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Letícia Santos – Medicina ASMA DEFINIÇÃO A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas que cursa com hiperatividade brônquica em resposta a diferentes estímulos. Caracterizada por aumento da responsividade das vias aéreas a variados estímulos, com consequente obstrução ao fluxo aéreo, de caráter recorrente e tipicamente reversível, espontaneamente ou com tratamento. EPIDEMIOLOGIA A asma é um distúrbio extremamente comum. Atinge cerca de 300 milhões de pessoas ao redor do mundo, tendo a maioria dos casos início antes dos 25 anos de idade – embora possa acometer qualquer faixa etária. O Brasil ocupa a 8ª posição em prevalência de asma. A prevalência varia de 4,7% a 30,5% - com média de 20% da população, segundo o estudo multicêntrico ISAAC, envolvendo 56 países. Além disso, segundo o Data-SUS, o Brasil teve 160 mil internações por asma em 2011, colocando a asma como quarta causa de internações. Os meses de outono e inverno possuem taxas maiores de internação, o que destaca o caráter sazonal da doença. A asma é levemente mais frequente em crianças do sexo masculino (<14 anos) e em mulheres adultas. Possui uma relação hereditária muito acentuada, sabe-se que a probabilidade de uma pessoa ter asma é de 25% caso um dos seus genitores possuírem asma e de 50% caso os dois genitores sejam asmáticos. FATORES DE RISCO Alguns fatores de risco desencadeantes de crises asmáticas incluem: - Alérgenos: pó doméstico, alimentos, ácaros, pelos de animais, mofo, pólens, fungos - Tabagismo ativo e passivo - Medicações - Poluição e mudanças climáticas - Exercício físico - Infecções virais - Aspirina - Estresse e fatores ocupacionais ETIOLOGIA Ainda não se sabe exatamente o que causa a asma, mas sabe-se que existem diversos fatores envolvidos na fisiopatologia da doença, como a hereditariedade – diversos genes são envolvidos na sua patogênese, embora não se tenha encontrado um que isoladamente precipite a doença – fatores ambientais e a obesidade. A atopia (resposta imunitária exagerada mediada pela IgE, ou seja, distúrbios de hipersensibilidade tipo I) é o fator predisponente identificável mais forte para a asma. Em mais de 90% das crianças e 60% dos adultos, a asma tem origem alérgica e seu mecanismo envolve a produção de imunoglobulinas IgE. Nela, temos a reação imediata e a reação tardia, constituindo a inflamação crônica que caracteriza a doença. FISIOPATOLOGIA Os principais fatores que contribuem para o desenvolvimento da asma são a predisposição genética à hipersensibilidade tipo I (atopia), a inflamação aguda ou crônica das vias aéreas, e a hiperresponsividade brônquica a variados estímulos. A asma pode ser subclassificada em atópica (evidência de sensibilização a alérgeno) ou não atópica. Em ambos os tipos, os episódios de broncoespasmo podem ser desencadeados por diversas exposições, tais como infecções respiratórias (especialmente as virais), irritantes aéreos (p. ex., fumaça, vapores), ar frio, estresse e exercício. Também existem padrões variados de inflamação – eosinofílico (mais comum), neutrofílico, inflamatório misto e paucigranulocítico – que estão associados a diferentes etiologias, imunopatolologias e respostas ao tratamento. A forma atópica clássica está associada à ativação excessiva da célula T auxiliar tipo 2 (TH2). As citocinas produzidas pelas células TH2 são responsáveis pela maioria das características da asma atópica; a IL-4 e a IL- 13 estimulam a produção de IgE, a IL-5 ativa os eosinófilos e a IL-13 também estimula a produção de muco. A IgE recobre os mastócitos submucosos que, ao serem expostos ao alérgeno, liberam os conteúdos de seus grânulos e secretam citocinas e outros mediadores. Os mediadores derivados dos mastócitos produzem duas ondas de reação: fase inicial (imediata) e fase tardia: • A reação de fase inicial é marcada por broncoconstrição, aumento na produção de muco e vasodilatação. A broncoconstrição é desencadeada por mediadores liberados de mastócitos, incluindo-se histamina, prostaglandina D2 e leucotrienos LTC4, D4 e E4, e também por vias neurais reflexas. Letícia Santos – Medicina • A reação de fase tardia possui natureza inflamatória. Mediadores inflamatórios estimulam células epiteliais a produzir quimiocinas (como a eotaxina, que é um potente quimioatraente e ativador de eosinófilos), que promovem o recrutamento de células TH2, eosinófilos e outros leucócitos, ampliando, assim, a reação inflamatória iniciada pelas células imunológicas residentes. • Episódios de inflamação recorrentes geram alterações estruturais na parede brônquica, que são referidas, de uma forma geral, como remodelamento das vias aéreas. Estas alterações incluem hipertrofia do músculo liso brônquico e das glândulas mucosas, e aumento da vascularização e do depósito de colágeno subepitelial, que podem ocorrer muitos anos antes do início dos sintomas. A via aérea asmática é marcada por: acúmulo de muco na luz brônquica em decorrência do aumento do número de células caliciformes mucossecretoras na mucosa e hipertrofia das glândulas submucosas; intensa inflamação crônica, devido ao recrutamento de eosinófilos, macrófagos e outras células inflamatórias; espessamento da membrana basal; e hiperplasia e hipertrofia das células da musculatura lisa (C) Alérgenos (antígenos) inalados induzem uma resposta dominada por células TH2, favorecendo a produção de IgE e o recrutamento de eosinófilos. (D) A reexposição ao antígeno (Ag) leva a uma resposta imediata, desencadeada pela ligação cruzada, induzida pelo Ag, da IgE aos receptores Fc nos mastócitos. Estas células liberam mediadores pré-formados, que induzem diretamente, ou por meio de reflexos neuronais, o broncoespasmo, aumento da permeabilidade vascular, produção de muco e recrutamento de leucócitos. (E) Os leucócitos recrutados para o sítio da reação (neutrófilos, eosinófilos e basófilos; linfócitos e monócitos) liberam mediadores adicionais, que iniciam a fase tardia da asma. Diversos fatores liberados pelos eosinófilos (p. ex., proteína básica principal, proteína catiônica eosinofílica) também ocasionam lesões no epitélio. QUADRO CLÍNICO Em período entre as crises, o paciente pode estar assintomático ou oligossintomático, além de ter um exame físico normal. Letícia Santos – Medicina Os sintomas clássicos das crises asmáticas incluem: - Dispneia, - Tosse, - Sibilância, - Sensação de opressão torácica. Como o quadro clínico pode ser muito variável, um ou outro sintoma podem estar ausentes. Ao exame físico, características comuns são: - Taquipneia (frequentemente entre 25ipm e 40ipm) - Taquicardia - Pulso paradoxal (queda exagerada da PAS durante a inspiração) - a magnitude do pulso se correlaciona com a gravidade da crise. - Oximetria de pulso - comumente a saturação se encontra próxima dos 90%. Ao exame do tórax, encontram-se: - Uso da musculatura acessória, - Hiperinsuflação torácica - Fase expiratória prolongada - Hipertimpanismo à percussão - Frêmito toraco-vocal diminuído - Presença de sibilos à ausculta, os sibilos costumam ser difusos e polifônicos, sendo que sua ausência constitui sinal de gravidade, indicando obstrução grave das vias aéreas. Os achados relacionados a crises graves incluem: ansiedade, sudorese, tiragem intercostal ou supraesternal, inquietação, pulso paradoxal, alteração do nível de consciência e “tórax silencioso”. CLASSIFICAÇÃO DE GRAVIDADE DA ASMA Intermitente: sintomas 2x/semana ou menos; despertares noturnos 2x/semana ou menos; necessidade de medicação de alívio 2x/semana ou menos; nenhuma limitação de atividade; uma ou nenhuma exacerbação no ano; VEF1 ou PFE ≥80% do previsto; Variação VEF1 ou PEF <20%. Persistente leve: sintomas não diariamente, mas mais de 2x/semana; despertares noturnos 3-4x/mês; necessidade de medicação de alívio menos de 2x/semana;limitação de atividade apenas nas exacerbações; igual ou mais que 2 exacerbação/ano; VEF1 ou PFE ≥80% do previsto, Variação VEF1 ou PEF <20-30%. Persistente moderada: sintomas diários; despertares noturnos >1x/semana; necessidade diária de medicação de alívio; limitação de atividade apenas nas exacerbações; igual ou mais que 2 exacerbação/ano; VEF1 ou PFE 60- 80% do previsto, Variação VEF1 ou PEF >30%. Persistente grave: sintomas diários ou contínuos; despertares noturnos quase diários; necessidade diária de medicação de alívio; limitação de atividade contínua; igual ou mais que 2 exacerbação/ano; VEF1 ou PFE ≤60% do previsto, Variação VEF1 ou PEF >30%. Sinais de gravidade da exacerbação devem ser pesquisados, como nível de consciência alterado, dificuldade em completar frases, uso de musculatura acessória, taquicardia e taquipneia. DIAGNÓSTICO O diagnóstico se dá mediante a presença de critérios clínicos e funcionais, obtidos através da anamnese, exame físico e exames de função pulmonar (espirometria). Em crianças de até cinco anos, o diagnóstico é eminentemente clínico, já que a realização das provas funcionais é muito difícil nesses pacientes. • Anamnese: sibilância recorrente, tosse, dispneia, aperto no peito que ocorrem/pioram à noite ou ao despertar ou são desencadeados por irritantes específicos (fumaças, odores fortes...) ou aeroalérgenos (ácaros ou fungos); investigar história parenteral, presença de atopia. • Exame físico: geralmente é inespecífico nos pacientes asmáticos; a presença de sibilos é indicativa obstrução ao fluxo aéreo, porém pode não estar presente em todos os pacientes; durante crises asmáticas sinais de esforço respiratório podem estar presentes. • Espirometria: importante para estabelecer o diagnóstico, documentar a gravidade da obstrução ao fluxo aéreo e monitorar o curso da doença e as modificações decorrentes do tratamento. ➢ Volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1): está reduzido na crise asmática e pode estar reduzido também no período intercrítico; seu aumento após a prova broncodilatadora é critério diagnóstico. ➢ Capacidade vital forçada (CVF): pode encontrar-se diminuída. ➢ Pico de Fluxo Expiratório (PEF) ou Peak Flow: maior fluxo gerado por esforço expiratório após inspiração máxima. ➢ Índice de Tiffenau (VEF1/CVF): é um parâmetro que define doença obstrutiva e está reduzido na asma. ➢ Fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% do ar expirado (FEF25-75%): encontra-se bastante reduzido na asma e é o exame funcional com maior sensibilidade para o diagnóstico de asma e DPOC. • Teste de broncoprovocação: mede a hiperresponsividade das vias aéreas através da inalação de substâncias bronconstritoras ou exercício físico; é útil para casos em que a espirometria está normal. • Medidas seriadas de Pico de Fluxo Expiatório (PFE): forma mais simples, mas menos acurada de diagnosticar a limitação ao fluxo aéreo na asma; medidas matutinas e vespertinas do PFE devem ser obtidas durante duas semanas; a diferença entre os valores matinais e Letícia Santos – Medicina vespertinos é divididade pelo maior valor e expressa em percentual; variações diurnas >20% são consideradas positivas para asma. Diagnósticos diferencias Rinossinusite Síndrome da Hiperventilação Alveolar e Síndrome do Pânico Obstrução de Vias Aéreas Superiores (neoplasias e corpo estranho) Disfunção de cordas vocais DPOC e outras doenças obstrutivas das vias aéreas inferiores Doenças difusas do parênquima pulmonar IC diastólica e sistólica Doenças da circulação pulmonar (hipertensão e embolia) TRATAMENTO Não-farmacológico: redução da exposição a fatores desencadeantes, treinamento de técnica inalatória e explicação dos sinais de alerta (piora dos sintomas e/ou aumento do uso de B2CA). Farmacológico: Beta-2-agonistas de curta ação (B2CA): fármacos de escolha para a reversão do broncoespasmo em crises asmáticas; estimulam a musculatura lisa brônquica promovendo a broncodilatação de início imediato. Beta-2-agonistas de longa ação (B2LA): agonistas dos receptores beta-2 adrenérgicos, cujo efeito broncodilatador persiste por até 12 horas; deve ser prescrito com cuidado, pois alguns estudos demonstraram riscos de aumento de gravidade das crises em pacientes tratados B2LA, especialmente aqueles sem corticoterapia inalatória associada. Corticosteroides inalatórios (CI): anti-inflamatórios mais eficazes para o tratamento da asma crônica sintomática. Corticosteroides sistêmicos: frequentemente necessários em pacientes com asma grave. Mais utilizados são a prednisona e a prednisolona. Conduta inicial: varia de acordo com a gravidade da asma. Intermitente: medidas não-farmacológicas gerais + B2CA para alívio (conforme necessidade) Persistente leve: medidas não-farmacológicas gerais + CI dose média diário + B2CA para alívio (conforme necessidade) Persistente moderada: medidas não-farmacológicas gerais + CI dose média a alta diário + B2CA para alívio (conforme necessidade) + acompanhamento com pneumologista Persistente grave: medidas não-farmacológicas gerais + CI dose alta diário + B2CA para alívio (conforme necessidade) + B2LA 1-2x/dia quando estável + acompanhamento com pneumologista Exacerbação (crises): oxigenoterapia (se necessário, meta Sat02≥93%) + corticoterapia oral + broncodilatador de curta ação. Doses: - Beclometasona (CI): Dose média: 500-1000mcg/dia Dose alta: 1000-2000mcg/dia - Prednisona (para adultos): 40-60mg/dia, via oral, 5-7dias. - Prednisolona (para crianças): 1-2mg/kg/dia, via oral. - Salbutamol (B2CA): 100-9600mcg/dia, via inalatória. REFERÊNCIAS Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas: Asma. Brasília, 2013. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da Asma – 2012. J Bras Pneumol. v.38, Suplemento 1, p.S1-S46 Abril 2012 Global Initiative for Asthma. Global Strategy for Asthma Management and Prevention, 2018. HALL, John Edward; GUYTON, Arthur C. Guyton & Hall tratado de fisiologia médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. KUMAR, V.; ABBAS, A.; FAUSTO, N. Robbins e Cotran – Patologia – Bases Patológicas das Doenças. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010 Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da Asma. Jornal Brasileiro de Pneumologia, 2012.
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