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A JUS HUMANIZAÇÃO DAS REL. HUMANOS NO DIR. PRIVADO

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A JUS-HUMANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES PRIVADAS: para 
além da constitucionalização do direito privado 
PLÍNIO MELGARÉ* 
Professor de Direito da PUCRS e da Faculdade São Judas 
 Tadeu, e Pesquisador e Orientador do Grupo de Pesquisa 
 Prismas do Direito Civil-Constitucional 
 
Sumário: 
1- INTRODUÇÃO; 2- ANOTAÇÕES DE 
APROXIMAÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL; 
3- AS CONDIÇÕES CONSTITUTIVAS DO 
DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA 
HUMANA; 4- A PESSOA HUMANA E A JUS-
HUMANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE 
PARTICULARES; 5- OS DIREITOS DE 
PERSONALIDADE; 6- CERTAS 
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DE 
PERSONALIDADE; 7- UM EXEMPLO DE JUS-
HUMANIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO: O 
BEM DE FAMÍLIA – LIGEIRAS ANOTAÇÕES 
DIANTE DE ALGUMAS DECISÕES 
JURISPRUDENCIAIS; 8- NOTAS MODERNO-
ILUMINISTAS E CAUSAS DO POSITIVISMO 
JURÍDICO; 9- CÓDIGOS 
JUSRACIONALISTAS; 10- CONCLUSÃO. 
 
“Restaurar a primazia da pessoa é assim, dever número um de 
uma teoria do Direito, que se apresente como a teoria do Direito Civil (...)” 
- ORLANDO DE CARVALHO 
 
 
* Mestre em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra e Palestrante de Teoria Geral 
do Direito Civil na Escola Superior da Magistratura da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito 
privado 
 
1 – INTRODUÇÃO 
O objeto deste trabalho é refletir acerca das relações entre a 
ética e o direito. E, ao considerar essa circunstância, repercutir as 
inexoráveis conseqüências trazidas por essa relação – sobretudo no campo 
das relações jurídico-privadas, avistando-se o horizonte normativo 
estabelecido pelo atual Código Civil Brasileiro (CCB) e a Constituição 
Federal. Poderíamos partir da compreensão de ética apresentada por 
VICTORIA CAMPS1, a saber: “La defensa de un ideal de humanidad por 
debajo del cual la vida es indigna y carece de calidad. La reivindicación de 
la justicia mínima para que la vida merezca el calificativo de «humana».” 
Na continuação, a mencionada autora propõe: “el reconocimiento, enfin, de 
unos derechos básicos plasmados en la Declaración Universal de Derechos 
Humanos o en las Constituciones políticas”. 
Particularmente, em relação à última parte citada, 
apresentamos uma pequena divergência – que não radical, mas sim uma 
distinção a se configurar como um acréscimo, haja vista não nos limitarmos 
a reconhecer tão-somente os direitos moldados nas Constituições ou 
Declarações de Direitos Humanos. Ademais, vincular a ética com a 
mencionada Declaração de Direitos pode acarretar uma visão individualista. 
Convergimos com o ideal da dignidade humana, tendo por base o recíproco 
reconhecimento dessa condição entre os homens. E, desde logo, 
estabelecemos uma idéia a ser desenvolvida no corpo do trabalho: o direito 
não se reduz às ordens e às palavras escritas. 
2 – ANOTAÇÕES DE APROXIMAÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL 
Inicialmente, ainda que às rápidas, necessário caracterizar 
alguns conceitos. Referimo-nos aos conceitos de ética e moral. Uma análise 
etimológica dessas duas expressões nos conduz a um ponto de 
proximidade. Senão, vejamos: moral decorre do vocábulo latino mos, que 
significa costume, uso, enquanto ética origina-se do grego ethos, êthê a 
 
1 Ética y democracia: una ética provisional para una democracia imperfecta. Revista del Centro de Estudios 
Constitucionales, n.º 06, Madri: 1990, p. 25. 
 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
2
A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito 
privado 
 
significar modo de ser, costume, caráter. Portanto, ambas expressões 
firmam suas raízes em um modo de comportamento humano. Dessa 
origem comum é que ocorre o uso das expressões como sinônimos. 
Todavia, recortamos alguma característica própria de cada 
expressão. Conforme leciona MIGUEL REALE2, a ética teria por finalidade 
precisar, ordenar os valores que instituem o comportamento humano, 
enquanto que a moral refere-se mais à posição do sujeito em face desses 
valores, ou ainda o modo pelo qual se expressam objetivamente os valores 
de como regras ou mandamentos. A moral reproduziria a materialização 
concreta da ética. Em termos de complementares, poderíamos delinear 
como objeto da ética o estudo acerca das formas de agir do homem 
consideradas por ele valiosas e, para além disso, incontornáveis. 
Nos séculos XIX e XX, descortina-se na cultura humana o 
advento das teorias dos valores – a axiologia, isto é, a ciência da 
apreciação, da estimação. Nesse quadro, aquilo que é valioso também é 
assumido como a finalidade da ética. Sem querer adentrar em toda a 
complexidade que envolve a temática dos valores, podemos pensá-los 
como qualidades que aderem a um ser, a um objeto ou a uma conduta, 
alcançadas em função de suas relações com o homem, considerado como 
um ser social. Outrossim, podemos perceber que o ser humano é 
permeável aos valores – diferentemente de outros seres que compõem o 
universo –, sendo a vida humana o campo fértil para a realização daqueles. 
O termo valor pode ser considerado a pedra de toque das 
ciências humanas. E indicam, em razão da relevância que os homens e os 
grupos sociais lhes conferem na orientação das suas relações 
intersubjetivas, algo que deve ser realizado. Destarte, prestamos livre 
curso a esta definição: A ética é a parte da filosofia que tem por objeto os 
valores que presidem o comportamento humano em todas as suas 
expressões existenciais. Daí a sua preeminência em relação à moral, à 
 
2 Variações sobre ética e moral, disponível no sítio www.miguelreale.com.br/artigo, acessado em 20/11/2003. 
 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
3
A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito 
privado 
 
política e ao direito, os quais corresponderiam a momentos ou formas 
subordinadas de agir.3
Oportuno destacarmos, na marcha da história, uma 
precedência dos preceitos normativos éticos de convivência em relação ao 
ordenamento jurídico, o qual surgiu, também, ante a necessidade de tornar 
imperativas as normas da ética. Nessa linha, podemos dizer que o direito 
constitui-se como uma exigência social da ética.4 Por via de conseqüência, 
ética e direito, embora com dimensões e contornos próprios, são realidades 
que absolutamente não se divorciam, mas, ao contrário, reciprocamente se 
complementam. E será a ética a matéria-prima a adensar o direito, 
conferindo-lhe a validade fundante exigida para a concretização da justiça. 
Ao largo da história, embora possamos até perceber uma certa 
invariabilidade dos valores, é nítida uma variação da fundamentação da 
ética, bem como de sua função, de sua validade e de seu sentido social. 
Grosso modo, encontramos: 
a) Consoante à mundividência da Antigüidade grega, o homem 
era compreendido como um pequeno cosmos, onde seriam encontrados os 
mesmos elementos formais e materiais do cosmos. O mundo em que o 
homem vivia era visto como um cosmos e boa seria aquela vida que se 
harmonizasse com a ordem cósmica. A lei cósmica da natureza seria 
também uma normativa potencial aos costumes. Daí PLATÃO, a reclamar 
que a harmonia da ordem dos corpos celestes fosse também alcançada 
pelos homens, ou os estóicos, a proclamar como preceito moral a vida de 
acordo com a natureza. Encontramos aqui o cosmos como fundamento da 
ética. 
b) No período medieval, em que há a figura de um Deuscriador do mundo e do homem, a ética assume uma fundamentação 
religiosa. Será o bem aquilo que estiver em conformidade com a vontade 
 
3 Idem, ibidem. 
4 Assim em António Arnaut. Ética e direito. Coimbra: Livraria Mateus, 1999, p.11. 
 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
4
A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito 
privado 
 
ou a razão de Deus. E seria através de sua palavra revelada que os 
homens podem conhecer a verdade ética. Estamos diante de um Deus 
criador, onipotente, e legislador, dotado de vontade e/ou de razão, e que 
preceitua os mandamentos éticos a serem seguidos pelos homens. A ética 
aparece como uma esfera dependente da religião. 
c) Tal fundamentação perdura de modo pleno até os fins do 
século XVII. A partir desse período, com o racionalismo e a laicização 
passando a permear as mais diversas esferas da vida humana, há uma 
fundamentação antropológica da ética. A ética arranca do homem, que 
pode ser visto por uma perspectiva naturalista ou autônoma. Naquela, 
parte-se do que o homem é ou demonstra ser para se atingir um certo bem 
que se aspira, que se pretende; nesta, reserva-se à autonomia humana a 
exclusividade de determinar o que seja o bem – tal como afirmava KANT. 
Os princípios da ética são pensados racionais e universais, alheios a 
qualquer crença religiosa. Afirma-se uma maximização dos deveres, o 
dever pelo dever, ou melhor dito, o amor pelo dever. Nos passos 
kantianos, uma ética do dever. 
A observação da realidade evidencia nossa atual sociedade, 
consumista e massificada, superando a fase do dever pelo dever. Hoje, 
estaríamos na situação caracterizada por GILLES LIPOVETSKY como a 
cultura do após-dever ou a sociedade pós-moralista; é dizer, fomentando 
mais os desejos, o ego, a felicidade, o bem-estar individualista, do que o 
ideal de abnegação5. Cumpre ressaltar que essa cultura atual não implica 
uma negação absoluta dos valores, ou ainda um período de indiferença 
moral. Ao contrário, afirma-se um núcleo axiológico consistente que o 
homem quer projetar em sua vida, v. g. os direitos humanos. 
Por certo que o campo de abrangência da ética é larguíssimo. 
Nada obstante, pretendemos apenas referir alguns daqueles princípios 
 
5 A era do após-dever, in A sociedade em busca de valores – para fugir à alternativa entre o cepticismo e o 
dogmatismo. org. Edgar Morin e Ilya Prigogine. Lisboa: Instituto Piaget, 1998, p. 32-37 passim. 
 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
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A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito 
privado 
 
éticos – que o jurídico culturalmente assume e assimila – valiosos para 
compor o quadro das nossas relações intersubjetivas. 
3 – ANOTAÇÕES SOBRE AS CONDIÇÕES CONSTITUTIVAS DO 
DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 
Se antes examinamos notas prévias acerca da ética, agora 
faremos algumas observações básicas sobre o direito. E o fazemos 
navegando por águas abertas pelo pensamento do Professor ANTÓNIO 
CASTANHEIRA NEVES6. Nesse norte, repercutiremos aquelas condições que 
constituem o direito, fazendo-o aflorar na realidade humana com um 
sentido e uma intencionalidade próprios. E, sinteticamente, seriam: 
a) CONDIÇÃO MUNDANAL: a ser expressa pelo fato de nós 
homens sermos muitos a viver em um único mundo, isto é, a multiplicidade 
de vidas em um único espaço. Com efeito, trazemos à baila uma elementar 
e incontornável condição: constituímos uma diversidade de vidas vividas 
em um único mundo. Conforme observou HANNAH ARENDT, estamos 
diante do fato que não um homem, senão muitos homens vivem sobre a 
terra7. Tal situação implica, de modo inexorável, uma circunstância de 
convivência, que nos põe frente a outros homens no usufruir e 
compartilhar do mesmo mundo, por meio de recíprocas relações. 
b) CONDIÇÃO ANTROPOLÓGICO-EXISTENCIAL: se 
(con)vivemos, decerto que o fazemos como homens. E, a despeito de 
nossa condição de animal político – pois já na expressão de ARISTÓTELES, 
o homem é um ser político, um zoon politikon –, somos seres dotados de 
uma insociável sociabilidade. Assim, se somos com e por meio dos outros, 
com os quais compartilhamos o mesmo mundo, não desconhecemos que 
nos é difícil viver com os outros. E, talvez adentrando em um terreno 
 
6 Em especial em O direito como alternativa humana, em Digesta – escritos acerca do direito, do pensamento 
jurídico, da sua metodologia e outros. v. 1º, Coimbra, 1995, p. 287-310 passim. E também Coordenadas de uma 
reflexão sobre o problema universal do direito – ou as condições da emergência do direito como direito, in 
Separata dos Estudos em homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço. Almedina, p. 837-871 
passim. 
7 Condition de l’homme moderne. trad. Georges Fradier. Paris: Calmann-Lévy, 1994. 
 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
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A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito 
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íntimo de nossa humana condição, não devamos desconsiderar que 
estamos diante de criaturas entre cujos dotes instintivos [há] uma 
poderosa quota de agressividade8. Acaso os dias de hoje, nos quais a 
violência recrudesce, não seriam a confirmação disso? Seríamos, pois, 
seres formados por uma disposição à agressão, a dificultar e abalar nossas 
relações. 
Tais condições colocam-nos diante de uma situação 
problemática: como conciliar, em um espaço singular, uma pluralidade de 
seres dotados de uma insociável sociabilidade? A resposta, por certo, passa 
pela construção de uma ordem social. Todavia, releva observar que nem 
todas as ordens sociais são ordens de direito. Poderia ser considerada de 
direito a ordem do apartheid sul-africano? E a ordem dos Gulags? E a 
ordem afirmada pelos campos de concentração? A resposta só pode ser 
negativa. Não pode igualmente ser considerada uma ordem de direito 
aquela em que o poder considera esse troço de matar (...) uma 
barbaridade, mas que, ao fim, pensando-se por certo em suas 
necessidades, conclui: acho que tem que ser9. 
Então, o direito surge apenas como uma opção, uma resposta 
possível ao incontornável problema posto pela nossa convivência. E se nos 
apresenta como a alternativa comprometida com uma condição ética, que 
reconheça cada homem constituído por uma autônoma eticidade, traduzida 
superlativamente pela compreensão da dignidade da pessoa humana. Aliás, 
não é sem sentido que a Constituição Federal do Brasil insculpe, no inciso 
III do seu artigo 1º, a dignidade da pessoa humana como um dos 
fundamentos da nossa República. Do mesmo modo, o Código Civil 
Brasileiro abre seu Livro I tratando... das pessoas, e proclama no artigo 1º 
que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Assim, 
independente das especificidades e pormenores que a leitura de tais artigos 
proporciona, a pessoa humana emerge como pressuposto essencial, núcleo 
 
8 Cfe. Sigmund Freud. O mal-estar na civilização. trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 
1997, p. 67. 
9 Elio Gaspari. A ditadura derrotada. 1ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 319 e seguintes. 
 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
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e vértice da normatividade jurídica. É o ser humano, ohomem-pessoa, que 
se afirma como fundamento ético substancial indisponível da ordem 
jurídica, formando a densidade jurídico-axiológica exigida por um efetivo 
Estado democrático de direito. 
A condição de pessoa há de ser compreendida e afirmada nas 
relações concretas que o homem estabelece, tanto com as outras pessoas 
(pessoa é re-latio), quanto nas relações estabelecidas com os poderes 
públicos. Outrossim, impõe-se ante qualquer contexto social ou 
circunstância particular. Nesse sentido, trazemos à baila a posição firmada 
pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro, no Processo de Extradição n.º 
633, que teve por Relator o Ministro CELSO DE MELLO, em que a República 
da China requeria a extradição de um cidadão chinês residente no Brasil: 
EXTRADIÇÃO E RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS. - A essencialidade da 
cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não 
exonera o Estado brasileiro - e, em particular, o Supremo Tribunal Federal 
- de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que 
venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por 
iniciativa de qualquer Estado estrangeiro. O fato de o estrangeiro ostentar 
a condição jurídica de extraditando não basta para reduzi-lo a um estado 
de submissão incompatível com a essencial dignidade que lhe é inerente 
como pessoa humana e que lhe confere a titularidade de direitos 
fundamentais inalienáveis, dentre os quais avulta, por sua insuperável 
importância, a garantia do due process of law. (...). É que o Estado 
brasileiro (...) assumiu, (...) o gravíssimo dever de sempre conferir 
prevalência aos direitos humanos (art. 4º, II). EXTRADIÇÃO E DUE 
PROCESS OF LAW. O extraditando assume, no processo extradicional, a 
condição indisponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser 
preservada pelo Estado a quem foi dirigido o pedido de extradição.(...). 
A nossa condição de pessoa ocorre pela justaposição do nosso 
ser pessoal em comunicação com a nossa dimensão social. Em uma relação 
dialética, a pessoa forma-se alimentada por essas duas dimensões. É como 
 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
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se a pessoa humana fosse constituída por uma fina rede entretecida por 
duas linhas: a linha singular do próprio ser (o eu pessoal) e a linha da 
socialidade (o eu social). Se há o enfraquecimento de uma dessas linhas, 
ou se uma delas se torna mais forte que a outra, a rede se desfaz, 
decompondo substancialmente a pessoa humana. Há de haver uma 
simbiose entre o eu pessoal e o eu social, que, em proporções equilibradas, 
conjugam-se e forjam a essência da pessoa humana. 
Por via de conseqüência, não se trata de algo abstrato ou a-
histórico – como se fosse um fato natural –, decorrente de enunciados 
apodíticos. Pessoa existe entre pessoas, na mediação do mundo com o(s) 
outro(s) e pelo reconhecimento do outro. Constituímo-nos como pessoa na 
medida em que nos relacionamos; fazemo-nos pessoa uns com os outros – 
o que implica, por certo, o reconhecimento do direito do outro. Ser pessoa 
não é ofício isolado, tarefa de um ser só: é um ato que se forma pelo 
reconhecimento do outro – também como pessoa –, igualmente um sujeito 
de direito, a impedir sua instrumentalização. 
A condição de pessoa não se paga e nem se apaga, afinal, a 
pessoa é valor não o tendo.10 A pessoa deve ser distinguida, identificando-
se diante e graças a indicações peculiares e reais que tornam cada ser, no 
mundo, único. E isso afasta qualquer tipo de discriminação, ao mesmo 
tempo em que possibilita a diversidade na unidade. Ademais, discordamos 
de posicionamentos que inserem a pessoa na contingência de uma massa 
humana, bem assim de qualquer visão totalitária, que, muitas vezes, sob o 
pretexto de organizar as massas, obscurece a pessoa11. Seguindo as 
 
10 Lembramos o poeta ANTONIO MACHADO: por mucho que un hombre valga, nunca tendrá valor más alto que el 
de ser hombre. 
11 A propósito, recordamos a condição daquele prisioneiro de um campo de concentração que, ao ter seu nome 
perguntado, respondeu: Vier und sechzig, neun, ein und zwanzig. Imre Kertész. Sem destino. trad. Paulo Schiller. 
São Paulo: Planeta, 2003. p. 136. Não por acaso, o regime nazista tinha por princípio a seguinte afirmação: Tu não 
és nada; tu Povo és tudo. E, por essa via, anulava-se o sentido humano da pessoa, que deixava de ter sentido em si 
mesmo. Nesse sentido, ver Hans Hattenhauer. Los fundamentos historico-ideologicos del derecho aleman – entre 
la jerarquia y la democracia. trad. Miguel Macias-Picavea. Madri: Editoriales de Derecho Reunidas, 1981, p. 323 
e seguintes. 
 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
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A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito 
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distinções propostas por MIGUEL REALE12, situamo-nos nos quadros do 
chamado personalismo – personalismo ético, se dissermos com KARL 
LARENZ, a implicar uma relação jurídica fundamental de respeito mútuo.13 
Tudo, decerto, vinculado ao sentido da própria compreensão de seres 
humanos, colorida por nossas experiências históricas. 
Correlata a essa compreensão de pessoa, que em nenhum 
momento se compagina a qualquer visão individualista, emergem dois 
deveres: o de solidariedade – v. g. os direitos humanos de segunda 
dimensão – e o de responsabilidade – a se traduzir significativamente pelo 
dever de sermos responsáveis pelo(s) outro(s) e pelo mundo. 
Responsabilidade, portanto, não será apenas responder pelas 
conseqüências diretas dos nossos atos, senão cuidar do outro, 
reconhecendo-o como uma pessoa; enfim, um dever pela existência da 
humanidade – acaso não é isso o proclamado direito das futuras gerações? 
Como se as nossas mãos se estendessem, abrissem as portas do futuro 
para encontrar, do outro lado, um outro homem – a esperar a continuidade 
do mundo que construímos, afirmado pelo direito que queremos. Pelo que, 
ser pessoa é ser sujeito de direitos e, também, de deveres. 
Ao referirmo-nos ao dever de solidariedade, não o pensamos 
como um dever afirmado pelos fins perseguidos pelo Estado, que acabam 
por obscurecer totalitariamente a pessoa humana. Tampouco uma 
solidariedade buscada para atender fins específicos de algum grupo social, 
que queira se sobrepor aos pleiteados pelo amplo desenvolvimento 
humano. De fato, nos quadros da normatividade constitucional, 
compreendemos o dever de solidariedade como correlato ao princípio da 
igualdade e da equivalente dignidade social.14 Postula-se um dispositivo 
que conceda a cada um o direito ao respeito inerente à qualidade de ser 
 
12 Filosofia do direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 277-279 passim. 
13 Derecho civil – parte general. trad. Miguel Izquierdo y Macías-Picavea. Madri: Editorial Revista de Derecho 
Privado, 1978, p. 44 e seguintes. 
14 Cfe. Pietro Perlingieri. Il diritto civile nella legalità costituzionale. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1991, 
p. 168. 
 
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humano, e, além disso, a pretensão de ser posto em condições idôneas a 
cumprir as próprias inclinações pessoais assumindo a posição a estas 
correspondentes.15
Anotamos, recolhendo a seiva reflexiva de HANS JONAS, o 
entendimento segundo o qual a ética – que para nós é uma dimensão aconstituir o direito, oferecendo seu real sentido –, há de se preocupar com 
o homem e com a sua vida concreta, reconhecendo que o primeiro dever 
de comportamento humano coletivo é o futuro dos homens.16 Com efeito, 
essa dignidade constituinte da pessoa é reconhecida no diálogo relacional – 
não esqueçamos: pessoa é relação –, na troca de razões e sentidos 
experienciados pelos homens no horizonte dinâmico da história. Somos 
seres comunicáveis e comunicantes, e, por meio do discurso e da ação, 
comunicamo-nos como pessoas, na presença do outro não como mero ob-
jectum, mas desvelando nossa identidade como sujeitos. O diálogo surge-
nos como um dever, constituído pela disposição de compreensão do outro. 
Deste modo, subscrevemos a sentença de JULIEN FREUND: Au surplous, il 
n’y a pas non plus des liberté et de justice sans reconnaissance de l’homme 
par l’homme.17 Nessa atitude, distinguimo-nos e afirmamos nossa 
singularidade ante nossa plural coexistência18 – ou, noutras palavras, 
afirmamos reciprocamente nossa diferença ante nossa igualdade. Ao fim e 
ao cabo, postulamos como sendo uma ordem de direito aquela que 
afirmativamente enxerga e compreende o longo mar de rostos que enche a 
terra de humanidade.19 
4 – A PESSOA HUMANA E A JUS-HUMANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES 
ENTRE PARTICULARES 
 
15 Idem, ibidem, p. 169. 
16 El principio de responsabilidad. trad. Javier Fernández Retenaga. Barcelona: Herder, 1995, p. 227 e seguintes. 
17 L’essence du politique. Paris: Sirey, 1965, p. 699. 
18 Com Hannah Arendt, diríamos: La parole et l’action révèlent cette unique individualité. C’est par elles que les 
hommes se distinguent au lieu d’être simplement distincts(...) Sem deixarmos de lembrar, ainda com Arendt, que: 
C’est par le verbe et l’acte que nous nous insérons dans le monde humain (...). Condition de l’homme moderne. 
trad. Georges Fradier. Paris: Calmann-Lévy, 1994, p. 232 e seguintes. 
19 José Saramago. Os portões que dão para onde?, in A bagagem do viajante. São Paulo: Companhia das Letras, 
1999, p.72. 
 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
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A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito 
privado 
 
O situar da pessoa humana como pedra angular do 
ordenamento jurídico implica compreender o direito a partir de um núcleo 
normativo ético-axiológico fundamental. Esse núcleo – sobre o qual o 
direito, em sua integralidade, radica20 – afirma-se como um elevado fator 
de justificação, a regular vinculativamente os sujeitos no mundo que 
compartilhamos, independente de qualquer condição singular desses 
sujeitos. Portanto, há de estremar tanto as relações dos particulares entre 
si, quanto as relações destes com o Estado. 
Pensamos ser a inteligibilidade desse núcleo ético-axiológico, 
desvelado pelo sentido da pessoa humana, que afirma sobremaneira a 
confluência do direito público e do direito privado21. 
Tradicionalmente, a divisão do direito em público e privado 
estabelecia-se: 
a) em razão da natureza dos sujeitos da relação jurídica – o 
direito público regularia as atividades do Estado, enquanto que o direito 
privado disciplinaria as relações entre particulares; 
b) em razão da natureza do interesse presente na relação 
jurídica – o direito público visaria a proteger os interesses do Estado, 
enquanto que o direito privado protegeria os interesses do particular; 
c) pela forma da relação jurídica – se a relação fosse de 
subordinação, estaríamos diante do direito público, se a relação fosse de 
coordenação, em que as partes ocupam um mesmo plano relacional, 
falaríamos em direito privado. 
Os critérios acima elencados, ante a percepção da realidade, 
mostram-se insuficientes. Basicamente, a estrutura e a dinâmica social 
 
20 Benemérito de menção, o estudo sobre a dignidade da pessoa humana e suas implicações no universo jurídico, 
da Doutora Maria Celina Bodin de Moraes, p105-147, in Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 
org. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 
21 Sobre a dicotomia público/privado, sublinhamos o relevante estudo de Eugênio Facchini Neto, intitulado 
Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado, in Constituição, direitos 
fundamentais e direito privado. org. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 
 
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contemporâneas impuseram alterações no quadro da distinção 
público/privado. Em nossas complexas sociedades, torna-se extremamente 
difícil distinguir, de modo inequívoco e apriorístico, os interesses 
particulares e dos públicos. A dicotomia público/privado acentuou-se em 
um período histórico no qual se afirmavam os postulados do absenteísta 
Estado liberal22. Com a superação desse tipo de Estado ocorreu, 
progressivamente, uma inter-relação entre as esferas públicas e privadas. 
De outra banda, o poder imperial do Estado passou a sofrer 
limitações23 e, conseqüentemente, as relações travadas com os particulares 
cada vez mais passaram a se dar de modo isonômico. A essência da 
relação entre os particulares e o Estado contemporâneo não se caracteriza 
pela subordinação ilimitada daqueles aos poderes – ou ao arbítrio – deste. 
Ao contrário, firma-se um pacto, chancelado pela ordem constitucional, em 
torno da promoção e do pleno desenvolvimento autônomo das pessoas. O 
Estado assume o papel de tutela dos direitos fundamentais, bem como, 
através de políticas públicas, a tarefa de promovê-los – o que, inclusive, 
fundamenta e justifica sua intervenção.24
A onda democratizante, vivenciada pelo mundo ocidental no 
último século, e que varreu do mapa arcaicas ordens ditatoriais,25 
igualmente contribuiu para a aproximação entre o espaço público e o 
privado. A idéia veiculada pela democracia, desde suas origens, traz 
consigo uma exigência: que a administração dos assuntos públicos seja de 
competência pública – ou exercida diretamente pelos cidadãos, ou através 
de seus representantes. Mas isso não significa que a vida e os assuntos 
particulares enclausurem o indivíduo em torno de si mesmo, como se o 
público e o privado constituíssem dois hemisférios incomunicáveis da 
 
22 Ver Francisco Amaral. Direito Civil – introdução. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.. 69. 
23 A corroborar o afirmado, observamos o fenômeno da contratualização da lei, ou seja, o fato de, no processo de 
formação da lei, não mais se constatar um ato de soberania estatal, mas o acordo prévio de grupos organizados da 
sociedade civil, forjando um tipo de contrato, conforme bem sublinha Ricardo Lorenzetti. Fundamentos do direito 
privado, trad. Vera Jacob de Fradera, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 58. 
24 Sobre esse tema, ver Pietro Perlingieri, op. cit. p. 111 e seguintes. 
25 Como exemplo dessa onda, referimos: a Revolução dos Cravos, em Portugal, a queda das ditaduras latino-
americanas e dos regimes que dominavam os países do leste europeu. 
 
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sociedade. Essa circunstância, por promover demasiadamente os interesses 
individuais, arriscaria a integridade da nossa tessitura social, possibilitando 
a abertura de severas fendas na arquitetura sociodemocrática. Muitas 
vezes, os interesses particularespodem afetar bens coletivos, reclamando 
a intervenção pública.26 Por conseguinte, as democracias contemporâneas 
incorporam em seu campo normativo diversos aspectos da vida 
individual.27
Percebe-se, portanto, um suavizar das fronteiras demarcatórias 
das áreas do direito, sem suprimir, todavia, a clássica distinção entre o 
público e o privado. Por via de conseqüência, não há de ser o direito 
exclusivamente público ou privado, pois há apenas uma fluida linha entre 
os pólos públicos e privados. 
Pelo visto e ponderado, importa que tenhamos o direito 
lastrado por uma perspectiva material, a se constituir como uma ordem de 
validade – que não é dada apenas pela análise das leis, mas, antes e 
sobretudo, pelos princípios constituintes da normatividade jurídica. 
Princípios que se encontram, no mais das vezes, reconhecidos pela ordem 
constitucional, alcançando a todas as relações intersubjetivas normatizadas 
pelo direito – inclusive as relações de direito privado. 
Com efeito, aportaríamos no que se tem denominado por 
constitucionalização do direito privado, isto é, o recepcionar de certos 
direitos em normas fundamentais, reconhecendo-os e tornando-os 
indisponíveis ao legislador ordinário. A perpassar tal compreensão está a 
superação de um puro liberalismo estatal, bem como a correlata visão 
constitucional do Estado liberal. Rigorosamente, queremos dizer a 
 
26 É o caso, por exemplo, do direito ambiental, onde, com base em uma mera suspeita de dano ambiental, sujeita-
se o particular à realização de estudo de impacto ambiental. 
27 Observamos outro fato que brota em muitas democracias de hoje: atendendo-se ao postulado da transparência, 
muitos assuntos de ordem privada irrompem a seara pública. Aliás, não foi esse um dos problemas enfrentados 
pelo personagem Coleman Silk em seu envolvimento com a faxineira Faunia Farley? (Philip Roth. A marca 
humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2002). Para não ficarmos somente na ficção, lembraríamos o suposto 
caso do Príncipe com o mordomo e o do Presidente com a estagiária. 
 
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superação de um Estado de direito liberal, a se forjar, acompanhando 
sinteticamente o escólio de GOMES CANOTILHO, através da:28
a) minimização do Estado; 
b) não-intervenção estatal nos domínios socioeconômicos; 
c) submissão das atividades políticas e dos poderes públicos 
aos desígnios e interesses da economia. 
Outrossim, implica a superação de um paradigma constitucional 
perspectivado: 
a) apenas pela limitação racional do poder político; 
b) pela pretensão constitucional de tão-somente disciplinar e 
organizar os órgãos estatais; 
c) pela afirmação de direitos e liberdades de caráter individual 
a serem opostos pelos cidadãos perante o Estado.29
Em contrapartida, afirma-se um Estado democrático de direito 
material, substancialmente comprometido com efetivação da justiça, no 
qual a Constituição, expressando um pacto entre a deliberação política e o 
propósito do direito, com suas autonomias e especificidades próprias, 
afirma-se como um real estatuto jurídico do político,30 consolidando uma 
efetiva ordem democrática. O ethos dessa tipologia estatal radica no 
postulado de uma existência em harmonia à dignidade humana, pois, em 
uma democracia, a sociedade há de ser solidária com os seus integrantes, 
 
28 Direito Constitucional. 5ª ed. 2ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 1992, p. 76. 
29 Releva sublinhar que tal modelo de Estado influenciava a compreensão, e, por via de conseqüência, a regulação 
das relações entre os particulares. Assim, afirmava-se a plena autonomia das partes, não se aceitando a revisão dos 
contratos, a serem interpretados no sentido da intenção das partes, bem como afirmava soberanamente a 
responsabilidade civil subjetiva. De fato, pretendia-se uma plena liberdade contratual, cimentada em uma 
igualdade formal. Contudo, ante a realidade social, tal liberdade contratual do direito converter-se-ia em... 
escravidão contratual na sociedade. O que, segundo o direito, é liberdade, volve-se, na ordem dos factos sociais, 
em servidão. (Gustav Radbruch. Filosofia do direito. trad. Luis Cabral de Moncada. 6ª ed. Coimbra: Armenio 
Amado, 1979, p. 288) 
30 Conforme a consagrada expressão do Professor António Castanheira Neves. A revolução e o Direito, em 
Digesta. v. 1º, Coimbra, 1995, p.234. 
 
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afirmando-se a exigência che anche il singolo debba garantire ad ogni altro 
un’esistenza degna31. 
Ora bem, estávamos a falar do reconhecimento de certos 
princípios éticos pela ordem constitucional. Sem espaço para dúvidas, 
conforme percebeu a inteligência penetrante de PONTES DE MIRANDA, a 
passagem dos direitos e liberdades às Constituições representa uma das 
maiores aquisições políticas da invenção humana. Invenção da 
democracia.32 Contudo, ressaltamos que estamos apenas e tão-somente 
perante um processo de reconhecimento de certos valores por um Poder. 
Falou-nos PONTES DE MIRANDA de passagem, ou seja, de algo que 
transita de um lugar para outro – como se os valores passassem de um 
patamar supra-positivo para o estalão constitucional. Quer isso dizer que 
não é o Poder a instância criadora de tais princípios e valores superiores. 
Pensar de tal forma seria, no mínimo, desconhecer – ou desconsiderar – o 
complexo processo histórico de formação dos direitos humanos e dos 
direitos fundamentais. Impende, isto sim, observar a harmonia entre 
valores ético-culturais caracterizadores uma época, com a expressão do 
poder político e a própria positivação do direito. 
De fato, referimo-nos a certos princípios – princípios 
normativos – que se referem à essencial intencionalidade do direito, ao 
essencial núcleo normativo ético-axiológico fundamental que, ao fim e ao 
cabo, caracteriza e constitui o direito como direito. Em termos de 
exemplos, lembraríamos o princípio da isonomia, da legalidade, da ampla 
defesa, da presunção de inocência, da liberdade de expressão, da liberdade 
religiosa, do devido processo legal e, sobretudo, o princípio da dignidade da 
pessoa humana. Tais princípios enriquecem a experiência humana, tendo 
validade por sua própria força normativa,33 independente de qualquer 
reconhecimento formal por parte do Poder: são aqueles padrões a serem 
 
31 Cfe. Franz Wieacker, Diritto privato e società industriale. trad. Gianfranco Liberati. Napoli: Edizioni 
Scientifiche Italiane, 2001, p. 58. 
32 Democracia, liberdade e igualdade – os três caminhos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1945, p. 37. 
33 Cfe. Paul Ricoeur. O justo ou a essência da justiça. trad. Vasco Casimiro. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 149. 
 
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observados em razão de alguma exigência de justiça, eqüidade ou alguma 
outra dimensão de eticidade. 
Nesse sentido, quer nos parecer que a expressão 
constitucionalização do direito privado pode dar margem a uma idéia 
reducionista da leitura e da concretização exigidas atualmente na seara do 
direito privado – o nome não corresponde ao que é nominado, pois a 
efetividade de tais princípios independe da vontade do legislador 
constituinteem reconhecê-los. Afinal, seriam apenas os valores expressos 
pelo legislador constituinte que devem informar o sistema como um todo?34 
Sustentamos que não. Para tanto, basta pensarmos o seguinte: e se o 
legislador constitucional brasileiro de 1988 não houvesse 
constitucionalizado o princípio da isonomia, significaria que tal princípio não 
valeria no Brasil? E se não estivesse escrito no inciso III, do artigo 1º que a 
dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República 
Federativa do Brasil? E se no inciso II, do artigo 4º não constasse a 
referência aos direitos humanos? Significa que as nossas relações não 
estariam fundadas sobre o lastro axiológico da dignidade da pessoa 
humana e dos direitos humanos? 
Não estamos a negar a existência de um processo de 
constitucionalização do direito privado, de um modo geral, e, 
particularmente, do direito civil. Um ligeiro passar de olhos sobre a 
Constituição brasileira é suficiente para que isso se evidencie. Senão, 
vejamos: o inciso X do artigo 5º preceitua a reparação do dano moral, bem 
como estabelece a inviolabilidade da vida privada, da imagem e da honra 
das pessoas; o art. 226 estabelece os princípios institucionais da família, e, 
em seu parágrafo 3º, reconhece a união estável entre o homem e a mulher 
como entidade familiar. Com efeito, advogamos, para além da 
constitucionalização, uma efetiva e substancial jus-humanização do Direito 
Civil, cujo sentido será caracterizado pela densidade material dos princípios 
 
34 Cfe. Maria Celina Bodin de Moraes, op. cit., p. 107. 
 
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normativos, escritos ou não,35 e que oferecem o sentido axiológico-
normativo da resposta do direito aos casos concretos que postulam a sua 
mediação. 
Na esteira do considerado, alcançamos o ponto concernente à 
legitimidade constitucional. E, nesse terreno, pensamos em um 
fundamento de validade material, em que não basta o manto da mera 
legalidade ou da simples positivação de um poder. Ao contrário, a 
legitimidade constitucional deve fixar-se sobre a correspondência da 
Constituição com o estrato axiológico de uma cultura em um certo 
momento histórico. Noutros termos, propugnamos que o critério de 
validade de uma Carta Magna caracteriza-se pela sua adequabilidade à 
respectiva compreensão de justiça de um dado ciclo histórico-cultural. 
Decerto que isso nos remete a uma instância que ultrapassa o próprio 
texto. Como noutro espaço sustentamos,36 uma Carta Constitucional não se 
autofundamenta, mas, antes e sobretudo, envia-nos a um nível axiológico 
substancial que a transcende. O que nos leva a posicionar,37 agora em um 
âmbito mais específico, a seguinte questão: o direito civil encontra em uma 
Constituição o último ou penúltimo critério de sua normatividade?38
De outra parte, não se deve incorrer no equívoco de pensar a 
Constituição como diretriz ou fundamento exclusivo da juridicidade39 – ou 
ainda critério jurídico-político exclusivo para a atividade jurisdicional. A 
história deve sempre nos lembrar – até porque isto não nos é muito 
distante – que ordens arbitrárias também possuem Constituições; que é 
 
35 Segundo o magistério de Orlando de Carvalho: o Direito não é simplesmente a letra dos dispositivos (...); é 
também o que está para além dos dispositivos – quer se trate de princípios informadores das disposições 
existentes, quer de disposições ainda inexistentes ou não postas. A teoria geral da relação jurídica – seu sentido e 
limites. 2a ed. Coimbra: Centelha, 1981, p 50. 
36 Juridicidade: sua compreensão político-jurídica a partir do pensamento moderno-iluminista. Coimbra, 2003, p. 
139. 
37 A questão acima, embora noutro contexto, é feita pelo Professor António Castanheira Neves, Digesta – escritos 
acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. v. 2º, Coimbra, 1995p. 408. 
38 Lembramos a palavra de Gustavo Zagrebelsky, no discurso proferido em homenagem ao XX aniversário do 
Tribunal Constitucional Português, em 28/11/2003: As Cartas Constitucionais são de facto uma garantia, mas não 
a última, apenas a penúltima. E, citando Joseph De Maistre, lembra: Uma constituição escrita é um concurso 
sempre aberto a quem escrever uma melhor. 
39 Tratamos com mais vagar desse tema em Juridicidade: sua compreensão político-jurídica a partir do 
pensamento moderno-iluminista. Coimbra, 2003, p. 134 e seguintes. 
 
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formalmente possível a uma Constituição estabelecer o sacrifício de alguma 
etnia ou alguma ordem discriminatória que viole os direitos de uma 
minoria. Outrossim, há Constituições de ruptura, a expressar, mesmo com 
apoio da vontade popular, ordens ideológicas excludentes e totalitárias. 
Com efeito, o que sustentamos, portanto, é uma axiologia superior e 
transpositiva do direito, em que o absoluto não [seja] a constituição, [mas] 
absoluto [seja] o direito.40
5 – OS DIREITOS DE PERSONALIDADE 
Decorrente da jus-humanização supra-referida, que reconhece 
a pessoa humana como núcleo axiológico do direito,41 encontramos no 
Código Civil Brasileiro, de modo inovador, um capítulo destinado aos 
direitos de personalidade. O reconhecimento desses direitos encontra-se 
historicamente vinculado à compreensão ética do ser humano como um 
sujeito de direitos, portador de uma dignidade intrínseca. Nada obstante a 
possibilidade de encontrarmos remotas raízes jurídicas de proteção ao 
homem e de sua personalidade, a Segunda Guerra Mundial, a barbárie 
produzida pelo nacional-socialismo, bem como o advento de outras 
cruentas ordens totalitárias e ditatoriais, evidenciaram o largo horizonte de 
possibilidades de desprezo à dignidade humana e à sua personalidade. 
Demais disso, descortinou-se, no panorama das relações intersubjetivas, 
que essas possibilidades podem igualmente ser efetivadas não apenas pelo 
Estado, mas também por parte de sujeitos particulares – e hoje, com o 
desenvolver da tecnologia, acentua-se essa possibilidade. Assim, impõe-se 
a plena afirmação dos direitos da personalidade e sua ampla tutela jurídica, 
a se estender tanto no âmbito das relações do direito público quanto do 
direito privado.42
 
40 Cfe. René Marcic apud Castanheira Neves, op. cit. p. 325. 
41 Vale lembrar a alteração do Código Civil de 2002, que em seus dois primeiros artigos substitui a palavra 
homem, utilizado pelo Código de 1916, pela expressão pessoa. Tal alteração não é apenas de forma, senão que de 
substância, ante a compreensão da expressão pessoa humana, cuja situação basilar é relacional – se é pessoa entre 
outra(s) pessoa(s), em lugar do indivíduo isolado em si mesmo e em seus próprios interesses. 
42 Assim, por exemplo, dentre tantos, Luis Díez-Picazo e Antonio Gullon. Sistema de Derecho Civil, v. 1, 9ª ed., 2 
ª reimpressão, Tecnos: Madri, 2000, p. 324. Como nota de circunstância, vale a lembrança do escólio de Pontes de 
 
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Decorrentes, pois, da dignidade da pessoa humana, valor-fonte 
do direito, valendo-nos de uma feliz expressão de MIGUEL REALE,43 
podemos entender por direito geral da personalidade um certo número de 
poderesjurídicos pertencentes a todas as pessoas, por força do seu 
nascimento.44 Ou ainda, segundo a tradicional lição de ADRIANO DE CUPIS, 
os direitos de personalidade são direitos essenciais, sem os quais a 
personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, 
privada de todo o valor concreto.45
Importa sublinhar a presença de um superior patamar 
axiológico composto pela incontornável compreensão da pessoa humana e 
a substancial realização dos direitos que dela emanam, fundamentante da 
ordem jurídico-positiva. Os direitos de personalidade apresentam uma 
plena abertura normativa, dúctil, cuja extensão há de permitir o abranger 
da complexa pluralidade existencial do ser humano. Por via de 
conseqüência, não se esgotam nos enunciados aprioristicamente descritos 
nos textos legais, é dizer, não há de se pretender um inventariar exaustivo 
dos direitos da personalidade. Inclusive, essa posição – a da não-tipificação 
exaustiva dos direitos da personalidade – parece-nos ter sido adotada pelo 
Código Civil Brasileiro (CCB), haja vista ali estarem traçados seus princípios 
reitores fundamentais.46
A elevação da dignidade da pessoa humana como um dos 
fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme referimos, marca 
indelevelmente em nossa normatividade jurídica uma cláusula geral da 
personalidade, segundo a qual la tutela della personalità si può considerare 
 
Miranda, que o direito da personalidade como tal, que tem o homem, é ubíquo: não se pode dizer que nasce no 
direito civil, e daí se exporta aos outros ramos do sistema jurídico, aos outros sistemas jurídicos e ao sistema 
jurídico supra-estatal; nasce, simultâneamente, em todos. Tratado de Direito Privado. Tomo VII. 3ª ed. Rio de 
Janeiro: Borsoi,1971, p. 13. 
43 O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 100. 
44 Conforme Carlos Alberto da Mota Pinto. Teoria Geral do Direito Civil. 3ª ed. Coimbra, 1999, p. 206. 
45 Os direitos da personalidade. trad. Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro. Lisboa: Livraria Morais, 
1961, p.17 
46 Cfe. Moreira Alves, (...) se abriu um capítulo para os direitos da personalidade, estabelecendo-se não uma 
disciplina completa, mas os seus princípios fundamentais. A parte geral do projeto de Código Civil. Revista do 
Centro de Estudos Judiciários – Conselho da Justiça Federal, no. 09, set/dez. 1999, Brasília, p.08. 
 
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unitaria, non definita, senza limiti, elastica, adattabile quanto piú possibile 
alle situazini concrete ed alle condizioni culturali, ambientali nella quali essa 
si realizza.47
Da noção geral e aberta do direito de personalidade – cujo 
objeto é o seu próprio sujeito, é a Pessoa mesmo,48 que visa a preservar os 
bens essenciais e básicos da pessoa concretamente considerada,49 em sua 
relação consigo e aquelas estabelecidas com o mundo e a(s) outra(s) 
pessoa(s), tanto em sua dimensão psico-física quanto moral, amparando o 
seu autônomo desenvolvimento –, desdobram-se alguns direitos especiais 
de personalidade, v. g., o direito ao nome (art. 16 do CCB), ao pseudônimo 
(art. 19 do CCB), à imagem (art. 20 do CCB e inciso X, art. 5º da 
Constituição Federal), à intimidade (art. 21 do CCB e inciso X, art. 5º da 
CF).50 Aceita-se, deste modo, um direito geral de personalidade, referente 
à proteção da dignidade e individualidade humanas, e direitos especiais de 
personalidade, que possuem um objeto específico.51 De fato, estabelece-se 
uma relação entre a cláusula geral e os direitos especiais de personalidade, 
na qual aquela, como a célula mater dos direitos de personalidade, 
fundamenta e oferece o sentido destes.52 Ante a impossibilidade de se 
 
47 Pietro Perlingieri, op. cit., p. 325. 
48 Cfe. Orlando de Carvalho, Para uma teoria da pessoa humana, in O homem e o tempo – liber amicorum para 
Miguel Baptista Pereira. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 1999, p. 542. 
49 Ao referirmos a pessoa concreta, pensamos na superação de um sentido exclusivamente técnico da pessoa (...) 
quando o sujeito faz parte das relações jurídicas como um elemento, o que significa chegar à própria negação da 
existência de direitos subjetivos das pessoas. Luiz Edson Fachin. Teoria crítica do Direito civil- à luz do novo 
Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 99. Pensar dessa forma impulsiona a uma separação do 
direito em relação ao mundo vivido – acaso não seria esse um dos pilares da pandectística? –, como que se a 
pessoa dependesse do reconhecimento do legislador para ser titular de direitos e ver seus direitos fundamentais 
assegurados. Pessoa concreta é a pessoa de carne e osso, que vive e sente, e, que, em sua vida, é capaz de amar e 
de sofrer, el que come, y bebe, y juega, y duerme, y piensa, y quiere: el hombre que se ve y a quien se oye, el 
hermano, el verdadero hermano. (...). [Enfim], yo, tú, lector mío: aquel outro de más alla, cuantos pisamos sobre 
la tierra. Miguel de Unamuno. Del Sentimiento Trágico de la Vida. 3a reimpressão, Madri: Alianza, 2001, p. 21-
22. E esse homem, essa pessoa, assim considerado, há de ser o sujeito e a preocupação máxima de todo o Direito e 
do Estado democrático, comprometido com uma igualdade material. Afinal, com Orlando de Carvalho, diríamos: 
É o ser humano, é a Pessoa que se tem de tomar a sério. op. cit., p. 545. 
50 Desses exemplos, recortamos duas esferas sobre as quais incidem os direitos de personalidade: uma esfera 
material e outra imaterial. 
51 Na mesma direção, e aprofundando a dimensão histórica dos direitos de personalidade, ver Helmuth Coing. 
Derecho privado europeo. vol. II. trad. Antonio Pérez Martín. Madri: Fundación Cultural del Notariado, 1996, p. 
355 e seguintes. 
52 Sobre essa relação, vide a obra de Rabindranath Capelo de Sousa. O direito geral de personalidade. Coimbra, 
1995 p. 557 e seguintes. 
 
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esgotar na letra da lei o âmbito da personalidade merecedora de tutela, a 
cláusula geral de personalidade oferece aos operadores do direito um 
elemento seguro e racionalmente justificável para a proteção concreta da 
pessoa. Se no caso decidendo não houver a violação específica de um 
direito de personalidade, recorre-se ao direito geral de personalidade para 
salvaguardar a substancial proteção da pessoa humana.53
À vista do ponderado, a tutela da personalidade exsurge na 
constituenda normatividade jurídica perspectivada pela dimensão onto-
axiológica do ser humano. Nesse norte, pleiteia o direito de cada pessoa 
constituir uma vida existencial própria – inclusive o direito de ser 
diferente,54 de ver reconhecidas as diferenças –, sendo a pessoa o sujeito 
do direito em um mundo de inter-relações com outros iguais sujeitos. 
Nesse quadro, compete àquele que é chamado a dizer o direito, ante a 
problemática suscitada pelo caso concreto, nomeadamente na seara dos 
direitos da personalidade, orientar sua decisão no sentido de atender as 
 
53 Sobre o tema, ver Karl Larenz. Derecho Civil – parte general. trad. Miguel Izquierdo y Macías-Picavea. Madri: 
Revista de Derecho Privado, 1978, p. 164-165 passim. 
54 Conforme destaca Erik Jayme, a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, (...), criou o conceitode direito 
fundamental da pessoa à protecção do seu estilo de vida. Pós-modernismo e direito da família, in Boletim da 
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXVIII, ano 2002, p.210. Esse entendimento decorre da 
inteligência das disposições normativas que tutelam a vida privada – tal-qualmente estabelece o inciso X, do artigo 
5º da Constituição Federal brasileira. Assim, nasce o dever de reconhecer o estilo de vida decorrente das 
autônomas opções de cada pessoa – v. g. as opções sexuais –, afirmando-se o direito das minorias, amparando-o 
juridicamente e apartando das relações sociais quaisquer traços discriminatórios. Ilustrativo, na esteira do 
considerado, a seguinte decisão: União homossexual. Reconhecimento. Partilha do patrimônio. Meação 
paradigma. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo 
e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, 
são realidades que o Judiciário não pode ignorar, (...), buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos 
princípios gerais do direito, relevado sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da 
igualdade.(...). Agravo de Instrumento 70001388982. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sétima Câmara 
Cível. Relator: Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis. Data de julgamento: 14/03/2001. O reconhecimento 
do direito à diferença independe da aceitação social de uma maioria, pois decorre da própria autonomia pessoal e, 
em última sede, da dignidade humana. Assim, os comportamentos tidos por diferentes, refletindo as opções das 
minorias, desde que não ofensivos à ordem pública, devem receber a tutela das instâncias jurídicas, sob pena de o 
direito se transformar em uma barreira à projeção de novos valores na vida social, circunavegando nas paradas 
águas da insensibilidade. E, por fim, o direito à diferença não pode resultar em uma ... indiferença. Como bem 
observou o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, é bom lembrar, pois freqüentemente esquecido, a 
sociedade, o Estado e o Direito existem em função da pessoa humana, de sua felicidade e realização plenas, cuja 
efetivação só não pode realizar-se com o sacrifício do outro, individual ou coletivo. Embargos Infringentes 
70000080325 – 4º Grupo de Câmaras Cíveis. Tribunal de Justiça do RS. Revista de Jurisprudência do Tribunal de 
Justiça do Rio Grande do Sul, 200/ junho de 2000. 
 
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singulares e reais especificidades existenciais do titular do direito de 
personalidade ameaçado ou lesado.55
6 – CERTAS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DE 
PERSONALIDADE 
Os direitos de personalidade, distinguindo-se, pois, de outros 
direitos subjetivos, apresentam características próprias. Algumas dessas 
características são nominadas no próprio art. 11 do CCB.56 Isso posto, 
veremos, em duas ou três palavras, os seguintes elementos distintivos dos 
direitos de personalidade: 
a) Intransmissíveis: em razão da própria essência dos direitos 
de personalidade, segundo a qual os bens jurídicos da personalidade 
humana física e moral constituem o ser do seu titular,57 nasce uma 
incontornável vinculação dos próprios direitos com o seu titular – os 
direitos de personalidade não se separam de seu titular. Dessa forma, há, 
por princípio, a impossibilidade de se ceder, alienar, onerar, sub-rogar, 
transmitir ou outorgar um direito de personalidade. Inerente à idéia de 
transmissão, está a de uma pessoa pôr-se no lugar de outra. Logo, caso 
fosse possível a transmissão, o direito não seria personalidade,58 porquanto 
personalidade não se transmite, não havendo alteração de seu titular. 
b) Irrenunciáveis: do mesmo modo que a intransmissibilidade, 
a irrenunciabilidade é uma das características dos direitos de 
personalidade. Dada a sua essencialidade, não se pode renunciar aos 
direitos de personalidade; é dizer, não se pode desistir, nem eliminar os 
direitos de personalidade. Os direitos de personalidade não podem ser 
perdidos durante a existência de seu titular. Todavia, tanto a 
 
55 Nesse diapasão, modelar a jurisprudência portuguesa que assim pronunciou: O julgador, ao aplicar a lei no 
âmbito do direito de personalidade, não deve atender a um tipo humano médio, ao conceito de cidadão normal e 
comum, antes deve ter em conta a especial sensibilidade do lesado, como é na realidade. apud Rabindranath 
Capelo de Sousa, op. cit., p. 117. 
56 Dispõe o citado artigo: Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são 
intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. 
57 Rabindranath Capelo de Sousa, op. cit., p. 402. 
58 Cfe. Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. Parte especial. Tomo VII, 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 
1971, p.07. 
 
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intransmissibilidade quanto a irrenunciabilidade não obstam uma possível 
limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade, desde que 
não se firam os princípios fundantes da ordem pública.59
c) Indisponíveis: Compreendida a natureza essencial dos 
direitos de personalidade, percebe-se que, por regra, a indisponibilidade os 
chancela. Assim, ao seu titular não será juridicamente possível estabelecer 
uma outra meta ou um outro rumo ao seu direito. Não obstante o 
afirmado, há uma abertura, inclusive de ordem legal, que possibilita o 
amenizar, o abrandar, dessa característica. Rigorosamente, poderíamos 
dizer que há uma indisponibilidade temperada, haja vista aquelas situações 
em que licitamente se possibilita ao sujeito ativo do direito de 
personalidade dispor sobre o objeto de seu direito, limitando-o. Tal 
possibilidade, desde que a disposição não seja ilícita ou contrária aos 
princípios instituintes da ordem jurídico-política, resulta da liberdade de 
autodeterminação pessoal, de uma razoável flexibilização que o próprio 
sujeito pode incorporar à sua personalidade. Assim, e. g., pode haver a 
concessão para uso de imagem, ou, ainda, a própria hipótese prevista no 
artigo 13 do CCB, dispondo acerca da doação de órgãos ou tecidos para 
fins de transplante que não importem diminuição permanente da 
integridade física. Ressalte-se, contudo, que isso não elide a 
indisponibilidade como elemento caracterizador e constituinte dos direitos 
da personalidade: a referida abertura não torna a indisponibilidade uma 
característica absoluta, tão-somente a modera. Ademais, a possibilidade de 
disposição há de ser sempre voluntária, consciente e livre de qualquer 
defeito. Conforme acima referimos, há algumas situações em que a própria 
legislação estabelece a licitude de uma certa disposição sobre os direitos de 
personalidade. Não há de se pretender que a lei as delimite 
exaustivamente. Advogamos que a indisponibilidade dos direitos de 
personalidade deve recair sobre aqueles bens jurídicos efetivamente 
essenciais e caracterizadores da condição ética da pessoa humana. 
 
59 Nesse diapasão, ver Carlos Alberto da Mota Pinto, op. cit. p. 211 e seguintes. 
 
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Destarte, não se coaduna com a intencionalidade e o sentido do direito um 
negócio jurídico no qual uma parte seauto-submeta à escravidão, 
renunciando à sua liberdade, bem assim que tenha por objeto a renúncia à 
integridade física. Nesses casos, inclusive, mais do que se tratar de uma 
impossibilidade jurídica do objeto, estaríamos diante da impossibilidade 
jurídica do próprio negócio jurídico – o que o tornaria inexistente e não 
inválido.60 Em uma tentativa de sistematização – e sem a pretensão de 
sermos taxativos –, a princípio, a disposição dos direitos de personalidade 
pode ser considerada lícita quando: a) o objeto não for um bem jurídico 
essencial à pessoa humana (ex. exploração de imagem); b) ocorrer em 
razão de um justificado interesse de seu titular ou de um terceiro (ex. 
intervenção cirúrgica, doação de sangue); c) decorrente de práticas 
socialmente aceitas, mesmo pondo em risco a vida ou a integridade física 
do sujeito (ex. as lutas de vale-tudo). 
d) Absolutos: Com efeito, os direitos de personalidade atribuem 
a seu titular uma série de poderes jurídicos. Ora bem, tais poderes, que 
recaem imediatamente sobre o bem jurídico tutelado, geram em todos os 
demais integrantes da sociedade o dever de um cabal respeito aos direitos 
de personalidade, pelo que se diz serem estes oponíveis erga omnes, 
válidos perante todos. Conforme escólio de SANTOS CIFUENTES,61 os 
poderes jurídicos irradiados pelos direitos de personalidade conduzem a um 
directo enfrentamiento com todos los miembros de la comunidad 
organizada, para impedir la turbación u ofensa en el goce previsto. Nesse 
norte, como acentua CAPELO DE SOUSA,62 a oponibilidade erga omnes dos 
direitos de personalidade faz nascer em relação aos sujeitos passivos, 
habitualmente, uma obrigação universal negativa, um dever jurídico 
abstencionista de observância a esses direitos. Essa observação é 
rigorosamente apropriada, e realça um pólo que emerge da oponibilidade 
erga omnes dos direitos de personalidade. Noutro pólo, afirma-se um dever 
 
60 Estaríamos ante a categoria dos negócios proibidos. Nesse sentido, ver Marcos Bernardes de Mello. Teoria do 
fato jurídico – plano da existência. 9ª ed. S. Paulo: Saraiva, 1999, p. 73 e Pontes de Miranda, op. cit., p. 26. 
61 Los derechos personalisimos. Buenos Aires: Lerner, 1974, 149. 
62 op. cit., p. 401. 
 
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jurídico positivo, a fim de tutelar o bem protegido pelo direito de 
personalidade. Assim, por exemplo, verifica-se na relação entre o Estado e 
o particular. Ao lado da limitação, imposta ao Estado, de não lesar os 
direitos de personalidade, constitui-se um dever positivo de proporcionar 
condições efetivas para o pleno desenvolvimento existencial da 
personalidade humana, a gerar, inclusive, uma pretensão em favor do 
titular dos direitos de personalidade. 
e) Extrapatrimonialidade: Tal característica compagina-se com 
a essência dos direitos de personalidade, que concernem ao próprio ser do 
ser humano – e não ao seu ter. Por conseguinte, a extrapatrimonialidade 
indica a impossibilidade de aos direitos de personalidade corresponder uma 
estimativa econômica, isto é, não são suscetíveis de uma apreciação 
econômica. A personalidade não é avaliável economicamente. Importa 
sublinhar que essa característica não implica que os direitos de 
personalidade não produzam efeitos, conseqüências patrimoniais. 
f) Vitalícios e Necessários: A vitaliciedade é também uma das 
características dos direitos de personalidade. Quer isso dizer que 
acompanham o ser humano ao largo de sua existência. E são direitos 
necessários porquanto indispensáveis à plena constituição e afirmação do 
ser humano em uma comunidade de pessoas. 
g) Imprescritíveis: Importante característica que dimana do 
amparo geral que recebem os direitos de personalidade diz respeito à sua 
imprescritibilidade, isto é, a impossibilidade de extinção pelo não uso. Não 
se submetem, pois, à prescrição extintiva. Ao lado dessa impossibilidade, 
há igualmente outra: a de não serem objetos de prescrição aquisitiva. 
Sublinhe-se, quanto ao instituto da prescrição, a princípio, sua vinculação a 
pretensões de natureza patrimonial,63 o que, constitutivamente, exclui os 
extrapatrimoniais direitos de personalidade dos efeitos prescricionais. 
 
63 Já nos comentários de Clovis: Precisamente, os direitos patrimoniaes é que são prescritíveis. Não há prescrição 
senão de direitos patrimoniais. Os direitos que são emanações directas da personalidade e os de família, puros, 
 
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7 – UM EXEMPLO DE JUS-HUMANIZAÇÃO DO DIREITO 
PRIVADO: O BEM DE FAMÍLIA – LIGEIRAS ANOTAÇÕES DIANTE DE 
ALGUMAS DECISÕES JURISPRUDENCIAIS BRASILEIRAS 
O bem de família, que, grosso modo, trata de destinar a uma 
parcela de bens as características da inalienabilidade e da 
impenhorabilidade, em proveito de uma moradia para a família, conhece 
duas modalidades: a disposta no artigo 1711 do CCB,64 de natureza 
voluntária, estabelecida mediante escritura pública ou testamento, e aquela 
outra, de regime estatutário, disciplinada pela Lei 8009/1990.65 
Especificamente, no curso de nossas modestas reflexões, ainda que às 
rápidas, gostaríamos de tratar, à luz de algumas decisões judiciais, de uma 
situação: a possibilidade de uma pessoa solteira invocar o amparo da Lei 
8009/90 para proteger seu imóvel de uma penhora. 
O ponto central reside em saber qual o alcance e a aplicação 
dessa legislação. A partir de uma interpretação literal, entende-se 
amparado pelo diploma legal só e somente o imóvel da entidade familiar. 
Por via de conseqüência, é penhorável o bem de alguém que seja solteiro 
ou resida solitariamente. Basicamente, o argumento invocado para 
sustentar esse entendimento localiza-se na vinculação do intérprete ao 
texto da lei. A título ilustrativo, encontramos a seguinte ementa: Penhora. 
Imóvel residencial de pessoa solteira. Incidência da Lei 8009/90 – restando 
ao abrigo do referido diploma legal tão-somente o imóvel que serve para 
 
não prescrevem. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. vol. I, 6ª ed. Rio de Janeiro: Rio, 1975, p.443. No 
mesmo sentido, Humberto Theodoro Júnior: A prescrição é fenômeno típico das ações referentes a direitos 
patrimoniais. (Comentários ao novo Código Civil, 2ª ed. v. III, t. II, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 170. 
Santoro-Passarelli, por sua vez, sustenta serem imprescritíveis os direitos de que o sujeito não pode dispor em 
absoluto. (Teoria geral do direito civil. trad. Manuel de Alarcão. Coimbra: Atlântida, 1967, p. 89.) – como o 
seriam os direitos de personalidade. Nada obstante, importa referir o asseverado por Pontes de Miranda, no tomo 
VI, p. 127, 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, de seu Tratado de direito privado: A prescrição, em princípio, 
atinge a tôdas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, quer de direitos reais, privados ou 
públicos. A imprescritibilidade é excepcional. 
64 Reza o caput do artigo: Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, 
destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse 1/3(um terço) do 
patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvelresidencial estabelecida em lei especial. 
65 Dispõe o caput do artigo 1º do dispositivo legal: O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, 
é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra 
natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas 
hipóteses previstas nesta lei. 
 
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residência da família, impende que se mantenha a constrição sobre o bem 
de propriedade de pessoa solteira.66
As decisões supra-referidas, além de claros contornos 
normativistas, caracterizando um afivelar do juiz à letra da lei, situam-se 
nos domínios de uma perspectiva patrimonialista do direito civil, ao 
privilegiar o direito de crédito em detrimento do fundamental direito à 
moradia. 
Decerto que, nos quadros do que estamos a postular – a jus-
humanização das relações privadas – não há de haver concordância com o 
teor de tais julgamentos. Ao contrário, há de se buscar uma decisão cujo 
sentido radique materialmente na proteção da pessoa e na garantia das 
condições mínimas para uma vida digna. Por essa via, irradia-se sobre a 
normatividade jurídica a noção de depatrimonializzazione do direito civil.67
Os efeitos dessa irradiação alcançam o próprio manancial 
substantivo do direito civil, afirmando-se como uma disciplina orientada 
para o estabelecer e o concretizar dos princípios básicos do livre e amplo 
desenvolvimento da pessoa. E pessoa não em um sentido abstrato ou 
nucleada em uma matriz afirmativa de uma vontade individual. Mas, ao 
 
66 Apelação Cível 197282593. 8ª Câmara Cível. Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul. Relator: Doutor José 
Francisco Pellegrini. Julgado em 06/05/1998. No mesmo sentido: Penhora. Bem de Família. Executado solteiro. 
O bem que a Lei n. 8009/90 protege é o da família e não do devedor. Por isso, é penhorável o bem do executado 
solteiro. Agravo de Instrumento 598305761. 9ª Câmara Cível. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Relator: 
Doutor Tupinambá Pinto de Azevedo. Julgado em 23/02/1999. Bem de família. Não incidência da tutela legal. 
imóvel habitado por indivíduo só. Não enquadramento de sua condição na necessária entidade familiar. A 
circunstância de habitar só no imóvel não o habilita à tutela da legislação protetiva do bem de família, que visa à 
proteção da entidade familiar. Agravo de Instrumento 197125586. 7ª Câmara Cível. Tribunal de Alçada do Rio 
Grande do Sul. Relator: Doutor Roberto Expedito da Cunha Madrid. Julgado em 27/08/1997. Executado solteiro 
que mora sozinho. A Lei 8009/90 destina-se a proteger, não o devedor, mas a sua família. Assim, a 
impenhorabilidade nela prevista abrange o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, não alcançando o 
devedor solteiro, que reside solitário. STJ – Acórdão Resp. 169239/SP (199800226621), RE 384712, 12/12/2000, 
4ª Turma. Relator: Ministro Barros Monteiro. 
67 Cfe. a expressão de Pietro Perlingieri, op. cit. p. 55. Impende acentuar, de modo exemplificativo, nessa linha, os 
estudos promovidos no Brasil por autores como Gustavo Tepedino, Luiz Edson Facchin, Maria Celina Bodin de 
Moraes. 
 
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revés, pessoa como sujeito de e do direito, incorporada em uma ordem 
social ética, histórica e econômica.68
Sublinhe-se que a noção de despatrimonialização não implica a 
desconsideração plena dos aspectos patrimoniais e econômicos da vida 
civil. O que está em causa é a não subordinação absoluta das relações 
particulares aos valores patrimoniais, hipertrofiados pela concepção 
moderno-individualista. Em contrapartida, na órbita do direito civil eleva-se 
prioritariamente, como uma medida axiológica constante, a tutela de 
valores e elementos não econômicos. Não se negam os aspectos 
patrimoniais: apenas se os conjugam aos valores da personalidade 
humana, outorgando-se uma primazia destes em relação a aqueles. A 
despatrimonialização implica assumir como prius das relações jurídicas os 
valores atinentes à pessoa humana e ao pleno desenvolvimento de sua 
personalidade, sendo o patrimônio uma via para alcançar a destinação final 
da personalidade. Desde logo, tem-se, em síntese, que permeado pela 
despatrimonialização el Derecho Civil no actúa por y para el patrimonio, 
sino a través del patrimonio.69
De modo paradigmático, ilustrando a noção de 
despatrimonialização, recolhemos o exposto na decisão proferida pela 7ª 
Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais (Apelação 
Cível nº 408.550-5, de 01/04/2004) que reconheceu ao filho o direito à 
indenização por danos morais em virtude de uma situação de abandono por 
parte de seu pai. Conforme a ementa, a dor sofrida pelo filho, em virtude 
do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo 
afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da 
dignidade da pessoa humana. Como pano de fundo, está o reconhecimento 
de as relações familiares serem pautadas, antes e sobretudo, pelo princípio 
do afeto e da solidariedade, não se constituindo, pois, a família e as 
relações que dela derivam apenas como um instrumento para a satisfação 
 
68 Nesse sentido, ver Eugenio Llamas Pombo. Orientaciones sobre el concepto y el método del derecho civil. 
Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, s.d., p. 88 e seguintes. 
69 Llamas Pombo. op. cit. p. 110. 
 
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material e patrimonial de seus componentes.70 Encontramos nessa linha 
jurisprudencial – que segue, ao nosso sentir, a tendência de 
despatrimonialização do direito civil – uma tendência contemporânea 
caracterizadora do direito de família pós-moderno, salientada por ERIK 
JAYME: o regresso dos sentimentos, que se transformam em direito e, ao 
fim e ao cabo, como bem conclui o autor, embora possam parecer caótico, 
ameaçando a segurança jurídica, correspondem à complexidade da vida de 
hoje, e reflecte mais precisamente os desejos da sociedade actual.71
Ao fim e ao cabo, retornando à questão do bem de família, 
advogamos, portanto, que a proteção expressa pela Lei 8009/90 alcance a 
todas as pessoas, independente de seu estado civil ou modo de vida.72 Em 
 
70 Tudo, decerto, em harmonia com relevantes princípios ético-jurídicos, conforme extraímos da compreensão do 
próprio acórdão. Senão, vejamos: O princípio da afetividade especializa, no campo das relações familiares, o 
macroprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as 
relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional. (...). No que respeita à dignidade da pessoa da 
criança, o artigo 227 da Constituição expressa essa concepção, ao estabelecer que é dever da família assegurar-
lhe com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, 
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la à salvo 
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Não é um direito 
oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas

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