iniciais da DRC, pode ser complicada pela acidose metabólica com anion gap à medida que a doença avança. Os pacientes com DRC apresentam um estado de HIPERVOLEMIA devido a retenção de Na+ e HIPERCALEMIA devido a retenção de K+. 6 Módulo II Hanna Briza Na maioria dos pacientes, a acidose metabólica é leve, o pH raramente é < 7,35 e, em geral, pode ser corrigida por suplementos orais de bicarbonato de sódio. DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DE CÁLCIO E FOSFATO As principais complicações dos distúrbios do metabolismo do cálcio e fosfato associados à DRC ocorrem nos ossos e vasos sanguíneos, com envolvimento ocasionalmente grave dos tecidos moles extraósseos. As manifestações ósseas da DRC podem ser classificadas em 2 tipos: 1. Alterações associadas ao turnover ósseo elevado com níveis altos de PTH (como a osteíte fibrose cística, uma lesão clássica do hiperparatireoidismo secundário); 2. Anormalidades atribuídas ao turnover ósseo reduzido com níveis normais ou baixos de PTH (doença óssea adinâmica e osteomalacia). A fisiopatologiado hiperparatireoidismo secundário e da doença óssea consequente ao turnover ↑ está relacionada com o metabolismo mineral anormal em razão dos seguintes fatores: 1. A TFG declinante diminui a excreção de fosfato e, desse modo, causa retenção deste elemento; (↓ TFG ↑ Fosfato) 2. O fosfato retido estimula o aumento da síntese tanto de FGF23 por osteócitos quanto de PTH e estimula o crescimento das paratireoides; (↑ Fosfato ↑FGF23 (osteófitos) ↑PTH (paratireoide) 3. Os níveis ↓ de cálcio ionizado, resultantes da supressão da síntese de calcitriol pelo FGF-23 e pelos rins insuficientes, assim como a retenção de fosfato, também estimulam a produção de PTH. Os níveis baixos de calcitriol contribuem para o hiperparatireoidismo porque causam hipocalcemia e, também, por um efeito direto na transcrição dos genes do PTH. Essas alterações começam quando ↓ TFG para < 60 mL/min. O FGF23 faz parte de uma família de fosfatoninas que promovem a excreção renal do fosfato, esse pode manter os níveis séricos normais do fosfato por no mínimo três mecanismos: 1. Aumento da excreção renal de fosfato; 2. Estimulação do PTH, que também aumenta a excreção renal de fosfato; 3. Supressão da síntese de 1,25(OH)2D3 , que diminui a absorção do fósforo no trato GI. Os níveis altos do FGF-23 também são um dos fatores de risco independentes para hipertrofia do ventrículo esquerdo e mortalidade dos pacientes com DRC, em diálise e transplantados renais. Assim, o hiperparatireoidismo estimula o turnover ósseo e causa osteíte fibrose cística. A histologia óssea mostra: → Osteoide anormal → Fibrose dos ossos e da medula óssea → Nos estágios avançados: formação de cistos ósseos, algumas vezes com elementos hemorrágicos, razão pela qual adquirem uma coloração castanha, daí o termo tumor marrom. As manifestações clínicas do hiperparatireoidismo grave consistem em: → Dor e fragilidade ósseas → Tumores marrons → Síndromes compressivas → Resistência à eritropoetina em parte relacionada com a fibrose da medula óssea. Além disso, o PTH é considerado uma toxina urêmica intrínseca, e níveis altos estão associados a: → Fraqueza muscular → Fibrose do músculo cardíaco → Sintomas constitucionais inespecíficos. Já doença óssea com turnover reduzido pode ser classificada em dois subtipos 1. Doença óssea adinâmica 2. Osteomalácia. A prevalência da doença óssea adinâmica está aumentando, principalmente entre os diabéticos e os pacientes idosos. Essa doença caracteriza-se por: → Volume e mineralização ósseos reduzidos → Pode ser causada pela supressão excessiva da síntese do PTH, pela inflamação crônica, ou ambas. A supressão do PTH pode ser causada pela utilização de preparações de vitamina D ou exposição excessiva ao cálcio na forma de quelantes de fosfato à base de cálcio ou soluções dialíticas ricas em cálcio. As complicações da doença óssea adinâmica incluem: → Incidência alta de fraturas e dor óssea → Incidência mais alta de calcificações vasculares e cardíacas. → Algumas vezes o cálcio precipitará nos tecidos moles formando concreções grandes chamadas de “calcinose tumoral” O distúrbio ósseo e mineral decorrente da DRC inicia-se com: → ↓ na produção de 1,25 dihidroxicalciferol. → O declínio progressivo do nível sérico de vitamina D é acompanhado por ↑ de paratormônio (PTH) à medida que declina a filtração glomerular. → Nos estágios 3 e 4 da DRC, a maioria dos pacientes já apresenta hiperparatireoidismo secundário. Os pacientes com DRC inicialmente apresentam ACIDOSE METABÓLICA SEM ÂNION GAP (ou acidose metabólica hiperclorêmica). Nos estágios posteriores da doença, observa- se a ACIDOSE METABÓLICA COM ÂNION GAP. 7 Módulo II Hanna Briza CÁLCIO, FÓSFORO E SISTEMA CARDIOVASCULAR A hiperfosfatemia: → Pode provocar uma alteração na expressão dos genes das células vasculares e estimular a aquisição de um perfil semelhante ao dos osteoblastos → Resultado: calcificações vasculares e até ossificação. Outras complicações do metabolismo mineral anormal é: → Calcifilaxia (arteriolopatia urêmica calcificante) • Distúrbio devastador observado quase exclusivamente nos pacientes com DRC avançada. • Essa condição é prenunciada por livedo reticular com progressão para placas de necrose isquêmica, sobretudo nas pernas, nas coxas, no abdome e nas mamas. • Ao exame patológico, há indícios de obstrução vascular associada a extensa calcificação vascular e de tecidos moles. • A princípio, a calcifilaxia foi atribuída às anormalidades graves da homeostase do cálcio e do fósforo nos pacientes dialisados, em geral em combinação com o hiperparatireoidismo avançado. • Mais recentemente, esse distúrbio tem sido observado com frequência crescente na ausência de hiperparatireoidismo grave. DOENÇA VASCULAR ISQUÊMICA A existência de DRC em qualquer estágio é um fator de risco importante para doença cardiovascular isquêmica como doenças coronariana, cerebrovascular e vascular periférica obstrutivas. A prevalência mais alta das doenças vasculares entre os pacientes com DRC deve-se aos fatores de risco tradicionais, “clássicos” e não tradicionais, associados à DRC. Entre os fatores de risco tradicionais, estão: → Hipertensão → Hipervolemia → Dislipidemia → Hiperatividade simpática → Hiper-homocisteinemia. Os fatores de risco associados à DRC incluem: → Anemia → Hiperfosfatemia → Hiperparatireoidismo → ↑ de FGF23 → Apneia do sono → Inflamação generalizada O estado inflamatório associado à perda da função renal é refletido: → ↑ níveis circulantes dos reagentes de fase aguda, como as citocinas inflamatórias e a proteína C-reativa → ↓ dos “reagentes negativos da fase aguda” como albumina e fetuína séricas. O estado inflamatório parece acelerar a doença vascular obstrutiva, e os níveis baixos de fetuína podem predispor às calcificações vasculares mais rápidas, principalmente na vigência de hiperfosfatemia. Outras anormalidades detectadas nos pacientes com DRC podem agravar a isquemia miocárdica, como: → hipertrofia ventricular esquerda → doença microvascular. Além disso, a hemodiálise com seus episódios associados de hipotensão e hipovolemia pode agravar ainda mais a isquemia coronariana e atordoar o miocárdio. Entretanto, curiosamente, o aumento mais expressivo da taxa de mortalidade cardiovascular dos pacientes em diálise nem sempre está relacionado diretamente com infartos agudos do miocárdio confirmados, mas sim com insuficiência cardíaca congestiva e todas as suas consequências. A osteodistrofia renal é o termo utilizado para descrever alterações na morfologia óssea decorrente da DRC. A classificação e o diagnóstico da doença requerem a realização de biópsia óssea e se baseiam nos componentes de remodelamento, volume ósseo e mineralização. As categorias da osteodistrofia renal conforme a histologia são: • Osteíte fibrosa: uma doença de ↑ remodelação óssea causada pelo hiperparatireoidismo secundário. • Osteomalácia: de ↓ remodelação e caracterizada por um defeito na mineralização óssea. • Doença adinâmica: também de ↓ remodelação. • Doença mista: surge como doença intermediária com ↑ remodelamento e defeito de mineralização. 8 Módulo II Hanna Briza INSUFICIÊNCIA CARDÍACA A função cardíaca anormal resultante da: → Isquemia miocárdica → Hipertrofia ventricular esquerda → Miocardiopatia avançada → Somada à retenção de sal e água que pode ocorrer com a DRC, Frequentemente causa insuficiência cardíaca ou até mesmo edema pulmonar. A insuficiência cardíaca pode ser devida à: → Disfunção sistólica → Diastólica → Ambas. Um tipo de edema pulmonar de “baixa pressão” também pode ocorrer na DRC avançada e evidencia-se por dispneia e distribuição do edema alveolar em padrãode “asa de morcego” na radiografia de tórax. → Essa anormalidade pode ocorrer mesmo na ausência de sobrecarga de volume líquido extracelular → Está associada às pressões capilares pulmonares normais ou ligeiramente elevadas. → Esse processo foi atribuído ao aumento da permeabilidade das membranas alveolocapilares em razão do estado urêmico e melhora com a diálise. Outros fatores de risco associados à DRC, como anemia e apneia do sono, podem contribuir para o risco de insuficiência cardíaca. HIPERTENSÃO E HIPERTROFIA VENTRICULAR ESQUERDA A hipertensão é uma das complicações mais comuns da DRC. A hipertensão começa nos estágios iniciais da DRC e está associada a desfechos adversos, tais como: → Desenvolvimento de hipertrofia ventricular → Deterioração + rápida da função renal. A hipertrofia do ventrículo esquerdo e a miocardiopatia dilatada estão entre os fatores de risco mais importantes para morbidade e mortalidade cardiovasculares entre os pacientes com DRC e, aparentemente, estão relacionadas sobretudo (embora não apenas) com hipertensão prolongada e sobrecarga de VLEC. Além disso, a anemia e a criação de uma fístula arteriovenosa para hemodiálise podem aumentar o débito cardíaco e desencadear insuficiência cardíaca. A ausência de hipertensão → Pode significar uma função ventricular esquerda ruim. → A pressão arterial baixa em pacientes dialíticos implicava prognóstico + desfavorável que a pressão arterial elevada. Esse mecanismo explica em parte a “causalidade reversa” observada nos pacientes dialisados, nos quais a presença dos fatores de risco tradicionais, por exemplo hipertensão, hiperlipidemia e obesidade, parece conferir prognósticos mais favoráveis. Ao contrário do que se observa na população geral, é possível que nos estágios tardios da DRC a pressão arterial baixa, o índice de massa corporal reduzido e a hipolipidemia indiquem a existência de um estado avançado de desnutrição-inflamação, que está associado a um prognóstico desfavorável. ANORMALIDADES HEMATOLÓGICAS A anemia normocítica e normocrômica começa a partir de estágios mais avançados da DRC e está presente em quase todos os pacientes em estágio tardio. A causa primária nos pacientes com DRC é: → Produção insuficiente de eritropoetina (EPO) pelos rins afetados → A deficiência causa sobrevida reduzida das hemácias. Outros fatores que causam essa anemia são: → Diátese hemorrágica → Deficiência de ferro → Hiperparatireoidismo → Fibrose da medula óssea → Inflamação crônica → Deficiência de folato ou vitamina B12 → Hemoglobinopatia. A anemia da DRC está associada a algumas consequências fisiopatológicas adversas: → Transporte e consumo de oxigênio reduzidos nos tecidos, → Aumento do débito cardíaco → Dilatação e hipertrofia ventriculares. As manifestações clínicas incluem: → Fadiga → Diminuição da tolerância aos esforços → Angina, → Insuficiência cardíaca, → Distúrbios da cognição e acuidade mental, Os níveis da troponina cardíaca frequentemente estão aumentados nos pacientes com DRC, mesmo sem qualquer indício de isquemia aguda, podendo dificultar o diagnóstico. Desse modo, a tendência dos níveis de troponina ao longo de algumas horas após a apresentação clínica pode ser mais informativa do que uma dosagem isolada indicando concentração alta. Curiosamente, os níveis consistentemente altos são um dos fatores prognósticos independentes para a ocorrência de eventos cardiovasculares adversos nessa população. 9 Módulo II Hanna Briza → Diminuição das defesas contra infecção. Além disso, a anemia pode desempenhar um importante papel na restrição do crescimento das crianças com DRC. ANORMALIDADES GASTROINTESTINAIS E NUTRICIONAIS O hálito urêmico (odor de urina no ar exalado) é causado pela: → Decomposição da ureia em amônia na saliva → Associado a um paladar metálico desagradável (disguesia). Gastrite, doença péptica e ulceração em mucosas em qualquer nível do trato GI ocorrem nos pacientes urêmicos e podem causar: → Dor abdominal → Náuseas / vômitos → Hemorragia digestiva. Esses pacientes também são suscetíveis à constipação, que pode ser agravada pela administração dos suplementos de cálcio e ferro. A retenção de toxinas urêmicas também causa: → Anorexia, náuseas e vômitos A desnutrição proteico-calórica secundária à baixa ingestão de proteínas e calorias é comum na DRC avançada e costuma indicar a necessidade de iniciar a terapia renal substitutiva. A acidose metabólica e a ativação das citocinas inflamatórias podem predispor ao catabolismo proteico. A avaliação da desnutrição proteico-calórica deve começar no estágio 3 da DRC. DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS-METABÓLICOS O metabolismo da glicose está alterado na DRC: → ↓ da velocidade com que os níveis da glicemia declinam após a administração de uma carga de glicose. No entanto, a glicose sanguínea em jejum costuma estar normal ou ligeiramente elevada, e a intolerância leve à glicose não requer tratamento específico. Como os rins contribuem para a remoção da insulina da circulação, os níveis plasmáticos deste hormônio ficam ligeira ou moderadamente elevados na maioria dos pacientes urêmicos, tanto em jejum quanto no estado pós-prandial. Nas mulheres com DRC, os níveis de estrogênio são baixos e é comum observar: → Anormalidades menstruais, infertilidade e incapacidade de levar as gestações ao termo. → Quando a TFG cai a cerca de 40 mL/min, a gestação está associada a índices elevados de abortamento espontâneo, e apenas cerca de 20% das gestantes dão à luz bebês vivos; → A gravidez pode acelerar a progressão da própria doença renal. Já os homens com DRC têm concentrações plasmáticas baixas de testosterona e podem ter: → Disfunção sexual → Oligospermia. → A maturação sexual pode ser retardada ou prejudicada nos adolescentes com DRC, mesmo que estejam sendo tratados com diálise. ANORMALIDADES DERMATOLÓGICAS As anormalidades cutâneas observadas nos pacientes com DRC são: → Prurido, muito associado a uremia, → Hiperpigmentação, devido a deposição de metabólitos pigmentados, → Dermopatia fibrosante nefrogênica (enduração subcutânea progressiva, nos braços e pernas principalmente), → Condição semelhante em pacientes com drc expostos ao gadolínio, que é usado no contraste da ressonância magnética. DIAGNÓSTICO Diagnóstico é mais bem identificado com o ritmo de filtração glomerular. Essa é a melhor medida do funcionamento renal em indivíduos normais ou pacientes com doença renal. O nível da RFG varia com a idade, sexo, e massa muscular. → A RFG menor que 60mL/min/1,73 m2 representa diminuição de cerca de 50% da função renal normal → Abaixo deste nível, aumenta a prevalência das complicações da DRC. Embora a diminuição da RFG relacionada à idade possa ser deivod o processo de envelhecimento normal, a diminuição da RFG no idoso é um preditor independente de evolução adversa da doença, tal como óbito e doença cardiovascular. Além do mais, a RFG diminuída no idoso deve implicar em ajustes nas dosagens das medicações, semelhantemente ao que se faz em todos os pacientes com DRC. Assim, a definição da DRC é a mesma, independentemente da idade. → Como a RFG diminui com a idade, a prevalência de DRC aumenta nos pacientes idosos; → Cerca de 17% das pessoas com mais de 60 anos apresentam RFG menor que 60mL/ min/1,73m2. Na prática clínica, a RFG pode ser determinada pela: → dosagem da creatinina sérica e/ou pela depuração desta pelo rim. → A depuração da creatinina pode ser realizada em urina coletada no período de 24 horas 10 Módulo II Hanna Briza → Porém... a coleta urinária inadequada, seja por falta de compreensão do procedimento ou tipo de atividade do paciente, é um limitador do método. Mais recentemente,as diretrizes preconizam que a FG pode ser estimada a partir da dosagem sérica da creatinina (Crs), aliada a variáveis demográficas, tais como: idade, sexo, raça e tamanho corporal. As duas equações mais frequentemente utilizadas encontram-se a seguir: 1. Equação de Cockcroft-Gault: Filtração glomerular (mL/min)= 140 - idade (em anos) x peso (kg) / 72 x Creatinina sérica (x 0,85 se mulher) 2. Equação abreviada do estudo Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) Filtração glomerular (mL/min/1,73m2) = 186 x (Creatinina sérica)-1,154 x (idade)-0,203 X (0,742 se mulher) X 1,210 se negro A fórmula de Cockcroft-Gault e a utilizada no estudo MDRD apresentam excelente correlação com a determinação da RFG avaliada com DTPA e já foram amplamente empregadas em vários estudos em diferentes partes do mundo, inclusive no Brasil. Atualmente, as fórmulas que estimam a RFG estão disponibilizadas em programas para computadores manuais, nas páginas da internet da Sociedade Brasileira de Nefrologia e na National Kidney Foundation ou na forma de tabelas. Você pode conferir as calculadoras nesse link da Sociedade Brasileira de Nefrologia: https:// sbn.org.br/utilidades/calculadoras/] A DRC pode ser diagnosticada sem o conhecimento da sua causa. Geralmente, o comprometimento do parênquima renal é confirmado por marcadores de lesão em vez da biópsia renal. De acordo com as Diretrizes do K/DOQI1: → A proteinúria (albuminúria) persistente é o principal marcador de lesão renal. → Outros marcadores de lesão renal incluem: • Anormalidades nosedimento urinário (principalmente hematúria e leucocitúria) • Alterações de parâmetros bioquímicos no sangue e na urina • Alterações nos exames de imagem. Pacientes com RFG normal, mas com marcador(es) de lesão renal apresentam risco aumentado para evolução da DRC. SUMÁRIO DE URINA O sumário de urina é um dos principais exames a serem feitos na avaliação inicial do paciente com DRC, devendo-se analisar os sedimentos urinários e suas anormalidades e a microscopia do sedimento (pesquisar células, cilindros e cristais). HEMATÚRIA Presença anormal de eritrócitos na urina (> de 3 a 5 eritrócitos/campo ou até 3000 hemácias por mililitro) → Presença de hemácias disfórmicas indicam glomerulonefrite proliferativa ou nefrites hereditárias. LEUCÓCITOS Piúria é definida como acima de 10 leucócitos/campo ou 10.000/ml, sendo indicativa de inflamação do trato urinário. → Piúria pode ser indicativa de infecção, porém quando associada a cultura estéril pode indicar: tuberculose de trato urinário, infecção por clamídia, doença glomerular proliferativa difusa, litíase renal, nefrite intersticial aguda (linfomononucleares e eosinófilos) e doença renal ateroembólica (eosinófilos). CILINDRÚRIA Excreção aumentada de cilindros na urina. → Excreção de cilindros céreos, celulares, gordurosos e pigmentados indicam patologia renal. → Excreção de cilindros hialinos e granulosos podem não indicar doença renal → Situações que levam à cilindrúria transitória: desidratação, exercício extenuante, uso de diurético e febre, que podem remitir em 24-48h após desaparecimento do estímulo inicial. CRISTAIS A presença de cristais na urina como de ácido úrico, fosfato ou oxalato de cálcio nem sempre significam alguma patologia. PROTEINÚRIA Indivíduos normais excretam pequena quantidade de proteína na urina diariamente, numa faixa considerada como fisiológica. A excreção de quantidade aumentada de proteína na urina é um marcador sensível para DRC secundária a diabetes (doença renal diabética), glomerulopatias primárias e secundárias e hipertensão arterial. Já as proteínas de baixo peso molecular, quando em quantidade anormal na urina, sugerem a ocorrência de doenças túbulo- intersticiais. É preciso deixar claro que proteinúria é um termo genérico que engloba a excreção urinária de albumina e qualquer outro tipo de proteína. Já a palavra albuminúria refere-se única e exclusivamente à eliminação urinária de albumina, um marcador de lesão glomerular. Além disso, o termo microalbuminúria é utilizado quando a quantidade de albumina urinária está acima do normal, porém aquém dos níveis detectados nos testes de proteinúria total. 11 Módulo II Hanna Briza O fluxograma apresentado é uma proposta para pesquisar proteinúria como marcador de lesão renal em indivíduos que compõem grupos de risco e sem evidências de doença renal. O primeiro passo é pesquisar a proteinúria com fita de imersão numa amostra urinária isolada. A ocorrência de uma ou mais cruzes de proteinúria determina a necessidade de quantificação, que pode ser feita em amostra urinária isolada (relação proteína/creatinina) ou na urina de 24 horas. → Valores superiores a 200 mg implicam em avaliação diagnóstica e tratamento. Se o paciente faz parte de grupo de risco para DRC e a fita de imersão resultar negativa, o próximo passo é pesquisar microalbuminúria em amostra urinária isolada (com fita de imersão, método semiquantitativo) ou urina de 12 horas noturna ou em amostra urinária de 24 horas. Se o resultado for negativo, repetir a avaliação anualmente. Em caso de resultado positivo, ou seja, dois ou mais resultados positivos em intervalo superior a três meses entre os testes, deve- se aprofundar a investigação, objetivando confirmação diagnóstica e instituição de tratamento nefroprotetor. USG RENAL A ultrassonografia renal pode ser utilizada para definir o diagnóstico de: → doença renal policística autossômica dominante, → obstrução do trato urinário → refluxo vesicoureteral → diferenciação entre tumores sólidos e cistos renais. Pacientes com perda de função renal no início da doença podem apresentar nefropatia crônica à imagem do ultrassom, com perda da diferenciação córtico medular, redução do córtex renal e aumento da ecogenicidade do parênquima renal. B IÓPSIA RENAL A avaliação da histologia renal é importante para o diagnóstico, determina o prognóstico e direciona o tratamento, incluindo para pacientes candidatos ao transplante renal. Porém, quando se é feito o diagnóstico da DRC, muitas vezes o rim já está com um grau avançado de fibrose o que dificulta a definição da histologia de base, com redução do seu tamanho, que pode causar sangramento durante o procedimento. Assim, muitas vezes, o risco não compensa os benefícios TRATAMENTO Os tratamentos dirigidos às causas específicas da DRC incluem, entre outros: → Controle rigoroso da glicemia dos pacientes diabéticos → Uso de agentes imunossupressores na glomerulonefrite → Utilização das novas modalidades de tratamento específico para retardar a cistogênese na doença renal policística. Em geral, a ocasião ideal para iniciar o tratamento, específico e não específico, é muito antes que haja declínio detectável da RFG e certamente antes que a DRC esteja bem estabelecida. Em todos os pacientes: → É útil medir sequencialmente a RFG e colocar os resultados em um gráfico que expresse a velocidade de declínio. → Qualquer aceleração na velocidade de declínio deve levar a uma busca de algum processo agudo ou subagudo sobreposto, o qual pode ser reversível. Isso inclui: → Depleção do VLEC → Hipertensão descontrolada → Infecção do trato urinário → Uropatia obstrutiva de início recente → Exposição a fármacos nefrotóxicos, como AINEs ou contraste radiográfico, → Reativação ou agravamento da doença original, por exemplo lúpus ou vasculite. Para reduzir a progressão da doença a taxa de declínio da RFG varia nos diferentes pacientes com DRC. Entretanto, as intervenções descritas adiante devem ser consideradas na tentativa de estabilizar ou retardar o declínio da função renal. DIETA Devem ser considerados cuidados nutricionais gerais para os pacientes portadores de DRC.A dieta deve ser: → Hipossódica (até 2g de sódio ou 5g de nacl), → Hipopotassêmica → Hipofosfatêmica (até 800mg/dia) – evitar alimentos industrializado e embutidos. Para pacientes a partir do estágio 4 da DRC, deve-se ter uma dieta hipoproteica, para evitar a hiperfiltração glomerular e a sobrecarga renal. HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA A redução da hipertensão intraglomerular e da proteinúria é imprescindível. As pressões de filtração intraglomerular elevadas e a hipertrofia dos glomérulos ocorrem como uma resposta à perda quantitativa dos néfrons em razão de diferentes doenças renais. Essa resposta é mal adaptativa porque estimula o declínio persistente da função renal, mesmo que o processo desencadeante tenha sido tratado ou tenha regredido espontaneamente. 12 Módulo II Hanna Briza → O controle da hipertensão glomerular é importante para retardar a progressão da DRC. → A pressão arterial elevada agrava a proteinúria porque aumenta o fluxo através dos capilares glomerulares. → Por outro lado, o efeito nefroprotetor dos agentes anti- hipertensivos é aferido pela redução subsequente da proteinúria. → Quanto mais efetivo for determinado tratamento na redução da excreção proteica, maior o impacto subsequente na proteção contra o declínio da RFG. Essa observação constitui a base das diretrizes terapêuticas que estabelecem o nível de 130/80 mmHg como meta de pressão arterial para pacientes com DRC e proteinúria. ECAS E BRAS Os inibidores da ECA e os bloqueadores de receptores da angiotensina II (BRAs) inibem a vasoconstrição das arteríolas eferentes da microcirculação glomerular, que é induzida pela angiotensina. → Essa inibição possibilita a redução da pressão de filtração intraglomerular e da proteinúria. Vários estudos controlados demonstraram que esses fármacos foram efetivos em retardar a progressão da insuficiência renal nos pacientes com estágios avançados da DRC diabética ou de outras etiologias. → Esse retardo da progressão da DRC está diretamente associado ao efeito redutor da proteinúria. Quando não há resposta antiproteinúrica com a utilização isolada de um desses fármacos: → Pode-se tentar o tratamento combinado com inibidores da ECA e BRAs. → Essa combinação está associada à redução mais expressiva da proteinúria, quando comparada com o uso isolado de um desses fármacos. No entanto, há uma incidência maior de insuficiência renal aguda e complicações cardíacas com esse tratamento combinado. Por essa razão, ainda não está claro se a combinação de inibidores da ECA com BRAs pode ser recomendada rotineiramente. Entre os efeitos adversos desses fármacos estão: → tosse e angioedema com os inibidores da ECA → anafilaxia e hiperpotassemia com as duas classes. O aumento progressivo da concentração sérica de creatinina com o uso desses fármacos pode sugerir a existência de doença renovascular das artérias de pequeno ou grande calibre. A ocorrência desses efeitos colaterais pode exigir a utilização dos agentes anti-hipertensivos de segunda linha em vez dos inibidores da ECA ou dos BRAs. Os IECA devem ser utilizados com cautela em pacientes com níveis de creatinina acima de 3 mg/dL e naqueles propensos a desenvolver hiperpotassemia. Entre os bloqueadores dos canais de cálcio (BCC), o diltiazem e o verapamil podem reduzir a proteinúria e causar efeitos nefroprotetores mais eficazes, quando comparados comas di- hidropiridinas. No mínimo 2 tipos de resposta podem ser observados: 1. A progressão está diretamente associada à hipertensão sistêmica e intraglomerular, bem como à proteinúria (p. ex., nefropatia diabética, doenças glomerulares) Inibidores da ECA e os BRAs provavelmente são a primeira opção; 2. A proteinúria é leve ou indetectável nos estágios iniciais, por exemplo na doença renal policística do adulto e em outras doenças tubulointersticiais, e no qual a contribuição da hipertensão intraglomerular é menos proeminente; nesse grupo os outros agentes anti- hipertensivos podem ser úteis para controlar a hipertensão sistêmica. Os diuréticos tiazídicos e a clortalidona podem ser úteis no início da doença renal crônica, porém, à medida que a insuficiência renal progride, em uso isolado tendem a perder a eficácia. Caso o paciente apresente níveis ascendentes de creatinina, chegando a 2mg/dl, recomenda-se o uso de diuréticos de alça. Assim, associa-se a furosemida nesses casos. Os vasodilatadores não apresentam bons resultados, e o minoxidil deve ser reservado apenas para casos de hipertensão arterial grave. DIABETES MELLITUS Já o manejo da nefropatia diabética consiste em prevenção por meio de controle da glicemia. O bom controle da glicemia e da hemoglobina glicada reduz o ritmo com que a microalbuminúria aparece e progride no DM tipo 1 e 2. Entretanto, quando ocorre macroalbuminúria, não está bem definido se a melhora do controle glicêmico irá reduzir a velocidade de progressão da doença renal. Durante a fase posterior de declínio da função renal, as demandas de insulina podem cair, pois o rim é um local de degradação da insulina. À medida que a RFG diminui com a nefropatia progressiva, o uso e a dose dos agentes que reduzem a glicose devem ser reavaliados. Alguns desses medicamentos (sulfonilureias e metformina) estão contraindicados na insuficiência renal avançada. O objetivo é manter a glicemia capilar pré-prandial entre 90 e 130 mg/ dL, pico pós-prandial < 180 e hemoglobina glicada < 7,0%.] Em comparação com o que ocorre nos indivíduos que não são diabéticos, a hemodiálise nos pacientes com DM está associada a complicações mais frequentes, tais como hipotensão, decorrente 13 Módulo II Hanna Briza de neuropatia autonômica ou da perda da taquicardia reflexa, um acesso vascular mais difícil e uma progressão acelerada da retinopatia. As complicações da aterosclerose constituem a principal causa de morte em indivíduos diabéticos com nefropatia, e a hiperlipidemia deve ser tratada de modo agressivo. O transplante renal proveniente de um doador vivo aparentado constitui a terapia preferida, mas torna necessária a imunossupressão crônica. O transplante combinado de pâncreas-rim oferece a promessa de normoglicemia e de liberdade da diálise. ANEMIA A anemia, definida como valores de hemoglobina 4 e 5. Os níveis séricos de fósforo de PTH devem ser mantidos na faixa de normalidade, de acordo com o estágio da DRC, como apresentado na tabela abaixo. Os quelantes de fósforo (carbonato de cálcio, hidróxido de alumínio, acetato de cálcio e sevelamer) devem ser prescritos se, apesar da restrição dietética, o fósforo sérico ou o PTH estiverem acima dos níveis recomendados, pois além de serem quelantes de fósforo, aumentam o aporte de cálcio ao paciente. A elevação do PTH deve ser tratada com pulsos de calcitriol ou outro metabólito da vitamina D, caso o produto cálcio x fósforo não esteja elevado. O calcitriol (0,25 μg/dia) aumenta a reabsorção intestinal de cálcio e fósforo, podendo gerar valores proibitivos de fosforemia e calcemia; os novos análogos sintéticos de vitamina D são mais seletivos para as paratireóides, sem interferir nos níveis séricos de cálcio e fósforo, pois não têm ação sob o receptor intestinal da vitamina D. Caso o tratamento medicamentoso com vitamina D sintética não obtenha os efeitos desejados, está indicado o tratamento cirúrgico, com a realização de paratireoidectomia subtotal, total ou total com auto-implante. Existem ainda os calcimiméticos, agonistas de receptores cálcio- sensíveis que atuam nas glândulas paratireóides, aumentando a sensibilidade desses receptores ao cálcio. Como aumenta a sensibilidade das glândulas paratireóides aos níveis de cálcio sérico, essa nova classe de droga pode levar à redução na produção doPTH. ACIDOSE A progressão da DRC, leva a uma excreção de H+ insuficiente para manter a homeostasia e o paciente desenvolve acidose metabólica, com concentração sérica de bicarbonato variando de 12 a 18 mEq/L. O tratamento deve ser instituído para prevenir a osteopenia e o catabolismo muscular. Nos casos de acidose, recomenda-se o uso de: → bicarbonato de sódio via oral na dose de 0,5 a 1,0 mEq/kg/dia, para manter o bicarbonato com dose próxima a 22 mEq/L. OUTRAS COMPLICAÇÕES No manejo de outras complicações da DRC, principalmente as que não respondem a diálise, deve-se atentar ao ajuste na dose de medicamentos. Embora a dose de ataque da maioria dos fármacos não seja afetada pela DRC, porque a eliminação renal não entra nos seus cálculos, as doses de manutenção de muitos fármacos precisam ser ajustadas. Como os fármacos cujas doses são excretadas por vias não renais são mais de 70%, os ajustes de dose podem ser desnecessários. Mas alguns fármacos que devem ser evitados incluindo: → metiformina → meperidina → hipoglicemiantes orais eliminados por via renal. → Os AINEs devem ser evitados em vista do risco de agravar ainda mais a deterioração renal. → Alguns antibióticos, anti-hipertensivos e antiarrítmicos podem exigir reduções da dose ou alteração dos intervalos entre as doses. → Os contrastes radiológicos e o gadolínio devem ser evitados ou utilizados de acordo com diretrizes estritas conforme a necessidade médica. Em alguns casos, o alívio transitório dos sinais e dos sintomas da uremia iminente, como anorexia, náuseas, vômitos, fraqueza e prurido, pode ser conseguido com a restrição da ingestão proteica. → Entretanto, essa intervenção acarreta risco significativo de desnutrição e, desse modo, devem ser planejadas medidas terapêuticas de longo prazo. A diálise de manutenção e o transplante renal prolongaram a vida de centenas de milhares de pacientes com DRC em todo o mundo. TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL As indicações para a instituição da terapia renal substitutiva para pacientes com DRC estão na tabela abaixo: O cálcio sérico deve ser corrigido para o valor de albumina sérica: cálcio sérico corrigido = cálcio sérico medido + 0,8 x (4 – albumina sérica (em g/dL)) 14 Módulo II Hanna Briza Em vista da variabilidade individual da gravidade dos sintomas urêmicos e da função renal: → Não é recomendável atribuir um valor arbitrário de ureia ou creatinina recomendado para o momento ideal do início da terapia renal substitutiva. Além disso, os pacientes podem ficar acostumados à uremia crônica e negar seus sintomas, embora logo descubram que se sentem melhor com a diálise e percebam retrospectivamente como se sentiam mal antes de iniciar o tratamento. Estudos pregressos sugeriram que o início da diálise antes do aparecimento de sinais e sintomas graves de uremia estaria associado ao prolongamento da sobrevida. Isso originou o conceito de “início saudável” e é compatível com a filosofia de que é melhor manter o paciente sempre se sentindo bem, em vez de deixar que adoeça em razão da uremia, antes de tentar recuperar suas melhores condições de saúde com a diálise ou transplante. Embora estudos recentes não tenham confirmado uma correlação entre diálise precoce e aumento da sobrevida dos pacientes, ainda existe mérito com essa abordagem em alguns indivíduos. Na prática, a preparação antecipada pode ajudar a evitar problemas com o próprio processo de diálise, por exemplo uma fístula que não funciona adequadamente para a hemodiálise ou um cateter peritoneal mal funcionante e, desse modo, impedir a morbidade associada à necessidade de criar um acesso temporário para a hemodiálise com seus riscos inerentes de sepse, sangramento, trombose e associação com mortalidade acelerada. Hemodiálise A hemodiálise é a terapêutica mais utilizada para tratamento, controle e manutenção vital de pacientes portadores de DRC em estado avançado. A hemodiálise: → Remove os solutos urêmicos anormalmente acumulados → Remove excesso de água → Restabelece o equilíbrio eletrolítico e ácido-básico do organismo. MECANISMO DE AÇÃO DO DIALISADOR A hemodiálise se baseia na: → Transferência de solutos e líquidos através de uma membrana semipermeável → Essa membrana separa os compartimentos sanguíneos do “banho de diálise” (dialisado) no hemodialisador (filtros capilares). Essa membrana → Permite a passagem de moléculas de pequeno peso molecular (eletrólitos, uréia, creatinina, potássio etc.) → Impede a transferência de moléculas maiores e de elementos figurados (como as proteínas séricas, elementos figurados do sangue, bactérias e vírus). Essa passagem de solutos pode ser feita através da difusão ou através da convecção (gradiente pressórico exercido por meio da membrana semipermeável do dialisador). As vantagens dessa técnica são: → Retirada rápida de volume → Correção de distúrbios hidroeletrolíticos e menor chance de falhas. As complicações da hemodiálise consistem: → Hipotensão → Câimbra → Infecção de corrente sanguínea associada à cateter e queda da função renal residual. DIÁLISE PERITONEAL É especialmente indicada para crianças e para pacientes com dificuldade na obtenção de um acesso vascular, além de ser uma opção para pacientes com instabilidade hemodinâmica durante as sessões de hemodiálise. A diálise é feita através de um cateter inserido dentro da cavidade abdominal. O peritônio visceral é o responsável pela maior área afetiva de troca. 15 Módulo II Hanna Briza Quando se infunde solução de diálise no espaço peritoneal, ocorre transferência de soluto entre o sangue e a solução dialisadora. A troca se faz por meio de três estruturas distintas: 1. Capilar 2. Interstício peritoneal 3. Mesotélio. O transporte de líquidos através da membrana peritoneal se faz por ultrafiltração, gerada pelo gradiente de pressão osmótica e criado pela elevada concentração de glicose nas soluções de diálise. O transporte de solutos realiza-se de maneira passiva, segundo dois processos: 1. Difusão (gerado pelo gradiente de concentração entre o sangue e o dialisado) 2. Convecção (arraste de solutos por ocasião da ultrafiltração). A difusão é o processo responsável pela transferência da grande massa dos solutos. As vantagens do método incluem: → menor chance de hipotensão → melhor qualidade de vida, já que o paciente pode realizar o procedimento em casa, → maior preservação da função renal. As desvantagens do método incluem: → maior chance de falha técnica → peritonite (infecção da cavidade peritoneal) → esclerose do peritônio. TRANSPLANTE RENAL O transplante renal é uma modalidade de tratamento ideal para o paciente com DRC. Caracteriza-se pela substituição de um órgão sem função por um outro capaz de suprir todas as necessidades vitais daquele paciente. Permite: → reestabelecimento da função renal a níveis satisfatórios, → Sem sinais de sintomas urêmicos → Melhora dos distúrbios hidroeletrolíticos → melhoria na qualidade de vida do paciente. Pequena parcela da população portadora de DRC, geralmente em estádio V, se beneficia do transplante renal no Brasil. É indicada para pacientes com DRC, que está recebendo ou não terapia de substituição renal (diálise peritoneal ou hemodiálise). As contraindicações para o transplante renal são: → Retardo mental grave → Neoplasias ativas → Problemas psiquiátricos graves → Alterações não passíveis de correção em vias urinárias → Oxalose primária Pacientes podem ainda sofrer recidiva da doença de base após o transplante renal, como em casos de glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) e de outras glomerulopatias. Na técnica do transplante renal, são mantidos os rins do paciente, mas o novo rim écolocado através da anastomose com os vasos ilíacos e com o ureter. Além disso, existe a possibilidade de o doador renal ser doador vivo ou falecido. Estima-se que as sobrevidas dos pacientes transplantados de doador vivo e doador falecido sejam de 90 e 80%, respectivamente, no primeiro ano da terapia. O transplante renal requer o uso de imunossupressores uma vez que isso diminui a taxa de rejeição do órgão. Entretanto, isso irá aumentar a chance de infecções deste paciente, principalmente nos primeiros meses pós transplante. O transplante renal consiste numa melhor sobrevida e melhor qualidade de vida para o paciente, comparando com as outras terapias de substituição renal.
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