jurídicos pertencentes a todas as pessoas, por força do seu nascimento.44 Ou ainda, segundo a tradicional lição de ADRIANO DE CUPIS, os direitos de personalidade são direitos essenciais, sem os quais a personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto.45 Importa sublinhar a presença de um superior patamar axiológico composto pela incontornável compreensão da pessoa humana e a substancial realização dos direitos que dela emanam, fundamentante da ordem jurídico-positiva. Os direitos de personalidade apresentam uma plena abertura normativa, dúctil, cuja extensão há de permitir o abranger da complexa pluralidade existencial do ser humano. Por via de conseqüência, não se esgotam nos enunciados aprioristicamente descritos nos textos legais, é dizer, não há de se pretender um inventariar exaustivo dos direitos da personalidade. Inclusive, essa posição – a da não-tipificação exaustiva dos direitos da personalidade – parece-nos ter sido adotada pelo Código Civil Brasileiro (CCB), haja vista ali estarem traçados seus princípios reitores fundamentais.46 A elevação da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme referimos, marca indelevelmente em nossa normatividade jurídica uma cláusula geral da personalidade, segundo a qual la tutela della personalità si può considerare Miranda, que o direito da personalidade como tal, que tem o homem, é ubíquo: não se pode dizer que nasce no direito civil, e daí se exporta aos outros ramos do sistema jurídico, aos outros sistemas jurídicos e ao sistema jurídico supra-estatal; nasce, simultâneamente, em todos. Tratado de Direito Privado. Tomo VII. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi,1971, p. 13. 43 O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 100. 44 Conforme Carlos Alberto da Mota Pinto. Teoria Geral do Direito Civil. 3ª ed. Coimbra, 1999, p. 206. 45 Os direitos da personalidade. trad. Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro. Lisboa: Livraria Morais, 1961, p.17 46 Cfe. Moreira Alves, (...) se abriu um capítulo para os direitos da personalidade, estabelecendo-se não uma disciplina completa, mas os seus princípios fundamentais. A parte geral do projeto de Código Civil. Revista do Centro de Estudos Judiciários – Conselho da Justiça Federal, no. 09, set/dez. 1999, Brasília, p.08. Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 20 A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito privado unitaria, non definita, senza limiti, elastica, adattabile quanto piú possibile alle situazini concrete ed alle condizioni culturali, ambientali nella quali essa si realizza.47 Da noção geral e aberta do direito de personalidade – cujo objeto é o seu próprio sujeito, é a Pessoa mesmo,48 que visa a preservar os bens essenciais e básicos da pessoa concretamente considerada,49 em sua relação consigo e aquelas estabelecidas com o mundo e a(s) outra(s) pessoa(s), tanto em sua dimensão psico-física quanto moral, amparando o seu autônomo desenvolvimento –, desdobram-se alguns direitos especiais de personalidade, v. g., o direito ao nome (art. 16 do CCB), ao pseudônimo (art. 19 do CCB), à imagem (art. 20 do CCB e inciso X, art. 5º da Constituição Federal), à intimidade (art. 21 do CCB e inciso X, art. 5º da CF).50 Aceita-se, deste modo, um direito geral de personalidade, referente à proteção da dignidade e individualidade humanas, e direitos especiais de personalidade, que possuem um objeto específico.51 De fato, estabelece-se uma relação entre a cláusula geral e os direitos especiais de personalidade, na qual aquela, como a célula mater dos direitos de personalidade, fundamenta e oferece o sentido destes.52 Ante a impossibilidade de se 47 Pietro Perlingieri, op. cit., p. 325. 48 Cfe. Orlando de Carvalho, Para uma teoria da pessoa humana, in O homem e o tempo – liber amicorum para Miguel Baptista Pereira. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 1999, p. 542. 49 Ao referirmos a pessoa concreta, pensamos na superação de um sentido exclusivamente técnico da pessoa (...) quando o sujeito faz parte das relações jurídicas como um elemento, o que significa chegar à própria negação da existência de direitos subjetivos das pessoas. Luiz Edson Fachin. Teoria crítica do Direito civil- à luz do novo Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 99. Pensar dessa forma impulsiona a uma separação do direito em relação ao mundo vivido – acaso não seria esse um dos pilares da pandectística? –, como que se a pessoa dependesse do reconhecimento do legislador para ser titular de direitos e ver seus direitos fundamentais assegurados. Pessoa concreta é a pessoa de carne e osso, que vive e sente, e, que, em sua vida, é capaz de amar e de sofrer, el que come, y bebe, y juega, y duerme, y piensa, y quiere: el hombre que se ve y a quien se oye, el hermano, el verdadero hermano. (...). [Enfim], yo, tú, lector mío: aquel outro de más alla, cuantos pisamos sobre la tierra. Miguel de Unamuno. Del Sentimiento Trágico de la Vida. 3a reimpressão, Madri: Alianza, 2001, p. 21- 22. E esse homem, essa pessoa, assim considerado, há de ser o sujeito e a preocupação máxima de todo o Direito e do Estado democrático, comprometido com uma igualdade material. Afinal, com Orlando de Carvalho, diríamos: É o ser humano, é a Pessoa que se tem de tomar a sério. op. cit., p. 545. 50 Desses exemplos, recortamos duas esferas sobre as quais incidem os direitos de personalidade: uma esfera material e outra imaterial. 51 Na mesma direção, e aprofundando a dimensão histórica dos direitos de personalidade, ver Helmuth Coing. Derecho privado europeo. vol. II. trad. Antonio Pérez Martín. Madri: Fundación Cultural del Notariado, 1996, p. 355 e seguintes. 52 Sobre essa relação, vide a obra de Rabindranath Capelo de Sousa. O direito geral de personalidade. Coimbra, 1995 p. 557 e seguintes. Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 21 A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito privado esgotar na letra da lei o âmbito da personalidade merecedora de tutela, a cláusula geral de personalidade oferece aos operadores do direito um elemento seguro e racionalmente justificável para a proteção concreta da pessoa. Se no caso decidendo não houver a violação específica de um direito de personalidade, recorre-se ao direito geral de personalidade para salvaguardar a substancial proteção da pessoa humana.53 À vista do ponderado, a tutela da personalidade exsurge na constituenda normatividade jurídica perspectivada pela dimensão onto- axiológica do ser humano. Nesse norte, pleiteia o direito de cada pessoa constituir uma vida existencial própria – inclusive o direito de ser diferente,54 de ver reconhecidas as diferenças –, sendo a pessoa o sujeito do direito em um mundo de inter-relações com outros iguais sujeitos. Nesse quadro, compete àquele que é chamado a dizer o direito, ante a problemática suscitada pelo caso concreto, nomeadamente na seara dos direitos da personalidade, orientar sua decisão no sentido de atender as 53 Sobre o tema, ver Karl Larenz. Derecho Civil – parte general. trad. Miguel Izquierdo y Macías-Picavea. Madri: Revista de Derecho Privado, 1978, p. 164-165 passim. 54 Conforme destaca Erik Jayme, a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, (...), criou o conceito