O CASO CLÍNICO DE DORIAN GRAY Letícia Guedes Morais Gonzaga de Souza (Inspirado em “O Retrato de Dorian Gray” – Oscar Wilde) Um homem chega ao hospital encapuzado e permanece com os olhos petrificados no chão. Não quer ser reconhecido, não quer ser surpreendido. Ao recepcionista, informa “Preciso de um médico”. Enquanto espera, tem seus dados coletados: Dorian, 24 anos, branco, solteiro e modelo. Momentos após, o modelo é acolhido por um médico e relata que há 3 dias notou uma úlcera dura e indolor com presença de líquido seroso na região peniana. Afirmou ao profissional que não possui problemas de saúde crônicos prévios e desconhece o histórico familiar, uma vez que seus pais faleceram sendo ele ainda criança. Quando questionado, confirmou ser sexualmente ativo, tendo diversos parceiros e parceiras, e demonstrou aversão à utilização de camisinhas, uma vez que “atrapalha a experiência sexual”. Por fim, Dorian constata que não mantem contato com seus amantes e por isso, não seria capaz de dizer se esses possuíam alguma Infecção Sexualmente Transmissível (IST) à época do envolvimento. Em consulta, médico observa: Pressão Arterial (PA) 120/70 mmHg Frequência Cardíaca (FC) 80 bpm Glicose 67 mg/dL Temperatura 37ºC Altura 1,90 m Peso 75 kg Lesão Pápula única localizada na área genital, indolor, superficial, com borda dura e base lisa amarelada. Presença de exsudato seroso no centro. Figura 1: Lesão similar ao que paciente apresentou ao médico. Fonte: Tortora, Funke, Case, 2016. Mediante o estilo de vida apresentado por Dorian e a lesão avaliada, o médico suspeita que se trata de Sífilis Primária e solicita pesquisa direta do agente infectante (Treponema pallidum) ao laboratório. O paciente é encaminhado a uma ala, onde a farmacêutica explica como se dará a coleta da amostra, além de esclarecer que se a lesão for bacteriana, o exsudato é altamente infectante. Ainda, a profissional informa a Dorian que por se tratar de uma lesão recente, se for de causa bacteriana, ainda não serão detectados anticorpos no soro e, por isso, o médico sugeriu apenas a busca direta do agente etiologico. A farmacêutica solicita a Dorian que exponha a área lesionada. Em seguida, higieniza a região com água esteril e raspa a lesão delicadamente. Logo, profissional pressiona a área, o que provoca o acúmulo de exsudato, e transfere, com o auxílio da alça bacteriológica, o fluido da lesão em três áreas da lâmina. A lâmina é coberta com uma lamínula e profissional se dirige ao laboratorio imediatamente. A farmacêutica opta pela microscopia de campo escuro, uma vez que os treponemas não são visualizados por microscopia de luz convencional. Para tal observação, deposita uma gota de óleo de imersão sobre a lente do condensador de campo escuro abaixado e coloca lâmina para leitura. Em seguida, sobe o condensador até que óleo entre em contato com a superfície inferior da lâmina e adiciona óleo na superfície da lamínula a fim de selar material. Com objetiva de 40x, profissional observa a presença de espiroquetas como tênues espirais prateadas e brilhantes, altamente móveis, frequentemente ondulantes e com movimentos rotatórios. Figura 2: Microscopia de campo escuro com presença de Treponema pallidum observada pela farmacêutica. Fonte: Centers of Disease Control and Prevention (CDC). Farmacêutica emite resultado positivo para Treponema pallidum e relata no laudo que a técnica utilizada apresenta 80% de sensibilidade para diagnóstico de sífilis. Ao paciente, médico relata o resultado obtido no exame laboratorial, que junto ao exame clínico, confirma que paciente apresenta Sífilis Primária. Informa ao paciente que sua busca rápida por ajuda profissional fez com que IST fosse detectada ainda cedo. Como tratamento, médico prescreve uma única injeção de penicilina G benzatina e orienta paciente a praticar sexo seguro para evitar futuras ocorrências, talvez mais complicadas, de ISTs. Por fim, aconselha paciente a contatar as pessoas com quem se envolveu e informar do seu diagnóstico, a fim de que estas pessoas possam buscar diagnóstico de sífilis e, se necessario, tratamento. “Atrás de tudo que era belo no mundo sempre existia alguma coisa trágica”. Wilde, Oscar. O Retrato de Dorian Gray (posição 666). 1ª ed. BestBolso: Rio de Janeiro, 2016 (edição do Kindle). REFERÊNCIAS BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Microbiologia clínica para o controle de infecção relacionada à assistência à saude. Módulo 6: detecção e identificação de bactérias de importância médica. Brasília: ANVISA, 2013. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Public Health Image Library (PHIL). Disponível em: https://phil.cdc.gov/details_linked.aspx?pid=2335 Acesso em outubro de 2020. MADIGAN, Michael T. et al. Microbiologia de Brock. 14ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. McPHERSON, Richard A.; PINCUS, Matthew R. Diagnósticos Clínicos e Tratamento por Métodos Laboratoriais de Henry. 21ª ed. Barueri: Manole, 2012. PORTO & PORTO. Semiologia Médica. 8ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. TORTORA; FUNKE; CASE. Microbiologia. 12ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. https://phil.cdc.gov/details_linked.aspx?pid=2335