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Emergência em Medicina Veterinária - Caderno Técnico 87
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medicine: consen- sus definitions: The Dorothy Russel Havemeyer working group on ALI and ARDS in Veterinary Medicine. Journal of Veterinary Emergency and Critical Care, v. 17, n. 4, p. 333-339, 2007. 18 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 87 - dezembro de 2017 Auana Lima Santana - CRMV-MG 15269 Suzane Lilian Beier - CRMV-MG 13516 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais Email para contato: suzanelb@ufmg.br 2. Cetoacidose diabética em pequenos animais pixabay.com 1. Introdução O diabetes mellitus (DM) é uma das endocrinopatias mais comuns na clínica de pequenos animais. Devido a uma defi- ciência de secreção de insulina ou à inca- pacidade de a insulina exercer seus efei- tos metabólicos, a doença é caracterizada pelo quadro de hiperglicemia (American Diabetes Association, 1997). A etiologia da DM em pequenos animais ainda não foi completamente elucidada, mas sabe-se que os agentes são multifatoriais, como: predisposi- ção genética, distúrbios imunomedia- dos, pancreatite, período de estro e fatores de resistência à insulina (obesi- dade, hipercortisolinismo e infecções) (Feldman & Nelson, 2004; Nogueira, 2008). 192. Cetoacidose diabética em pequenos animais O diagnóstico de DM é baseado nos sinais clínicos clássicos de poliúria, polidipsia, polifagia, perda de peso, hi- perglicemia persistente com o pacien- te em jejum e glicosúria. A urinálise e a dosagem da concentração de glicose sanguínea são imperativas para o diag- nóstico da doença (Nelson, 2009). O tratamento fundamenta-se, so- bretudo, em insulinoterapia, manejo dietético, atividade física constante e administração de hipoglicemiantes orais, que são mais efetivos para gatos diabéticos do que para cães (Nelson, 2005). Animais diabéticos que não fo- ram diagnosticados, ou animais diag- nosticados que não recebem dose ade- quada de insulina (em conjunto com processos infecciosos, inflamatórios ou distúrbios hormonais de resistência à insulina), podem evoluir para um qua- dro de cetoacidose diabética (CAD) (Nelson, 2009). A CAD é uma complicação gra- ve da DM que requer uma atuação de emergência e cuidados intensivos. Pode comprometer a vida do animal ao envolver alterações metabólicas asso- ciadas a grandes desequilíbrios na ho- meostasia dos fluidos e no equilíbrio eletrolítico e ácido-base (Panciera, 2012). A taxa de mortalidade, apesar de ter melhorado muito nos últimos anos, ainda é significativa em humanos e em animais de companhia (Wagner et al., 1999; Nartass, 2010). 2. Revisão da literatura 2.1. Epidemiologia A cetoacidose diabética (CAD) está associada, preferencialmente, aos ca- ninos diabéticos insulinodependentes (Chastain, 1981; Hume et al., 2006), com idade entre cinco e 12 anos de ida- de, diagnosticados entre os oito e nove anos, em média (Duarte et al., 2002; Hume et al., 2006), sendo duas vezes mais frequente nas fêmeas que em ma- chos (Duarte et al., 2002). Estudos mostram que animais diabéticos sub- metidos a condições de estresse têm maior chance de desenvolver CAD (Macintire, 2006). Até o momento, não foi estabelecida nenhuma predisposi- ção racial para o desenvolvimento da doença. 2.2. Fisiopatologia A CAD ainda não tem uma defini- ção universal, mas diversos autores a descrevem como uma alteração meta- bólica grave, caracterizada por uma tría- de de hiperglicemia persistente, acidose metabólica e hipercetonemia associada à cetonúria (Feldman & Nelson, 2004; Reusch et al., 2010) (Fig. 1). A deficiência insulínica grave ou absoluta, juntamente com uma con- centração excessiva de hormônios diabetogênicos ou hiperglicemiantes (catecolaminas, glucagon, cortisol, glicocorticoides e hormônio do cres- cimento), tem importante papel na 20 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 87 - dezembro de 2017 potencialização da cetogênese (Foss- Freitas & Foss, 2003). Em condições fisiológicas normais, a hiperglicemia estimula as células β das ilhotas pancreáticas a secretarem insu- lina, que age promovendo a captação de glicose e a formação de glicogênio, bem como a captação de aminoácidos, a síntese de proteínas, a captação de ácidos graxos e a síntese de gordura. A ausência de insulina efetiva estimula a secreção de glucagon e diminui a en- trada de glicose nas células musculares e adiposas, provocando hiperglicemia. Compensatoriamente, ocorre quebra de triglicérides em ácidos graxos livres e glicerol (fenômeno conhecido como li- pólise, que é normalmente inibido pela ação da insulina). O glicerol fornece o esqueleto carbônico para a síntese de glicose no processo denominado glico- neogênese, que ocorre no fígado e é es- pecificamente estimulado pelo aumento das concentrações séricas de glucagon e pela hipoinsulinemia (Feldman & Nelson, 2004). Como a insulina também atua como hormônio anabólico, o aumento da concentração sérica de glucagon e a diminuição da concentração de insuli- na promovem também o catabolismo proteico e a redução da síntese de pro- teínas, provocando o aumento dos ami- noácidos circulantes que servem como substrato para a gliconeogênese hepáti- ca. Outros hormônios contrarregulado- res contribuem para a fisiopatogenia da CAD, primariamente, por promoverem antagonismo à ação da insulina em teci- dos periféricos e também por estimula- rem a glicogenólise. Atribui-se, assim, o desenvolvimento da hiperglicemia ao aumento da gliconeogênese e glico- genólise hepáticas e ao uso inadequa- do de glicose pelos tecidos periféricos (Feldman & Nelson, 2004). A lipólise ocorre por intermédio da enzima lipase-hormônio-sensível, cuja ação também é estimulada pelo aumento na relação glucagon:insulina. Os ácidos graxos livres produzidos pela lipólise são utilizados nos tecidos periféricos como substrato energético e, dependendo de sua concentração plasmática, também são assimilados pelo fígado, onde são convertidos em acil-CoA, que é oxidada a acetil-CoA (Boysen, 2008). Em animais não dia- béticos, a acetil-coA entra no ciclo de Krebs (Campos, 2005); em animais Figura 1: Tríade da CAD: hiperglicemia, hiperce- tonemia e acidose (Adaptado de Kitabchi et al., 2001). 212. Cetoacidose diabética em pequenos animais diabéticos, a glicose deixa de entrar nas células em quantidades adequadas, pois a produção de piruvato pela glicólise é diminuída (MacIntire, 1993; Kitabchi et al., 2001). Desse modo, o ciclo de Krebs não utiliza toda a acetil-coA (Macintire, 1993) e ela é condensada em acetoace- til-CoA, formando o ácido acetoacético, que é reduzido a ácido β-hidroxibutíri- co na presença de NADH, ou sofre des- carboxilação espontânea, dando origem à acetona (Boysen, 2008). A baixa concentração de insulina inibe o metabolismo dos corpos cetô- nicos, levando a uma hipercetonemia, como ocorre numa descompensação da DM. Consequentemente à hiperceto- nemia, desenvolve-se acidose metabóli- ca, já que tanto o acetoacetato como o β-hidroxibutírico são ânions de ácidos fortes. A formação de corpos cetônicos está associada à produção de um nú- mero equivalente de íons hidrogênio, que se acumulam em nível sanguíneo, diminuindo a concentração sérica de bicarbonato ([HCO3 -]). Isso exacer- ba a acidose metabólica (Feldman & Nelson, 2004; Hess, 2009; Nelson & Couto, 2009; Boag, 2012). E esta pode ficar ainda mais grave, já que os corpos cetônicos esti- mulam os centros qui- miorreceptores nervo- sos, induzindo náusea, anorexia, êmese e dor abdominal (Boysen, 2008). Portanto, a origem da acidose metabólica é mul- tifatorial, também sendo comum a aci- dose lática e, menos frequentemente, a acidose metabólica hiperclorêmica (Chiasson, 2003). A capacidade de