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1 Emergências Pediátricas Doença Falciforme na emergência Introdução O termo Doença Falciforme engloba todas as anemias genéticas com predomínio de Hemoglobina S, sendo que a Anemia Falciforme faz parte desse grupo e é associada à homozigose de Hb SS. Ela é sinônimo de anemia drepanocítica e caracteriza-se por produção anormal de hemoglobinas no corpo, sendo mais comum aquelas em forma de foice associadas ao gene HbS, gerando quadros de anemia por defeitos estruturais de hemoglobina e por hemólise. No grupo das doenças falciformes também estão as duplas heterozigoses e as interações com as talassemias. Epidemiologia Mais frequente na África Subsaariana Ocidental, Arábia Saudita e Índia. É observada também em regiões endêmicas da Malária, por haver associação em anemia falciforme e resistência à malária. No Brasil, cerca de 35mil pessoas são portadores de doença falciforme. Fisiopatologia De modo geral, a hemoglobina S é resultado da troca de ácido glutâmico pela valina na posição 6 da cadeia beta do gene da globina A. Existem diferentes tipos de hemoglobinas, que diferem quanto à estrutura: Hemoglobina A (2 cadeias alfa + 2 cadeias beta, sendo 95% das hemoglobinas encontradas em adultos), Hemoglobina A2 (2 cadeias alfa + 2 cadeias delta, sendo 3% das hemoglobinas em adultos) e Hemoglobina F (2 cadeias alfa + 2 cadeias gama, sendo produzida no período fetal e só restando 2% em adultos). Existem ainda variantes comuns da hemoglobina, que possuem déficits funcionais: Hemoglobina S (associada a alteração no gene beta que gera anemia falciforme se houver homozigose βSβS), Hemoglobina C (alteração no gene beta predominante na África Ocidental, associada a anemia hemolítica e leve esplenomegalia em homozigotos βC) e Hemoglobina E (associada a anemia hemolítica branda, microcitose e leve esplenomegalia em homozigotos βE). Variantes incomuns da hemoglobina incluem a persistência da Hemoglobina F, Hemoglobina H (4 cadeias beta normais, gerando afinidade excessiva pelo O2 e pouca liberação dele para as células) e Hemoglobina de Bart (4 cadeias gama, estando associada a alfa talassemias em fetos). No caso da anemia falciforme, a hemoglobina S consegue transportar O2, mas em casos de desoxigenção, suas moléculas se aglutinam e induzem a conformação de foice da hemácia. Isso pode ser revertido pela oxigenação, mas não se a membrana for totalmente alterada. Essas hemácias são prematuramente destruídas pelo sistema fagocitário do corpo, podendo haver hemólise intra e extravascular. A hemólise intravascular gera vasculopatia proliferativa e alterações endoteliais que geram estado inflamatório crônico e exposição de fatores teciduais desencadeantes da cascata de coagulação. Por conseguinte, há vaso-oclusão, isquemias e infarto tecidual, gerando lesões orgânicas crônicas e crises dolorosas agudas. Os quadros de emergência são facilitadores pelos seguintes fatores: mudanças na estrutura e função da membrana da célula vermelha, distúrbios do controle de volume celular, aumento da aderência endotelial, fenômenos inflamatórios crônicos. Isso facilita a polimerização da HbS, a adesão de plaquetas, hemácias e leucócitos, a redução de óxido nítrico até a formação de microtrombos periféricos. Manifestações Na emergência, possíveis manifestações são: anemia, hemólise, hiperbilirrubinemia/icterícia, vasculopatia cutânea (úlceras de MMII), expansão de medula óssea, crise de aplasia, AVE, priapismo, tubulopatias ou insuficiência renal crônica, retinopatias proliferativas, osteomielite, fibrose esplênica progressiva. Em fígado e vias biliares pode haver: litíase biliar, crises vaso-oclusivas no fígado com icterícia e hepatomegalia. Síndrome Torácica Aguda pode ocorrer, havendo dor torácica, tosse, dispneia, taquipneia, hipoxemia, febre, hipercapnia e infiltrado pulmonar novo ao RX de tórax, podendo ser precipitadas por infecções. Em casos ainda mais graves, pode haver AVC associado a déficit focal agudo, alterações de consciência, crises epilépticas, osteonecrose Complicações englobam sequestro esplênico (redução de Hb com reticulocitose e esplenomegalia, havendo palidez, mal estar, dor abdominal, hipotensão, taquicardia; tratada com transfusão 2 Emergências Pediátricas de hemácias e estabilização clínica), crise aplásica (parada transitória da eritropoiese e queda abrupta de Hb e reticulócitos, gerando anemia sem esplenomegalia e hipovolemia, com tratamento sintomático), crises de dor (causadas por isquemia e precipitadas por infecções, febre, desidratação, acidose e hipotermia, gerando dor em extremidades/abdome/dorso, tratando com repouso, analgesia e manejo do fator precipitante). Sinais de alerta são: febre, desidratação, letargia, cefaleia intensa, palidez, vômitos, sintomas neurológicos, resistência a analgesia. São pacientes mais suscetíveis a bactérias como Pneumococo, E. coli, S. aureus e Salmonela, além de serem mais infectados por apresentarem hipoventilação, hipoperfusão tecidual e imunodepressão por asplenia funcional. Em quadros de febre, letargia e instabilidade hemodinâmica, iniciar imediatamente antibióticos. Diagnóstico ✓ Teste do pezinho ✓ Eletroforese de hemoglobina ✓ Clínica na emergência Conduta na emergência 1. Infecções ✓ Mais comuns: pneumonia, meningite, osteomielite, artrite séptica, sepse. ✓ Asplenia funcional associada a queda da HbF e predomínio da HbS, com quadro de vaso-oclusão no baço, pequenos infartos e fibrose até dificuldade na opsonização de microorganismos, principalmente encapsulados. ✓ Em caso de febre: avaliar grau de palidez, instabilidade hemodinâmica, tamanho do baço, SatO2 e sintomas neurológicos. ✓ Exames: HMG, contagem de reticulócitos, hemocultura, RX tórax, EAS e urocultura, análise de LCR ✓ PROFILAXIA: • Penicilina profilática VO 125mg 2xd até 2 anos e, após, 250mg 2xd OU Penicilina G benzatina IM OU Etritromicina VO 20 mg/kg/dia. • Vacinas: pneumocócica 13-valente, pneumocócica 23-valente, influenza. ✓ TRATAMENTO: • Internação para casos de: toxemia, infecção de SNC, osteomielite, artrite séptica, < 1 ano, temperatura > 39,5ºC, complicações. • Ceftriaxona EV 50-75 mg/kg + macrolídeo (se pneumonia) OU Clindamicina EV 10-15 mg/kg (se alergia a cefalosporina) 2. Crises dolorosas ✓ Desencadeantes: infecções, traumas, frio, acidose, desidratação ✓ Dor, edema, aumento de temperatura local, artralgia, febre. Início abrupto, migratório e duração de horas a dias. ✓ Oxigênio + analgesia (Dipirona + Ibuprofeno OU Codeína OU Morfina) + aquecimento de articulações + hidratação cautelosa + transfusão, se indicado. 3. Síndrome Torácica Aguda ✓ Causas: infecções, edema pulmonar, atelectasias, tromboembolismo gorduroso. ✓ Infiltrado pulmonar recente ao RX + febre, dor torácica, sintomas respiratórios. ✓ Internação +oxigênio + ATB amplo espectro + analgesia + fisioterapia respiratória + hidratação cautelosa +transfusão (se queda de Hb >igual 1 g/L do basal e Hb < 9) 4. Sequestro esplênico: ✓ Esplenomegalia dolorosa, dor abdominal, fadiga, palidez, taquicardia, sinais de choque. ✓ Confirma: esplenomegalia súbita + redução da Hb >igual a 2 g/dL do basal. ✓ Internação + transfusão (se anemia com sintomas) + esplenectomia 5. AVE ✓ Confirma: TC de crânio ou RM de crânio ou AngioRM ✓ Ventilação + oxigênio + controle hemodinâmico + hidratação + transfusão de hemácias ou exsanguinotransfusão + considerar anticonvulsivante e neurocirurgia. 6. Crise Aplástica ✓ Quadro: fadiga progressiva, taquipneia e taquicardia, sincope, IC, AVE ✓ Confirma: queda da Hb, redução e reticulócitos, sorologia para Parvovírus B19 ✓ Internação + controle diário do HMG + transfusão de concentrado de hemácias 3 Emergências Pediátricas 7. Priapismo ✓Oxigênio + Analgesia + hidratação VO ou IV + diurese precoce + ansiolítico. ✓ Graves: intervenção urológica com irrigação de corpo cavernoso com alfa-adrenérgicos. 8. Outros: ✓ Transfusões: para casos de sequestro esplênico, crise aplastica, hipoxia crônica, cansaço e dispneia com Hb < basal, falência cardíaca, cirurgias maiores. ✓ TCTH ✓ Hidroxiureia: para casos de 2 ou mais crises álgicas ao ano com necessidade de intervenção; disfunção orgânica crônica; anemia profunda; indicação de hemotransfusão crônica; Sd torácica aguda. ✓ Quelantes de ferro ✓ Ácido fólico 1 mg/d
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