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69
Uma Trajetória da Prática Médica 
 
A enfermidade cria dependência. O doente precisa não só de tratamento médico, mas também 
de cuidados gerais e de abrigo. Ao longo da história, as sociedades criaram várias instituições para 
fornecer os serviços necessários. Uma dessas instituições, o hospital, é hoje o centro do sistema de 
atenção médica. E a atenção às necessidades dos doentes sempre esteve intimamente ligada às 
condições econômicas, políticas, sociais e culturais a governarem a vida do homem. 
Em vários períodos históricos, o cuidado dos doentes e dos inválidos criou modelos 
institucionais característicos de certas sociedades. O hospital medieval era uma instituição eclesiástica, 
não preocupada com a atenção médica. E foi substituído, no século XVI, por um outro tipo, cujos 
objetivos não eram religiosos, mas sociais. Para isto, o hospital passou ao controle governamental e 
suas atividades aceitas como responsabilidade da comunidade. A atenção médica, porém, ainda não 
estava entre suas funções principais. Isto é, tal como existiu entre os sécs. XVI e XIX, o hospital tinha 
como objetivo primeiro ajudar na manutenção da ordem pública, e era uma espécie de instrumento de 
exclusão e transformação espiritual, em que a função médica não aparecia. Assim, o hospital 
instituição importante, e mesmo essencial, para a vida urbana do Ocidente, desde a Idade Média, não 
se incluía entre as instituições médicas, e a medicina era uma prática não-hospitalar. 
O hospital como instrumento terapêutico data do final do século XVIII. Neste período, várias 
forças que lhe eram externas o transformaram no que é hoje. Desde que quando, e em função de que, o 
hospital passou a ser um instrumento de intervenção sobre a doença e o doente, com a intenção de 
produzir cura? Com a universalização da assistência médica, houve um extraordinário crescimento da 
rede assistencial extra-hospitalar. Se, no caso da medicina praticada no hospital, verificamos uma clara 
relação entre uma estrutura de saber e uma organização institucional, o mesmo não se pode dizer da 
prática fora do hospital. Como ela se estrutura e o que a diferencia da medicina hospitalar? 
 
I - A Evolução do Hospital 
 
Templos como o de Asclépio, em 
Epidauro, ofereciam acomodações para os que 
procuravam ajuda junto aos deuses. Iatreia , 
ou salas de cirurgia, eram comuns entre os 
gregos. Na Roma Imperial, havia várias formas 
de assistência médica, além da oferecida pelos 
clínicos municipais, entre elas estava o 
hospital. Durante a República, os romanos não 
dispunham de mais nada. No século I d.C., no 
entanto, surgiram as valetudinárias , ou 
enfermarias, para escravos. A fundação, 
durante a Idade Média, de hospitais para 
pobres e indigentes nasceu das valetudinárias 
romanas. A partir do séc. IV, já podemos 
encontrar instituições destinadas aos doentes e 
necessitados. 
A concepção de ser necessária 
assistência social em caso de doença ou outro 
 70
infortúnio era altamente desenvolvida durante 
a Idade Média. Estava presente entre 
muçulmanos, judeus e cristãos e evidenciou-se, 
principalmente, pela criação de hospitais. 
Considerações religiosas e sociais 
predominaram no desenvolvimento destes 
serviços. Os cristãos tinham um dever de 
caridade para com seus companheiros doentes 
e sofredores. A este sentimento se juntava 
outro valor: cuidar dos doentes trazia 
benefícios à salvação da alma. 
No Ocidente, o hospital desenvolveu-se 
de modo lento, graças à estreita ligação com a 
Igreja, não é de surpreender que a primeira 
contribuição significativa para o 
estabelecimento de hospitais tenha vindo dos 
mosteiros medievais. Os mosteiros tinham uma 
enfermaria, onde os monges doentes eram 
tratados, uma farmácia e, freqüentemente, um 
horto com plantas medicinais. Além de 
cuidarem dos membros da comunidade 
monástica, os monges também atendiam a 
peregrinos e viajantes. O início desta prática 
não está precisamente estabelecido, mas é bem 
possível que se situe na aurora da Idade Média. 
O hospital se difundiu porque se tornou 
um instrumento central em torno do qual 
grandes ordens se estabeleceram. Fundados ao 
longo das rotas percorridas pelos cruzados, 
muitas ordens cavaleiras, durante as guerras 
santas, assumiram a missão de criar e mantê-
los.Com o correr do tempo, muitos tipos 
diferentes de benfeitores também fundaram 
hospitais, como reis, nobres, comerciantes 
ricos, etc. 
O primeiro hospital na Inglaterra 
fundou-se em 937, sendo dedicado a São 
Pedro. Por volta do século XV, a Europa já 
estava coberta por uma rede de hospitais. Na 
verdade, não é exagero considerar a criação do 
hospital uma das grandes façanhas, em Saúde 
Pública, da Idade Média. Por exemplo, só na 
Inglaterra, mais ou menos no meio do séc. 
XIV, havia mais de seiscentas instituições 
deste tipo. Em 1300, Florença, com uma 
população de 90.000 habitantes, tinha trinta 
hospitais e abrigavam mais de mil pessoas 
doentes e necessitadas. Criado como 
instituição filantrópica e como agência de 
auxílio aos pobres, o hospital também foi 
concebido como instituição religiosa e 
espiritual. 
No final da Idade Média, os hospitais se 
mostravam cada vez mais inadequados para 
enfrentar os novos contextos em que os 
problemas de saúde e bem-estar eram 
considerados. Como, segundo a perspectiva 
medieval, os pobres, doentes e debilitados 
podiam ser considerados necessários para a 
salvação daqueles que praticavam a caridade; 
encorajavasse a mendicância. Agora, esse 
problema passava a ser visto de forma diversa. 
Apesar das causas da pobreza pouco 
terem mudado entre os sécs. XIII e XVI, 
circunstâncias econômicas e sociais alteraram 
seu significado e intensificaram seu impacto. E 
os pobres e mendigos, muitas vezes, 
começaram a se fingir de doentes para serem 
admitidos nos hospitais. Com isso, as 
autoridades entenderam que o hospital passara 
a ser uma instituição central para a vida da 
comunidade. Ao emergir da era medieval, era 
um instrumento da sociedade para minorar a 
pobreza, erradicar a mendicância e, sobretudo, 
 71
restabelecer a ordem pública. E o 
desenvolvimento de hospitais no séc. XVIII e 
início do séc. XIX está ligado a importantes 
correntes políticas e sociais, especialmente o 
mercantilismo e o despotismo esclarecido, a 
iniciativa privada e a ação cooperativa, a 
concepção de uma política nacional de saúde. 
O primeiro fator de transformação não 
foi a busca de uma ação positiva do hospital 
sobre o doente ou a doença, mas a anulação 
dos efeitos negativos do hospital. Procurou-se, 
primeiro, purificá-lo dos efeitos nocivos que a 
desordem provocava. Isto quer dizer, purificá-
lo das doenças que ele podia provocar nas 
pessoas internadas e espalhar na cidade e da 
perpétua desordem econômico-social. No 
século XVII, a primeira grande organização 
hospitalar da Europa se situou não no hospital 
civil, mas nos hospitais marítimos e militares, 
lugares de desordem econômica, em que se 
dava o tráfico de mercadorias, objetos 
preciosos, matérias raras, etc. 
O traficante fazia-se doente e era levado 
para o hospital no momento do desembarque, a 
esconder objetos que escapavam, assim, do 
controle econômico da alfândega. Os grandes 
hospitais marítimos de Londres, Marseille ou 
La Rochelle eram lugares de um tráfico 
intenso, contra o que protestavam as 
autoridades financeiras. O primeiro 
regulamento de hospital, que aparece no século 
XVII, refere-se à inspeção dos cofres que os 
marinheiros, médicos e boticários detinham 
nos hospitais, para se registrar o que eles 
contêm. Aparece, também, neste hospitais 
marítimos e militares, o problema da 
quarentena, isto é, da doença epidêmica que as 
pessoas desembarcadas podem trazer. A 
quarentena é, essencialmente, um tipo de 
hospitalização que não procura fazer do 
hospital um instrumento de cura, mas impedir 
que seja foco de desordem econômica ou 
médica. 
Os hospitais militares e marítimos se 
tornaram o modelo da reorganização hospitalar 
porqueas regulamentações econômicas 
tornaram-se mais rigorosas no mercantilismo, 
e porque o preço dos homens tornou-se cada 
vez mais elevado. É nesta época que a 
formação do indivíduo, sua capacidade, suas 
aptidões passam a ter um preço para a 
sociedade. Tome-se o caso do exército, por 
exemplo. 
Até a segunda metade do século XVII, 
não havia dificuldade em recrutar soldados. 
Existiam, em toda a Europa, desempregados, 
vagabundos, miseráveis prontos para entrar no 
exército de qualquer nacionalidade ou religião. 
Com o surgimento do fuzil, no final do século 
XVII, o exército torna-se muito mais técnico e 
custoso. Para se aprender a manejar um fuzil 
serão precisos exercício e adestramento, e o 
custo de um soldado será maior do que uma 
simples mão-de-obra. Assim, a reorganização 
do hospital militar servia para: 1) vigiar os 
soldados para que não desertassem; 2) evitar 
que morressem; 3) evitar que, já curados, 
fingissem estar doentes. 
O mesmo se deu com o hospital 
marítimo, a partir do momento em que a 
técnica da marinha se tornou muito mais 
complicada e não se podia mais perder pessoas 
de formação muito custosa. Então, a 
reorganização do hospital não se fez através de 
 72
uma técnica médica, mas, essencialmente, a 
partir da disciplina. E a introdução de 
mecanismos disciplinares no espaço confuso 
do hospital irá permitir sua medicalização. As 
razões econômicas, o preço atribuído ao 
indivíduo, o desejo de evitar que as epidemias 
se propagassem explicam a regulamentação 
disciplinar do hospital. Mas, para esta 
disciplina ser médica, deverá haver uma 
transformação no saber médico. 
 
II - A Constituição do Saber Médico Moderno 
 
A medicina dos séculos XVII e XVIII 
era profundamente individualista, da parte do 
médico, compreendendo o conhecimento de 
textos e a prescrição de receitas, mais ou 
menos secretas ou públicas. A experiência 
hospitalar estava excluída da formação médica. 
Na medicina da época, a chamada “Medicina 
das Crises”, a cura só surgia através de uma 
relação individual entre médico e doente. O 
médico devia observar o doente e a doença 
desde os seus primeiros sinais, para descobrir 
quando a crise apareceria. A crise era o 
momento em que se defrontavam, no doente, a 
natureza sadia do indivíduo e o mal que o 
atacava. Nesta luta entre a natureza e a doença, 
o médico devia observar os sinais, prever a 
evolução, ver de que lado estaria a vitória e 
favorecer, na medida do possível, a vitória da 
natureza e da saúde sobre a doença. Assim, a 
idéia de uma longa série de observações no 
interior do hospital, em que se poderia registrar 
as constâncias, as generalidades, etc., estava 
excluída da prática médica. 
A partir do momento em que se legitima 
como principal centro produtor e reprodutor do 
saber médico, o hospital vai abrigar e facilitar 
a grande transformação operada na 
racionalidade médica do século XIX - a 
racionalidade anatomoclínica - base do saber 
médico moderno. Com o "olhar clínico", 
inaugurado por Bichat (1771-1802), ocorre 
uma mudança qualitativa na percepção da 
doença. Enquanto a clínica dos sintomas 
(medicina classificatória) se preocupa em 
chegar a uma essência nosológica, a 
anatomoclínica se arma para explorar um novo 
espaço: a doença deixa de ser uma entidade, e 
passa a ser representada pela lesão inscrita na 
profundidade do corpo. 
A nova espacialização, iniciada por 
Bichat, vai adquirir maior coerência nos 
trabalhos de Broussais(1772-1838). Ele 
sistematiza a relação lesão-sede-causa da 
doença. A localização do processo patológico, 
realizada por Bichat, recebe, da parte de 
Broussais, um olhar mais ampliado, que inclui 
um esquema causal. Através da teoria da 
irritabilidade dos tecidos, ele conclui ser a sede 
da doença, ao mesmo tempo, o sítio etiológico. 
A doença seria uma alteração tecidual 
secundária a um processo irritante (causa), 
situado em determinado tecido ou órgão 
(sede), evidentemente através da lesão. Assim, 
o "ser-da-doença", tão valorizado na medicina 
dos sintomas, torna-se secundário para o 
método anatomoclínico, que reduz a doença ao 
espaço do organismo. O "ser-da-doença", dá 
lugar ao "corpo doente". 
 73
O exercício desta nova clínica exigiu e 
determinou a reformulação do espaço 
hospitalar. Não era mais possível realizar a 
observação clínica rigorosa, exigida pelo novo 
olhar médico, sem a estrutura do hospital. 
Assim, a medicina anatomoclínica redefine o 
papel do hospital. O estudo da morte abre 
caminho para a compreensão do que sucedeu 
em vida e, consequentemente, para o acúmulo 
do conhecimento médico. O hospital se 
transforma em espaço estratégico a permitir 
não só a observação clínica rigorosa, mas, 
sobretudo, o estudo detalhado da morte. 
Finalmente, vale ainda destacar a 
relação do hospital com a cirurgia. Até meados 
do séc. XIX, a cirurgia estava seriamente 
limitada, de duas maneiras. A mais importante 
era a quase inevitável ocorrência de infecção 
da ferida, que resultava, amiúde, em 
septicemia fatal. Complicação comum, em 
especial nos hospitais, onde os pacientes 
sucumbiam à “gangrena do hospital”, ou a um 
“hospitalismo” ainda mais vago. A introdução, 
em 1846, da anestesia por éter, superou o outro 
fator limitante: o controle da dor. Entretanto, 
as chamadas “doenças de hospital” ganharam 
ainda mais vigor, assumindo proporções 
epidêmicas. A tal ponto, que as autoridades de 
Nurembergue chegaram a pensar em demolir o 
Hospital Geral e dirigentes e funcionários do 
Hospital do Condado de Lincoln, na Inglaterra, 
aceitaram uma decisão igualmente radical. 
Essa era a realidade, quando, em 1865, o 
cirurgião Joseph Lister (1827-1912) introduziu 
a cirurgia anti-séptica. O método anti-séptico 
de tratamento das feridas produziu resultados 
espantosos, ultrapassados na década de 1880, 
por técnicas baseadas no princípio da assepsia. 
 
III - A Medicina Hospitalar 
 
Como vimos, a formação de uma 
medicina hospitalar se deve, por um lado, à 
disciplinarização do espaço hospitalar, e, por 
outro, à transformação do saber e da prática 
médicas. Com esta dupla origem, o hospital irá 
adquirir as seguintes características: 
1ª) Preocupação com o espaço do 
hospital, dentro do planejamento sanitário da 
cidade, e com a distribuição interna; 
2ª) Transformação do sistema de poder. 
Até meados do séc. XVIII, quem detinha o 
poder era o pessoal religioso. A visita médica 
era irregular e se destinava a centenas de 
doentes. O médico estava, além disso, sob a 
dependência do pessoal religioso, que o podia, 
inclusive, despedir. A partir do momento em 
que o hospital é concebido como um 
instrumento de cura e a distribuição do espaço 
torna-se um instrumento terapêutico, o médico 
passa a ser o principal responsável pela 
organização hospitalar. A ele se pergunta como 
se deve construí-lo e organizá-lo. Além disso, 
se o regime alimentar, a ventilação, a ingestão 
de líquidos, etc., são fatores de cura, o médico, 
controlando o regime dos doentes assume, até 
certo ponto, a administração econômica, até 
então privilégio das ordens religiosas. 
Ao mesmo tempo, sua presença se 
afirma e se multiplica. O ritmo das visitas 
aumenta cada vez mais até que, em torno de 
 74
1770, decide-se que um médico deve residir no 
hospital, para que seja chamado a qualquer 
hora do dia ou da noite, para observar o que se 
passa. Aparece, assim, o médico do hospital, 
que antes não havia. O grande médico, até o 
séc. XVIII, não aparecia no hospital; era o 
médico de consulta privada, que tinha 
adquirido prestígio graças a um certo número 
de curas espetaculares. Aquele que as 
comunidades religiosas chamavam para fazer 
visitas aos hospitais eram, em geral, os piores 
médicos; 
3ª) Organização de um sistema de 
registro permanente e detalhado de tudo o que 
acontece: técnicas de identificação dos 
doentes, produção de prontuários, etc. 
Constitui-se, assim, um campo documental a 
fazer do hospital, também, um lugar de 
registro, acúmulo e formaçãode saber. Então, 
o saber médico que, até o início do séc. XVIII, 
estava localizado nos livros, começa a ter seu 
lugar no hospital, nos registros do dia-a-dia. 
Assim, por volta de 1780/1790, começa-se a 
afirmar que a formação de um médico deve 
dar-se no hospital. Assim, o hospital, além de 
ser um lugar de cura, passa a ser também um 
lugar de formação de médicos. 
Por outro lado, a observação detalhada 
dos sintomas, dos sinais e da evolução do 
doente acontece no interior do hospital, e 
permite uma atitude médica de extrema 
curiosidade diante da doença. Tudo era 
observado e anotado; cria-se o prontuário do 
doente, o registro detalhado das observações. E 
só o hospital permitia este trabalho, que o novo 
médico considerava ser decisivo para o avanço 
do conhecimento. Em pouco tempo, o estudo 
da medicina se deslocou dos livros clássicos 
para os acervos hospitalares; entre 1780-1790, 
já existia um consenso de que a formação 
médica tinha que ser realizada no espaço 
hospitalar. O aprendizado médico deixou de 
estar vinculado apenas à literatura e se dirigiu 
à observação à beira do leito do doente 
hospitalizado: é a medicina da cabeceira do 
doente. 
Assim, desde que o exame minucioso do 
paciente internado passou a ser decisivo para o 
exercício da prática e do ensino médicos, o 
hospital ganhou uma posição invulgar na 
História da Medicina. A rotina das atividades 
hospitalares, por si só, já era ensino, e punha 
em cheque o ensino ministrado nas 
universidades. O crescente prestígio hospitalar 
acaba, não sem conflitos, vencendo a 
resistência da velha instituição universitária, e 
obrigou as cátedras ao silêncio. De agora em 
diante, professor e aluno vão observar de 
forma obsessiva tudo o que estiver ao alcance 
dos seus sentidos. Não mais com o intuito de 
classificar a doença, como na medicina das 
espécies, mas movidos pela necessidade de 
esclarecer o mecanismo e a evolução da 
doença, graças à observação rigorosa do 
indivíduo hospitalizado. Ao contrário do que 
acontecia até então, professor e aluno passam a 
ter tarefas semelhantes; ambos estão à beira do 
leito a observar os sinais emitidos pelo doente, 
para chegarem a um esclarecimento sobre a 
natureza da doença. 
Enfim, desde a medicalização do 
hospital até a virada do século XX, apenas os 
pobres, sem recursos para obter assistência 
médica em casa, eram hospitalizados. Com o 
 75
advento da antissepsia e, posteriormente, com 
os avanços tecnológicos, os hospitais 
começaram a construir anexos (ou a adaptar 
parte de sua área) para os doentes particulares. 
O médico, antes um frequentador ocasional do 
hospital, sem responsabilidade administrativa, 
vem a dedicar grande parte de seu tempo às 
atividades hospitalares. No hospital moderno, 
o médico estará envolvido não só com a 
doença do seu paciente, mas com as questões 
gerenciais, com os custos, com os 
equipamentos, com a relação de equipe, etc. O 
hospital, centro fundamental de pesquisa e 
ensino da medicina científica, complementa o 
seu projeto, tornando-se, também, terapêutico. 
De agora em diante, vai ocupar um lugar 
central no campo médico: o lugar de ensino, 
pesquisa e assistência médicos. 
 
IV - A Medicina fora do Hospital 
 
Até meados do século XX, o Estado 
assegurava a saúde como força física, 
capacidade de trabalhar. Progressivamente, o 
conceito de saúde, os meios para manter a boa 
saúde, a presença do Estado segurador capaz 
de recuperar a saúde, darão a tônica à segunda 
metade do nosso século. A partir daí, o estatuto 
do direito à saúde, como um direito de 
cidadania a ser proporcionado pelo Estado, irá 
redefinir completamente a organização do 
campo médico. A década de 40 é o marco 
histórico das grandes mudanças definidoras do 
projeto médico contemporâneo. Agora, a 
medicina terá como principal tarefa a execução 
do projeto de reorganização do espaço urbano, 
através de ampla intervenção física sobre as 
cidades. 
O discurso médico que sustenta as 
transformações ocorridas no campo da saúde é 
também um discurso transformado, que 
incorporou a idéia da promoção da saúde. O 
projeto médico de intervenção social ganhou 
um novo impulso, proporcionou a montagem 
da rede assistencial extra-hospitalar, que, em 
pouco tempo, assumiu posição de dominância 
no quadro de assistência. Apesar do hospital 
dominar todo o processo de incorporação 
tecnológica, de formação de recursos humanos 
para a medicina sofisticada e, 
consequentemente, de sustentar a imagem de 
espaço avançado da pesquisa e da prática 
médicas modernas, seu horizonte, no plano das 
políticas de saúde, foi, em grande parte, 
superado pela intervenção extra-hospitalar. 
Além de trabalhar em espaços diferenciados - 
o ambulatório, a família, o trabalho, a escola, 
etc. - essa medicina não se detém, apenas, no 
corpo acometido por uma lesão/disfunção, mas 
estrutura outros corpos como objeto de sua 
prática: o corpo das relações interpessoais, o 
corpo da família, o corpo da escola, etc. 
Os dois séculos de hegemonia da 
medicina anatomoclínica têm no hospital o 
centro institucional das práticas, da produção e 
da reprodução do saber. Entretanto, com a 
universalização da assistência médica 
proporcionada pelo direito à saúde, houve um 
extraordinário crescimento da rede assistencial 
extra-hospitalar. E, se no caso da medicina 
hospitalar podemos verificar uma clara relação 
 76
entre uma estrutura de saber (o 
anatomoclínico) e uma certa organização 
institucional (o hospital); o mesmo não se pode 
dizer da medicina extra-hospitalar. Assim, as 
tentativas de extensão do saber 
anatomoclínico, nos moldes da prática 
hospitalar, estão condenadas ao fracasso e à 
produção de graves distorções. 
A medicina hospitalar consegue manter 
a coerência, e até mesmo ser representada 
como uma ciência, porque trabalha com um 
grupo selecionado de doentes - os lesionais - 
ao mesmo tempo em que nega a condição de 
doente aos não-portadores de lesão. A 
medicina extra-hospitalar, por sua vez, surge 
do amplo processo de medicalização da 
sociedade, que transforma cada indivíduo em 
um doente em potencial, pois as várias 
situações de vida e sensações físicas e mentais 
passaram a ser objetos da competência médica. 
Portanto, não se destina apenas a uma parcela 
dos enfermos, mas é desafiada pelo universo 
das sensações mórbidas e dos sofrimentos 
individuais. 
Assim, a prática médica fora do hospital 
constitui uma verdadeira rede de mediações, 
em que o médico que se restringir a seguir 
apenas o discurso médico científico, estará 
simplesmente imobilizado. Ilustram esta 
afirmação o descompasso entre o quadro de 
doenças mais comumente diagnosticadas e a 
lista dos medicamentos mais prescritos; a 
freqüente constatação de que sintomas físicos 
não apresentam base orgânica; as significativas 
diferenças encontradas, entre países 
desenvolvidos, para taxas de cesareanas e 
tratamentos; a ampla e significativa variação 
geográfica no uso dos mais variados 
procedimentos. 
Em nossos dias, a demanda por 
assistência médica, sobretudo ambulatorial, 
apresenta altíssima incidência de casos 
"diagnosticados" como funcionais, não-
orgânicos, vagos ou mal definidos. Esta vasta 
categoria inclui a imensa romaria a vagar 
desamparada em busca de sucessivas consultas 
especializadas, de um interminável rol de 
exames complementares, de receitas de 
psicotrópicos, etc. Deve-se, então, entender o 
campo médico extra-hospitalar como um 
espaço diferenciado da prática médica. Importa 
destacar as diferenças na estrutura de saber de 
cada campo, isto é, caracterizar a constituição 
de dois campos diferenciados, e em grande 
parte independentes, a delinearem não apenas a 
organização institucional da medicina, mas, 
sobretudo, a estruturação do saber e da prática. 
Assim, de um lado situa-se a medicina 
científica, praticada no hospital, dedicada ao 
atendimento dos casos graves, com risco de 
vida, onde se aplica a "ciência médica" 
(racionalidade anatomoclínica) na investigaçãoe no tratamento; de outro, está a prática médica 
fora do hospital, caracterizada, sobretudo, 
pelos problemas da vida cotidiana que, 
transformados em “queixas”, correspondem à 
maior parte do atendimento ambulatorial. 
 
 
 77
Referências Bibliográficas 
 
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de Mestrado apresentada ao Instituto de Medicina Social da UERJ. Rio de Janeiro: xerox, 1988. 
 
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