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O contato com o paciente Maria da Graça B. Raymundo A expressão contato, da raiz latina contactum (Carvalho, 1955), quer dizer exercitar o tato, com vistas ao toque dentro de uma relação de influência e de proximidade (Ferreira, 1986). De forma metafórica, no processo psicodiagnóstico, o papel do psicólogo é o de tatear pelos meandros da angústia, da desconfiança e do sofrimento da pessoa que vem em ,busca de ajuda. Tatear, então, é lidar com as inúmeras resistências ao processo, sentimen- tos ambivalentes e situações desconhecidas. Primeiramente, é preciso ter clareza de que a sintomatologia já se fez presente e manifesta em período anterior à marcação da consulta, e de que, certamente, várias formas de driblar o sofrimento foram experimentadas e várias explicações foram empregadas, resultando no incremento da angústia. Essas resistências podem passar, também, pelo desconhecimento do que seja o trabalho com um profissional em psicologia, pelos estereótipos culturais em torno da área psi e dos preconceitos sobre quem requer esse atendimento. No caso de crianças ou adolescentes, as dificuldades são freqüentemente relacionadas com a influência de companheiros, atribuídas à indisciplina ou a "problemas de idade". As resistências mais imperiosas ficam por conta das questões internas, pois estão sob a regência de ananke, a Necessidade, a Grande Senhora do Mundo Subterrâneo ou mundo psíquico inconsciente (Hillman, 1997). Ela manifesta sua força inexorável por desvios, como a desordem, a desarmonia, a aflição diante de si próprio e no trato com as coisas do mundo circundante. Como conseqüência, a própria pessoa procura conviver com os seus sintomas, e a família tenta tolerá-los, mas há limites para o sofrimento e para a tolerância. Freqüentemente, os sintomas são observados por alguém mais, por uma pessoa com certo poder de influência, que pode assumir o papel de agente de saúde, como um professor, uma assistente social, um médico, ou, provavelmente, uma dessas pessoas é procurada, para apoio e aconselhamento, de onde surge a decisão de busca de ajuda. A pessoa em sofrimento chega para o pri- meiro contato com o psicólogo premida pela necessidade de ajuda e pela necessidade de rendição e de entrega. A atitude de respeito do psicólogo, ou seja, o "olhar de novo", com o coração, em conjunto com o paciente para a sua conflitiva, livre de críticas, menosprezo e desvalia, é basilar no exercício de tocar a psique, para uma ligação de confiança. Estabelecera proximidade necessária para a consecução do processo significa mostrar ao paciente que as dificuldades parecem não ir embora enquanto não forem primeiro bem acolhidas. A solução só ganhará espaço e lugar se houver contato. As atitudes de esperança (Hillman, 1993) e da aceitação por parte do psicólogo, da angústia e "da luta entre os opostos", enquanto expressão da "verdade psicológica do eterno jogo de antagonismos" (Silveira, 1992, p. 116), são fundamentais para a pessoa que vem para o primeiro contato, dentro do processo psicodiagnóstico. MOTIVOS CONSCIENTES E INCONSCIENTES A marcação da consulta formaliza um processo de trabalho psicológico já iniciado (Jung, 1985), precedido de intensa angústia e ambivalência. Corresponde à admissão da existência de algum grau de perturbação e de dificuldades que justificam a necessidade de ajuda. A emergência de fortes defesas nesse período pode, por vezes, mascarar as motivações inconscientes da busca pelo processo psicodiagnóstico. Também, nos casos em que o paciente é encaminhado por outrem ao psicólogo, o motivo aparente pode ser a própria solicitação do exame ou fato de ter sido mobilizado por colegas, amigos, parentes. Nessas circunstâncias, o paciente pode ter uma percepção vaga de sua problemática, mas preferir chegar ao psicólogo pelo reforço de um encaminhamento médico, por exemplo. Pode haver algum nível de consciência do problema e lhe ser muito dolorosa a situação de enfrentamento de sua dificuldade. Assim, por suas resistências, o paciente pode negar a realidade e depositar num terceiro a responsabilidade pela procura. Portanto, há uma tendência para que o motivo explicitado ao psicólogo seja o menos ansiogênico e o mais tolerável para o paciente ou, ainda, para o responsável que o leva. Em geral, não é o mais verdadeiro. Conseqüentemente, há tendência para explicitação dos motivos, conforme a gradação e apropriação, pela consciência do paciente. As motivações inconscientes estão no nível mais profundo e obscuro da psique. Constituem-se nos aspectos mais verdadeiramente responsáveis pelas aflições do paciente. Cabe ao psicólogo observar, perceber, escutar com tranqüilidade, aproximar-se sem ser coercitivo, inquiridor, todo-poderoso. Somente assim se criam o silêncio necessário e o espaço para que o paciente revele sua intimidade, ou senão, denuncie os aspectos incoerentes e confusos de seus conflitos. Para tanto, é sobremodo importante observar como o paciente trata a si próprio e as suas dores. Isso passa pelo vestir-se, pelo comunicar-se verbalmente e não verbalmente, pela linguagem corporal, pelo conteúdo dessas comunicações. Todo movimento corpóreo deve ser considerado como indicativo da realidade interior e expressão do psiquismo (Zimmermann, 1992). Assim, o psicólogo pode decodificar as variadas mensagens que recebe, discriminando o quanto há de. reconhecimento do sofrimento, das motivações implicadas, delineando o seu projeto de avaliação. Quando os pais levam a criança ou o adolescente ao psicólogo, pode ocorrer que o sujeito constitua "o terceiro excluído ou incluído" (Ocampo & Arzeno, 1981, p.36). Se ignora o motivo, é excluído. Mas é preciso investigar se está realmente incluído, porque pode ocorrer o fato de os pais verbalizarem o motivo, porém não o mais verdadeiro ou o mais autêntico, dentro de sua percepção. Isso se dá em função de fantasias sobre o que pode acontecer em face da explicitação do que é mais doloroso e profundo e, portanto, do mais oculto. Se a realidade está sendo distorcida, podem advir algumas dificuldades para o psicodiagnóstico, caso o psicólogo não perceba e/ou não altere essa situação. Em primeiro lugar, o processo pode ser iniciado com o conflito deslocado, comprometendo a investigação. Em segundo lugar, o paciente percebe a discrepância e projeta no material de teste suas dificuldades, enquanto o psicólogo "finge estar investigando uma coisa, mas sorrateiramente explora outra socialmente rejeitada" (Ocampo & Arzeno, 1981, p.37). Em terceiro lugar, outras dificuldades podem ocorrer, no momento da devolução: a) no caso do parecer técnico estar contaminado e distorcido; b) porque o psicólogo entra em aliança com os aspectos patológicos; c) por adotar uma atitude ambígua, não sendo devidamente explícito; ou, ainda, d) deixando claros somente os pontos tolerados pelo paciente e por seu grupo familiar. Em quarto lugar, as autoras salientam o comprometimento que pode sofrera indicação para a terapia, visto que o paciente temerá repetir o mesmo vínculo dúbio e falso. Pelo exposto, ficam claras a importância e a complexidade, para o psicólogo, em abarcar o continuam de consciência-inconsciência do paciente, em relação a seus conflitos. Todos os dados psíquicos são relevantes, e cada um ganha múltiplos significados. Compete ao psicólogo abordar cada dado sob vários aspectos, até que seu sentido adquira maior consistência e especificidade. Quando o paciente chega por encaminhamento, deve-se esclarecer quem o encaminhou, em que circunstância ocorreu o encaminhamento e quais as questões propostas para a investigação. Isso pode ser feito ou complementado através de comunicação telefônica. MacKinnon e Michels (1981) informam que alguns profissionais optam por esse procedimento, enquanto outros preferem desconhecer qualquer informação diversa da que lhe chega, por escrito ou verbalmente, via paciente. Conclui-se que é fundamental que o psicólogo esclareça, o mais amplamente possível e de forma objetiva, as motivaçõesconscientes indicadas e as inconscientes envolvidas no pedido de ajuda. Cabe ter-se sempre presente que a natureza humana, como já foi dito por Heráclito, tem predileção por ocultar-se, embora a psique aspire a expressão e reconhecimento constantes. Nessa linha de pensamento, a consideração da objetividade e quantidade de informações parece emprestar um peso para a coleta de dados prévios sobre o caso, especialmente quando os motivos explicitados não parecem corresponder aos reais. Portanto, quanto menos consciente o paciente parecer de sua problemática ou quanto mais fora da realidade parecer estar, mais se torna importante a consideração de informações de terceiros. De qualquer modo, sob o nosso ponto de vista, não se pode prescindir totalmente de informações subsidiárias, no sentido de melhor entender por que o sujeito seleciona certas respostas para lidar com seu ambiente. O esclarecimento dos motivos aparentes e ocultos não só permite a determinação dos objetivos do psicodiagnóstico como também fornece dados sobre a capacidade de vinculação e de concretização da tarefa pelo paciente e/ou responsável. IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE A discriminação entre os motivos explícitos e implícitos para a busca de ajuda colabora para que o psicólogo identifique quem é o seu verdadeiro paciente: a pessoa que é trazida ou assume a procura, o grupo familiar ou ambos. Em face do encaminhamento e do primeiro contato do psicólogo com o paciente e/ou com seu grupo familiar, a tarefa fundamental que se lhe apresenta é definir quem é o paciente, em realidade, levantando todas as indagações possíveis em torno dele e da totalidade da situação envolvida na busca de ajuda, passando pelo grau de consciência das dificuldades. Ocampo e Arzeno (1981) referem que, com freqüência, dentre um grupo familiar, o elemento trazido ao psicólogo e apresentado como doente é, realmente, o menos comprometido da família. Cabe ao psicólogo estar alerta e identificar se o sintoma apresentado é coerente ou não para o paciente e sua família. De forma abrangente, a identificação do verdadeiro paciente verifica-se desde o momento em que ele procura o psicólogo, através de contato telefônico ou pessoalmente, ou quando outro profissional refere ter feito o encaminhamento, até o momento final da entrevista devolutiva. O psicólogo começa a conhecer "quem é" o seu paciente, por meio de perguntas iniciais quando do primeiro contato. DINÂMICA DA INTERAÇÃO CLÍNICA Aspectos conscientes e inconscientes A interação clínica psicólogo-paciente verifica-se ao longo de todo o processo psicodiagnóstico. Essas duas pessoas entram em relação e passam a interagir em dois planos, ou seja, o de atitudes e o de motivações. Ambas têm suas funções e papéis e estão na relação diagnóstica não só como psicólogo e paciente, mas, antes de tudo, como pessoas. No plano das atitudes, está o psicólogo com sua função de examinador e clínico, e está o paciente com sua sintomatologia e necessidade de ajuda. No plano das motivações, estão o psicólogo e o paciente com seus aspectos inconscientes, assumindo papéis de acordo com seus sentimentos primitivos e suas fantasias. No plano inconsciente, têm-se os fenômenos de transferência e de contratransferência. O primeiro é experienciado pelo paciente ao se relacionar, no aqui e agora da situação diagnóstica, com o psicólogo, não como tal, mas como figura de pai, irmão, mãe. A contratransferência verifica-se no psicólogo na medida em que assume papéis na sua tarefa, conforme os impulsos de seus padrões infantis de figuras de autoridade ou outros padrões primitivos de relacionamento. O fenômeno transferencial não tem um caráter só positivo ou negativo, mas consiste na "recriação dos diversos estágios do desenvolvimento emocional do paciente ou reflexo de suas complexas atitudes para com figuras-chave de sua vida" (MacKinnon & Michels, 1981, p. 22). Na situação de psicodiagnóstico, observam-se ocorrências de transferência na necessidade do paciente de estar agradando, de se sentir aceito pelo psicólogo, como, por exemplo, nos pedidos de horário e acerto financeiro especiais. Podem verificar-se situações transferenciais, envolvendo sentimentos competitivos, como no caso do paciente que compete no horário de chegada, ou daquele que desafia e agride o psicólogo, atacando o consultório ou ele próprio (linguagem, vestimentas, conhecimentos, etc.). É importante que a transferência não seja a confundida com o vínculo estabelecido com o psicólogo, na medida em que este se centra na realidade da avaliação, através da interação entre os aspectos de ego mais sadios do psicólogo e do paciente, e é baseado na relação de confiança básica entre a mãe e a criança. A resistência do paciente à tarefa também se constitui em uma forma de transferência. O paciente compete, ou tenta obter provas da aceitação do psicólogo, buscando manipular a situação de testagem, ou espera ser aliviado de seus sintomas, magicamente, por meio do poder que atribui ao psicólogo. O silêncio prolongado e sistemático ou o paciente que fala sem parar também são manifestações de resistência à avaliação. Igualmente, o paciente pode usar mecanismos de intelectualização muito fortes, buscando o apoio e a concordância do psicólogo. Outras formas de resistência são a insistência do paciente em só falar sobre seus sintomas, ou, ao contrário, falar sobre banalidades, evitando os motivos mais profundos, assim como as demonstrações excessivas de afeto para com o psicólogo. A conduta de atuação também encerra resistência e se manifesta nas faltas, nos atrasos, em freqüentes pedidos de troca de horário, em ir ao banheiro várias vezes durante a sessão, por exemplo. É necessário que se saliente que essas condutas devem merecer adequada e sensível avaliação do psicólogo, buscando seu significado dentro da relação vincular com aquele paciente, diante da sua história e do aqui e agora do processo diagnóstico. Em termos de fenômeno contratransferencial, o psicólogo pode ficar dependente do afeto do paciente, deixando-se envolver por elogios, presentes, propostas de ajuda; pode facilitar ou não horários; pode exibir conhecimento e pavonear-se; ou pode proteger o paciente contra os seus sentimentos agressivos. O psicólogo pode se ver tentado a prolongar o vínculo além do que é necessário, ou a competir com o paciente, ou ainda, a conduzir a tarefa como se o fizesse consigo próprio. É fundamental que o psicólogo esteja sempre alerta à contratransferência, no sentido de percebê-la e entendê-la como um fenômeno normal, buscando dar-se conta de seus sentimentos, não permitindo que eles atuem no processo psicodiagnóstico. Por outro lado, os sentimentos contratransferenciais podem ser considerados adequados na medida em que possibilitam que o psicólogo perceba o inconsciente do paciente. Outro aspecto importante a ser considerado no psicodiagnóstico é a percepção que o paciente tem dos objetivos da avaliação e de como ela vai transcorrendo. O psicólogo deve estar atento às manifestações ocultas e aparentes de como o paciente está se sentindo e está se percebendo ao longo da tarefa. Assim, também é imprescindível investigar a motivação do paciente em termos de conhecimentos e de atitudes. Pope e Scott, já em 1967, enfatizavam esse aspecto como a "pré-disposição atitudinal e cognitiva" do paciente ao psicodiagnóstico e sugeriam que o psicólogo efetuasse uma entrevista após a aplicação de testes, ao final da sessão, buscando detectar os dados assinalados (p.28). Com relação ao psicólogo, os mesmos autores fazem comentários sobre a atitude de estímulo, apoio, encorajamento, bem como sobre a atitude distante na produção do paciente à testagem. A propósito, citam um estudo americano, que objetivou avaliar a influência do rapport positivo e negativo na produtividade de respostas ao Rorschach, bem como avaliar características de personalidade do psicólogo intervenientes nessa testagem. Os resultados apontaram para o fatode que a personalidade dos psicólogos exerce maior influência do que o clima emocional da situação de teste. Outrossim, os índices mais produtivos no Rorschach foram associados à forma positiva com que foi administrado o teste (psicólogo afável e compreensivo), e os índices mais comprometidos e menos sadios foram associados à administração negativa (psicólogo distante e autoritário). À forma de administração chamada neutra (psicólogo "cortês, mas metódico") corresponderam índices intermediários entre elevada e baixa produtividade (p.30). Trinca (1983) assinala que o psicólogo se sente ansioso ante os inúmeros dados que emergem durante o exame psicológico. Em função dessa ansiedade, podem ocorrer erros na formulação diagnostica, visto que, de for ma onipotente, pode considerar as "impressões iniciais" com amplitude inadequada. Portanto, é fundamental para o psicólogo o conhecimento de si próprio, devendo estar alerta para o movimento dos processos inconscientes, não deixando de lado, em nenhum momento,_ a sua dimensão única como pessoa. Definição de problemas e necessidades do psicólogo Na tarefa de psicodiagnóstico, o psicólogo sofre pressões do paciente, do grupo familiar, do ambiente, de quem encaminhou o paciente e dele próprio. O paciente quer ser ajudado e quer respostas. O meio ambiente, ou seja, o local de trabalho do psicólogo, os colegas, as chefias, muitas vezes, bem como uma equipe multiprofissional ou não, conforme o caso, também exercem suas pressões sobre a condução do caso, planificação e manejos finais. Num trabalho em equipe formalizado, ou mesmo entre a própria classe dos psicólogos, os aspectos competitivos e invejosos são intensamente mobilizados. A situação de psicodiagnóstico torna-se importante em termos de afirmação e valorização da tarefa do psicólogo. A percepção do ambiente sobre o seu trabalho é uma das pressões exercidas sobre ele. Por outro lado, a sua própria percepção de como exerce e maneja sua tarefa também é um fator de pressão sobre a sua auto-imagem. A pessoa que efetuou o encaminhamento aguarda respostas específicas, as quais a auxiliarão no seu atendimento e/ou reforçarão ou não a confiança no papel do psicólogo.O psicólogo necessita obter dados que possam ser por ele empregados, no sentido de respostas, bem como precisa que esses fatos sejam úteis para a atribuição de escores na testagem. Dessa forma, o psicólogo espera que o paciente colabore, seja franco, forneça todos os dados necessários e seja "comportado", mantendo-se no seu papel. Ora, essa exigência é fantasiosa e decorre da onipotência e arrogância do psicólogo, assim como do desejo de satisfazer as suas necessidades internas e externas. Ele pode ter dificuldades em reconhecer percepções, quer por falta de clareza, quer pelos dados serem muito precários. Pode recorrer à capacidade de representação, como uma forma complementar (Kast, 1997), até que imagens mais claras tenham se estabelecido. Em inúmeras situações, o psicólogo é driblado por sua própria expectativa. Não raro se depara com estudantes e profissionais da psicologia frustrados, porque o seu paciente não forneceu os dados que eles precisavam nem correspondeu ao que eles esperavam do paciente. Caso o paciente se mostre resistente, através de condutas negativistas, evasivas, ou, ao contrário, provocadoras, com excessiva loquacidade, o psicólogo pode experienciar sentimentos de raiva e intolerância, os quais, se não detectados e conscientizados, podem interferir gravemente ou até invalidar o processo avaliativo. Afinal, consiste em sabedoria para o psicólogo compreender e aceitar que a psique se revela, ao mesmo tempo que se esconde e, ao esconder-se, dá-se a revelação (López-Pedraza, 1999). Variáveis psicológicas do psicólogo e do paciente Schafer (1954) refere algumas das necessidades inconscientes e permanentes mobilizadas no psicólogo-pessoa, durante a tarefa de testagem. Esse autor as considera e denomina de constantes, por estarem presentes no psicólogo, independentemente de aspectos pessoais ou circunstanciais e de reações que o profissional tenha diante de pacientes específicos. Essas constantes relativas ao papel de psicólogo são as seguintes: a) aspecto "voyeurista", ou seja, o psicólogo go examina e perscruta com "vários olhos" o interior dos pacientes, enquanto se mantém preservado pela neutralidade e curta duração do vínculo; aspecto autocrático, salientando o poder do psicólogo no psicodiagnóstico, na medida em que diz ao paciente o que deve fazer, de que forma e quando; aspecto oracular, pois o psicólogo procede como se tudo soubesse, tudo conhecesse, tudo prevesse, aspecto esse reforçado pelo encaminhamento, porque o psicólogo vai fornecer as respostas; aspecto santificado, pelo qual o psicólogo assume o papel de salvador do paciente. Na realidade, a situação de psicodiagnóstico apresenta "componentes irracionais que correspondem a tendências inconscientes, implícitas, primitivas, subjacentes aos aspectos socialmente aceitáveis", que não podem ser encarados como patológicos no psicólogo (Cunha, 1984, p.13). Iglesias (1985) comenta que essas constantes, mencionadas por Schafer, diferem da contratransferência, já que este é um fenômeno específico, que irrompe a partir da mobilização despertada por determinados pacientes. Schafer (1954) aponta algumas constantes do paciente na interação clínica: "auto-exposição, com ausência de confiança; intimidade violada", no sentido de que o paciente se sente exposto, vulnerável ao psicólogo, que o devassa; de forma inconsciente, acha que está psicologicamente se exibindo ao psicólogo (este como voyeur); "perda de controle sobre a situação", pois o paciente fica à mercê do psicólogo, na situação de testagem, passando a adotar uma postura defensiva, já que deve cumprir ordens e manejar situações e dificuldades a ele impostas; "perigos de autoconfrontação", já que para o paciente, sofrendo a ambivalência de querer ajuda e recear a confrontação de aspectos dolorosos e rechaçados, a testagem implica ataque aos processos defensivos que vem utilizando; tentação de reagir de forma regressiva, pela dificuldade de aceitação das próprias dificuldades; ambivalência diante da liberdade, uma vez que, embora podendo enfrentar a testagem com liberdade relativa, tem também de enfrentar os riscos de se expor, e assim, no Rorschach, por exemplo, o paciente experiencia simbolicamente o enfrentamento da "autoridade real e fantasiada, presente e ausente", sendo-lhe oferecida excessiva liberdade para o seu grau de tolerância (p. 34-43). Tais constantes reforçam ou provocam reações transferenciais e defensivas, que merecem cuidadoso exame para a ampliação do entendimento do paciente. A situação psicodiagnóstica envolve, pois, uma dinâmica específica, num vínculo relativamente curto, em que se entrelaçam dois mundos, o do psicólogo e o do paciente, passando a interagirem duas identidades. É uma situação ímpar, à qual o psicólogo deve dedicar merecida atenção e valorização. Importância para o psicodiagnóstico Em defesa da propalada neutralidade científica, muitos psicólogos não valorizam os aspec‑ tos dinâmicos da interação clínica, por considerarem que esses dados podem ser fontes de erro para a precisão das mensurações que devem ser efetuadas (Pope & Scott, 1967). Entretanto, a tarefa do psicólogo, num psicodiagnóstico, não se restringe à de um psicometrista, assim como também é um erro crasso vê-lo tão-somente como um aplicados de técnicas projetivas. Mesmo quando o objetivo do psicodiagnóstico parece bastante simples, o psicólogo não pode perder de vista a dimensão global da situação de avaliação, levando em conta todos os padrões de interação que se estabelecem. Portanto, é essencial enfatizar a necessidade de o psicólogo estar consciente, atento e alerta tanto para as suas próprias condições psicológicas, para o uso que faz de seus recursos criativos e expressivos, como para as reações e manifestações do paciente,percebendo a qualidade do vínculo que se cria e levando em conta todos esses aspectos para o entendimento do caso.
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