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CAPíT~LO 1~ .' '. ", ll_.
Decisões políticas tebrizadas de modo incompleto . t ,
no direito ccnstitucional'v
Cass R. Sunstein
Em muitas nações, cidadãos devem se posicionar diante de conflitos e
discordâncias sobre as questões mais fundamentais. A existência ele valores
distintos parece ameaçar a possibilidade de }-!ma ordem constitucional e de
estabilidade social. As pessoas discordam sobre direitos, qualidade ele vida,
igualdade, liberdade, natureza e existência de Deus. Como decisões sobre
matérias constitucionais podem ser possíveis nessas circunstâncias? O proble-
ma pode parecer especialmente sério para sociedades democráticas, as quais
aspiram ao autogoverno em meio a muita heterogeneidade. Neste ensaio, lido
com criação constitucional (constitutional-making) e interpretação constitu-
cional, em um esforço para fazer algum progresso nessas duas questões.
Minha sugestão básica é que as pessoas podem, frequentemente, con-
cordar com práticas constitucionais, e até com direitos constitucionais,
quando não conseguem concordar sobre teorias constitucionais. Em outras
palavras, o bom funcionamento das ordens constitucionais tenta resolver
problemas por meio de decisões políticas teorizadas de modo incompleto.
Algumas vezes, tais decisões políticas envolvem abstrações, aceitas como tal
em meio a severo desacordo sobre casos especiais. Desse modo, pessoas que
discordam sobre incitação à violência e pregação do ódio podem aceitar um
princípio geral da liberdade de expressão; e aqueles que discutem sobre rela-
I e Artigo originalmente publicado como SUNSTEIN, Casso "Incornpletely theorized agree-
ments in constitutional law" In: Social researcli: an international quarterly of the social
sciences. V. 74 (1) Spring 2007: 1-24. Todas as informações sobre essa publicação podem
ser acessadas em www.socres.org. Traduzido para o português por Letícia Borges Tho-
mas. Revisado por André Pedreira Ibaüez.
Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto no Direito constlrucional 295
cionamentos homossexuais podem aceitar um princípio abstrato antidiscri-
minatório. Esse é um importante fenômeno no Direito constitucional e na
política constitucional que possibilita a criação constitucional. O legislador
constitucional pode estar de acordo sobre as abstrações sem concordar com
seu significado específico.
Algumas vezes, porém, decisões políticas teorizadas de modo incom-
pleto envolvem resultados concretos preferivelmente a abstrações. Em casos
difíceis, as pessoas podem concordar que certa ação é ou não constitucional
até mesmo quando as teorias na qual baseiam seus juízos divergem forte-
mente. Na operação diária da prática constitucional, decisões políticas teo-
rizadas de modo incompleto sobre determinadas regras e doutrinas ajudam
a assegurar uma ideia sobre o que é o Direito, mesmo em meio a discordân-
cias de larga escala sobre o que importa, particularmente, para tais regras e
doutrinas.
Este último fenômeno sugere uma estratégia geral para o manejo de
algumas das decisões mais difíceis. Quando as pessoas discordam ou não têm
certeza sobre uma questão abstrata - é a igualdade mais importante do que
a liberdade? O livre-arbítrio existe? É certo o utilitarismo? A punição tem
objetivos compensatórios? -, podem frequentemente obter progressos ao se
moverem para um nível de maior particularidade. Elas tentam. realizar uma
descida conceitual. Esse fenômeno tem uma característica especialmente no-
tável: alista o silêncio, em certas questões básicas, como um instrumento para
uma produção convergente, apesar de discordâncias:' incertezas, limites de
tempo e capacidade e heterogeneidade. Em síntese, o silêncio pode ser uma
força construtiva. Decisões políticas teorizadas de modo incompleto são
uma importante fonte de constitucionalismo bem-sucedido e estabilidade
social; elas também proporcionam uma maneira para as pessoas demonstra-
rem mútuo respeito.
Considerem-se alguns exemplos, As pessoas podem acreditar ser im-
portante proteger a liberdade religiosa enquanto possuem teorias bastante
diversas sobre por que isso é assim. Algumas pessoas podem salientar o
que veem como necessário para a paz social; outras podem pensar que li-
berdade religiosa reflete um princípio de igualdade e o reconhecimento da
dignidade humana; outras podem invocar considerações utilitárias; outras,
ainda, podem pensar que a liberdade religiosa é, ela mesma, um comando
teológico. Similarmente, as pessoas podem invocar os mais·variados argu-
mentos para sua crença comum de que a Constituição deveria assegurar um
Judiciário independente. Alguns podem pensar que independência judicial
.1
1 !
296 Parte I Teoria e Filosofia do Direito
ajuda a prevenir a tirania; outros podem pensar que isso faz o governo mais
democrático; outros, ainda, podem pensar que induz a um maior rendi-
mento no aspecto econômico.
As decisões políticas sobre os pormenores são teorizadas de modo in-
completo no sentido de que seus participantes são claros sobre a prática ou
o resultado sem que concordem com a grande maioria de teorias respon-
sáveis por isso. Frequentemente, as pessoas podem concordar que a norma
- proteger dissidentes políticos, permitir que os trabalhadores pratiquem
suas religiões - faz sentido sem concordar inteiramente com o fundamento
de sua crença. Elas podem aceitar um resultado - afirmar o direito ao casa-
mento para casais heterossexuais, proteger a sexualidade explícita na arte,
banir a segregação racial- sem entender ou convergir em um fundamento
definitivo para tal aceitação. Com frequência, as pessoas podem concordar
não simplesmente quanto ao resultado, mas também sobre uma racionali-
da de por trás do oferecimento de princípios de baixo nível ou médio nível
em nome deles mesmos. No entanto, o que no final conta para o resultado,
em termos de uma teoria abrangente sobre o correto ou o bem, é deixado
sem explicação.
Existe um caso extremo de teorização incompleta, oferecido quando as
divergências são especialmente intensas: a particularidade total. Esse fenô-
meno ocorre quando as pessoas concordam sobre um resultado sem con-
cordar com tipo algum de suporte racional. Elas anunciam o que querem
fazer sem oferecer uma razão para fazê-lo. Qualquer racionaJidade - qual-
quer razão - é, por definição, mais abstrata do que o resultado o qual supor-
ta. Algumas vezes, as pessoas simplesmente não oferecem quaisquer razões,
pois não sabem o que tais razões são, não podem concordar com elas, ou
temem que as razões que têm poderiam, em reflexo, aparentar serem ina-
dequadas e, portanto, entrar em desuso no futuro. Esse é um importante
fenômeno no Direito anglo-americano. Os jurados, geralmente, não ofere-
cem razões para suas decisões; e negociadores, algumas vezes, concluem que
algo deve acontecer sem dizer por que deve acontecer. Não enfatizarei esse
caso limitado r aqui; ao contrário, focarei em resultados acompanhados por
princípios de baixo ou médio nível.
Minha ênfase em decisões políticas teorizadas de modo incompleto
pretende ser, de certa forma, descritiva. Essas decisões políticas são um
fenômeno imprescindível na criação constitucional e no Direito constitu-
cional. Semelhantes decisões políticas são cruciais para o esforço em tornar
efetivas as decisões em meio a intensas discordâncias. Pretendo, no entanto,
Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto no Direito constitucional 297
fazer também algumas considerações sobre o constitucionalismo em meio
ao pluralismo. Em suma, existem virtudes especiais para serem evitados
conflitos teóricos abrangentes. Decisões políticas teorizadas de modo
incompleto podem operar como fundamentos tanto para regras quanto
para analogias, e essas decisões políticas são especialmente apropriadas aos
limites de diversas instituições, incluindo legisladores e Cortes. Decisões
políticas teorizadas de modo incompleto têm seu lugar no setor privado
também: podem ser encontradas nas universidades,no local de trabalho
e, até mesmo, no seio das famílias. Ao mesmo tempo, existem muitas con-
fusões sobre os limites da teorização incompleta e sobre a relação entre
teorização incompleta e aproximações tradicionalistas autoconscientes ao
Direito constitucional e à vida social em geral.
1. Como as pessoas convergem
Parece claro que, externamente ao Direito, as pessoas possam concor-
dar com um correto resultado mesmo sem possuir uma teoria que justifique
seus juízos. É possível saber que objetos soltos no ar caem, picadas de abelha
machucam, o ar quente sobe e neve derrete sem que se saiba exatamente por
que tais fatos são verdadeiros. O mesmo acontece com a moralidade, tanto
em geral quanto no concernente ao Direito constitucional. Pode-se saber
que escravidão é errado, o governo pode não fazer cessar protestos políticos,
cada pessoa deveria ter apenas um voto e ser ruim o governo tomar sua
terra, a menos que pague por ela sem saber exata ou totalmente por que
tais coisas são assim.
Iuízos morais podem ser certos ou verdadeiros mesmo se concebidos
por pessoas que carecem de uma plena compreensão quanto a tais juízos
(ainda que os que estão executando um juízo moral possam agir melhor
caso tentem oferecer uma tal compreensão, um ponto ao qual retornarei em
seguida). O mesmo é verdade para o Direito constitucional e de qualquer
outro tipo. Um juiz pode saber que, se o governo pune uma determinada
conduta religiosa, tal punição terá sido contrária ao Direito sem que, para
tanto, o juiz tenha feito uma ampla abordagem sobre as razões que justifi-
cam esse princípio ter sido aceito como Direito. Devemos, assim, oferecer
uma referência epistemológica: as pessoas podem saber que X é verdade
sem saber completamente por que X é verdade.
Existe uma questão política também. Algumas vezes, as pessoas podem
concordar nos juizos individuais mesmo discordando na teoria geral. No
298 Parte ITeoria e Filosofia do Direito
Direito constitucional estadunidense, por exemplo, diversos juízes podem
concordar que o caso paradigmático Roe V. Wade", protegendo o direito à
opção pelo aborto, não deva ser abandonado pela jurisprudência, apesar das
razões que levam cada um deles a conclusões fortemente divergentes. Algu-
mas pessoas podem pensar que a corte deve respeitar seus próprios preceden-
tes; outros pensam que o caso Roe foi decidido justamente como uma forma
de proteção à igualdade das mulheres; outros pensam que a decisão do caso
foi justa por proteger a privacidade; outros pensam que a decisão reflete um
juízo adequado no tangente ao papel social da religião; outros, ainda, pensam
que restrições ao aborto, provavelmente, não protegem fetos no mundo e,
então, a decisão é boa por razões pragmáticas ou consectárias. Podemos en-
contrar decisões políticas teorizadas de modo incompleto em casos especiais
em muitas áreas do Direito e da política - em ambos os lados das discussões
sobre segurança nacional, controvérsias discriminatórias, processo criminal e
tributação.
Nos Estados Unidos, existem decisões políticas teorizadas de modo
incompleto no interior do partido Republi~~no e entre juízes republicanos
nomeados. Existem semelhantes decisões políticas dentro do partido Demo-
crata e entre juízes democratas nomeados. Partidos políticos são mantidos
pela teorização incompleta; quando esses partidos se fragmentam ou desa-
gregam, muitas vezes, é porque a teorização precisa se tornar mais completa.
Algumas das mais interessantes decisões políticas teorizadas de modo in-
completo podem ser encontradas não dentro dos partidos, mas entre eles.
Nos Estados Unidos, republicanos e democratas concordam em muitas
coisas, não necessariamente porque aceitam os mesmos compromissos fun-
damentais, mas porque diversos compromissos podem convergir sobre as
mesmas práticas e os mesmos princípios.
2. Normas e analogias
Normas e analogias são os dois métodos mais importantes na resolução
de conflitos constitucionais sem que se obtenham acordos sobre princípios
fundamentais. Ambos os dispositivos - chaves para o Direito público em
muitas nações - tentam promover um dos principais objetivos de uma
sociedade heterogênea: tornar possível a obtenção de acordos quando são
2 410 U.S. 113 (1973). Sobre a rejeição à ideia de abandonar o precedente Roe, ver Planned
Parenthood v. Casey, 112 S Ct 2791 (1992).
Capítulo 14 Decisões políticas reorizadas de modo incompleto no Direito constitucional 299
eles necessários e tornar desnecessária a obtenção de acordos quando são
impossíveis.
~ pessoas podem, frequentemente, concordar sobre o que normas cons-
tituciJ~ais são.até quando concordam em um pouco mais. Suas divergências
substantivas, porém intensas, são, geralmente, irrelevantes para seus juízos
sobre significado e qualidade obrigatória daquelas normas." E em face da per-
sistente discordância ou incerteza sobre o que justiça e moralidade requerem,
as pessoas podem racionalizar sobre casos constitucionais particulares por
referência a analogias. Elas apontam para casos nos quais os juízos jurídicos
são sólidos; e partem desses juízos sólidos para os mais difíceis. De fato, assim
é como pessoas leigas tendem a pensar.
Podemos considerar sob esse aspecto a discussão do juiz Stephen Breyer,
da Suprema Corte, sobre um dos compromissos-chave alcançados pelos
sete membros da Comissão de Sentença dos Estados Unidos." Como Breyer
descreve, uma questão central era como proceder em face das premissas fi-
losóficas altamente divergentes sobre as metas da punição criminal. Algumas
pessoas questionaram a Comissão sobre seguir uma adequada punição basea-
da em justos méritos - uma adequação que graduaria as condutas criminais
em termos de severidade. Diferentes comissários, porém, tinham diferentes
visões acerca de como diferentes crimes deveriam ser classificados. Nessas cir-
cunstâncias, relata o juiz Breyer, existiria uma estranha forma de deliberação
na qual as punições criminais seriam cada vez mais irracionalmente severas,
porque alguns comissários insistiriam que o crime abaixo das considerações
era pior do que os crimes previamente graduados. Em qualquer caso, a con-
cordância sobre um sistema racional seria improvável de ser a consequência
dos esforços dos sete comissários para graduar crimes em termos de severi-
dade.
Outras pessoas persuadiram a Comissão a usar um modelo de clissua-
são. Existiam, porém, problemas maiores com essa abordagem. Nenhuma
boa evidência empírica traz todas as possíveis variações de punição para a
prevenção de crimes. De qualquer forma, era altamente improvável que os
! .
3 Dworkin (DWORKIN, Ronald. Law's empire) sugere, corretarnente, que disputas sobre o sig-
nificado são, algumas vezes, produzidas por disputas sobre princípios subjacentes. Estou
sugerindo apenas que, na maior parte do tempo, as disputas sobre princípios são acom-
panhadas por acorelos sobre o significado. Não tento, aqui, explorar eliscorelâncias sobre
interpretação, ainda que os temas essenciais certamente se aproximem desse tópico.
4 BREYER, Stephen. "The federal sentencing guidelines anel the key compromises upon
which they rest"
300 Parte I Teoria e Filosofia do Direito
sete membros da Comissão concordassem que a dissuasão possibilite uma
adequada compreensão quanto aos objetivos de uma sentença criminal.
Para muitas pessoas, é controverso sugerir que a dissuasão é a única, ou
mesmo a principal, meta da punição. Uma abordagem baseada em intimi-
dação não pareceu melhor do que uma baseada em justos méritos.
Nessas circunstâncias, que caminho a Comissão seguiu? De fato, a Co-
missão abandonou completamente as grandes teorias e adotou uma visão
não genérica a respeito da função principal da sentença criminal. A Comissão
abandonou a alta teorização e adotou uma norma fundada no precedente:
"Decide-se basear as diretivas (Cuidelines) principalmente em uma prática
passada típica ou comum." Explanações articuladas conscientemente, não
baseadas em altas teorias, foram usadas para sustentar específicas retomadas
do passado.' A decisãode adorar essa abordagem deve ter sido baseada na
crença de que a prática típica ou média continha mais sensatez do que tolices
_ uma crença que pode ser apoiada pela referência à frequente "sabedoria do
povo'".
O juiz Breyer vê esse esforço como um meio necessário para a obtenção
de acordo e racionalidade dentro de um corpo multimembro encarregado de
evitar amplas e injustificáveis variações nas sentenças. Assim está sua mais
colorida apresentação oral: .
Por que a Comissão não senta e realmente racionaliza isto, em vez de
apenas contar histórias' A curta resposta a isso é: nós não poderíamos. Não
poderíamos porque existem bons argumentos em todo lugar, apontando em
direções opostas [ ). Tente lista r todos os crimes que existem na ordem de
méritos puníveis [ ). Em seguida colha classificações dos seus amigos e veja
se todas elas são compatíveis. Eu te digo, elas não são.6
S Para um tratamento popular, ver SUROWIECKI, [ames. The wisdom of crowds; uma aborda-
gem mais técnica, com referência ao Condorcet [ury Theorem, pode ser encontrada em
SUNSTEIN, Cass R. lnjotopia: how many minds produce knowledge.
6 No original: "Why didn't the Commission sit down and really go and rationalize this thing
and not just take history? The short answer to that is: we couldn't. We couldnt because there
are such good arguments ali over the place pointing in opposite directions {...}. Try listing
ali the crimes that there are in rank arder of punishoble rnerit [...]. Then coL/ect results from
your friends and see if they ali match. I will tell you they don't." Cf. The New Republic, 6 de
junho de 1994, p.12.
._----- .•...•
Capítulo 14 Decisões políticas teorizaelas ele modo incompleto no Direito constitucional
o exemplo sugere um ponto mais geral. Mediante ambas, analogia e
norma, muitas vezes é possível os participantes do Direito constitucional
convergirem em princípios abstratos e resultados especiais sem resolver
grandes questões sobre o que é certo ou bom. De fato, a Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos foi feita por meio de um processo seme-
lhante àquele descrito pelo juiz Breyer, com uma recusa ao engajamento
da teoria máxima em vez de um esforço para se edificar sobre o amplo
entendimento." A iniciativa básica foi operada pela avaliação do com-
portamento de muitas nações e pela criação de uma declaração universal
como base dessa prática comum.
Um grupo de filósofos, envolvidos no projeto, "começou seu trabalho
enviando um questionário para estadistas e estudiosos do mundo inteiro'".
Em uma fase crucial, as pessoas envolvidas na elaboração da declaração
produziram "uma lista dos quarenta e oito itens que representaram [... ] o
núcleo comum de" uma vasta gama de documentos e propostas, incluindo
juízos de nações e culturas "arábica, inglesa, canadense, chinesa, francesa,
da Alemanha pré-nazista, italiana, latino-americana, polonesa, da Rússia
soviética e da Espanha'". A Declaração Universal dos Direitos Humanos
surgiu desse processo. Desse modo, Iacques Maritain, Um filósofo atenta-
mente envolvido na Declaração Universal, disse de maneira célebre: "Sim,
nós concordamos sobre os direitos, mas na condição de que ninguém
nos pergunte por quê."!" A questão geral é que um juízo em favor de um
conjunto de direitos pode emergir de discordâncias ou incertezas sobre o
fundamento desses direitos.
3. Características da analogia
o pensamento analógico é imprescindível no Direito e na vida diária.
Em discussões ordinárias sobre questões políticas e jurídicas, as pessoas racio-
cinam não se orientando por princípios fundamentais ou teorias ambiciosas,
mas pela analogia. Se você pensar que a pregação ao ódio racial não se encon-
tra protegida pela primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, isso
7 Cf. GLENDON, Mar)' Ann. A world made anew.
8 Ibidem, p.51.
9 Ibidern, p.57.
10 Ibidern, p.77 (citando Maritain). Também citado em http://www.catholicculture.org/
does /doc_ view.cfm?recnum=405 .
301
302 Parte I Teoria e Filosofia do Direito
significa que o governo poderia calar os extremistas políticos? Uma técnica
de argumentação familiar é mostrar inconsistência entre as reivindicações de
alguém sobre o caso X em face de suas opiniões sobre o caso Y. O objetivo é
desvelar a hipocrisia ou confusão, ou forçar o requerente a mostrar como o
compromisso aparentemente profundo no caso sobre o qual os debatedores
concordam pode ser enquadrado com a opinião do requerente a respeito de
um caso sobre o qual eles discordam.
No pensamento analógico, como entendo aqui, teorias profundas sobre
o bem ou sobre o correto não estão posicionadas. No Direito constitucional,
essas teorias raramente são invocadas em nome de um ou outro resultado.
Por outro lado, os que recorrem a analogias não conseguem, possivelmente,
raciocinar de um particular para outro sem dizer algo ao menos um pouco
abstrato.!' Eles devem invocar uma razão de princípio ou política para jus-
tificar o fato de o caso A ter sido decidido por determinada razão e podem
dizer que aquela razão se aplica, ou não, ao caso B. Esse método de proceder
é idealmente adaptado para um sistema jurídico que compreende numero-
sos juízes, os quais discordam sobre princípios fundamentais e devem ter
a maioria dos casos decididos como pontos fixos a partir dos quais proce-
derão. Pelo mesmo motivo, aqueles externos ao Direito pensam de forma
analógica em casos difíceis. .
Consideremos alguns exemplos. Sabemos que um empregador não
pode demitir um empregado por este concordar em participar de um júri;
isso é dito para indicar que um empregador está proibido de demitir um
empregado por este se recusar a cometer perjúrio. Voltando para uma ques-
tão constitucional, sabemos que um discurso de um membro da Ku Klux
Klan defendendo o ódio racial não pode ser regulado a menos que esteja
provalmente incitando ou diretamente incitando uma iminente ação anti-
jurídica-"; isso é dito também para indicar que o governo não pode proibir
membros do Partido Nazista de realizarem uma passeata em Skokie, Illinois.
Sabemos que não existe garantia constitucional para bem-estar, assistência
médica ou habitação+'; isso é dito para indicar que não existe garantia cons-
titucional de proteção governamental contra violência doméstica.
A partir de um breve relance sobre esses casos, é possível perceber a for-
ma característica do pensamento analógico no Direito. O processo aparenta
11 Ver DWORKIN, Ronald. [ustu:e in Robes.
12 Ver Brandenbutg v. Ohio, 395 U.S. 444 (1969).
13 Ver Dandridge v. Williams, 397 U.S. 471 (1970).
','l'
Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto no Direito constuucional 303
funcionar com base em cinco simples passos: (1) Algum fato-padrão A - si-
tuação de origem - possui certas características, denominadas X, Y e Z; (2)
Fato-padrão B - situação tida como meta a se alcançar - tem características
C, Y e A, ou características X, Y, Z e A; (3) A é tratado de um certo modo
pelo Direito; (4) Algum princípio, criado ou descoberto no processo de
racionalizar sobre A, B e afins explicam por que A é tratado de determinada
maneira; e (5) Em virtude daquilo que possui em comum com A, B deveria
ser tratado da mesma maneira. Isso está coberto pelo mesmo princípio.
Algumas pessoas pensam que o argumento analógico é realmente uma
forma de dedução, mas isso é um erro. Para ser claro, o argumento analó-
gico não pode proceder sem a identificação do pensamento predominante
- um princípio, um padrão ou uma regra - para que seja considerado para
o resultado nos casos origem e meta. Esse é o passo crucial número (4) dos
citados. No entanto, o pensamento predominante não foi dado de antemão
e aplicado ao caso novo. Em vez disso, o raciocínio analógico ajuda a iden-
tificar o pensamento dominante e é indispensável para sua aceitação; não
sabemos o que a ideia é até que tenhamos avaliado os casos. A analogia e a
não analogia (disanalogy) são criadas ou descobertas por meio do processo
de comparação dos casos, enquanto as pessoas discernem um princípio que
fazsentido de seus juízos considerados. Elas não sabem, antecipadamente,
que princípio devem começar a seguir. Nesse sentido, existe uma relação
entre O raciocínio analógico, como opera no Direito, e o entendimento de
Rawl sobre a busca pelo equilíbrio reflexivo."
O raciocínio analógico no Direito constitucional, geralmente, opera
sem nada semelhante a uma teoria profunda ou abrangente que possa levar
em consideração os resultados particulares que esta produz. Os juízos que
sustentam convicções sobre os casos relevantes são teorizados de modo in-
completo. Certamente, existe uma sequência contínua de princípios, desde
os mais específicos e de baixo nível aos mais profundos e gerais. Também
é verdade que aqueles envolvidos com o raciocínio analógico devem ser
mais ambiciosos do que os que pensam bem sobre casos difíceis. Sugiro
apenas que, ao se fazer analogias no Direito constitucional, tente-se evitar as
abordagens as quais cheguem muito próximo às teorizações profundas ou
fundantes. O acordo em meio a heterogeneidade é possível por essa razão.
14 Ver RAWLS, Iohn. A theory of justice. Sobre a relação, ver: SUNSTEIN, Cass R. Legal reasoning
and political conflict.
304 Parte I Teoria e Filosofia do Direito
Pode-se questionar, neste momento, por que a concordância é tão
importante, no constitucionalismo ou em outro lugar. O fato de as pessoas
poderem obter um acordo desse tipo - sobre valor e significado do Direito
ou sobre a existência de uma analogia segura - não é garantia de um bom
resultado. Quiçá a Comissão de Sentença tenha incorporado juízos que
eram baseados em ignorância, confusão ou preconceito. O mesmo pode ser
dito sobre analogias. Pessoas em cargos de autoridade podem concordar
que a proibição de casamentos entre pessoas do mesmo sexo é constitucio-
nalmente aceitável, por ser semelhante à proibição de matrimônios entre
tios e sobrinhas; mas a analogia pode estar distorcida, pois existem rele-
vantes diferenças entre essas duas situações e as semelhanças estão longe de
serem absolutas.
O fato de as pessoas concordarem que um caso constitucional A é
parecido com o caso B não significa que o caso A ou B está decidido corre-
tamente. Talvez o caso A não deva ser admitido como certo. Talvez o caso
A não deva ser selecionado como base fundamental para o pensamento
analógico. Talvez o caso Z seja mais perti~ente. Talvez o caso B não seja
realmente como o caso A. Problemas com analogias e raciocínios superfi-
ciais podem nos levar a ser mais ambiciosos. Podemos ser pressionados na
direção da teoria geral- e em direção ao sentido mais amplo e, talvez, mais
controverso - precisamente porque os que executam raciocínios analógicos
oferecem um juízo inadequado e teorizado de modo incompleto de relevan-
tes semelhanças ou relevantes diferenças.
Tudo isso deveria ser suficiente para mostrar que as virtudes de deci-
sões por regra e por analogia são parciais. Nenhum sistema de política e Di-
reito, porém, está apto a ser justo ou eficiente se dispensa regras e analogias.
De fato, não está apto nem para ser colocado em prática.
4. Constituições, casos e decisões políticas teorizadas de
modo incompleto
Decisões políticas teorizadas de modo incompleto representam uma
função essencial no Direito constitucional e na sociedade em geral. É ex-
tremamente raro, para uma pessoa ou grupo, teorizar qualquer assunto,
ou seja, aceitar ambas as teorias gerais e uma série de passos conectando
aquela teoria a conclusões concretas. Desse modo, frequentemente, temos
uma decisão política teorizada de modo incompleto no sentido de que as
pessoas as quais aceitam o princípio não precisam concordar com o que
Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto no Direito constitucional 305
ele representa em casos especiais. Esse é o juízo enfatizado pela Suprema
Corte dos EUA no grande aforismo do juiz Oliver Wendell Holmes: "Princí-
pios gerais não decidem casos concretos."15 O acordo é teorizado de modo
incompleto no sentido de que é especificado de maneira incompleta. Muito
do trabalho-chave pode ser feito por outros, geralmente com juízos de caso
a caso, especificando a abstração no momento de aplicação.
Considere os casos de Polônia, Iraque e África do Sul, onde as previsões
constitucionais incluem muitas previsões abstratas cuja concreta especifi-
cacão tem levado a sérios conflitos. Previsões constitucionais, geralmente,
protegem direitos como liberdade de expressão, liberdade religiosa e igual-
dade perante a lei; e os cidadãos concordam com essas abstrações no meio
dos sérios conflitos sobre qual dessas previsões são realmente vinculantes.
Muito da produção legislativa também só é possível em razão desse fenô-
meno. E quando a concordância sobre uma Constituição escrita é difícil ou
impossível é por estar difícil obter consenso sobre as abstrações dominantes.
Considere-se a situação de Israel, que carece de uma Constituição escrita
porque os cidadãos têm sido incapazes de concordar sobre princípios bási-
cos, mesmo se elevados a um alto nível de abstração.
Observadores do constitucionalismo democrático podem colocar ênfa-
se especial em uma diferente espécie de fenômeno, de especial interesse para
o Direito constitucional nas cortes: decisões políticas teorizadas de modo
incompleto sobre resultados especiais, acompanhadas de decisões políticas
quanto a princípios estreitos ou de baixo nível que contam para elas. Não
existe um algoritmo pelo qual se distinga entre uma teoria de alto nível
e uma que funciona em um nível intermediário ou mais baixo. Podemos
considerar, como exemplos evidentes de teorias de alto nível, o kantismo e o
utilitarismo, e ver ilustrações nos mais distintos esforços (acadêmicos) para
entender áreas como responsabilidade civil, Direito contratual, liberdade
de expressão e o direito de igualdade como baseadas por teorias altamente
abstratas de Direito ou bem. Em contrapartida, podemos pensar em prin-
cípios de baixo nível corno inclusivos da maioria das matérias ordinárias
de justificação constitucional de baixo nível ou doutrina constitucional - a
classe geral de princípios e justificações que as cortes tendem a oferecer. Es-
ses princípios e justificações não são tidos para derivarem de alguma grande
teoria especial do Direito ou do bem, mas têm relações ambíguas com gran-
des teorias e são compatíveis com mais do que uma dessas teorias.
IS Lochner Y. New York, 198 U.S. 48, 69 (1908) (Holmes, J., dissenting).
.~...:S .. ~~~.
306 Parte I Teoria e Filosofia do Direito
I1
Pela expressão princípios de baixo nível (low-Ievel principIes), refiro-me a
algo relativo, não absoluto; pretendo fazer o mesmo com os termos teorias
e abstrações (os quais uso de modo intercalável). Nesse sentido, as noções
de baixo, alto e abstrato níveis são mais bem compreendidas em termos
comparativos com os termos grande, velho e incomum. Portanto, o padrão
de risco claro e atual para regulação do discurso no Direito estaduniden-
se é uma relativa abstração quando comparada com a alegação de que o
governo não pode impedir um discurso terrorista defendendo a violência
na internet ou de que membros do partido nazista possam fazer passeatas
em Skokie, Illinois.
No entanto, a ideia de risco claro e atual é relativamente especial quan-
do comparada com a alegação de que nações deveriam adotar a abstração
constitucional da liberdade de expressão. A sentença liberdade de expressão
é uma abstração relativa quando colocada diante do argumento de que leis
as quais regulam campanhas financeiras são aceitáveis, mas o mesmo termo
é menos abstrato do que os fundamentos que justificam a liberdade de ex-
pressão, por exemplo, o princípio da autonomia pessoal ou a ideia de uma
ir restrita liberdade de ideias.
No raciocínio analógico, esse fenômeno ocorre a todo tempo. Na norma
sobre discriminação, por exemplo, muitas pessoas pensam que discrimina-
ção em função do sexo é como discriminação racial, e deveria ser tratada de.
maneira semelhante, até mesmo se elas carecem de uma teoria geral sobre
quando a discriminaçãoé inaceitável ou não concordam a respeito. Na nor-
ma sobre a liberdade de expressão, muitas pessoas concordam que a proibi-
ção de um discurso feito por um comunista ou terrorista é como a proibição
de um discurso feito por um membro de um partido político fascista, e
deveria ser tratado de maneira semelhante - mesmo se eles carecem de uma
teoria geral sobre os fundamentos do princípio da liberdade de expressão ou
não concordam a respeito.
5. Teorização incompleta e os usos construtivos do
silêncio
o que interessa ser dito de decisões políticas teorizadas de modo in-
completo acerca do conteúdo da Constituição ou juízos teorizados de mo-
do incompleto acerca de casos constitucionais especiais? Algumas pessoas
veem a teorização incompleta como totalmente desafortunada - como
embaraçosas, que refletem problemas importantes, uma falha nevrálgica
Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto no Direito constitucional 307
ou, até mesmo, grosseira. Quando teorizam, mediante o aumento do nível
de abstração, as pessoas assim fazem para revelar preconceito, confusão ou
inconsistência. Seguramente, participantes da política e do Direito consti-
tucional não deveriam abandonar tal esforço.
Existe uma importante verdade nesses pensamentos usuais; não seria
correto comemorar a modéstia teórica em todos os momentos e todos os
contextos. Algumas vezes, os envolvidos com Direito constitucional e política
têm informações suficientes, e concordâncias suficientes, para serem muito
ambiciosos. Algumas vezes, eles precisam racionalizar de modo ambicioso
para poder resolver os casos. Na medida em que as habilidades teóricas de
juízes, ou outros, são infalíveis, a ambição teórica parece ser algo a não ser
lamentado. No entanto, dificilmente juízes são infalíveis, e juízos teorizados
de modo incompleto são uma peça importante e valiosa na vida pública e
privada. Eles ajudam a tornar possíveis Constituições e o Direito constitu-
cional; eles, inclusive, ajudam a tornar possível a vida social das pessoas. O
silêncio - sobre algo que possa se mostrar falso, obtuso ou excessivamente
contencioso - pode ajudar a minimizar conflitos, .permitir que se aprenda
com o futuro e poupar muito em tempo e despesas. O dito e resolvido pode
não ser mais importante do que o omitido.
Apresentam-se quatro questões aqui. A primeira e mais óbvia questão
é que decisões políticas teorizadas de modo incompleto sobre princípios e
casos constitucionais podem ser necessárias para a estabilidade social. Elas
são bem apropriadas para um mundo - e, especialmente, para o mundo
jurídico - que contém discordâncias sociais sobre muitas questões. Seria
difícil obter estabilidade se as discordâncias se alastrassem em cada caso
de discussão pública ou privada. Nas nações do Leste Europeu, tem sido
possível uma criação constitucional estável apenas porque os significados
dos termos abrangentes constantes nos diplomas legais não têm sido espe-
cificados de antemão.
Segunda: as decisões políticas teorizadas de modo incompleto podem
oferecer as duas funções de uma democracia constitucional e de um sistema
jurídico liberal: capacitar pessoas a viverem juntas e permiti-las visualizar,
umas nas outras, uma medida de reciprocidade e respeito mútuo. O uso de
princípios de baixo nível ou regras permite a juízes de órgãos colegiados, e
talvez até cidadãos, geralmente encontrarem um estilo de vida comum sem
produzir antagonismos desnecessários. Regras e princípios de baixo nível
tornam desnecessário resolver as discordâncias fundamentais. Ao mesmo
tempo, decisões políticas teorizadas de modo incompleto permitem às pes-
308 Parte I Teoria e Filosofia do Direito
soas visualizarem umas nas outras um alto grau de mútuo respeito, civilidade,
reciprocidade ou até caridade.
Frequentemente, pessoas comuns discordam de modo profundo sobre
uma questão - o que fazer a respeito do Oriente Médio, da pornografia,
dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, da guerra contra o terroris-
mo - e, às vezes, concordam em não discutir muito tal questão como uma
maneira de postergar de uma para a outra suas fortes convicções e mostrar
uma medida de reciprocidade e respeito (mesmo se, de algum modo, elas
não respeitam a convicção particular que está em jogo). Se reciprocidade
e mútuo respeito são desejáveis, supõe-se que funcionários públicos ou
juízes, talvez até mais do que pessoas comuns, não devam desafiar seus
concidadãos a comprometimentos mais profundos e delineados, pelo me-
nos se os compromissos são razoáveis e se não há necessidade de fazê-los.
Sem dúvida, podemos ver uma espécie de caridade política na recusa de
contestar aqueles compromissos assumidos quando a vida pode prosseguir
sem qualquer contestação assim.
Certamente, alguns compromissos fundamentais são provocados de
modo apropriado no sistema jurídico ou dentro de outros corpos multi-
membros. Alguns compromissos são regulados fora dos limites pela própria
Constituição. Muitas provisões envolvendo direitos básicos têm essa função.
Obviamente, não é sempre desrespeitoso discordar de alguém em uma for-
ma fundamental; pelo contrário, tais discordâncias podem, algumas vezes,
refletir profundo respeito. Quando compromissos definidos são baseados em
demonstráveis erros de fato ou lógica, é apropriado contestá-los. O mesmo
acontece quando aqueles compromissos estão fundados em uma rejeição à
dignidade básica de todos os seres humanos, ou quando é necessário entrar
no conflito para resolver um problema real. No entanto, muitos casos podem
ser resolvidos adotando-se uma escolha teorizada de modo incompleto, e
essa é a matéria ordinária do Direito constitucional; isso é o que estou enfa-
tizando aqui.
A terceira questão é aquela para árbitros de controvérsias sociais: de-
cisões políticas teorizadas de modo incompleto têm a função crucial de
reduzir o custo político de discordâncias perdurantes. Se os participantes
do Direito constitucional desaprovam teorias abrangentes, então, os perde-
dores em casos especiais perdem muito menos. Eles perdem uma decisão,
mas não o mundo. Eles podem ganhar em uma outra ocasião. Suas próprias
teorias não foram rejeitadas ou, por regra, consideradas inadmissíveis.
Quando o raciocínio preponderante para o resultado está desconectado de
Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto no Direito constitucional 309
teorias abstratas de bem ou Direito, os perdedores podem submeter-se a
obrigações legais, mesmo se relutantemente, sem serem forçados a renun-
ciar a seus maiores ideais.
Finalmente, a quarta questão: decisões políticas teorizadas de modo
incompleto são especialmente valiosas quando uma sociedade procura
evolução moral e, até mesmo, progresso a longo prazo. Considere-se a
área de igualdade, na qual uma considerável mudança ocorreu no passa-
do e, inevitavelmente, ocorrerá no futuro. Um julgamento teorizado de
modo completo seria incapaz de acomodar mudanças em fatos ou valores.
Se uma cultura realmente atingisse um teórico estágio final, tornar-se-ia
rígida e calcificada; saberíamos o que pensar sobre tudo. A menos que a
teorização completa fosse livre de erros, prejudicaria a posteridade. Por-
tanto, decisões políticas teorizadas de modo incompleto são a chave para
debates sobre igualdade no Direito e na política, com questões a serem
salientadas sobre discriminação em função de orientação sexual, idade,
deficiência e outros análogos à discriminação em função de raça; tais de-
cisões políticas têm a importante vantagem de permitir um vasto grau de
abertura a novos fatos e novas perspectivas.
Em um ponto, pode-se pensar que relações sexuais entre pessoas do
mesmo sexo são semelhantes ao incesto; em outro ponto, pode-se achar a
analogia bizarra. Certamente, um julgamento teorizado de modo completo
teria muitas virtudes se estivesse correto. Em algum momento particular
no tempo, porém, essa é uma esperança improvável para os seres humanos,
não excluindo os juízes nas disputas constitucionais ou aqueles aos quais
foi confiada a tarefa de criar provisõesconstitucionais. Compare-se o racio-
cínio prático na vida comum: em determinado momento, é possível a uma
pessoa se recusar a tomar decisões que pareçam fundantes em caráter - por
exemplo, se contrairá núpcias no próximo ano, se terá dois, três ou quatro
filhos, se viverá em São Francisco ou Nova York. Parte da justificativa para
essa recusa é a compreensão de que seu entendimento sobre fatos e valores
pode perfeitamente mudar. Na verdade, sua identidade pode mudar de
maneira importante e relevante; e, por essa razão, um conjunto de compro-
missos solidificados feitos antecipadamente - algo como uma concepção
teorizada completa do curso de sua vida - não faria sentido. Os sistemas
jurídicos e as nações não são totalmente diferentes.
310 Parte I Teoria e Filosofia do Direito
6. Burke e seus adversários racionalistas
Aqueles que enfatizam decisões políticas teorizadas de modo incomple-
to têm uma evidente dívida com Edmund Burke, que foi, de certa forma, o
maior teórico da teorização incompleta. Não tento, aqui neste espaço, nada
semelhante a uma exegese de Burke, uma figura extremamente complexa,
mas deixe-nos analisar resumidamente o próprio Burke e, em especial, seu
grande ensaio sobre a Revolução Francesa, no qual rejeitou o temperamento
revolucionário devido à ambição teórica."
A principal afirmação de Burke é que a "ciência de construir uma nova
nação (commonwealth), ou reformá-la, como todas as outras experiências
científicas, não é ensinada a priori" 17. Para criar tal argumento, Burke opõe
teorias eabstrações, desenvolvidas por mentes individuais, às tradições,
construídas por muitas mentes ao longo dos tempos. Na maior parte de sua
vívida passagem, Burke escreve:
A ciência de governo sendo, portanto-tão prática em si mesma, e desti-
nada a finalidades práticas, uma questão que requer experiência, e até mais
experiência do que qualquer pessoa pode ganhar na vida inteira, por mais sa-
gaz e observadora que possa ser, é com infinito cuidado que qualquer homem
deveria se aventurar em destruir um edifício que tem se prestado a atender, em
algum tolerável grau, durante épocas, os objetivos comuns da sociedade, ou
em construí-lo novamente, sem ter modelos e padrões de aprovada utilidade
frente aos seus olhos."
E é por essa razão que Burke descreve o "espírito de inovação" como "o
resultado de um temperamento egoísta e de concepções limitadas"!" e ofere-
ce o termo preconceito (prejudice) como uma aprovação entusiástica obser-
16 BURKE, Edmund. Reflections on the revolution in France.
17 "{ ••• } science of constructing a comrnonwealth, or reforming it, is, like every other experi-
mental science, not to be taught a priori" (Ibidern, p.442).
IB "The science of government being therefore 50 practical in itself, and intended for such prac-
tical putposes, a matter which requires experience, and even more experience than any per-
son can gain in his whole life, however sagacious and observing he may be, it is with infinite
caution than any man ought to venture upon pulling down an edifice whith has answered
in any tolerable degree, for ages the comrnon purposes of soctety, ar on building it up again,
without having models and patterns of approved utility before his eyes" (Ibidern, p.451).
19 "The result of a selfish temper and confined views" (Ibidern, p.428).
Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto no Direito constitucional 311
vando que "em vez de descartar todos os nossos velhos preconceitos, nós os
elevamos a uma condição muito considerável'P''. Enfatizando a importância
fundamental da estabilidade, Burke acrescentou uma referência à maldade
da inconstância e da versatilidade, dez mil vezes pior do que a obstinação e
a cegueira dos preconceitos'?'. A distinção mais impetuosa de Burke, então,
é entre as práticas edificadas e a motivação individual. Ele alega que os cida-
dãos razoáveis, conscientes de suas próprias limitações, efetivamente delega-
rão a tomada de decisão das autoridades a suas próprias tradições. "Temos
medo de colocar os homens para viver e negociar tudo sob seus próprios
estoques de razões privadas", simplesmente
porque suspeitamos de que este estoque em cada homem seja pequeno, e que
os indivíduos fariam melhor a si mesmos valendo-se dos bancos e capitais em
geral das nações e das épocas. Muitos dos nossos homens de especulação, em
vez de explodir preconceitos gerais, empregam sua sagacidade em descobrir a
latente sabedoria que prevalece neles".
Burke foi entusiástico sobre o raciocínio por analogia, e é fácil imaginar
de forma inequívoca uma defesa burkeana de decisões políticas teorizadas de
modo incompleto. No entanto, o entusiasmo de Burke pelas tradições é con-
tencioso, e por uma boa razão. Nos primeiros momentos pós-apartheid, a
África do Sul deveria ter se reconstruído cuidadosamente, e de uma maneira
estritamente vinculada à tradição, com base em seu próprio passado? Ou de-
veria ter adotado uma Constituição baseada em algum tipo de consideração
à liberdade humana e à igualdade? Práticas sociais e criação constitucional
podem ser teorizadas de modo incompleto, embora também sejam anti-
burkeanas. A Constituição sul-africana inclui em si movimentos e ideais que
rejeitam a tradição, e aqueles ideais podem ser aceitos pelos mais variados
fundamentos. No julgamento constitucional, juízes que acreditam nas deci-
20 "Instead of casting away alI our old prejudices, we cherish them to a very considerable de-
gree" (Ibidem, p.451).
21 "The evils of tnconstancy and versatility, ten thousand times worse than those of obstinacy
and the blindest prejudice" (Ibidem).
22 "We are afraid to put men to live and trade each 011 his awn priva te stock of reason, {... }
because we suspect that this stock in each man is small, and that the individuais would do
better to avail themselves of the general bank and capital of nations, and of ages. Many of our
men of speculation, instead of exploding general prejudices, employ their sagacity to discava
the latent wisdom which prevails in them" (Ibidem).
312 Parte I Teoria e Filosofia do Direito
sões políticas teorizadas de modo incompleto talvez requeiram ao governo
que proponha uma razão para essa prática - e insistam que uma tradição ou
uma prática que existe há muito tempo não são motivos.
No Direito constitucional, podemos imaginar competições ferozes en-
tre burkeanos e seus adversários mais racionalistas, até mesmo se ambos os
campos concordam em marchar sob a bandeira da teorização incompleta."
Tais competições não podem ser resolvidas em abstrato; tudo depende da
natureza de relevantes tradições e da competência dos que propõem sub-
metê-las a crítico exame. Minha questão principal é que burkeanos estão
comprometidos com decisões políticas teorizadas de modo incompleto, mas
os que acreditam em tais decisões políticas necessitam não ser burkeanos.
A tradição constitucional estadunidense, geralmente, requer justificativas,
mesmo se de baixo nível; e, por conseguinte, o burkeanismo parece autodes-
trutivo para os Estados Unidos, pois não pode ser facilmente enquadrado nas
tradições estadunidenses.
7.Ascensões conceituais para o Direito constitucional?
Tomando de empréstimo as ideias expostas por Henry Sidgwick em
seus escritos sobre o método ético?", um crítico de decisões políticas teori-
zadas de modo incompleto pode responder que o Direito constitucional de-
veria, frequentemente, recorrer a ambiciosas teorias". Por exemplo, existem,
muitas vezes, boas razões para pessoas interessadas em direitos garantidos
constitucionalmente aumentar o nível de abstração e, por fim, recorrer a
teorias abrangentes. Iuízos concretos sobre casos em particular podem se
mostrar inadequados para a moralidade ou para o Direito constitucional.
Algumas vezes, as pessoas não possuem claras intuições sobre como os casos
deveriam ser resolvidos. Algumas vezes, suas intuições são insuficientemen-
te reflexivas. Algumas vezes, casos aparentemente similares provocam dife-
rentes reações e torna-se necessário aumentaro nível da ambição teórica
para explicar se aquelas diferentes reações são justificadas, ou para mostrar
que casos aparentemente similares são diferentes. Algumas vezes, as pessoas
simplesmente discordam.
23 Sobre esta discussão, ver SUNSTEIN, Cass R. "Burkean minirnalisrn"
24 Ver SIDGWICK. Henry. The methods of ethics.
25 Essa é a tendência em DWORKIN, Ronald. Law's empire.
Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto no Direito constitucional 313
Observando princípios mais amplos, poderemos ser capazes de mediar
a discordância. Em todo caso, existe o problema de explicar nossos juízos
sobre os casos em particular de modo a ver se não são produto de acidente
ou erro. Quando juízes modestos aderem à opinião teorizada de modo
incompleto; devem contar com uma razão ou um princípio, justificando o
resultado preferido a outro. A decisão deve, por si mesma, referir-se à razão
ou ao princípio; ela não pode, simplesmente, pronunciar um vencedor. Tal-
vez o princípio de baixo nível esteja errado porque falha em se enquadrar
aos outros casos, ou porque isso não é defensável como uma questão (juri-
dicamente relevante) de moralidade política.
Em suma, as decisões políticas teorizadas de modo incompleto não
devem ser nada para se comemorar. Se está racionalizando bem a questão,
o juiz deve ter junto de si uma série de outros casos, C mediante Z, no
qual o princípio é testado contra outros e refinado. Pelo menos, se é um
juiz distinto, vai experimentar uma espécie de ascensão conceitual na qual
o princípio pequeno, mais ou menos isolado e de baixo nível, finalmente
faz parte de uma teoria mais geral. Talvez essa seja uma tarefa paralisante;
e, talvez, nosso juiz não precise muitas vezes tentá-la. No entanto, isso é
um modelo apropriado para compreender o Direito e uma aspiração apro-
priada para avaliar os resultados judiciais e políticos. Juízes que insistem
em permanecer baseados em ambições teóricas de baixo nível são fiJisteus,
corno avestruzes.
Existe alguma verdade nessa resposta. Pelo menos se têm tempo e com-
petência, aqueles que exercem raciocínios morais e constitucionais sobre di-
reitos básicos deveriam tentar atingir uma consistência vertical e horizontal
em vez de alcançar apenas as pequenas doses de coerência oferecidas pelas
decisões políticas teorizadas de modo incompleto. Em processos democráti-
cos, é apropriado, e muitas vezes indispensável, desafiar em termos abstratos
as práticas existentes. Esse desafio às decisões políticas teorizadas de modo
incompleto, porém, não deveria ser levado em consideração por mais do
que vale, pois qualquer interesse em ascensão conceitual deve compreender
as características distintivas da arena na qual os criadores constitucionais
(constitutional-makers) e juízes do mundo real devem fazer seus trabalhos.
Como ressaltei, decisões políticas teorizadas de modo incompleto pos-
suem muitas virtudes, incluindo promoção da estabilidade, redução de
custos das discordâncias e demonstração de humildade e respeito mútuo.
Tudo isso pode ser crítico para uma criação constitucional bem-sucedida
em uma sociedade pluralista. A 9uestão trata de disputas constitucionais
. I
I'
1
-- ••_•. • .•u--»""",· .....'----~--.
314 Parte I Teoria e Filosofia do Direito
também. Em uma democracia constitucional que funcione bem, os juízes
são especialmente relutantes em invocar abstrações filosóficas como bases
para invalidar os resultados de processos eleitorais. Eles são relutantes por-
que sabem que podem interpretar maios argumentos filosóficos relevantes
e buscam demonstrar respeito à variedade de cidadãos em suas nações. Uma
ascensão conceitual poderia ser apelativa em termos abstratos; mas, se come-
terão uma asneira (blunder), os que propõem tal ascensão deveriam se manter
mais próximos do chão.
Existem muitas perguntas ocultas. Como, exatamente, podem os juí-
zos morais e políticos se referirem ao conteúdo do Direito em geral e do
Direito constitucional? Qual é a relação entre juízos provisórios ou con-
siderados sobre juízos particulares e correspondentes sobre abstrações?
Algumas vezes, as pessoas interessadas em Direito constitucional escrevem
como se juízos teóricos abstratos, ou teorias abstratas, possuíssem um tipo
de realidade e rigidez que falta aos juízos em particular, ou como se teorias
abstratas oferecessem as respostas para perguntas de concurso que os juízos
particulares, frágeis como são, devem passar ou falhar. Nessa perspectiva,
teorias são projetores que iluminam os juízos particulares e lhes mostram
para o que eles realmente se prestam. No entanto, devemos pensar, pelo
contrário, que não existe uma mágica especial em 'teorias ou abstrações; e
que teorias são, simplesmente, os meios (humanamente construídos) pelos
quais as pessoas dão sentidos aos juízos que constituem seus mundos éticos,
legais e políticos. O abstrato não merece prioridade frente ao particular;
nem deve ser tratado como fundante. Uma (pobre ou cruel) teoria abstrata
pode, simplesmente, ser um modo confuso de tentar fazer sentido quanto a
nossos juízos considerados sobre casos constitucionais particulares, os quais
podem ser melhores do que a teoria.
8. Decisões políticas teorizadas de modo incompleto e a
discordância
Decisões políticas teorizadas de modo incompleto possuem muitas vir-
tudes, mas essas virtudes são parciais. Estabilidade, por exemplo, é trazida
por tais decisões políticas, e estabilidade costuma ser algo desejável; mas um
sistema constitucional estável e injusto deveria, provavelmente, tornar-se
menos estável. Considerem-se duas qualificações para o que tem sido dito
até aqui. Alguns casos não podem ser decididos totalmente sem se intro-
duzir uma dose de justiça em forma de teoria. Alguns casos constitucionais
Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto no Direito constitucional
não podem ser bem decididos sem se introduzir uma mais ambiciosa teo-
ria. Se uma boa teoria (envolvendo, por exemplo, o direito à liberdade de
expressão) está disponível e os juízes podem ser convencidos de que essa
teoria é boa, não deveria existir nenhum taboo em sua aceitação judicial. A
profundidade teórica não pode ser bruscamente rejeitada em abstrato.
O que dizer sobre as discordâncias? A discussão, até aqui, tem se con-
centrado na necessidade de convergência. Existe, de fato, tal necessidade;
mas isso é apenas parte da questão. No Direito, assim como na política, a
discordância pode ser produtiva e se tornar, inclusive, uma força criativa,
revelando erros, mostrando falhas, movimentando discussões e resultados
em boas direções. A ordem constitucional estadunidense tem dado grande
valor ao governo mediante discussão (government by discussion); sendo que,
quando o processo está correndo bem, o mesmo é verdade para o Judiciário
e para as demais instituições. Decisões políticas podem ser um produto de
coerção, sutil ou não, ou de uma falha de imaginação.
Discordâncias constitucionais possuem muitas fontes legítimas. Duas
dessas fontes são especialmente importantes. Primeiro, as pessoas podem
compartilhar comprometimentos em geral, mas divergirem quanto a resulta-
dos particulares. Segundo, as discordâncias quanto a princípios gerais podem
produzir discordância quanto a resultados particulares e a proposições de
baixo nível também. Pessoas que pensam que o princípio de autonomia com-
preende a liberdade de expressão podem, também, pensar que o governo não
pode regular verdadeiras e não enganosas propagandas publicitárias - consi-
derando pessoas que pensam que a liberdade de expressão é basicamente uma
ideia democrática focada no discurso político - e podem não ter interesse em
proteger a propaganda publicitária por completo. A teorização constitucional
pode exercer unia salutar função em parte porque ela testa princípios de baixo
nível por referência a mais ambiciosas demandas. Discordâncias podem ser
produtivas em virtude desse processo de teste.
Certamente, se todos que possuem uma visão geral razoável convergem
quanto a um particular juízo(hipoteticamente razoável), nada está indo
fora do normal. No entanto, se uma decisão política é teorizada de modo
incompleto, existe um risco de todos que participaram na decisão política
estarem equivocados, de modo que, portanto, o resultado seja equivocado.
Existe, também, o risco de alguém razoável não ter participado; e, caso tal
pessoa fosse incluída, o acordo poderia não ter ocorrido. Ao longo do tempo,
decisões políticas teorizadas de modo incompleto deveriam estar sujeitas à
análise e à crítica, pelo menos nas arenas democráticas; e, algumas vezes, em
315
I
i
·1
316 Parte I Teoria e Filosofia do Direito
cortes também. Aquele processo deveria resultar em um pensamento mais
ambicioso do que o ordinariamente adotado pelo Direito constitucional.
Nem é o próprio consenso social uma consideração que supera todo
o resto. Normalmente, seria muito melhor ter um resultado justo, rejeitado
por muitas pessoas, do que um resultado injusto com o qual todos, ou a
maioria, concordam. Uma Constituição justa é mais importante do que um
acordo com base na Constituição. Consenso, ou decisão política, é impor-
tante em grande parte por causa de sua conexão com a estabilidade, esta,
em si, preciosa, mas longe de ser um objetivo social que supere todos os
outros. Bem como Thomas Iefferson escreveu, um certo grau de turbulência
é produtivo em uma democracia." Pode ser correto fazer uma ordem cons-
titucional injusta ser um pouco menos estável. Temos visto que decisões
políticas teorizadas de modo incompleto, mesmo se estáveis e largamente
sustentadas, podem ocultar ou refletir injustiças. Certamente, decisões po-
líticas deveriam ser de forma mais ampla teorizadas quando uma teoria
relevante é claramente certa e às pessoas pode ser mostrado que isso é certo,
ou quando a invocação de uma teoria é necessária para decidir casos. Nada
disso é inconsistente com o que tenho tentado sustentar até aqui.
Seria tolo dizer que nenhuma teoria geral sobre Direito constitucional
ou sobre Direito pode produzir uma decisão política; mais tolo seria negar
que algumas teorias gerais merecem suporte, e a maior tolice de todas seria
dizer que decisões políticas teorizadas de modo incompleto merecem ter ga-
rantido respeito qualquer que seja seu conteúdo. O que parece ser plausível
é algo não menos importante por sua modéstia: exceto em situações inco-
muns, e por múltiplas razões, teorias gerais são uma improvável fundação
para a criação constitucional (constitutional-making) e para o Direito cons-
titucional; enquanto, para os falíveis seres humanos, cuidado e humildade
sobre reivindicações teóricas são apropriadas, pelo menos quando múltiplas
teorias podem levar a uma mesma direção. Esse mais modesto conjunto
de reivindicações nos ajuda a compreender decisões políticas teorizadas de
modo incompleto como um importante fenômeno com suas próprias vir-
tudes especiais. Tais decisões políticas ajudam a fazer as Constituições e o Di-
reito constitucional possíveis, mesmo dentro de nações nas quais os cidadãos
divergem sobre muitas das mais fundamentais questões.
26 Deste modo, Iefferson afirmou que a turbulência é um "productive of good. It prevents
the degeneracy o] government, and nourishes a general attention to [. ..} public affairs. I hold
r ..} that a little rebel/ion now and then is a good thing". Letter to Madison (Ian. 30, 1798),
reimpresso em PETERSON, Merrill D. (ed.). The portable Thomas lefferson.
Capítulo 14 Decisões políticas teorizadas de modo incompleto 110 Direito constitucional 317
Decisões políticas teorizadas de modo incompleto, assim, auxiliam a
iluminar um duradouro enigma constitutional e, de fato, social: como os
membros de diversas sociedades podem trabalhar em conjunto com base
em respeito mútuo em meio a discordâncias rígidas tanto sobre o Direito
quanto sobre o bem. Se existe uma solução para esse enigma, decisões po-
líticas teorizadas de modo incompleto são um bom lugar do qual se pode
começar.
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