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ENTRE A DOR E A DELÍCIA DE SER O QUE É: UMA ANÁLISE ERGONÔMICA DA ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO ESCOLAR NA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Letícia Cirqueira de Oliveira1 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar, com base na Ergonomia da Atividade, a atuação do psicólogo escolar na Universidade de Brasília, no Serviço de Orientação Universitária (SOU). A importância de se investigar a atuação do psicólogo escolar na universidade, a luz da ergonomia, se faz necessária, pois essa abordagem nos permite olhar para o trabalho real e prescrito do psicólogo, para as suas expectativas em relação a sua atividade, bem como as expectativas da instituição e demais atores; a relação afetiva desses profissionais com seu desempenho: as vivências de bem-estar e/ou mal-estar, as contradições e estratégias individuais e/ou coletivas utilizadas para superá-las. O psicólogo é aquele que toma decisões sobre as melhores formas de agir no seu cotidiano, faz gestão das exigências não se submetendo passivamente sobre elas. Cabe a esse profissional construir, juntamente com a equipe e instituição, valores e modos de atuar, conhecer e discutir as concepções e expectativas, desconstruir representações sociais de uma atuação clínica na escola, em situações de não-adaptação do aluno e problemas de aprendizagem. Este trabalho se justifica pelo fato de ter poucas referências tanto no âmbito da psicologia escolar e atuação no Ensino Superior, quanto na Ergonomia da Atividade. Foi realizado um grupo de discussão com quatro psicólogos e observações no Estágio Supervisionado em Psicologia Escolar, no SOU, na UnB. Palavras-chave: Psicologia Escolar, Atuação do Psicólogo Escolar no Ensino Superior, Ergonomia da Atividade. 1 Aluna de graduação em Psicologia na Universidade de Brasília. E-mail: leticiacirqueira@hotmail.com 2 INTRODUÇÃO Abordagem Ergonômica do Trabalho Diante das transformações no mundo do trabalho, a inserção de novas tecnologias e modos de fazer para garantir a competitividade, as organizações têm buscado oferecer serviços de qualidade e contam com trabalhadores comprometidos com suas crenças, valores e normas. Há uma expectativa tanto da instituição quanto do trabalhador em relação à atividade a ser realizada. Nesse cenário, trabalhadores de um modo geral se deparam cotidianamente com regras, procedimentos, rotinas que tomam a forma, principalmente, de códigos de conduta e de inventário de tarefas (formais e/ou informais). Segundo Mario César Ferreira (2004), a vida em sociedade, da qual a produção econômica é parte integrante, parece ser inseparável da existência de normas formais e informais. Entretanto os comportamentos dos trabalhadores nas situações de trabalho mostram um universo de atividades que transcende aquilo que previamente foi estabelecido pelas tarefas. O exame da inter-relação tarefa-atividade se apresenta, portanto, como um objeto privilegiado para a análise de práticas, valores, crenças que colocam em confronto os modelos de gestão do trabalho e os modos de fazer e pensar dos trabalhadores (Ferreira, 2004). O autor aponta dois conceitos em ergonomia importantes para analisar o contexto de produção de bens e serviços, a saber: 1) definição de uma cultura do trabalho prescrito: “Diferentes serviços da empresa definem, previamente, uma produção, um trabalho, os meios para realizá-los: estes são determinados por meio de regras, de normas e avaliações empíricas”(Daniellou, Laville & Teiger, 1989, citados em Ferreira, 2004) desse modo, o trabalho prescrito é o modo de como uma tarefa deve ser executada, como se utiliza as ferramentas e as máquinas, em determinado espaço de tempo, e como se respeita as ordens. Características: a) caráter reducionista da análise do trabalho em termos de tempo e movimentos, negligenciando o custo cognitivo; b) as características e a diversidade dos trabalhadores não são levadas em consideração, prevalecendo a ideia de trabalhador médio (média aritmética); c) objetividade do tempo, (conceito ilusório já que o tempo 3 pode ser objeto de julgamento), com o passar do tempo há um automatismo e a necessidade de novos ajustamentos; d) fragilidade científica, por se basear no caráter coercitivo da racionalização. Em contrapartida, no trabalho prescrito, a prescrição é um quadro indispensável para que se possa operar a atividade, ou seja, estrutura o modus operandi do trabalho, o que é discutível é uma cultura de prescrição em demasia; 2) definição de uma cultura de trabalho real: o trabalho real implica em uma atividade no qual o sujeito da ação opera em três dimensões independentes- uma relação econômica de compromisso com a produção de bens e serviços, uma relação sócio- profissional com outros sujeitos envolvidos no contexto do trabalho, uma relação consigo mesmo para gerir as necessidades de mudanças que operam no nível do corpo, da razão e do afeto. Nesse sentido o trabalhador não é um mero executante, mas um operador que toma decisões sobre as melhores formas de agir faz gestão das exigências não se submetendo passivamente sobre elas. Ele aprende agindo e adapta seu comportamento às variações ambientais. Estudos evidenciam que a discrepância entre o trabalho real e o trabalho prescrito são geradores de mal-estar nas organizações (Ferreira, 2004). Para tal, os trabalhadores desenvolvem estratégias de mediação individual e coletiva com o objetivo de amenizar os efeitos desse mal-estar. Conforme destaca Ferreira (2002), a Ergonomia tem sido chamada para atender a múltiplas demandas do mundo produtivo como a melhoria das condições materiais e instrumentais de trabalho dos assalariados; a identificação de agentes nocivos à saúde dos trabalhadores; o aprimoramento da competência profissional; transformações na organização sociotécnica do trabalho; os impactos do uso de novas tecnologias; concepção de ambientes de trabalho e produtos de consumo (Ferreira, 2002), muito embora tenha sido uma abordagem que ganhou ao longo dos anos o estereotipo de “cadeirologia”. No geral, a análise do contexto sociotécnico em ergonomia da atividade tem como horizonte conhecer o funcionamento da empresa ou da instituição onde se realiza a intervenção. O objetivo central é identificar os fatores (econômicos, sociais, técnicos, jurídicos) que podem ajudar a compreender ou "decodificar" a situação- problema investigada (Ferreira, 2002). Contexto da Atuação do Psicólogo Escolar no Ensino Superior 4 Segundo Clayse Marinho-Araújo (2009, citado em Corrêa, 2011), a literatura nacional no que se refere à atuação do psicólogo escolar na educação superior é bastante limitada, pois, tradicionalmente, a psicologia escolar tem se ocupado com questões relacionadas ao ensino básico, em especial ao fracasso escolar, atuação e formação do psicólogo escolar. Na literatura internacional, encontram-se trabalhos voltados para a vertente clínica-terapêutica, de acolhimento, de escuta e acompanhamento de estudantes, professores e corpo administrativo da instituição em prol de uma maior efetividade educacional (Corrêa, 2011). Pensando no contexto educacional, com as mudanças ocorridas na Educação Superior no Brasil, passou-se a exigir mais dos profissionais que atuam nessa área, no que tange a atualização e a qualificação, no sentido de prover aos alunos um ensino integral, que atenda às demandas sociais (Corrêa, 2011). A expectativa que se tem em relação à atuação do psicólogo escolar é que o mesmo deva apresentar uma contribuição mais eficaz dentro da variedade de problemas escolares que se apresentam, em especial, aos processos de aprendizagem. O que se tem notado é que as práticas no espaço escolar estão voltadas para a estruturação de programas para alunos com dificuldades e a preparação e treinamento de professores. Historicamente,