Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ANDRAGOGIA E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Pablo Bes A importância da didática na andragogia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer o conceito de didática e sua evolução histórica. Correlacionar os princípios andragógicos com a didática nas turmas de EJA e de educação pro� ssional. Identi� car aspectos didáticos importantes para o processo de ensino e aprendizagem com alunos jovens e adultos. Introdução A didática é uma ciência cuja evolução histórica acompanha as próprias teorias educacionais, logo, para estudá-la, é preciso conhecer um pouco das principais tendências ou teorias do ensino que se desenvolvem e modificam as maneiras como o ensino e a aprendizagem são vistos e propostos. Conhecida como a disciplina que estuda a “arte de ensinar”, a didática também deverá ser ajustada, adequada ao perfil dos alunos com quem se desenvolverá um processo educativo. Neste capítulo, você vai conhecer a evolução histórica da didática e quais as tendências que melhor se aplicam a jovens e adultos, seja na escolarização fundamental ou na educação profissional. Serão estabele- cidas algumas ênfases didáticas que devem ser seguidas pelos docentes ao desenvolverem suas atividades educacionais com os jovens e adultos para que atinjam sucesso em suas tarefas docentes. A evolução histórica do conceito de didática Todo docente procura uma forma de tornar suas aulas mais atrativas e inte- ressantes, para que a aprendizagem torne-se signifi cativa aos alunos e para sua realização pessoal como professor. Em busca de respostas a esses anseios, U3_C07_Andragogia.indd 71 21/08/2017 14:32:24 surge a didática, identifi cada como a “arte de ensinar”, que irá propor técnicas diversas que facilitarão ao docente a condução e o desenvolvimento de suas aulas. Comenius, na obra Didáctica Magna, escrita em 1657, aborda o conceito de didática da seguinte forma: Nós ousamos prometer uma didática magna, ou seja, uma arte universal de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo, para obter resultados, de ensinar de modo fácil, portanto sem que docentes e discentes se molestem ou enfadem, mas, ao contrário, tenham grande alegria; de ensinar de modo sólido, não superficialmente, de qualquer maneira, mas para conduzir à verdadeira cultura, aos bons costumes, a uma piedade mais profunda (COMENIUS; GOMES, 1976, p. 13). Comenius revolucionou a forma como a educação vinha sendo pensada na sua época e, com a obra Didáctica Magna, pretendia estabelecer um padrão de técnicas que estabelecesse uma junção perfeita entre a teoria e a prática para o ensino das crianças. Aliás, frente ao cenário da época, em que a imprensa recentemente havia sido descoberta e em meio às grandes navegações, o pensador tcheco era um grande entusiasta do uso das tecnologias nas ações educativas que propunha. No entanto, o ensino nessa época ainda era dirigido a poucos de uma elite, o que não agradava ao autor. Logo, quando afirma “ensinar tudo a todos”, refere-se a estender o ensino a toda a população (crianças), não somente aos filhos de nobres e ao clero. Na realidade brasileira da educação andragógica, voltada para jovens e adultos, é muito interessante e merece des- taque o dizer de Comenius: “sem que docentes ou discentes se molestem ou se enfadem”. Esse trecho pode ser considerado como um guia para que as ações, os ajustes relativos à organização das aulas nos aspectos espaciais (disposição das mesas e cadeiras) e na organização do tempo (cronologia das atividades a serem desenvolvidas, tempo para realização, intervalos necessários, etc.) sejam estabelecidos sem ocasionar desgastes para ninguém. A didática acompanha a própria história da educação, propondo as melhores técnicas e práticas para que haja uma melhoria na educação. Essa evolução do conceito da disciplina de didática será afetada pelas várias teorias de ensino que vão se estabelecer historicamente, como a Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Renovada, a Pedagogia Tecnicista e a Pedagogia Crítica. A importância da didática na andragogia 72 U3_C07_Andragogia.indd 72 21/08/2017 14:32:24 De acordo com Damis (2010, p. 206): Historicamente, os conhecimentos produzidos sobre arte de ensinar caminharam da ênfase no ensino para a aprendizagem, da transmissão de conhecimentos pelo professor para a orientação de atividades para estimular o pensamento e a reflexão do estudante, da importância de planejar contingências de reforço, com o objetivo de alcançar formas es- pecíficas de comportamentos, para regular aprendizagens e desenvolver competências nos estudantes. Enfim, o entendimento produzido sobre o ato de ensinar caminhou, historicamente, no sentido de priorizar ora um ora outro elemento que constitui o ato de ensinar. Pode-se, portanto, ter uma noção mais precisa de como ocorrem modifica- ções no conceito de análise sobre o qual a didática irá se debruçar e como vai se ajustando às novas teorias que surgem. A Figura 1 apresenta essa mudança de ideias centrais na didática. Figura 1. Evolução histórica das ideias centrais da didática. Fonte: adaptada de Damis (2010). Ênfase no ensino Transmissão deconhecimentos Ênfase na aprendizagem Atividades para pensar e re etir Desenvolvimento de competências Reforços para atingir comportamentos O esquema mostra como a forma de atuação com os jovens e adultos deve seguir alguns desses padrões, como o do desenvolvimento de competências, muito utilizado na educação profissional, e da obrigatoriedade da utilização de atividades que se proponham a levar o aluno a pensar e refletir sobre a sua própria realidade, contextualizando com os temas desenvolvidos em sala de aula. 73A importância da didática na andragogia U3_C07_Andragogia.indd 73 21/08/2017 14:32:25 Ensino e aprendizagem podem parecer sinônimos, mas representam ações bem diferentes e específicas, aliadas a teorias distintas. Enquanto o ensino focaliza no docente como o centro da condução dos processos, a aprendizagem procura analisar como esses processos ocorrem pelo viés do aluno em sala de aula. Logo, poderá haver processos de ensino nos quais a aprendizagem não ocorra. Os princípios da andragogia e a didática nas turmas de EJA e na educação profissional de jovens e adultos A concepção de didática que mais se alinha com os atuais princípios balizadores da andragogia é a chamada didática crítica, que se alinha com a Pedagogia Crítica e propõe que a escola inserida dentro de um contexto social leve à transformação através da refl exão crítica sobre a própria sociedade. Considera para esse fi m a aliança entre teoria e prática de forma inseparável. De acordo com Knowles (1970), os princípios da andragogia são: a necessi- dade do aprendiz de saber; o autoconceito do aprendiz; a experiência anterior do aprendiz; a prontidão para aprender; a orientação para a aprendizagem e a motivação para aprender. A didática para trabalhar com públicos jovens e adultos deve levar em consideração esses princípios ao propor técnicas que elevem o nível das aprendizagens desse grupo específico de alunos. Os jovens e adultos ne- cessitam, sobretudo, perceber a contextualização, a aplicação prática dos conteúdos que o docente está propondo a partir da proposta curricular para a turma. Há envolvimento nas discussões em busca dos melhores formatos de ensino-aprendizagem que serão postos em prática, e a utilização de suas competências já desenvolvidas nas experiências vividas costuma promover motivação e engajamento. A importância da didática na andragogia 74 U3_C07_Andragogia.indd 74 21/08/2017 14:32:25 Leia mais sobre a didática e a formação do professor no artigo A didática e sua con- tribuição no processo de formação do professor, dos autores Barbosa e Freitas (2016). Ao pensar em uma didática que se encarregue de auxiliar o docente nas suas tarefas com uma turma de jovens e adultos, pode-se entender que o seu conceito devair além da mera associação com técnicas de ensino e práticas eficazes para esse público. Deve-se levar em conta o seu papel na própria formação do docente, acompanhando as constantes mudanças do mundo e sua relação com a docência. Segundo Veiga (2004-2005, p. 13): Enfatizar o processo didático da perspectiva relacional significa analisar suas características a partir de quatro dimensões: ensinar, aprender, pes- quisar e avaliar. O processo didático, assim, desenvolve-se mediante a ação recíproca e interdisciplinar das dimensões fundamentais. Integram-se, são complementares. Veiga aponta um importante caminho para o professor analisar se suas ações no trabalho com adultos estão seguindo em um caminho didaticamente adequado. Basta analisar se os processos de ensino estão de acordo com os princípios andragógicos, se a aprendizagem tem sido efetivada por parte dos alunos, o que pode ser verificado através de avaliações diversificadas. O do- cente pode, também, envolver-se com a pesquisa que irá fazer para aprimorar suas habilidades intelectuais que repercutirão diretamente na sua atuação docente. Dessa forma, o docente que trabalha com jovens e adultos deve estar sempre se questionando sobre o que é preciso ser ensinado e o que, efetivamente, seus alunos precisam aprender para utilização direta na vida pessoal e profissional. Essa reflexão se constitui em parte importante da didática para jovens e adultos. 75A importância da didática na andragogia U3_C07_Andragogia.indd 75 21/08/2017 14:32:25 Aspectos didáticos importantes para o processo de ensino e aprendizagem com alunos jovens e adultos Alguns aspectos importantes da didática a ser utilizada em uma turma de jovens e adultos, seja ela de ensino fundamental ou voltada para a educação profi ssional, devem ser evidenciados. Um deles é o triângulo didático (Figura 2), proposto por Brousseau (1996) em seus estudos sobre a didática da matemática. Figura 2. O triângulo didático. Fonte: Beck (2016). Situação de ensino-aprendizagem TAREFA CONTEXTO ESTUDANTEDOCENTE Ensino Ensino Aprendizagem Aprendizagem Atividade Os vértices do triângulo didático são o docente, o estudante e as tarefas/ atividades a serem desenvolvidas. Fica claro, dentro do esquema proposto, que o ensino recai sobre o docente, e a aprendizagem recai sobre o estudante. O professor se apresenta como o mediador que, através da formulação de tarefas e atividades, irá levar o aluno até a aprendizagem dos saberes necessários. Ao trabalhar com ações educacionais para jovens e adultos, o contexto (que se encontra no esquema envolvendo todos os elementos da tríade) se faz muito importante, pois, seguindo os princípios da andragogia, esse perfil de alunos necessita estar constantemente relacionando sua realidade social ao que vem estudando em sala de aula. Logo, esta seria a primeira ênfase de uma didática para esse público: a contextualização. Ao propor atividades condizentes com os princípios da andragogia para sua turma de EJA ou na educação profissional, o docente deve levar em conta como A importância da didática na andragogia 76 U3_C07_Andragogia.indd 76 21/08/2017 14:32:26 serão transformados e adaptados os saberes científicos que constam em sua programação curricular para serem desenvolvidos, de forma contextualizada, e, além disso, que possam ser entendidos pela turma, o que leva a uma nova ênfase: a transposição didática. Ao exercer a docência com jovens e adultos, é necessária a permanente percepção de que eles já têm uma bagagem de conhecimentos e vivências anteriores muito superior se comparada com o público infantil e que já de- senvolveram seus métodos próprios de pensar e resolver seus problemas sobre as questões práticas que lhe são impostas. Logo, a didática para esse público alvo também deve se preocupar em mapear, em: [...] identificar a natureza desses conhecimentos práticos e desses supostos estilos cognitivos próprios dos adultos, e investigar de que modo pode- riam ser mobilizados para as aprendizagens tipicamente escolares, ou, em outra perspectiva, de que maneira os conteúdos da escola deveriam ser modificados para se adequar a esse modo de pensar próprio que os jovens e adultos desescolarizados já teriam forjado ao longo da vida (RIBEIRO, 1999, p. 191). Leia mais sobre o campo pedagógico da EJA no artigo A formação de educadores e a constituição da educação de jovens e adultos como campo pedagógico, da autoria de Ribeiro (1999). Como Ribeiro (1999) cita, os adultos apresentam uma forma própria de pensar e que deve ser levada em conta para a adequação das tarefas e atividades que serão propostas a eles. Finalizando essa busca por uma aplicação didática que seja vista com sucesso para esse público, salienta-se a busca constante do professor em investigar novas técnicas e propor sempre uma flexibilidade em seus planejamentos, entendendo que muitas vezes serão necessárias correções nas trajetórias que foram traçadas, ajustes nas técnicas utilizadas, modificações propostas em novos diálogos com a turma. Enfim, a participação dos adultos durante o processo de ensino e aprendizagem é constante e, dessa forma, exige um ambiente flexível por parte do docente e de seu planejamento. 77A importância da didática na andragogia U3_C07_Andragogia.indd 77 21/08/2017 14:32:26 Assista ao vídeo Saberes, alunos e docentes: o Triângulo Didático, disponível no link ou código a seguir. https://goo.gl/LbXc9o A importância da didática na andragogia 78 U3_C07_Andragogia.indd 78 21/08/2017 14:32:27 BARBOSA, F. A. dos S.; FREITAS, F. J. C. de. A didática e sua contribuição no processo de formação do professor. Revista Saberes da FAP, [Pimenta Bueno], n. esp., p. 1-13, jan. 2016. Disponível em: <http://fapb.edu.br/revistas/artigos/102605>. Acesso em: 8 ago. 2017. BECK, Caio. O triângulo didático. 2016. Disponível em: <http://www.andragogiabrasil. com.br/artigos/triangulo-didatico>. Acesso em: 8 ago. 2017. BROUSSEAU, G. Fundamentos e métodos da didáctica da matemática. In: BRUN, J. (Dir.) Didática das matemáticas. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 35-113. COMENIUS, J. A.; GOMES, J. F. Didáctica magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1976. DAMIS, O. T. Arquitetura da aula: um espaço de relações. In: DALBEN, A. I. L. de F. et al. (Org.). Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: didática, formação docente, trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 202-218. KNOWLES, M. S. The modern practice of adult education: andragogy versus pedagogy. New York: New York Association, 1970. RIBEIRO, V. M. A formação de educadores e a constituição da educação de jovens e adultos como campo pedagógico. Educação & Sociedade, Campinas, v. 20, n. 68, p. 184- 201, dez. 1999. Disponível em: <http://ref.scielo.org/vz78cr>. Acesso em: 8 ago. 2017. VEIGA, I. P. A. As dimensões do processo didático na ação docente. In: ROMANOWSKI, J. P.; MARTINS, P. L. O.; JUNQUEIRA, S. R. A. (Org.). Conhecimento local e conhecimento universal: pesquisa, didática e ação docente. Curitiba: Champagnat, 2004-2005. p. 13-30. Leituras recomendadas CANDAU, V. M. (Org.). Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Vozes, 2002. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. A importância da didática na andragogia 80 U3_C07_Andragogia.indd 80 21/08/2017 14:32:27
Compartilhar