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I ! ,'.:,:'~ ,'. ,;:':.',<:,- ..:,(. '. .fgí1'if·I~~f"1r('n~T~)~'f.1it!'r~~·-'-: CAPíT~LO 1~ .' '. ", ll_. Decisões políticas tebrizadas de modo incompleto . t , no direito ccnstitucional'v Cass R. Sunstein Em muitas nações, cidadãos devem se posicionar diante de conflitos e discordâncias sobre as questões mais fundamentais. A existência ele valores distintos parece ameaçar a possibilidade de }-!ma ordem constitucional e de estabilidade social. As pessoas discordam sobre direitos, qualidade ele vida, igualdade, liberdade, natureza e existência de Deus. Como decisões sobre matérias constitucionais podem ser possíveis nessas circunstâncias? O proble- ma pode parecer especialmente sério para sociedades democráticas, as quais aspiram ao autogoverno em meio a muita heterogeneidade. Neste ensaio, lido com criação constitucional (constitutional-making) e interpretação constitu- cional, em um esforço para fazer algum progresso nessas duas questões. Minha sugestão básica é que as pessoas podem, frequentemente, con- cordar com práticas constitucionais, e até com direitos constitucionais, quando não conseguem concordar sobre teorias constitucionais. Em outras palavras, o bom funcionamento das ordens constitucionais tenta resolver problemas por meio de decisões políticas teorizadas de modo incompleto. Algumas vezes, tais decisões políticas envolvem abstrações, aceitas como tal em meio a severo desacordo sobre casos especiais. Desse modo, pessoas que discordam sobre incitação à violência e pregação do ódio podem aceitar um princípio geral da liberdade de expressão; e aqueles que discutem sobre rela- I e Artigo originalmente publicado como SUNSTEIN, Casso "Incornpletely theorized agree- ments in constitutional law" In: Social researcli: an international quarterly of the social sciences. V. 74 (1) Spring 2007: 1-24. Todas as informações sobre essa publicação podem ser acessadas em www.socres.org. Traduzido para o português por Letícia Borges Tho- mas. Revisado por André Pedreira Ibaüez. Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto no Direito constlrucional 295 cionamentos homossexuais podem aceitar um princípio abstrato antidiscri- minatório. Esse é um importante fenômeno no Direito constitucional e na política constitucional que possibilita a criação constitucional. O legislador constitucional pode estar de acordo sobre as abstrações sem concordar com seu significado específico. Algumas vezes, porém, decisões políticas teorizadas de modo incom- pleto envolvem resultados concretos preferivelmente a abstrações. Em casos difíceis, as pessoas podem concordar que certa ação é ou não constitucional até mesmo quando as teorias na qual baseiam seus juízos divergem forte- mente. Na operação diária da prática constitucional, decisões políticas teo- rizadas de modo incompleto sobre determinadas regras e doutrinas ajudam a assegurar uma ideia sobre o que é o Direito, mesmo em meio a discordân- cias de larga escala sobre o que importa, particularmente, para tais regras e doutrinas. Este último fenômeno sugere uma estratégia geral para o manejo de algumas das decisões mais difíceis. Quando as pessoas discordam ou não têm certeza sobre uma questão abstrata - é a igualdade mais importante do que a liberdade? O livre-arbítrio existe? É certo o utilitarismo? A punição tem objetivos compensatórios? -, podem frequentemente obter progressos ao se moverem para um nível de maior particularidade. Elas tentam. realizar uma descida conceitual. Esse fenômeno tem uma característica especialmente no- tável: alista o silêncio, em certas questões básicas, como um instrumento para uma produção convergente, apesar de discordâncias:' incertezas, limites de tempo e capacidade e heterogeneidade. Em síntese, o silêncio pode ser uma força construtiva. Decisões políticas teorizadas de modo incompleto são uma importante fonte de constitucionalismo bem-sucedido e estabilidade social; elas também proporcionam uma maneira para as pessoas demonstra- rem mútuo respeito. Considerem-se alguns exemplos, As pessoas podem acreditar ser im- portante proteger a liberdade religiosa enquanto possuem teorias bastante diversas sobre por que isso é assim. Algumas pessoas podem salientar o que veem como necessário para a paz social; outras podem pensar que li- berdade religiosa reflete um princípio de igualdade e o reconhecimento da dignidade humana; outras podem invocar considerações utilitárias; outras, ainda, podem pensar que a liberdade religiosa é, ela mesma, um comando teológico. Similarmente, as pessoas podem invocar os mais·variados argu- mentos para sua crença comum de que a Constituição deveria assegurar um Judiciário independente. Alguns podem pensar que independência judicial .1 1 ! 296 Parte I Teoria e Filosofia do Direito ajuda a prevenir a tirania; outros podem pensar que isso faz o governo mais democrático; outros, ainda, podem pensar que induz a um maior rendi- mento no aspecto econômico. As decisões políticas sobre os pormenores são teorizadas de modo in- completo no sentido de que seus participantes são claros sobre a prática ou o resultado sem que concordem com a grande maioria de teorias respon- sáveis por isso. Frequentemente, as pessoas podem concordar que a norma - proteger dissidentes políticos, permitir que os trabalhadores pratiquem suas religiões - faz sentido sem concordar inteiramente com o fundamento de sua crença. Elas podem aceitar um resultado - afirmar o direito ao casa- mento para casais heterossexuais, proteger a sexualidade explícita na arte, banir a segregação racial- sem entender ou convergir em um fundamento definitivo para tal aceitação. Com frequência, as pessoas podem concordar não simplesmente quanto ao resultado, mas também sobre uma racionali- da de por trás do oferecimento de princípios de baixo nível ou médio nível em nome deles mesmos. No entanto, o que no final conta para o resultado, em termos de uma teoria abrangente sobre o correto ou o bem, é deixado sem explicação. Existe um caso extremo de teorização incompleta, oferecido quando as divergências são especialmente intensas: a particularidade total. Esse fenô- meno ocorre quando as pessoas concordam sobre um resultado sem con- cordar com tipo algum de suporte racional. Elas anunciam o que querem fazer sem oferecer uma razão para fazê-lo. Qualquer racionaJidade - qual- quer razão - é, por definição, mais abstrata do que o resultado o qual supor- ta. Algumas vezes, as pessoas simplesmente não oferecem quaisquer razões, pois não sabem o que tais razões são, não podem concordar com elas, ou temem que as razões que têm poderiam, em reflexo, aparentar serem ina- dequadas e, portanto, entrar em desuso no futuro. Esse é um importante fenômeno no Direito anglo-americano. Os jurados, geralmente, não ofere- cem razões para suas decisões; e negociadores, algumas vezes, concluem que algo deve acontecer sem dizer por que deve acontecer. Não enfatizarei esse caso limitado r aqui; ao contrário, focarei em resultados acompanhados por princípios de baixo ou médio nível. Minha ênfase em decisões políticas teorizadas de modo incompleto pretende ser, de certa forma, descritiva. Essas decisões políticas são um fenômeno imprescindível na criação constitucional e no Direito constitu- cional. Semelhantes decisões políticas são cruciais para o esforço em tornar efetivas as decisões em meio a intensas discordâncias. Pretendo, no entanto, Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto no Direito constitucional 297 fazer também algumas considerações sobre o constitucionalismo em meio ao pluralismo. Em suma, existem virtudes especiais para serem evitados conflitos teóricos abrangentes. Decisões políticas teorizadas de modo incompleto podem operar como fundamentos tanto para regras quanto para analogias, e essas decisões políticas são especialmente apropriadas aos limites de diversas instituições, incluindo legisladores e Cortes. Decisões políticas teorizadas de modo incompleto têm seu lugar no setor privado também: podem ser encontradas nas universidades,