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Dilthey e a Compreensão do Mundo Humano

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Dilthey retoma o argumento do conhecimento do criador, ao afirmar que o
homem somente pode conhecer o mundo do espírito, a realidade histórico-social
(geschichtlich gesellschaftlichen Welt). A natureza não poderia ser conhecida em
seus fundamentos últimos, no que ela é em si, mas apenas conforme apreendida
pelo espírito humano. A posição de Dilthey irá influenciar todo o
desenvolvimento posterior das ciências humanas, que se orientará pela célebre
distinção entre os mecanismos da explicação (Eklärung), próprio das ciências da
natureza, e da compreensão (Verstehen), específico das ciências do espírito. Tais
categorias, introduzidas pelo historiador Droysen6, foram retomadas e
reelaboradas por Dilthey, no sentido de que as ciências do espírito também não
prescindem do mecanismo da explicação, e as ciências da natureza só se tornam
verdadeiras ciências apoiadas no mecanismo da compreensão.
Dilthey e a idéia de “vida humana”
“Em 1860, Dilthey, o maior pensador que teve a segunda metade do século
XIX, fez a descoberta de uma nova realidade: a vida humana”. Estas palavras,
com que Ortega y Gasset inicia o artigo Aurora da razão histórica7, nos
surpreendem duplamente: por apresentar Dilthey como o ‘maior pensador do
século XIX’ e por revelar o tardio da descoberta da ‘vida humana’ pela
epistemologia. Vimos com Koyré que a transição do ‘mundo fechado’ ao
‘universo infinito’ característica da modernidade havia modificado de tal maneira
o ‘quadro de pensamento’ do homem europeu que pode-se, a partir de então,
considerar que ali surgiu um novo homem. Para Ortega y Gasset, a “aurora da razão histórica” é o momento em que o homem moderno, depois de três séculos,
começa a se dar conta de sua própria historicidade8.
Segundo Ortega y Gasset, a descoberta da ‘vida humana’ por Dilthey
implica em que, a partir daí, a filosofia tem de assumir que o homem não tem
natureza, mas sim história. Enquanto a filosofia moderna havia-se preocupado em
apreender no homem aquilo que tivesse permanência e universalidade, Dilthey
concebia a vida do homem como uma resultante das dimensões destino, acaso e
caráter9. Decorre daí que o homem não mais poderia ser abordado pela ciência ou
pela filosofia como um ser dotado de uma razão universal. A idéia de ‘vida
humana’ submete a própria razão à dimensão histórica do homem. 
Em conseqüência da apresentação da idéia de ‘vida humana’, a
epistemologia teve de ser repensada. Pois, em suas origens, a ciência moderna
pretendeu conhecer tão somente o mundo físico, a “matéria extensa” de Descartes.
A partir do momento em que a própria realidade humana é tomada como objeto
do conhecimento científico, Dilthey dá-se conta de que a ‘vida humana’ constitui
uma realidade peculiar, que não pertence ao ‘universo infinito’ dos físicos. O que
Dilthey descobre, ou mesmo revela, é que a ‘vida humana’ deve ser considerada o
centro do universo do conhecimento. O mundo físico não é senão uma criação do homem, no afã de compreender a vida que lhe é próprio.
As ciências do espírito teriam como objeto o homem e o comportamento humano; para Dilthey é possível, diante do mundo humano, adotar uma atitude de "compreensão pelo interior", ao passo que, diante do mundo da natureza, essa via de compreensão estaria completamente fechada. Os meios necessários à compreensão do mundo histórico-social podem ser, dessa maneira, tirados da própria experiência psicológica, e a psicologia, deste ponto de vista, é a primeira e mais elementar das ciências do espírito. A experiência imediata e vivida na qualidade de realidade unitária (Erlebnis - Vivência; Experiência) seria o meio a permitir a apreensão da realidade histórica e humana sob suas formas concreta e viva.
Em seus ensaios intitulados Estudos sobre os fundamentos da ciências do espírito e Teoria das concepções do mundo, Dilthey submete a uma análise rigorosa o conceito de Erlebnis. Em A essência da filosofia, obra de (1907), Dilthey chega a afirmar a falência da filosofia como metafísica. Dilthey propõe uma filosofia histórica e relativa e que analise os comportamentos humanos e a esclarecer as estruturas do mundo no qual vive o homem contrapondo-se a uma metafísica que se pretende colocar como imagem compreensiva da realidade e a reduzir todos os aspectos da realidade a um único princípio absoluto.
Nicola Abbagnano, em sua História da Filosofia, descreve que, para Dilthey, a historicidade é essencial ou constitutiva do homem e, em geral, do mundo humano. Em segundo lugar, na concepção de Dilthey, o mundo histórico é constituído por indivíduos que, enquanto "unidades psicofísicas vivas", são os elementos fundamentais da sociedade: é por isso que o objectivo das ciências do espírito é "o de reunir o singular e o individual na realidade histórico-social, de observar como as concordâncias (sociais) agem na formação do singular". Por isso, no domínio das ciências do espírito, a historiografia tem um carácter individualizante e tende a ver o universal no particular (vol. doze. pgs 214-215).
A filosofia se torna uma das estruturas que constituem uma civilização e o trabalho do historiador seria precisamente captar as relações que, em uma sociedade, ligam as diferentes manifestações do mundo cultural. É sobre este postulado que se apóiam as principais obras históricas de Dilthey, como A análise do homem, A história da juventude de Hegel e Estudo sobre a história do espírito alemão.

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