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HISTORIOGRAFIA-BRASILEIRA-1 (1)

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1 
 
 
HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 
1 
 
 
 
Sumário 
NOSSA HISTÓRIA ................................................................................. 2 
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 3 
A HISTORIOGRAFIA IMPERIAL: A CRIAÇÃO DO IHGB ....................... 4 
Características sócias profissionais do IHGB.......................................... 5 
Os Objetivos do IHGB ............................................................................ 6 
A lógica do processo histórico nas origens do IHGB .............................. 7 
Identidades do Brasil: Varnhagen e Capistrano de Abreu ....................... 9 
Varnhagen: elogios à colonização portuguesa do Brasil. ...................... 11 
A escrita da história dos anos de 1900: Capistrano de Abreu e o 
aparecimento do povo brasileiro. .................................................................... 12 
A Independência do Brasil em perspectiva historiográfica .................... 13 
A emancipação como processo ............................................................ 18 
O Império como conquista .................................................................... 23 
Escravidão e Cidadania no Império do Brasil ....................................... 27 
Colonização, miscigenação e questão racial: notas sobre equívocos e 
tabus da historiografia brasileira...................................................................... 28 
Referências: ......................................................................................... 46 
 
 
 
2 
 
 
 
NOSSA HISTÓRIA 
 
 
A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de 
empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de 
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como 
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. 
A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de 
conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a 
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua 
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, 
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o 
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. 
A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma 
confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base 
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições 
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, 
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
A historiografia brasileira é uma disciplina que expressa a abrangência 
da história em sua inserção nos contextos nacional e internacional. 
Considerando a questão da historiografia e a educação como eixo norteador 
da disciplina. 
 É manifestada a expansão da área de estudos e o trabalho do 
professor/ historiador no mundo contemporâneo, a partir de elementos como 
novas fontes de pesquisa, com uso das mídias digitais, criando espaço de 
novas estratégias de estudo em novos campos de atuação e inserção em 
projetos culturais e de preservação do patrimônio artístico. 
Assim, a formação de docente é capaz de levar para a sala de aula 
tanto as discussões sobre esses novos aspectos que estão sendo estudados 
pelo historiador atual, como questões ligadas à cidadania e ética. A 
reconstrução do estímulo à interdisciplinaridade dos conteúdos, bem como o 
diálogo construtivo com as demais ciências. 
Esperamos que o estudo desta disciplina resulte numa renovação do 
conceito de pesquisa em história, considerando-a como uma atitude 
investigativa a ser formada e na perspectiva de um ensino articulado à 
pesquisa, possibilitando novas formas aos elementos curriculares, como a 
não memorização dos conteúdos, e sim a apreensão compreensiva, 
permitindo ao aluno uma caminhada como sujeito de sua própria história. 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
A HISTORIOGRAFIA IMPERIAL: A CRIAÇÃO DO IHGB 
A historiografia é o registro escrito que analisa os fatos da História do 
passado e estudo crítico do que foi escrito. Como estamos falando de Império, 
após a independência do Brasil em 07 de setembro de 1822 o país precisava 
construir sua identidade e com isso foi criado o Instituto Histórico e Geográfico 
Brasileiro mais conhecido como IHGB, a sua criação era necessária como 
relata Lilia Moritz Schwarcz: 
Criado logo após a independência política do país, o estabelecimento carioca cumpria o papel 
que lhe fora reservado, assim como aos demais institutos históricos: construir uma história da 
nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos buscando 
homogeneidades em personagens e eventos até então dispersos”. ( SCHWARCZ, 2005) 
O IHGB teve seu início com o Marechal Raimundo José da Cunha 
Matos e o cônego Januário da Cunha Barbosa, respectivamente primeiro-
secretário e secretário adjunto da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional 
(SAIN), propuseram, na sessão de 18 de agosto de 1838, do Conselho 
Administrativo, a fundação de um Instituto Histórico e Geográfico. Em sessão 
do dia seguinte a proposta foi aprovada em assembleia geral da sociedade. 
No dia 21 de outubro de 1838 o instituto foi instalado pelo presidente da SAIN, 
Marechal Francisco Cordeiro da Silva Torres, presentes 27 membros, 
convidados para sócios fundadores. 
 
5 
 
 
A direção provisória do Instituto ficou constituída pelo Visconde de São 
Leopoldo (presidente), cônego Januário da Cunha Barbosa (primeiro-
secretário) e Emílio Joaquim da Silva Maia (segundo-secretário); coube ao 
presidente, ao primeiro-secretário e a Raimundo José da Cunha Matos a 
redação do projeto dos estatutos. No dia 25 de novembro foram eles 
aprovados, elegendo-se a primeira diretoria, composta pelo Visconde de São 
Leopoldo (presidente). Cunha Matos (vice-presidente e diretor da seção de 
geografia), Araújo Viana (vice-presidente e diretor da seção de história). 
Cônego Januário da Cunha Barbosa (primeiro-secretário), Pedro de Alcântara 
Bellegarde (orador) e José Lino de Moura (tesoureiro e diretor da comissão 
de fundos). 
Um ano após, na sessão comemorativa do primeiro aniversário da 
instituição, presente o Regente Araújo Lima, puderam os fundadores de o 
IHGB apresentar resultados satisfatórios, que atendiam às finalidades 
definidas nos estatutos: estabeleceram-se contatos com as províncias, para o 
recolhimento de documentos relativos à história e geografia do Brasil e 
elevava-se a 175 o número de sócios correspondentes, membros de 
instituições congêneres em Nápoles, Portugal, Prússia, Baviera, França, Peru, 
Chile e Buenos Aires. Publicou-se, também, a revista. 
Podemos citar Francisco Adolfo de Varnhagen que foi um dos pioneiros 
da nossa história depois da criação do IHGB, segundo José Carlos Reis no 
seu livro “As identidades do Brasil” e dá o título de Heródoto brasileiro e é 
propicio a história criada por Varnhagen foi pioneiro pelo fato de ter tido grande 
apoio do governo monárquico brasileiro, o mesmo produziu uma história do 
ponto de vista do conquistador ou podemos observar história positivista, 
exaltando seus feitos e heróis nacionais. 
Características sócias profissionais do IHGB 
Nascido sob os auspícios da Sociedade Auxiliadoras da Indústria 
Nacional (SAIN), cuja finalidade era o fomento das atividades produtivas 
(especialmente, nesta quadra, a agrícola) e tendo como membros da elite 
política do império, homens da geração da independência, o Instituto Histórico 
e Geográfico Brasileiro visava atingir os objetivos político-administrativo e 
intelectuais que transcendiam de muito qualquer rotina acadêmica, o que 
6 
 
 
pode ser explicado com o auxílio deuma análise sócio profissionais de seus 
filiados. 
O status profissional de todos os 27 sócios fundadores e a importância de 
política de pelo menos nove deles (senadores, ministros, conselheiros de 
Estado) atesta a integração do Instituto ao establishment imperial. 
Funcionalmente eram magistrados, advogados, funcionários públicos, 
eclesiásticos e negociantes, quase todos pertencentes, assim, à alta 
burocracia do Império. 
Em 1839 o número de sócios efetivos subiu para 46, mais 12 honorários. Nos 
efetivos predominava a formação jurídica (41,3%) e a atividade profissional no 
serviço público (71,7%), sendo 21,7% na magistratura, 28,3% no ensino, 6,5% 
de militares e 15,2% em outros ramos da administração pública. Eram 
parlamentares 19,6% dos sócios efetivos. Enquanto os sócios efetivos 
predominavam a alta burocracia, o quadro de sócios honorários brasileiros era 
nitidamente político, predominando justamente os representantes 
regressistas que fundariam o partido conservador. 
A heterogeneidade funcional era compensada pela unidade ideológica. Eram 
quase todos, homens de visão nacionalista e centralizadora que caracterizou 
a elite política do Império. Repetem-se, no caso do IHGB, as características 
gerais desta elite política imperial definida por José Murilo de Carvalho: 
“defesa da unidade nacional, consolidação do governo civil, redução do conflito a nível 
nacional, limitação da mobilidade social e da mobilização política, ao contrário da América 
Hispânica, onde a falta de unidade ideológica da elite levou a balcanização, ao caudilhismo e 
à instabilidade política”. (WEHLING, 2001) 
Os Objetivos do IHGB 
Formalmente, a principal finalidade do IHGB era o desenvolvimento dos 
conhecimentos geográficos e históricos no Brasil, pelo estímulo à pesquisa 
com recolhimento, nas províncias e no exterior, de documentos relativos à 
formação brasileira, e pelo estímulo a produção de trabalhos monográficos e 
gerais que permitissem o estudo da história brasileira. Neste aspecto, serviu 
de incentivo ao nativismo dos fundadores do Instituto o fato de a única obra 
7 
 
 
sobre o conjunto da história brasileira ser de um inglês, Robert Southey, além 
de alegadas distorções sobre o movimento de independência. 
Para além destes objetivos puramente “desinteressados” da pesquisa 
cientifica, os documentos sobre a fundação do IHGB demonstraram 
explicitamente a busca de outros fins: o “esclarecimento” da sociedade, pelo 
desenvolvimento da “cultura literária”, levando a um aprimoramento das 
relações sociais; o aperfeiçoamento da administração pública, com a 
formação de melhores quadros funcionais; e o exercício mais aperfeiçoado 
dos cargos eletivos. 
Associam-se os estudos históricos á sorte da Monarquia constitucional, 
conforme se diz na proposta de Cunha Matos e Januário da Cunha Barbosa. 
Sintomaticamente, a monografia premiada sobre como se deve escrever a 
História do Brasil(1843) afirma que o historiador “geral do país deveria redigi-
la” do ponto de vista da monarquia constitucional. A mesma ideia encontrou 
no prefácio da História Geral por Varnhagem já nosso conhecido como 
Heródoto brasileiro, primeira obra que se propôs cumprir o programa do 
Instituto. 
A lógica do processo histórico nas origens do IHGB 
Os fundadores do IHGB falavam como os historiadores desde o final 
do século XVIII, numa história tríplice, filosofia, ou seja, interpretativa, que 
elucidasse o significado dos acontecimentos à luz das grandes tendências, 
pragmática que servisse de orientação para a sociedade do presente e critica 
que, através de métodos confiáveis, restabelecesse a verdade objetiva, 
ressalvadas as distorções partidárias, quer as políticas, quer religiosas, e os 
excessos literários. Quando, com Ranke a partir dos anos 1820, se afirma a 
cientificidade da história da história, já se trata de uma evolução em relação a 
este ponto: o aspecto filosófico é retirado de qualquer fundamentação 
transcendental ou metafísico para restringir-se á própria “compreensão” 
histórica. 
A aplicação do conhecimento histórico é uma consequência 
extracientífica, embora desejável, deste conhecimento; e os aspectos críticos 
8 
 
 
expandem-se, a ponto de constituir uma área de saber próprio dentro da 
história e sua metodologia. 
No Brasil, e particularmente no IHGB, confundem-se as duas posições; 
embora a formação intelectual de homens como Januário da Cunha Barbosa, 
São Leopoldo ou o próprio Martius seja tipicamente iluminista - mas do 
historicismo iluminista. O cônego Januário, por exemplo, entendia por história 
filosófica aquela que iria desvelar as regularidades do mundo moral, a mesma 
que Newton e Clarke descobriram as leis do mundo físico. Martius viu a 
história do Brasil como fruto de um ‘’cruzamento de raças’’, segundo uma não 
explicada ‘’lei particular das forças diagonais’’. Este autor chega a aplicar ao 
caso brasileiro uma ‘’lei’’ histórica ou sociológica, segundo a qual o 
desenvolvimento social ocorreria a partir das ‘’classes baixas’’, pois estas 
forneceriam os elementos que aperfeiçoariam e vivificariam as ‘’classes 
superiores’’ impedindo sua decadência, numa antecipação das aplicações 
evolucionistas da seleção natural darwiniana. 
Parece pacifico, pois, que as relações sociais ou morais eram 
submetidas a regularidades e que estas poderiam ser traduzidas 
cognitivamente por leis, na concepção dos fundadores do IHGB. Mais ainda: 
Januário da Cunha Barbosa chega a afirmar que a interpretação da história 
brasileira permitiria a previsão do futuro do país, preenchendo um dos 
requisitos que Popper atribuiu ao historicismo mais cientificista, o da 
previsibilidade histórica. Matius argumentou de maneira idêntica, pouco mais 
tarde. 
O conhecimento histórico, ademais, deveria ser aplicado ao 
aperfeiçoamento da realidade social. Num momento em que apenas se 
fundavam as novas ciências sociais, como a antropologia, a etnografia ou a 
sociologia e em que não se falava em ‘’ciências sociais aplicadas’’, esperavam 
os fundadores do IHGB da História o ‘’esclarecimento da sociedade’’ pelo 
desenvolvimento da cultura literária e o aprimoramento das relações sociais, 
a melhora dos quadros da administração pública e da representação política, 
com o exercício mais responsável dos cargos públicos. Os instrumentos para 
isso eram os próprios estudos monográficos sobre a história brasileira e as 
9 
 
 
monografias biográficas, que tinham declaradamente cunho pedagógico, em 
especial para o exercício de funções públicas. 
Tanto quanto o romantismo e o nacionalismo, no plano ideológico, foi 
o historicismo, no plano teórico-metodológico, o informado e racionalizado por 
excelência da Weltanschauung dos fundadores da IHBG. Numa concepção 
historicista da história foram buscar a estrutura velada das relações sociais, 
as leis do desenvolvimento histórico, sua projeção para o futuro e o 
conhecimento aplicado, para aperfeiçoar a administração pública 
representação política do recente e combalido Império Associado, no plano 
político, á ideologia liberal e no plano social ao ‘’regressismo’’ da elite 
centralizadora do final dos anos 1830. 
Realizaria sua obra, como apontaram Januário da Cunha Barbosa, o 
Visconde de São Leopoldo e Martius, visando consolidar o sistema unitário e 
a forma de governo, monarquia constitucional. A realização deste programa 
nas décadas seguintes – cujo melhor exemplo foi a História Geral do Brasil, 
de Varnhagen – deu o tom da aliança entre a intelectualidade e o poder no 
Segundo Reinado, pelo menos até a Guerra do Paraguai e o ‘’bando de ideias 
novas’’ de 1868, anunciadas por Silvio Romero. 
Identidades do Brasil: Varnhagen e Capistrano de Abreu 
Embasamento a este texto é o livro de José Carlos Reis: as Identidades 
do Brasil. Nossa abordagem tem como objetivo tecer comentário alinhavando 
as citações para que o acadêmico possa compreender comose deu o 
processo de construção do pensamento historiográfico dos autores como 
Francisco Adolfo de Varnhagem e Capistrano de Abreu, intelectuais que 
figuram na historiografia brasileira dos anos de 1850 ao início do século XX. 
10 
 
 
 
No campo das definições, tornam-se enriquecedor os conceitos de 
historiografia dada por João Miguel Teixeira de Godoy: 
A polissemia frequentemente apontada para o termo história transfere-se, de certa forma, para 
historiografia. Além do meramente literal – escrita da historia -, dois outros sentidos acabaram 
por se impor: reunião do escritos de história inicialmente, mas também ramo do conhecimento 
histórico dedicado a recompor e a analisar a trajetória e as condições de possibilidades do 
próprio conhecimento histórico através de suas obras. Recompor ou reconstituir a trajetória de 
uma forma de conhecimento exige uma abordagem que leve em conta sua dimensão 
temporal. (GODOY, 2009) 
O que nos interessa é sabermos que a palavra historiografia possui 
vários significados, contudo, o mais adequado ao nosso estudo será de que a 
historiografia se torna a investigação de como se escreveu a história do Brasil 
desde a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ( IHGB) em 1838. 
Para que nosso estudo possa acontecer, podemos dizer que há a 
necessidade de conceituação de fonte, neste sentido acordamos com José 
Amado Mendes quando afirma: “Os materiais de que o historiador se serve, 
ao exercer o seu oficio, designam- se genericamente fontes’’. Essas matérias 
anteriormente são vestígios materiais e imateriais que servem á produção do 
conhecimento historiográfico, sendo desde documentos escritos estatais até 
cantigas de roda e depoimentos memoriais. 
11 
 
 
A produção de conhecimento histórico praticamente requer a análise 
desses vestígios do passado aos quais se denominam fontes, mas na 
trajetória intelectual que pretendemos comentar, ou seja, a historiografia 
brasileira, suas definições e usos ganham sentidos diversos dependendo do 
historiador e sua análise. Passaremos a considerar de maneira panorâmica 
alguns historiadores que selecionamos, tendo como base teórica como 
dissemos acima o livro de José Carlos Reis: ‘’As identidades do Brasil’’ 
Varnhagen: elogios à colonização portuguesa do Brasil. 
Segundo José Carlos Reis (2006) considera Francisco Adolfo de 
Varnhagen (1816-1878), o primeiro historiador que produz uma ‘’obra 
independente mais completa, confiável, documentada, critica, com posição 
explicitas: a história geral do Brasil refletia uma preocupação nova no Brasil 
com a história, com a documentação sobre o passado brasileiro, que o recém-
fundado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro’’. Essa preocupação com a 
história é justificada, pois havia a necessidade da construção de uma unidade 
para o país. Entretanto, para Nilo Odália a História Geral do Brasil foi escrita 
num estilo literário monótono, sem mostrar o dramático das tensões e opções. 
Varnhagen teria, segundo Odália, “o estilo de um botânico descrevendo a 
flora: árido e distante’’. (ODÁLIA, 1979) Para tal estudo temos que situar o 
autor no seu tempo histórico, suas condições materiais e intelectuais. 
As interpretações de Varnhagen, historiador da escola metódica, se 
fundamentam em documentos e são carregadas de preconceitos próprios de 
seu tempo. Os elogios que tece sobre a colonização portuguesa se justifica a 
medida que sabemos quem é seu protetor, ‘’o imperador foi o protetor de 
Varnhagem’’. (REIS, 2006) Vendo o império brasileiro como iluminado dotado 
de civilização que salvou as terras tupiniquins. 
Para Reis, o Visconde do Porto Seguro ‘’inicia a pesquisa metódica nos 
arquivos estrangeiros, onde encontrou e elaborou inúmeros, documentos 
relativos ao Brasil’’(REIS, 2007). É esta a maior contribuição de nosso 
analisado: o compêndio de fontes que é o livro História Geral do Brasil. Essa 
busca incansável pelo documento sugere uma preocupação exacerbada com 
a fidelidade das fontes, como sugere Reis: 
12 
 
 
“‘Varnhagen representa o pensamento brasileiro dominante durante o século XIX, e ele o 
expõe com rara clareza, com fartura de dados e datas, nomes e fatos”. Deve ser lido como 
um grande depósito de informações sobre o Brasil, um arquivo portátil, e como a interpretação 
do Brasil mais elaborada e historicamente eficaz do século XIX’’. (REIS, 2007, p, 33) 
A escrita da história dos anos de 1900: Capistrano de 
Abreu e o aparecimento do povo brasileiro. 
João Capistrano de Abreu nasceu em Maranguape, Ceará, em 1853, 
no sitio de Columinjuba [...] Ali, Capistrano foi criado com rigidez, severidade 
e austeridade, em um ambiente marcado pelo trabalho pesado e continuo e 
pelo dogmatismo católico’’. ‘’No sitio se plantava cana, algodão, mandioca, 
feijão, e milho. O trabalho era feito por escravos, por empregados e pela 
própria família’’. (REIS, 2007, p. 85) 
Reis o descreve como sendo um autêntico sertanejo, tanto no seu 
modo de pensar e agir. Sua formação intelectual, sobretudo, autodidata 
advém da insistência de um jovem que gostava de ler e se utilizou de seus 
conhecimentos para se introduzir na corte, para isso, pediu ajuda a seu 
contemporâneo José de Alencar, que o descreveu da seguinte maneira: ‘’Ao 
chegar, ao ser apresentado a alguém ou a se apresentar, sua imagem 
causava desgosto; ao sair seu espírito deixava encantamento’’. (REIS, 2007 
p. 86) 
Ao galgar espaço na corte, o jovem Capistrano de Abreu teria que viver 
seus próprios rendimentos; ‘’foi professor no colégio Aquino, publicou vários 
artigos em jornais, passou em concurso para o preenchimento de uma vaga 
na Biblioteca Nacional, emprego público, estável e seguro, âncora de que ele 
precisa para fixar-se na corte’’. (REIS, 2007 p. 87) Ele também exerceu o 
cargo de professor de história do colégio Pedro II até o ano de 1899. “Sua 
biografia interessa muito, quando se conhece o lugar inovador que ele teve 
na historiografia brasileira’’”. (REIS, 2007 p. 87) 
Aquele jovem cearense que se fixou na corte na última década do 
século XIX escreveu um dos livros mais importantes da historiografia brasileira 
daquele período, Capítulos de História Colonial (1907), ‘’é uma nova história 
do Brasil, embora muito parecida com Capistrano fisicamente: modesta, 
magra, quase silenciosa. Porém, ao mesmo tempo, extremamente eloquente. 
13 
 
 
É uma síntese que reúne muitos fatos esparsos, encadeados em uma 
perspectiva inovadora’’(REIS, 2007 p. 96). 
Mas Reis faz uma comparação entre Capistrano e Varnhagen: 
Capistrano se aproxima de Varnhagen na descrição do primeiro Brasil, e Varnhagen é até 
mais informativo, minucioso. Capistrano diferencia – se de Varnhagen na perspectiva que terá 
de tais dados. Para Capistrano, alienígenas, exóticos são os europeus e africanos, e não o 
indígena e a terra do Brasil, que veem chegar novos elementos. Ele olha da praia para o 
oceano cheio de caravelas, enquanto que Varnhagen olhava da caravela de Cabral para a 
praia, e via uma terra exótica e povoada por alienígenas’’. (REIS, 2007 p. 98). 
Sem dúvida Varnhagen e Capistrano foram de fundamental importância 
para nossa História, com suas diferenças, Capistrano mostra um povo e sua 
formação étnica, já diferente de Varnhagen que defendia o Estado Imperial. 
Mas o que é mais interessante na História é a problemática, cada historiador 
defendendo sua ideologia e buscando novos pontos de vista, entre a História 
de Varnhagen defendendo o olhar do colonizador e Capistrano um novo olhar 
da história social. Com estas problemáticas que foi construída a nossa 
historiografia brasileira. 
A Independência do Brasil em perspectiva historiográfica 
O artigo “A independência do Brasil em perspectivas historiográfica” foi 
escrito pela Sonia de Mendonça que traz a problemática sobre emancipação 
do Brasil através de interesses do Sudeste sobre as demais províncias, 
segundo a mesma,a emancipação do Brasil foi conquistada a partir do poder 
militar, político e cultural. Para embasar sua tese traz citações de alguns 
autores como Jurandir Malerba, Wilma Peres Costa e outros. Mendonça 
dividiu seu artigo em a emancipação como processo, o império como 
conquista, escravidão e cidadania no império do Brasil. 
14 
 
 
 
O texto contextualiza as especificidades do processo de emancipação 
política do Brasil, partindo de três pressupostos básicos: que ela consistiu de 
um processo razoavelmente longo sobre determinado pela imposição da 
hegemonia dos grupos de interesse do Sudeste sobre as demais regiões; que 
a construção da sintonia entre Território e Estado Nacional somente adquiriu 
contornos a partir de uma “expansão para dentro” e que sua consolidação foi 
fruto de uma conquista militar, política e cultural tendo por alicerce a 
escravidão. 
Em tempos de celebração dos dois séculos da independência dos 
países latino-americanos, velhas questões ressurgem como pauta quase 
obrigatória das discussões encetadas. A construção do Estado, a questão 
nacional, identidade, povo e revolução, reintroduzem-se no círculo dos 
debates, até mesmo para que possamos, histórica e historiograficamente, 
refletir sobre seus desdobramentos no presente e –por que não?– inferir 
projeções futuras, aí incluindo-se o próprio devir da prática historiadoras. No 
caso específico da emancipação política do Brasil cujo bicentenário “formal” 
somente se completa em 2022– é de todo importante retomar alguns 
questionamentos acerca de sua especificidade, mormente no concerto das 
experiências latino-americanas como um todo. 
Outras tantas problemáticas, não tão explicitas, subjazem à analise 
deste tema, dentre elas a questão da democracia e da participação política 
popular, bem como a da efetividade das formas representativas estatais em 
nosso continente. Questões de todo presentes no processo histórico vivido 
antanho, questões ainda mal resolvidas na contemporaneidade. Por certo não 
15 
 
 
se está aqui advogando a busca de origens históricas daquilo que muitos 
chamam de “o caráter nacional brasileiro” (Leite 2003), a não ser que 
compartilhasse da defesa de procedimentos teleológicos, o que não é o caso. 
Mas, de fato, muitas das tramas de interesses que informaram o processo de 
independência do Brasil tiveram resultados passiveis de encontrar ecos em 
nossa atualidade político-social, bem como – e principalmente - no imaginário 
dos “cidadãos” brasileiros e do mundo, particularmente sob a influência das 
inúmeras vertentes interpretativas que marcaram a historiografia brasileira até 
hoje. 
A este respeito vale a pena verificar os “picos” de concentração das 
publicações sobre a independência na historiografia brasileira, marcadas por 
distinto teor político, teórico e metodológico, ao sabor de seus “emissores” e 
respectivos “públicos” a serem atingidos. Para tanto, nos valemos do quadro 
elaborado por Malerba (2006, p. 21) contendo toda a produção historiográfica 
publicada no país até 2002. 
 
A despeito de englobar materiais bastante heterogêneos, como o sinaliza o 
próprio autor, os dados revelam que a bibliografia do século XIX mantém-se 
enquanto tendência historiográfica até 1908, quando da publicação de D. João 
VI no Brasil, de Oliveira Lima. Ao mesmo tempo é clara a concentração dessa 
produção em dois momentos-chave do século XX: o período imediatamente 
anterior e posterior às celebrações do centenário (1922) e sesquicentenário 
(1972), bem como a segunda metade da década de 1990 quando, segundo o 
autor, o tema voltaria a ocupar lugar de relevo nas pesquisas históricas, 
mormente no tocante à chamada “questão nacional” (Malerba 2006, p. 22-23) 
A renovação historiográfica desta última fase foi também marcada, como 
certeiramente o aponta Costa, pelo declínio do monopólio dos Institutos 
16 
 
 
Históricos como espaços de produção de interpretações da “história pátria” 
(Costa 2005, p. 74), abrindo novas frentes de reflexão e abordagem da 
problemática. 
Não é minha intenção - e nem o poderia, por dever de oficio - dar respostas a 
essas questões, mas apenas retrabalhá-las visando elucidar alguns dos 
extremos a partir dos quais costuma ser analisada: ora seus aspectos mais 
simplistas, tornados senso comum nas mentes de leigos; ora os mais 
complexos e controverso-erigidos como autenticas querelas historiográficas 
intramuros da academia. 
Começando pelos primeiros, nunca é demais pontuar alguns “mitos” 
construídos sobre a independência do Brasil que são, até hoje, apropriados 
pelos discursos oficiais, não raro inundando manuais didáticos utilizados por 
estudantes do Ensino Fundamental e Médio (ALBUQUERQUE, 1986). Um 
deles reside na associação imediata que se estabelece entre o episódio do 
“grito do Ipiranga” proferido por Pedro I em 7 de setembro de 1822 e a 
emancipação nacional, como se tal fora possível. Outro talvez mais pernicioso 
em seus efeitos, relaciona-se ao ocultamento da violência presente na história 
do Brasil em geral, e naquela sobre a independência em particular, marcado 
pela secundarização atribuída às guerras da independência ocorridas entre 
1822- 1824 em inúmeras províncias. 
No entanto, tal postura deriva da total ausência de uma visão de conjunto da 
história daquele contexto, que deixa de lado as circunstâncias específicas 
e/ou regionais da emancipação política brasileira, cuja solução - manu militari- 
longe esteve de pacífica ou amigável, haja vista a complexa conjuntura 
nacional e internacional que cercou o próprio reconhecimento do processo. 
Duas outras “mitologias” merecem figurar nessas considerações preliminares. 
Uma, tem sua origem nas tentativas de revisão historiográfica inserida no 
contexto da comemoração do Centenário de 1922, que redundaram na 
consagração de uma leitura idealizada de um Império, liberal e ordeiro, fruto 
de um pressuposto bastante equivocado: o da permanência no poder dos 
mesmos grupos dominantes por eles herdados, implicando, uma vez mais, em 
minimizar a dimensão violenta do processo de consolidação da 
Independência, face à multiplicidade de interesses junto a ela imbricados. 
17 
 
 
Justamente por isso causam estranheza indagações como a de McFarlane 
(2006, p. 407) ao perguntar-se “por que o Brasil passou relativamente com 
tanta suavidade de colônia a Estado independente?”, inferindo da mera 
continuidade da Soberania real - já que desde seu retorno a Portugal, D. João 
VI aqui deixara seu filho como monarca legítimo - um pacifismo que jamais 
existiu. 
A segunda afirma a existência generalizada de soluções “republicanas” no 
decorrer da emancipação, as quais pouco tinha em comum, por exemplo, com 
o paradigma que referenciaria o regime republicano instaurado em 1889 o 
qual, por sua vez, derivara da decadência do Império do Brasil e não dos 
momentos decisivos de sua construção, deixando entrever a confusão 
estabelecida entre descentralização política e república. Isso posto, um 
pequeno elenco de grandes questões pode servir como ponto de partida para 
um approach historiográfico que, espero, possa contribuir para iluminar as 
peculiaridades do processo de independência do Brasil, dentre as quais 
destaco: 
A emancipação foi um processo razoavelmente longo, iniciado em 1808, 
porém complementado, de fato, em 1831, com a abdicação do Imperador 
D.Pedro I e seu retorno a Portugal neste sentido, 1822 não passaria de uma 
data “canônica”, cristalizada e perpetuada por uma certa historiografia; 
Os artífices do processo de independência, longe da simplória oposição que 
costuma antagonizar “brasileiros” e “portugueses”, constituíram um grupo 
dotado de uma trama complexa de interesses econômicos e políticos comuns, 
para além da questão das “nacionalidades”, artífices esses que foram, 
simultaneamente, “construtores” e “herdeiros” (Mattos, 2005 p. 8), 
evidenciando as contradiçõesque marcaram a afirmação nacional; 
A construção da sintonia entre Território e Estado Nacional somente adquiriu 
contornos claros enquanto projeto em ação – ou “expansão para dentro” 
também nos termos de (Mattos 1987, p. 86-87) - após o período regencial 
(1831-40), em plena década de 1850, sendo prematuro e equivocado a eles 
referir-se no imediato pós-emancipação; 
A construção do Império do Brasil foi uma conquista, sendo esta, talvez, a 
maior singularidade do caso brasileiro, posto ter-se verificado em meio a uma 
18 
 
 
sociedade profundamente matizada e portadora de projetos políticos distintos. 
Como o afirma Oliveira (2005, p. 51) “a hegemonia alcançada pelo projeto 
conservador de Estado, em meados do século XIX, foi construída por meio de 
guerras e conflitos [...] que envolveram desde a luta armada e manifestações 
de rebeldia de escravos, libertos e homens livres pobres, até a luta por 
espaços de representação parlamentar”; 
O papel da escravidão como fundamentos da cidadania e da nação brasileira. 
A emancipação como processo 
A rigor, a emancipação política do Brasil tem como marco o ano de 
1810 quando, após a instalar a Corte portuguesa no Rio de Janeiro, D. João 
VI proclama a chamada “Abertura dos Portos às Nações Amigas”, 
necessidade imperiosa já que Lisboa deixara, face aos conflitos napoleônicos, 
de ser o entreposto entre Brasil-Europa. Tal fato não é carente de importância, 
na medida em que atingiu o ponto nevrálgico de todo o sistema colonial com 
relação à terra brasileira: o exclusivo colonial, de pronto destruído. O monarca 
também descobriu de pronto, a existência no Rio de Janeiro, de um grupo 
organizado na defesa de seus interesses e que soube muito bem tirar partido 
da necessidade de recursos por parte da Coroa. 
Eram eles os Negociantes, definidos como proprietários de capital que, além da esfera da 
circulação, atuavam no abastecimento e no financiamento e investem no tráfico de escravos, 
o que permite que controlem setores chave da economia, inclusive na produção escravista, 
face ao papel que desempenham no crédito e no fornecimento de mão de obra. Uma de suas 
características é a multiplicidade de suas atividades, o que permite que detenham uma 
posição privilegiada na sociedade brasileira e seja capaz de influir decisivamente tanto nos 
rumos da economia e na política do país (PIÑEIRO, 2003, p. 72-73) 
Este seleto grupo de agentes sociais havia se fortalecido bem antes da 
chagada da Corte, em função de um processo denominado de “interiorização 
da Metrópole”, expressão cunhada por Maria Odila de Souza Dias (DIAS, 
1972), cuja grande e inovadora contribuição, abrindo caminhos para inúmeras 
pesquisas dela derivadas (Lenharo, 1992; Martinho, 1977; Gorestein, 1978) 
consistiu em analisar a construção de toda a trama de interesses comuns 
entre “elites” portuguesas e luso-brasileiras, desde o século XVIII, consolidada 
pela implementação de um “movimento interno de colonização” promovido 
19 
 
 
pela chegada da Corte que, igualmente, incentivara a estrutura do comércio 
atlântico, notadamente através do tráfico negreiro procedente de Angola. 
Neste processo, a cidade do Rio de Janeiro adquiriria centralidade 
ímpar, voltando-se para ela tanto os olhares das demais províncias do Reino, 
quanto o de algumas regiões da América hispânica. Ao mesmo tempo, 
tornado o novo centro político e administrativo da Monarquia, criava-se uma 
dualidade geradora de uma ambiguidade, que somente seria sanada com a 
criação, em 1815, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, formalização 
da antiga ideia de um Império Luso-brasileiro (NEVES, 1995). A medida 
cristalizaria a trama dos interesses já enraizados no Brasil, não apenas os de 
negociantes, como também os de proprietários de terras e escravos, 
provocando um outro desdobramento: a crescente diferenciação da área da 
Corte com relação ao conjunto das demais regiões brasileiras. O Rio de 
Janeiro passou a figurar como sinônimo da “cabeça da Monarquia”, 
alimentando o projeto de um novo império (MATTOS, 1987). Todavia, ao 
mesmo tempo, tudo conspirava para a negação de um dos princípios 
definidores do conjunto representado pela monarquia: o Império Português, 
irreversivelmente comprometido. 
Grandes proprietários de terras e escravos e grandes negociantes do 
Sudeste em geral além de artífices da emancipação disputariam a imposição 
de projetos distintos, já sob a pressão das Cortes de Lisboa que, convocadas 
em 1820 como desesperadas manobras para evitar a perda da mais 
importante parte do Império Ultramarino, tentariam regenerar o velho Reino, 
por meio de medidas centralizadoras extremadas. Suas reações seriam as 
mais diversas no reino do Brasil. Por certo, a trama dos interesses 
cristalizados no Rio de Janeiro as repudiaria veementemente, insubmissas a 
qualquer tentativa de reedição do exclusivo colonial, por eles já redefinido. Já 
as províncias do “Norte”, por seu turno, ameaçadas pela nova “cabeça do 
Reino”, adeririam ao sistema das Cortes, em nome do princípio da autonomia 
e de uma almejada redefinição de suas relações com a Corte do Rio de 
Janeiro. 
A necessidade do retorno de D. João a Portugal, em 1822, fez com que 
deixasse seu filho, o príncipe D. Pedro no Rio de Janeiro, deixando antever 
20 
 
 
toda a potencialidade de ruptura vindoura. Nesse sentido, o Dia do Fico 
simbolizou, segundo alguns autores (Matos 2005, p. 16) não apenas o 
momento da fundação do Império do Brasil, mas também uma alteração na 
própria significação de “brasileiros”. Se, até então, o termo designara os 
portugueses que, vivendo em terras americanas, ali enriqueceram e muitas 
vezes retornavam à terra de seus pais, agora, seria objeto de uma disputa de 
significações, incluindo desde a adjetivação do partido constituído pelos 
interesses dos grupos prósperos do Rio de Janeiro -cujos privilégios as Cortes 
ameaçavam frontalmente- até aquela defendida por José Bonifácio para quem 
“brasileiro” seria “todo homem que segue a nossa causa, tudo o que jurou a 
nossa independência” (apud Nogueira, 1973, p.86). Em síntese, os 
acontecimentos compreendidos entre 1821 e 1822 tornaram uma parte da 
Monarquia lusitana em corpo político independente: o Império do Brasil, numa 
fratura irremediável. 
A convocação pelo príncipe regente de uma Assembleia Geral 
Constituinte em junho de 1822, integrada por deputados de todas as 
províncias do Brasil faria aflorar distintos projetos de soberania, muitas vezes 
confundindo-se, perigosamente, as concepções de liberdade e igualdade, 
como conclamaria o redator de um dos jornais em circulação na cidade: “bem 
dirigir a opinião pública a fim de atachar os desacertos populares e as 
efervescências frenéticas, de alguns compatriotas mais zelosos que discretos” 
(apud Morel e Barros 2003, p. 28). O temor da anarquia instaurava-se face à 
ameaça de fracionamento do território, derivada das tensões que presidiam a 
relação entre as províncias e o Rio, como o funcionamento da própria 
Constituinte o demonstraria. 
Para reforçar a autoridade príncipe e ratificar o Rio de Janeiro como 
“cabeça” do corpo unido, algumas medidas administrativas foram tomadas, 
sobretudo a que obrigava a não ser executada nenhuma decisão das Cortes 
de Lisboa sem o “Cumpra-se” de D. Pedro. Além dessa, merecem destaque 
a criação de um escudo de armas e de uma Guarda de Honra formada por 
três esquadrões: os do Rio, São Paulo e Minas, não por acaso base dos 
interesses “enraizados” e francamente emancipacionistas, além da elevação 
ao status de cidade para todas as vilas capitais de província e da concessão 
21 
 
 
de títulos honoríficos às povoações que se posicionaram contrariamente às 
Cortes Portuguesas. O estopim da tensão interprovincial estava prestes a ser 
aceso. 
Por certo o teor dessas medidas consistia em fazer coincidir o novo 
corpo político com o vasto território, sendoimportante destacar a convocação 
militar para promover a expulsão das tropas portuguesas ainda presentes em 
certos pontos do litoral das províncias rebeladas e favoráveis à Lisboa. Esse 
seria um dos aspectos das Guerras de Independência, mas não o único: ele 
igualmente revelava o primeiro ensaio de fazer expandir o Império do Brasil 
de modo a subordinar as províncias partidárias da proposta federativa a um 
projeto gestado pelos grupos dominantes no Rio de Janeiro. Seria essa a 
correlação de forças que permitiu o rompimento com as Cortes. Nas palavras 
de Matos, 
A independência política criara a liberdade frente à dominação 
metropolitana; mas não fora capaz de gerar uma unidade, do ponto de vista 
de uma nação moderna constituída por indivíduos livres e iguais perante a lei 
(...). Elementos de fundo racial, social e cultural combinavam-se, de modo 
original, aos atributos de liberdade e propriedade no estabelecimento de 
fronteiras entre a boa sociedade, o povo mais ou menos miúdo e a massa de 
escravos (Matos 2005, p. 21). 
Ou seja: a liberdade política não se traduzira em unidade, além de ser 
também incompatível com o princípio da igualdade, subsumido a um 
sentimento aristocrático compartilhado por todos aqueles que 
produziram/reproduziam as hierarquias definidoras da sociedade. Mesmo os 
atores mais radicais deste processo - chamados “democratas”- consideravam 
a convocação da Assembleia Constituinte uma vitória da iniciativa de trazer o 
Povo à cena política. Por povo, entretanto, definiam a representação da “boa 
sociedade”, isto, é, dos que eram livres e proprietários de terras e escravos, 
que se viam como brancos e longe estavam da plebe (Mattos 1987, p. 97), 
deixando claro o viés altamente hierarquizante e excludente de seu projeto e 
das forças nele empenhadas. 
A ausência de unidade logo perpassaria as próprias bases de 
sustentação do primeiro Imperador, explicitada nas discussões da Assembleia 
22 
 
 
Constituinte. Refiro- -me, basicamente, ao grupo dos negociantes - fiadores 
econômicos da Corte - pouco representados neste foro. Desde seu início, a 
disputa entre projetos diversos de poder deu o tom aos trabalhos. Quando, 
afinal, o projeto de Constituição foi lido, a surpresa marcou a reação dos donos 
de capital, sobretudo pelo fato de propor, como base organizativa do Império, 
as Comarcas e não as Províncias, o que significava depositar o poder político 
diretamente em mãos dos grandes proprietários de terras e escravos 
regionais. Desagrava-lhes também o sistema eleitoral previsto, não pelo fato 
de ser censitário, mas por definir como eleitores e elegíveis apenas os donos 
de “bens de raiz” (PIÑEIRO 2003, p. 78-79) 
A discussão do projeto fraturou a Assembleia em campos antagônicos, 
esvaziando o poder do Imperador e consagrando os proprietários de terras, 
sobretudo do Sudeste. Nesse mesmo momento as Cortes de Lisboa enviavam 
negociadores em prol da reunificação, deflagrando profunda crise, resolvida, 
uma vez mais, pela força das armas. A Constituinte seria dissolvida e um 
Conselho de Estado, nomeado por Pedro I, foi incumbido de redigir o novo 
texto constitucional, aprovado em 1824. 
Paralelamente, as negociações pelo reconhecimento da independência 
por parte de Portugal, mediadas pela Inglaterra, resultariam em desvantagem 
para algumas das forças que compunham a trama de interesses do Centro-
Sul. Em primeiro lugar porque o Império teria que pagar polpuda indenização 
a Portugal que, somente em 1825, reconheceria a emancipação, mediante 
promessa de que o governo brasileiro jamais incorporaria qualquer colônia 
lusitana e, em segundo, porque a Inglaterra - que desde 1810 pressionava 
pelo fim do tráfico de escravos - voltaria à carga com renovada intensidade. 
Em novembro de 1826 foi assinada convenção sobre o tráfico, estabelecendo 
o prazo de três anos para seu término, além de novo tratado comercial 
concedendo tarifas preferenciais para aos produtos ingleses entrados no país 
(Neves e Machado 1999). A extinção efetiva do tráfico, no entanto, somente 
se concretizaria em 1850, quando os grandes proprietários brasileiros além 
de sobejamente abastecidos de escravos, se encontrariam endividados junto 
aos negociantes. 
23 
 
 
Quando a nova Carta Outorgada foi promulgada, em 1824, 
preservando a estrutura unitária e estabelecendo que os presidentes das 
Províncias fossem nomeados diretamente pelo Imperador, este enfrentaria 
uma dupla oposição: de um lado, aquela movida pela Câmara dos Deputados, 
dominada por proprietários de terra e de escravos de todo o Reino e, de outro, 
o afastamento progressivo do grupo dos negociantes descontentes com as 
concessões feitas a Portugal e a ameaça ao fim do tráfico, uma das fontes 
primordiais de suas fortunas. Imediatamente, reações eclodiriam por todo o 
“Império”, entre 1824 (com a Confederação do Equador) e 1848 (com a 
Revolta Praieira), ambas as mobilizações nordestinas contra a centralização 
monárquica e o Rio de Janeiro. Neste interregno, a abdicação de Pedro I seria 
inevitável, dando início ao Período das Regências. 
O Império como conquista 
A emancipação política do Brasil foi conduzida pela correlação de 
forças presidida pelos negociantes do Rio de Janeiro e grandes proprietários 
de terras e escravos do Sudeste ainda que, em seu transcurso, ambos os 
segmentos tenham se confrontado. Já o Nordeste, cujo centro regional mais 
destacado era Pernambuco, dominado pelos grandes proprietários ligados ao 
complexo açucareiro, se insubordinaria em inúmeros momentos do processo 
que acabamos de discutir. Desde 1817, a província pegaria em armas em 
nome de “princípios liberais”, contra a hegemonia da nova “cabeça” do ainda 
Reino. Vale lembrar que a produção oriunda de Pernambuco e do Nordeste 
ainda detinham posição chave na pauta das exportações brasileiras de açúcar 
e algodão (Mota, 1972). 
No entanto, em 1824, nova mobilização eclodiria na Província, a 
Confederação do Equador, em defesa da autonomia provincial e contrária à 
tendência unitarista inscrita na Carta de 1824, desta vez somando-se aos 
protestos da Bahia. Tanto num caso, como no outro, a resposta da Corte foi a 
guerra, o envio de esquadra imperial para conter os movimentos. Os grupos 
dominantes locais, contrários à Constituição e defensores do federalismo 
resistiram, alastrando a mobilização para as províncias vizinhas da Paraíba, 
Rio Grande do Norte e Ceará, todas elas áreas dependentes do centro de 
dominação regional pernambucano (Albuquerque 1986, p. 348). 
24 
 
 
Contrariando as representações mitológicas acerca da emancipação 
política “pacifica e harmoniosa”, a reação da Corte do Rio seria ainda mais 
radical: suspendendo as garantias constitucionais nas províncias rebeldes, 
enviaria tropas do Exército, coadjuvadas por esquadra comandada por 
ingleses. Não poucos foram dizimados pela repressão, tanto em Pernambuco 
quanto nas demais províncias, chegando-se mesmo a impor a pena capital às 
principais lideranças do movimento. 
Vale lembrar que estes não foram os primeiros episódios violentos 
derivados do processo de emancipação política como um todo. Quando das 
tentativas recolonizadoras das Cortes de Lisboa, iniciadas em 1820, muitas 
regiões nordestinas sublevaram-se contra a preponderância de D. Pedro, 
sendo focos desta resistência às províncias da Bahia, Piauí, Maranhão e 
Grão-Pará, igualmente dizimados pela repressão militar do Rio de Janeiro. 
Neste contexto especifico, outros fatores devem ser levados em conta, 
sobretudo a subordinação dos proprietários de terras e escravos regionais aos 
grandes negociantes portugueses que, uma vez expulsos, os privaria de 
recursos (FREITAS, 1976). 
O caráter abertamente belicoso da consolidação da independência não 
deve ser relegado a segundo plano, mas sim articulado a uma estrutura mais 
complexa que incluía até mesmo as difíceis condições do reconhecimentointernacional da soberania do Brasil, os conflitos oriundos da hegemonia do 
Sudeste e a luta contra a manutenção de certos interesses lusitanos. Dessa 
perspectiva ressaltaria a necessidade de imposição da hegemonia do Sudeste 
sobre as demais regiões, bem como a da reprodução do funcionamento de 
um Estado autoritário ou de um projeto autoritário de Império. Até 1850, 
quando a hegemonia política e ideológica do Sudeste encontraria na produção 
cafeeira as condições econômicas para reproduzir-se e fortalecer-se, as 
contradições inerentes ao processo de emancipação de um Império integrado 
por um vasto território, manifestaram-se de modo significativo. Os movimentos 
provinciais contestatórios se arrastaram por todo o período Regencial (1831-
40), muito embora nenhumas das forças dissidentes inscrevesse em seus 
programas, por exemplo, o fim da escravidão ou da própria monarquia. 
25 
 
 
A adoção de princípios federalistas por parte de movimentos como a 
Sabinada (Bahia, 1837-38) ou a Farroupilha (Rio Grande do Sul, 1835-45) foi 
a tradução liberal do descontentamento dos grupos dominantes locais ao 
centralismo imperial em construção. Já no movimento da Cabanada 
(Pernambuco, Alagoas e Pará – 1832-35) outros elementos somaram-se à 
rejeição unitarismo, com a participação de setores populares, mormente 
camponeses pobres e livres. 
O fundamental para os grupos de interesse hegemônicos do Sudeste 
era demonstrar que o rompimento com o poder Metropolitano não devia ser 
confundido com o aniquilamento ou enfraquecimento de todo poder 
centralizado, herdado do período colonial e reforçado ao longo da 
permanência da Corte no Rio de Janeiro, o que implicava na construção das 
“instituições públicas”. Por isso era preciso deter o “carro da revolução” 
(Mattos 1987, p. 154), palavra de ordem da política imperial, particularmente 
entre os anos 1840-1850. 
Isso significa que o estabelecimento da associação entre Império do 
Brasil e Nação Brasileira vinculava a noção de império a uma concepção 
nacional. E a trajetória dessa nova associação seria longa e tortuosa, 
estendendo-se, como apontamos, bem além do momento da emancipação 
política, uma vez que implicou na própria construção do Estado imperial, por 
ser esta era a condição de existência da Nação. Daí a elaboração de 
instrumentos que promoveriam essa “conquista” ou “expansão pra dentro”, na 
feliz expressão de Mattos acima citada. Dentre eles se destacou o próprio 
constitucionalismo, que permitia que fossem solapadas as bases tradicionais 
do poder soberano à la Antigo Regime e a política externa que, sob a regência 
da Inglaterra, afastaria o novo império da África, inviabilizando a 
independência de Angola e sua incorporação ao Império do Brasil. 
Como afirma Oliveira (2005, p. 50) a associação entre Império e Nação, 
em permanente construção, não implicou apenas numa alternância de 
sentido, ou seja, a mudança da concepção dinástica de Império para a 
concepção nacional. Ela implicou também no fortalecimento de uma direção 
política: impossibilitado de um domínio ilimitado em termos espaciais, o 
Estado perpetrou uma “expansão para dentro”, destinada a configurar a nação 
26 
 
 
e a cidadania, com todas as hierarquias e distinções que marcaram a 
existência de várias “nações” dentro da nação brasileira, implicando numa 
obra de conquista. E não conquista de territórios – muito embora o centro 
hegemônico se tivesse empenhado em preservar sua indivisibilidade, como 
vimos acima – mas conquista no sentido de reconhecer e fazer reconhecer 
que o Império do Brasil foi gerado no seio de uma sociedade matizada que 
incluía distintos projetos políticos. 
Essa obra de conquista não pararia por aí, implicando em instrumentos 
bem mais sutis, capazes de ratificar a associação entre Império e Nação 
brasileiros. Ela incluiria a fratura das identidades gestadas pela colonização, 
por intermédio da vulgarização de valores, signos e símbolos imperiais, da 
elaboração de uma língua e de uma literatura e histórias nacionais. Nisso se 
empenharam os construtores do Estado Imperial, assumindo seu papel de 
dirigentes, na acepção gramsciana do termo, difundindo um projeto 
“civilizatório” que ultrapassaria a coerção física. Eles seriam os produtores de 
um consenso em torno da própria nova noção de Império. 
Os dirigentes imperiais perpetraram uma “expansão para dentro” em 
duplo registro: horizontalmente, confundindo-se com a própria constituição da 
classe dominante senhorial, progressivamente incorporando o seu projeto 
plantadores, negociantes, donos do crédito de quase todas as regiões do 
Império; verticalmente, confundindo-se com a própria consolidação da 
materialidade do Estado, atraindo para sua órbita médicos, advogados, 
tabeliães, jornalistas e o sempre crescente contingente de funcionários 
públicos. Tratou-se de uma expansão que, partindo do Rio de Janeiro 
reproduziu a hierarquia presente no interior de cada região e entre regiões 
(Mattos 1987, p. 167) A construção do Estado pressupôs iniciativas 
integradoras das mais diversas, desde a construção de estradas, pontes – 
que ademais de signos de progresso estreitariam alianças entre as frações da 
classe dominante – até uma obra de “esquadrinhamento” do vasto território e 
dos homens que ele continha. Mapas, cartas topográficas, plantas das 
distintas circunscrições administrativas seriam encomendadas, de modo a 
promover o conhecimento mais refinado das potencialidades territoriais. Tudo 
27 
 
 
isso sem negar a conflitividade social latente. Afinal, tratava-se, mais que tudo, 
de uma sociedade de base escravista. 
Escravidão e Cidadania no Império do Brasil 
Propositalmente, deixamos para o final considerações acerca do 
efetivo nexo integrador do Brasil: a escravidão. Seria ele o fio condutor 
principal da unidade, na medida em que toda a estrutura produtiva 
agroexportadora nela baseou-se até sua total extinção em 1888. Malgrado os 
distintos projetos políticos em disputa no decorrer do processo de 
emancipação política, raros foram aqueles contrários à assim chamada 
“instituição servil” ou mesmo ao fim do tráfico negreiro, responsável por sua 
reprodução. Isso significa afirmar que, para além dos mecanismos de ordem 
política, ideológica e cultural, eram os escravos - definidos como “bens 
semoventes”, mercadorias, enfim - o principal sustentáculo da economia 
nacional, a despeito de hierarquizações e dependências porventura 
estabelecidas entre os proprietários de terra e grandes negociantes 
fornecedores dessa mão de obra essencial. 
 
A despeito de sua importância fulcral, tampouco seria a escravidão um 
obstáculo à construção nacional. Afinal, a figura do escravo desdobraria, até 
as últimas consequências, a concepção de propriedade individual e de 
mercado, bem como as relações de dominação e desigualdade vigentes entre 
os cidadãos e os totalmente excluídos da sociedade (OLIVEIRA, 2003). Logo, 
de modo apenas aparentemente paradoxal, cidadania e nação estiveram 
inextrincavelmente vinculados à escravidão, ela mesma definidora do caráter 
da própria sociedade. 
28 
 
 
Que isso possa ter gerado reconfigurações na própria noção de 
cidadania durante a primeira metade do século XIX, parece-nos óbvio, 
mormente considerando que o grupo hegemônico sediado na “nova cabeça” 
do Império, delas dependeria para a imposição de seu projeto. Na verdade, a 
associação verificada entre Império e Nação ocorreu numa sociedade 
escravista que herdara da experiência colonizadora a convivência obrigatória 
entre três grupos étnicos. A hierarquização entre o que se convencionou 
chamar de “boa sociedade” - os livres, brancos e proprietários de escravos, 
de “plebe”- integrada pelos livres, mas não proprietários de escravos e 
tampouco autor e apresentados como brancos e os escravos - propriedades 
de outrem e não brancos em absoluto, foi construída a partir dos atributosde 
liberdade e propriedade (de escravos e terras), o que não deixava de pôr em 
questão o conceito moderno de nação (ANDERSON, 1989). 
A despeito disso, a nação brasileira seria forjada com outras “nações” 
no interior do território unificado, não sendo casual, como o aponta Karasch 
(2000, p. 35- 40) que no Rio de Janeiro do período se utilizasse a expressão 
“nação” para identificar os escravos negros e ameríndios, discriminando-se, 
igualmente, “nações de cor” (escravos nascidos no Brasil) e “nações 
africanas”, cujos membros, casos libertos, não poderiam tornar-se cidadãos 
brasileiros de acordo com a Constituição, o mesmo não acontecendo com os 
escravos aqui nascido. Era claríssima, sob essa ótica, a concepção de Ordem 
defendida pelos artífices da emancipação e do Império. 
Colonização, miscigenação e questão racial: notas sobre 
equívocos e tabus da historiografia brasileira 
O artigo “Colonização, miscigenação e questão racial: notas sobre 
equívocos e tabus da historiografia brasileira” foram escritos pelo professor 
Titular de História Moderna da Universidade Federal Fluminense. Desenvolve-
se a partir das notas sobre equívocos e tabus da historiografia brasileira no 
que tange à colonização, miscigenação e questão racial para embasar sua 
tese traz citações de alguns estudiosos brasileiros e estrangeiros tais como 
Varnahagen, Capistrano de Abreu, Gilberto Freyre, Charles Boxer, Florestan 
Fernandes e Líllia Schwarcz, dentre outros. 
29 
 
 
A importante necessidade de estudar as problemáticas de alguns 
autores da época do Brasil colônia e realçar alguns equívocos e tabus da 
historiografia brasileira em relação à colonização, à miscigenação e questões 
raciais, pois é primordial repensar as contribuições de todos os estudiosos. 
Brasil, quinhentos anos de história, se adotarmos a periodização de 
Varnhagen, ou sabe-se lá quantos séculos, se optarmos pelo seguidor e rival 
do Visconde de Porto Seguro, mestre Capistrano de Abreu, cujo primeiro 
capítulo do livro Capítulos de História Colonial tem por título “Antecedentes 
indígenas”, embora deles o capítulo pouco trate na verdade. De todo modo, 
se deixarmos de lado as idealizações indigenistas ou indianistas, seja à moda 
romântica, seja na versão mais atual de uma “história politicamente correta”, 
é caso de realçar o extraordinário encontro de povos posto em cena pelo 
descobrimento e pela colonização efetuada pelos portugueses na “sua 
América” – a que lhes reservou o Tratado de Tordesilhas. Encontro de certo 
conflitivo, muitas vezes trágico, haja vista o extermínio de milhares de índios 
e o cativeiro destes e dos africanos, como se sabe, desde o primeiro século. 
Mas encontro que pôs em contato culturas radicalmente distintas de três 
continentes, refazendo valores, recriando códigos de comportamento e 
sistemas de crenças, sem falar na “miscigenação étnica”, outrora chamada de 
“miscigenação racial”. 
Miscigenação étnica e mescla cultural são problemáticas afins, embora 
não idênticas, que atualmente estão na ordem do dia na historiografia 
ocidental produzida sobre a colonização ibérica nas Américas. No entanto, é 
questão que, entre nós, vem de longe, modificando-se ao longo do tempo os 
termos, a valoração e o sentido das interpretações. 
A problemática da mescla cultural na história do Brasil foi colocada em 
nossos horizontes de investigação desde o começo da historiografia nacional. 
Apareceu pela primeira vez, sob o rótulo da “miscigenação racial”, como 
proposta vencedora do concurso promovido na década de 1840 pelo recém-
fundado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Formulou-a o alemão Karl 
Von Martius, naturalista, botânico, viajante que deixou preciosos registros 
sobre a natureza e as gentes do Brasil no século XIX. Em como se deve 
escrever a história do Brasil, Martius afirmou que a chave para se 
30 
 
 
compreender a história brasileira residia no estudo do cruzamento das três 
raças formadoras de nossa nacionalidade – a branca, a indígena, a negra –, 
esboçando a questão da mescla cultural sem contudo desenvolvê-la. Martius, 
como naturalista ilustrado, pensava o “hibridismo racial” do mesmo modo 
como pensava o cruzamento de plantas ou animais, porém sua relativa 
sensibilidade etnológica fê-lo ao menos rascunhar o que já se chamou de 
“sincretismo” cultural e atualmente se formula como circularidades ou 
hibridismos culturais. 
É verdade que o naturalista alemão priorizou a contribuição portuguesa 
na formação da nacionalidade brasileira e praticamente silenciou sobre o 
papel da “raça” negra, para usar o seu vocabulário, reservando ao índio – um 
tanto idealizado, vale dizer – papel secundário. Mas não resta dúvida de que, 
já com Von Martius, a questão da miscigenação étnica e cultural estava posta. 
Seria mesmo caso de ressaltar a paradoxal abertura intelectual do IHGB ao 
premiar proposta que, malgré o conservadorismo do autor, apontava para 
questão desafiadora, admitindo, ao menos em tese, o papel do negro na 
formação do povo brasileiro – e isto num tempo em que os africanos e seus 
descendentes eram escravos, sem direito à cidadania no nascente império 
brasileiro. 
Tão inovadora era a proposta de Von Martius que ninguém na verdade 
a seguiu ao longo do século XIX e nas décadas após a Abolição e a 
proclamação da República. No século XIX, a grande história do Brasil foi a de 
Francisco Adolpho de Varnhagen, a quem já mencionei, paulista de Sorocaba, 
descendente de alemães, homem de confiança do imperador Pedro II e autor 
da portentosa História geral do Brasil, em cinco volumes, publicada entre 1854 
e 1857 sob o patrocínio imperial. 
Varnhagen não seguiu em nada os conselhos de seu quase 
conterrâneo Von Martius e produziu obra factual, no estilo do historismo ou 
historicismo, começando pelo Descobrimento de 1500 e terminando em 1808, 
com a chegada da família real, fugitiva dos franceses sob a proteção dos 
ingleses. Cinco volumes que desfiam múltiplos fatos, as expedições de 
reconhecimento, as capitanias, a instalação do Governo Geral, os diversos 
governos, as “invasões estrangeiras” – que, para Varnhagen, o Brasil devia 
31 
 
 
ser mesmo português, como rezava o Tratado de 1494. História muitíssimo 
bem documentada, utilíssima em vários aspectos, porém lusófila e brigantina, 
a louvar a Restauração dos Bragança, a mesma dinastia do imperador 
brasileiro, seu mecenas, sem aspas. História branca, elitista e imperial que, 
se deu contribuição surpreendente ao informar sobre os costumes e crenças 
dos tupis, chamaram-nos quase sempre de bárbaros e selvagens e 
praticamente silenciou sobre os negros. Com Varnhagen, a “miscigenação” 
permaneceu oculta, seja racial, étnica ou cultural. 
Capistrano de Abreu foi nosso grande historiador da virada do século, 
pois de fato inovou em diversos aspectos a interpretação da história colonial 
do Brasil. Em seus Capítulos de história colonial, publicado em 1907, fez 
questão de abrir nossa história com os “Antecedentes indígenas”, no lugar do 
descobrimento; concebeu o futuro Brasil como área de disputa entre Portugal 
e outros países europeus, no lugar de sacramentar o Tratado de Tordesilhas; 
iluminou as diversidades territoriais da América portuguesa, como se vê no 
magistral capítulo “O sertão”. Com Capistrano de Abreu, deu-se verdadeiro 
deslocamento do objeto de investigação, que em Varnhagen era a 
colonização portuguesa, suas instituições e motivações e nos Capítulos 
passou a ser a colônia, a sociedade colonial com todos os seus desequilíbrios 
e contrastes. 
Talvez neste último ponto, a ênfase que deu às diversidades regionais, 
resida a inovação principal da interpretação de Capistrano que, longe de 
festejar, como Varnhagen, o êxito da colonização portuguesa e de sua 
vocação para manter a unidade do Brasil, acentuou a fragmentação, as 
incomunicabilidades, a ausência de qualquer consciência nacional, mesmoque em esboço, ao final de três séculos de colonização. 
No entanto, no tocante ao tema da miscigenação, que Von Martius 
apontara como chave para se compreender o Brasil, Capistrano avançou 
muito pouco. Entre seus raros comentários sobre o assunto, reiterou 
estereótipos sobre negros e mestiços, relacionando o primeiro às “danças 
lascivas” que alegravam o cotidiano da colônia (a compensar “o português 
taciturno e o índio sorumbático”) (Abreu, 1976 p. 18) e vendo os mulatos como 
indóceis e rixentos: “podiam ser contidos a intervalos por atos de prepotência, 
32 
 
 
mas reassumiam logo a rebeldia originária”. Ainda que de forma atenuada, 
Capistrano revelou-se afinado, neste ponto, com certa “raciologia cientificista” 
( SCHWARCZ , 1995), concebida na Europa e assimilada pela 
intelectualidade brasileira, a qual via na mestiçagem um perigo para a 
sobrevivência das civilizações. A mesma raciologia que inspirava intelectuais 
do porte de Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, Silvio Romero, Mello Moraes, 
Oliveira Vianna e outros que, como já se disse certa vez, eram “racistas por 
ofício”. 
É verdade que, com Capistrano de Abreu, pode parecer injusto emitir 
juízo aparentemente tão rigoroso, ele que, em sua rica correspondência, 
polemizou com João Lúcio de Azevedo, seu amigo e interlocutor, sobre a 
questão judaica no Antigo Regime português, criticando a intolerância 
inquisitorial e racista então vigente contra os cristãos novos. Mas no que toca 
ao Brasil, ao encontro sexual entre portugueses, índios e africanos e à mescla 
cultural derivada do convívio plurissecular, Capistrano tratou pouco e não 
deixou de pensá-la como um dos vários fenômenos que, a seu ver, 
esgarçavam o Brasil, funcionando antes como fator desagregador do que 
como agente de coesão. 
Seguiu lhe a trilha Paulo Prado, autor do célebre e polêmico Retrato do 
Brasil, publicado em 1928, autor que fez da luxúria, da cobiça, da tristeza e 
do romantismo os grandes males da formação brasileira desde o 
descobrimento até o século XIX. Mas, à diferença de Capistrano, Paulo Prado 
foi mais explícito em tudo, seja quanto à embriaguez sexual e multirracial 
deflagrada na colônia, seja quanto às consequências da miscigenação racial 
dela resultante. No tocante à embriagues sexual, Paulo Prado até que 
avançou um pouco, ao romper os constrangimentos que cercavam o 
tratamento do assunto, embora de seu texto extravase um moralismo quase 
jesuítico, condenatório das supostas liberdades sexuais do trópico, as quais 
considerava verdadeiramente patológicas. A culpa de tanta luxúria – porque 
disso se trata em Paulo Prado – era responsabilidade dos portugueses 
degenerados que para cá vieram sob degredo, dos índios naturalmente 
lascivos e dos africanos igualmente libidinosos, disso resultando um “retrato 
do Brasil” tremendamente orgiástico. 
33 
 
 
Da condenação da orgia colonial à execração da miscigenação o passo 
foi curto. É no Post-scriptum que a posição de Paulo Prado se descortina com 
mais nitidez em meio a considerações raciológicas típicas do fim do século 
XIX e das primeiras décadas do século XX. Apesar de dizer que “todas raças 
parecem essencialmente iguais em capacidade mental e adaptação à 
civilização”, o autor não se escusa de afirmar “a inferioridade social” do negro 
nas aglomerações civilizadas, ao contrário do que costuma ser nos “centros 
primitivos da vida africana”. Elogia o conselho de Von Martius quanto à 
necessidade de se estudar o negro na história do Brasil, mas propõe conhecê-
lo “nos seus costumes, preconceitos e superstições, defeitos e virtudes, 
máquina de trabalho e vício para substituir o índio mais fraco e rebelde”. 
(PRADO, 1996, p. 187-188). 
O problema racial do Brasil residia, segundo Paulo Prado, porém, nem 
tanto no negro, mas na miscigenação. De um lado, observa que a 
“arianização” do brasileiro avançava diariamente e “já com um oitavo de 
sangue negro, a aparência africana se apaga por completo [...] E assim o 
negro desaparece aos poucos, dissolvendo-se até a aparência de ariano puro 
[...] Não temos ainda perspectiva suficiente para um juízo imparcial. A 
arianização aparente eliminou diferenças somáticas e psíquicas: já não se 
sabe quem é branco e quem é preto [...]”. De sorte que, apesar de reconhecer 
que o mestiço brasileiro dava exemplos notáveis de inteligência, cultura e 
valor moral, Paulo Prado se perguntava, à luz de “organismos tão indefesos 
contra doenças e vícios”, “se esse estado de cousas não provém do intenso 
cruzamento de raças e sub-raças”. (PRADO, 1996, p. 191-193). 
Até o limiar dos anos de 1930 o que se poderia chamar de historiografia 
brasileira tratava, pois, a miscigenação, não como problema de investigação, 
mas como problema moral ou patológico que cabia resolver para o bem da 
Nação. Poderíamos multiplicar os exemplos de historiadores que trataram do 
tema com este cariz “raciológico” ou mesmo racista, temperando com a 
herança colonial as novidades científicas de um Gobineau e outros: João 
Ribeiro, Pedro Calmon, Pandiá Calógeras – a lista seria vasta e monótona. 
Ao tratarem da “miscigenação racial”, evitavam adentrar o domínio da 
sexualidade – campo fértil para entender os fenômenos culturais e o próprio 
34 
 
 
fenômeno da miscigenação – e quando o faziam, como no caso de Paulo 
Prado, era para execrar a libido desenfreada de antanho. E quando 
rascunhavam a mescla cultural de que a miscigenação étnica é parte 
inseparável, mal disfarçavam o desalento em constatar que o Brasil era 
diferente da Europa, isso quando não afirmavam terem sido os índios e, 
sobretudo os negros elementos corruptores de um projeto de civilização 
compatível com os “anseios nacionais”. 
Se houve uma solitária exceção ao semelhante quadro, esta foi a obra 
de Manuel Bomfim, médico de ofício e historiador por opção, intelectual que, 
desde 1902, com seu América Latina: males de origem, esforçou-se por 
condenar, antes de Capistrano, a colonização portuguesa e a reconhecer na 
miscigenação racial um aspecto positivo da formação brasileira – pioneirismo 
que lhe renderia forte polêmica, interrupção do trabalho de historiador por 
quase trinta anos e um virtual “ostracismo” que até hoje grava sua obra. 
No entanto, a obra vasta e complexa de Bomfim, retomada entre 1929 
e 1931, é reveladora de paroxismos que mereceriam estudos mais 
aprofundados. No mínimo porque, se em 1902 Bomfim condenava os 
portugueses que colonizaram o Brasil, e voltaria a fazê-lo no Brasil Nação, 
publicado em 1931, neste caso condenando o “Império dos Braganças”, no 
livro O Brasil na América, este de 1929, vê-los-ia como empreendedores, 
intrépidos aventureiros, excelentes colonos, enfim, esforçando-se por 
contestar a visão de que o Brasil fora desde o início povoado por criminosos. 
Este livro de Bomfim é, neste ponto, quase um antídoto ao veneno destilado 
por Paulo Prado, no livro contemporâneo que mencionei linhas atrás, 
divulgador-mor do caráter degenerado dos colonos portugueses aqui 
desembarcados (BOMFIM, 1996). 
Talvez não haja autor, dentre nossos historiadores antigos, que tanto 
se tenha esmerado, como o Bomfim deste livro citado, em defender a 
excelência dos portugueses que protagonizaram a história do Brasil nos 
primeiros séculos. E talvez não exista autor, entre os brasileiros, tão 
empenhado em defender a miscigenação como traço positivo de nossa 
formação como povo e como cultura. O problema desconcertante é que 
Bomfim o faz por meio de um raciocínio genuinamente raciológico, naturalista, 
35 
 
 
para não dizer medicalizado – assunto que por ofício conhecia bem. Assim 
compara cruzamentos entre insetos, plantas, mamíferos, seres humanos, 
discutindo autores clássicos na matéria, tudo a serviço da ideia de que o 
“cruzamento de raças ou espécies distintas” não é necessariamente mau, pelo 
contrário. Manuel Bomfim é por tudo isto, uma exceção e um caso-limite,autor 
de obra contraditória em que o cientificismo raciológico é criticado nas suas 
conclusões, porém não na linguagem e nos referenciais teóricos da reflexão. 
O resultado é uma apologia da mestiçagem concebida em termos de 
“cruzamento” positivo de espécies, em detrimento das dimensões étnicas e 
culturais pertinentes à discussão. 
Nas décadas 1930 e 1940 mudaria sensivelmente a maneira de lidar 
com a miscigenação racial e cultural que Von Martius sugerira estudar havia 
quase cem anos. Foi o tempo em que apareceram as três grandes sínteses 
de nossa historiografia, obras que Antônio Cândido destacou como livros-
chave para se compreender o Brasil depois da Revolução de 30 e que, no seu 
entender, funcionam até hoje como referências do pensamento social 
brasileiro. 
Para os objetivos deste artigo, o grande livro a destacar é, sem dúvida, 
o Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre, publicado em 1933, sobre o qual 
já muito se escreveu. Foi este livro que produziu verdadeira inflexão no modo 
de tratar o assunto porque, de um lado, encarou sem pejo a questão da 
sexualidade inerente à miscigenação racial e o fez de modo distinto do de 
Paulo Prado, sem associá-la “jesuiticamente” ao pecado da luxúria, evitando 
“criminalizar” os degredados e associar a embriaguez sexual do primeiro 
século a perversões de qualquer tipo, relativizando, enfim, com muito brilho a 
libidinagem desenfreada que nossos intelectuais costumavam atribuir ao índio 
e, sobretudo ao africano. Por outro lado, ultrapassou o conceito de “raça” até 
então em voga, ainda que não o tenha negado de todo, e adotou o de cultura 
(fruto de sua formação na antropologia culturalista de Franz Boas, nos 
Estados Unidos), o que lhe permitiu entrelaçar o fenômeno da miscigenação 
étnica e da mescla cultural. 
É conhecida – e foi muito criticada posteriormente – a posição de Freyre 
quanto à ausência de preconceito racial entre os portugueses ou, mais 
36 
 
 
nitidamente, a característica da miscibilidade, vocação lusitana que, ao lado 
da mobilidade e da adaptabilidade, faria dos portugueses colonizadores 
excelentes. Mas não é tanto isto o que nos interessa por ora frisar na obra 
deste autor, senão o fato de que valorizou a fusão das três raças ou a 
interpenetração das culturas portuguesa, indígenas e africanas na formação 
do Brasil e seu povo. Se for certo que Freyre atribuiu ao português (ao caráter 
português e à sua formação histórico-cultural) a iniciativa pela construção de 
uma sociedade “amolengada” e cotidianamente frouxa quanto aos rigores do 
preconceito racial, ressaltou igualmente a contribuição da África, chegando 
mesmo a falar do negro como o “colonizador africano do Brasil”. Sua obra foi 
sem dúvida uma novidade, seja quanto ao método de análise, seja quanto às 
interpretações de fundo que, no limite, positivaram a miscigenação herdada 
do período colonial. Daria muito que falar e escrever nas décadas seguintes, 
fosse contra, fosse a favor. (ARAÚJO, 1994). 
O Sérgio Buarque de Raízes do Brasil, publicado em 1936, embora 
tenha dado enorme contribuição à nossa historiografia em diversos aspectos, 
a exemplo da comparação entre América Portuguesa e a Espanhola, avançou 
pouco em relação ao problema da miscigenação. Tendeu, no conjunto, a 
adotar posição similar à de Freyre ao constatar, entre os portugueses, a 
“ausência completa, ou praticamente completa [...] de qualquer orgulho de 
raça”, diferentemente dos europeus do norte, frisando a frouxidão dos 
preconceitos, inclusive institucionais, dos portugueses em relação aos “povos 
de cor”, para usar as palavras de Sérgio Buarque. (HOLANDA, 1976. p. 22) E 
se de fato rascunhou alguns aspectos da mescla cultural na formação do 
Brasil, como no caso da língua ou do predomínio da passionalidade no caráter 
do povo, não se deteve, como Freyre, na questão da mestiçagem. Na 
verdade, insistiu sempre no caráter nostálgico e insatisfeito do português 
transmigrado ao Brasil, “fronteira da Europa”, à diferença de Freyre que frisava 
sempre a adaptalidade como característica marcante da atuação lusitana no 
ultramar. 
Se há um contraste importante entre Freyre e Sérgio Buarque, maior é 
o que se dá entre eles e o Caio Prado Jr. de Formação do Brasil 
contemporâneo, publicado em 1942. Sem querer desmerecer a importância 
37 
 
 
desta primeira grande síntese marxista de nossa historiografia, cujas 
inovações já foram louvadas à farta, e com razão, nela se encontram páginas 
de um racismo virulento, sobretudo na seção intitulada “Organização social”. 
É verdade que Caio Prado atribui em boa parte o aviltamento e 
degradação de índios e negros no Brasil, sobretudo à escravidão, 
denunciando, pois o racismo da sociedade colonial – no que faria escola –, 
mas é inegável que seu marxismo convive com a “raciologia científica” típica 
do século XIX. 
Não pode ser outra a conclusão sobre Caio Prado ao lermos seu juízo 
de que a escravidão “incorporou à colônia, ainda em seus primeiros instantes, 
e em proporções esmagadoras, um contingente estranho e heterogêneo de 
raças que beiravam ainda o estado de barbárie, e que no contato com a 
cultura superior de seus dominadores, se abastardaram por completo” 
(PRADO, 1977 p. 275). Caio Prado é reiterativo: índios e negros eram povos 
“de nível cultural ínfimo”, o que aviltou ainda mais a escravidão brasileira, ao 
contrário da escravidão antiga, que recrutou seus cativos “em todas as partes 
do mundo conhecido”, alguns de nível cultural superior ao dos seus amos. “O 
escravo não foi nela – na Antiguidade – a simples máquina de trabalho bruto 
e inconsciente que é o seu sucessor americano”, afirmou Caio Prado, 
acrescentando adiante que “a contribuição do escravo preto ou índio para a 
formação brasileira é, além daquela energia motriz, quase nula”. 
Desnecessário citar mais trechos que, na verdade, rivalizam entre si na 
eloquência da desqualificação dos povos submetidos à escravidão: povos que 
Caio Prado desqualifica um pouco por causa da escravidão, outro tanto pela 
inferioridade cultural e racial que lhes atribui de antemão. 
O contraste entre Caio Prado e Gilberto Freyre é, portanto, radical e 
desconcertante, se lembrarmos ter sido o primeiro, um militante de esquerda 
dos mais lúcidos e notáveis e o segundo, um homem de posições políticas 
muito discutíveis, para dizer o mínimo. Mas não resta dúvida de que, política 
à parte, enquanto Gilberto Freyre abriu caminho para se pensar a 
originalidade da cultura brasileira, Caio Prado não fez senão reiterar 
preconceitos antigos. Suas posições, exceto pelo fato de se combinarem com 
uma posição crítica de inspiração marxista, não constituem novidade alguma 
38 
 
 
em relação ao que se escrevia, desde o século XIX, sobre a má progênie do 
povo brasileiro – posto que mestiça. 
O reconhecimento do pioneirismo de Gilberto Freyre, sua sensibilidade 
e acuidade na interpretação da cultura brasileira em perspectiva histórica, não 
implicam em isentá-lo de críticas. Não que eu vá cansar o leitor com a 
repetição de que Freyre criou o mito da democracia racial, de que seu método 
era intuitivo, de que deduziu da escravidão doméstica da casa-grande o 
padrão adocicado do escravismo colonial – o que muitos já fizeram, muitas 
vezes com razão, outras nem tanto. Haveria críticas mais pertinentes a fazer 
no que toca ao interesse deste artigo em particular. 
Uma delas provém do que escreveu o brasilianista inglês Charles Boxer 
– autor, dentre outros livros, de O império colonial português –, que forneceu 
modelo totalmente oposto ao de Freyre no tocante à tolerância racial. 
Examinando os estatutos portugueses de “limpeza de sangue” entre os 
séculos XVI e XVIII, bem como as ideias dos letrados portugueses no Antigo 
Regime, Boxer insistiu em que os portugueses figuravam entre os povos mais 
racistas da época, produzindo inabilitações e estigmas de variada sorte contra 
os

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