Buscar

Gerações dos Direitos Fundamentais

Prévia do material em texto

TEXTO SOBRE GERAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
DO PROFESSOR GUSTAVO BARCHET 
 
 
2) CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
 
Os direitos fundamentais, tomando por critério o momento histórico em que 
surgiram e no qual foram prescritos nos textos constitucionais, são 
tradicionalmente apresentados com a seguinte classificação: direitos 
fundamentais de primeira geração (ou dimensão), direitos fundamentais 
de segunda geração (ou dimensão) e direitos fundamentais de terceira 
geração (ou dimensão). Modernamente, há entendimento de que já existe 
uma quarta geração (ou dimensão) de direitos fundamentais, como 
veremos no momento apropriado. 
Os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos civis e 
políticos. Correspondem às liberdades clássicas, e têm por fundamento 
o princípio da liberdade. 
Os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos sociais, 
econômicos e culturais, e têm por fulcro o princípio da igualdade. 
Os direitos fundamentais de terceira geração são os direitos vinculados ao 
desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, e têm por lastro o ideal da 
fraternidade. 
Conjugando esses princípios, temos o tríplice ideário dos revolucionários 
franceses do séc. XVIII: liberdade, igualdade, fraternidade. 
De pronto devemos afastar qualquer idéia de que o reconhecimento de uma 
geração posterior de direitos fundamentais implica na superação da geração 
ou gerações posteriores. O que ocorre é justamente o oposto: além da 
permanência dos direitos das gerações anteriores, ocorre sua releitura 
perante a nova geração de direitos fundamentais. Os novos direitos, 
portanto, assumem dupla função: impõem novos valores ao Estado e à 
sociedade e redimensionam os valores já consagrados anteriormente. 
Partindo dessas premissas iniciais, vamos ao estudo de cada geração de 
direitos fundamentais. 
 
2.1) Direitos fundamentais de primeira geração (ou dimensão) 
Os direitos fundamentais de primeira geração, também denominados 
“liberdades públicas”, são os direitos civis e políticos, e abrangem as 
quatro liberdades clássicas (vida, liberdade, segurança e propriedade). 
São exemplos de tais direitos, entre outros, o direito à vida, à propriedade, 
à liberdade de locomoção, à liberdade de expressão, à liberdade de 
participação política, à igualdade (formal) perante a lei, à incolumidade 
física etc. 
Historicamente, são os primeiros direitos fundamentais, frutos do Estado 
Liberal. Representam, na sua essência, a vitória, ao menos parcial, do 
Estado Liberal sobre o Estado absolutista. Embora alguns entendam que sua 
origem (e, portanto, a origem dos direitos fundamentais) encontra-se na 
Magna Carta Libertatum, promulgada em 1215 na Inglesa, predomina o 
entendimento de que a efetiva positivação desses direitos deu-se com as 
declarações de direito elaboradas nos Estados norte-americanos, no séc. 
XVIII, sendo a primeira delas a Declaração dos Direitos do Bom Povo da 
Virgínia, datada de 1776. 
Posteriormente, tais direitos foram reconhecidos e reforçados na Declaração 
de Direito do Homem e do Cidadão, elaborada em 1789 durante a 
Revolução Francesa. A partir dela, embora com cunho essencialmente 
individualista, deu-se a universalização dos direitos fundamentais, com sua 
paulatina positivação nas Constituições dos demais Estados europeus, 
depois se propagando para o restante do mundo. 
Os direitos fundamentais de primeira geração, diretamente vinculados à 
ideologia liberal, são essencialmente direitos de defesa do indivíduo frente 
ao Estado, pois objetivam não uma prestação positiva do Estado, mas uma 
atuação negativa, um não-agir por parte do Estado em benefício da 
liberdade do indivíduo, no sentido de que o ente estatal não interfira nas 
esferas jurídicas individuais. Buscam, basicamente, assegurar a liberdade 
do indivíduo na arena política e, precipuamente, em seus negócios privados. 
Como pondera Gabriel Dezen Junior: 
Pretende-se sobretudo fixar uma esfera de autonomia pessoal indene 
contra as expansões do Poder. Não surpreende, assim, que se voltem 
contra ações do Estado. Trata-se de direitos que postulam abstenções 
dos governantes, criam obrigações de não-fazer, de não interferir 
sobre aquelas esferas íntimas de cada indivíduo, indispensáveis ao 
digno desenvolvimento. 
Uma ressalva a esta atitude omissiva do Estado perante os indivíduos pode 
ser vislumbrada apenas quanto ao direito à segurança, para os que o 
consideram um direito fundamental de primeira geração, já que ele exige 
para sua satisfação uma atuação comissiva do Estado, buscando assegurar 
a incolumidade física do cidadão mediante atividades de policiamento. 
 
2.2) Direitos fundamentais de segunda geração (ou dimensão) 
Os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos de índole 
econômica, social e cultural (direito ao trabalho, à previdência social, ao 
lazer, à segurança etc.). Em termos cronológicos, surgem após os direitos 
de primeira geração e, diferentemente, destes, não visam a uma atuação 
estatal negativa, mas positiva, pois têm por conteúdo alguma prestação 
que o Estado deva cumprir perante os indivíduos. Exige, pois, uma atuação 
comissiva, um fazer do Estado frente aos membros da coletividade. 
Exemplificativamente, podemos citar como direitos de segunda geração o 
direito à proteção na idade avançada, o direito ao lazer, à saúde, à 
assistência social, à previdência social, ao trabalho, à habitação, ao 
desporto etc. 
Afirma-se que esses direitos buscam essencialmente a igualdade entre os 
indivíduos. Igualdade em termos materiais, reais, para o que se faz 
indispensável a atuação do Estado a favor dos hipossuficientes, e não 
uma igualdade formal (prevista abstratamente na lei), que marcou os 
direitos de primeira geração. 
José Afonso da Silva apresenta uma definição dos direitos sociais que pode, 
com as necessárias adaptações, ser aproveitada para os demais direitos de 
segunda geração, qual seja: 
Prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou 
indiretamente, enunciadas nas normas constitucionais, que possibilitam 
melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a 
realizar a igualização das situações sociais desiguais. São, portanto, 
direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos 
do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições 
materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por 
sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo 
da liberdade. 
O surgimento e a afirmação destes direitos decorrem da evolução do 
conceito de Estado, e se explicam dentro de um contexto maior da evolução 
da própria sociedade. Inicialmente, fez-se necessário a substituição do 
Estado absolutista, aniquilador da liberdade individual, pelo Estado Liberal, 
propugnador desta mesma liberdade. No final do séc. XIX e início do séc. 
XX, entretanto, já havia se solidificado e adquirido força social uma nova 
percepção, de que a dignidade individual da maioria dos membros da 
coletividade não seria obtida com a mera omissão estatal. 
Era necessário mais, que o Estado abandonasse sua postura passiva, como 
lhe foi exigido no momento histórico anterior, e passasse a atuar 
positivamente perante a sociedade, a fim de propiciar as condições para 
que a igualdade formal então obtida fosse transformada em uma igualdade 
material, real, efetiva. 
Percebeu-se que não bastava o reconhecimento formal da igualdade e a 
garantia da liberdade individual para se assegurar um pleno 
desenvolvimento da sociedade como um todo, já que a maioria de seus 
membros não dispunha de condições reais de obter condições dignas de 
existência. Para que tal intento fosse atingido era indispensável que o 
Estado assumisse um papel atuante perante a sociedade, pois apenas o 
ente estatal, distanciado de interesses próprios, estaria apto a criar as 
condições para um efetivo desenvolvimento da integralidade dos membros 
da coletividade. Nessa nova perspectiva, impõem-se ao Estado a 
implementação de políticaspúblicas que criem as condições de igualdade 
material almejadas. Daí, porque os direitos de segunda geração são 
também chamados de direitos dos desamparados ou direitos do bem-estar. 
Com sua afirmação temos a superação do Estado Liberal pelo Estado Social, 
intervencionista na sociedade. 
É de se destacar que, logo após sua previsão nos textos constitucionais, os 
direitos de segunda geração passaram por uma crise de normatividade, 
pois sua concretização depende da implementação de políticas públicas pelo 
Estado, e isto exige a disponibilidade de vultosos recursos financeiros. Tal 
circunstância fez com que às normas que estabelecem esses programas de 
ação para o Estado (as normas programáticas) fosse negada uma real 
eficácia jurídica, já que sua aplicação – a implantação do programa de ação 
previsto – depende da existência dos recursos financeiros acima referidos. 
Ademais, a efetivação dos direitos de segunda geração requer, inúmeras 
vezes, que seja elaborada a legislação complementar à Constituição. É o 
que ocorre atualmente, por exemplo, no caso do art. 7o, I, da nossa 
Constituição, que exige a edição de lei complementar para disciplinar a 
proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa. 
Atualmente, cessou qualquer controvérsia no que toda à eficácia jurídica 
das normas que consagram os direitos de segunda geração. Em primeiro 
lugar, porque diversos direitos desta espécie não exigem regulação pela 
legislação ordinária para seu pleno exercício e, em segundo, porque mesmo 
aqueles que exigem essa complementação, a partir de sua previsão na 
Constituição, já produzem o que se chama de eficácia negativa, ou seja, a 
revogação da legislação anterior à Carta e a inconstitucionalidade daquela a 
ela superveniente que dispuserem de forma contrária ao prescrito em seu 
texto. 
Ademais, foram estabelecidos mecanismos nas Constituições 
contemporâneas justamente para conferir eficácia jurídica a todos os 
direitos fundamentais. É o que ocorre, exemplificativamente, com nossa 
Constituição, a qual, no § 1o do art. 5o estabelece o princípio da imediata 
aplicabilidade das normas que consagram os direitos fundamentais, 
dispositivo que visa a conferir uma real eficácia aos direitos fundamentais 
como um todo, em especial aos de segunda geração. 
Aonde sobre esses direitos fundamentais, trazemos lição de Vicente Paulo: 
Há que se destacar, porém, que nem todos os direitos fundamentais 
de segunda geração consubstanciam “direitos positivos”, vale dizer, 
exigência de atuação positiva por parte do Estado. 
Com efeito, a idéia geral é a de que os direitos sociais são direitos à 
prestação, direitos que se traduzem em deveres comissivos, positivos 
do Poder Público. Entretanto, essa não é uma regra absoluta, pois, 
assim como há direitos sociais à prestação positiva, temos direitos 
sociais negativos. Na nossa Constituição Federal de 1988, o direito à 
saúde, à previdência social, à assistência social, à assistência aos 
filhos até seis anos de idade, à educação etc. são exemplos de 
direitos sociais positivos. Mas temos, também, direitos sociais 
negativos, como o de liberdade sindical (CF, art. 8o) e o de liberdade 
de greve (CF, art. 9o). 
Assim, o critério para distinguir direitos sociais de direitos individuais 
não pode ser, unicamente, o critério da prestação ser positiva ou 
negativa. Pode-se dizer, então, que os direitos sociais têm como 
premissa a necessidade da promoção da igualdade substantiva, a 
proteção do mais fraco na arena social, a mudança do status quo em 
favor de quem está desfavorecido. Enfim, os direitos fundamentais 
sociais são os que expressam o intervencionismo estatal em defesa 
do mais fraco, enquanto os direitos fundamentais individuais são os 
que visam a proteger liberdades públicas. 
 
2.3) Direitos fundamentais de terceira geração (ou dimensão): 
Os direitos fundamentais de terceira geração possuem natureza 
essencialmente transindividual, porquanto não possuem destinatários 
especificados, como os de primeira e segunda geração, abrangendo a 
coletividade como um todo. São, assim, direitos de titularidade difusa ou 
coletiva, que abrangem destinatários indeterminados ou de difícil 
determinação. Vinculam-se essencialmente aos valores da fraternidade ou 
solidariedade, e são tradução de um ideal intergeracional, que liga as 
gerações presentes às futuras, a partir da percepção de que a qualidade de 
vida destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas. 
São exemplos os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao 
progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, à conservação do 
patrimônio histórico e cultural, à comunicação (para alguns, também os 
direitos relacionados à infância e juventude e os direitos do consumidor), 
entre outros. 
Duas são as origens básicas desses direitos: a degradação das liberdades, a 
deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso nocivo 
das modernas tecnologias; e o nível de desigualdade social e econômica 
existente entre as diferentes nações. 
A fim de superar tais realidades, que afetam a humanidade como um todo, 
impõe-se o reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência 
– a humanidade como um todo -, partindo-se da idéia de que não há como 
se solucionar problemas globais a não ser através de soluções também 
globais. Tais “soluções” são os direitos de terceira geração. 
 
2.4) Direitos fundamentais de quarta geração (ou dimensão) 
O Professor Paulo Bonavides defende a existência de direitos que poderiam 
ser encartados à parte, constituindo uma quarta geração de direitos 
fundamentais. Seriam os direitos à democracia, à informação e ao 
pluralismo, frutos do processo de alastramento do fenômeno democrático 
por todo o mundo.

Outros materiais

Perguntas Recentes