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Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 1 Mírian Santos – 7° semestre Problema 05 – “Confuso e febril” Objetivos: 1. Compreender a Meningite → Conceito → Classificação → Epidemiologia → Fatores de risco → Etiologia (bacteriana, viral, outras) → Fisiopatologia → Quadro clínico (rigidez de nuca) → Diagnóstico (sinais de Kernig e Brudzinski) → Diagnóstico diferencial → Tratamento (inicial e específico) Meningite É um processo inflamatório que ocorre nas meninges, que são as membranas que envolvem o cerebro. Esse processo inflamatório se estende por todo o espaço subaracnóideo em torno do cérebro e da medula espinal comprometendo também os ventrículos. Caracteriza-se por uma constelação de sinais e sintomas (síndrome meníngea) e pelo aumento do número de leucócitos (pleocitose) no líquido cefalorraquiano (liquor). Agente etiológico A meningite pode ser causada por diversos agentes infecciosos, como bactérias, vírus e fungos, dentre outros, e agentes não infecciosos (ex.: traumatismo). As meningites de origem infecciosa, principalmente as causadas por bactérias e vírus, são as mais importantes do ponto de vista da saúde pública, pela magnitude de sua ocorrência e potencial de produzir surtos. Meningite Bacteriana Conceito A meningite bacteriana é uma infecção purulenta aguda no interior do espaço subaracnóideo (ESA). Está associada a uma Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 2 Mírian Santos – 7° semestre reação inflamatória do sistema nervoso central (SNC), que pode causar rebaixamento do nível da consciência, crises convulsivas, aumento da pressão intracraniana (PIC) e acidente vascular encefpalico (AVE). As meninges, o ESA e o parênquima cerebral são frequentemente acometidos pela reação inflamatória (meningoencefalite). Epidemiologia A meningite bacteriana é a forma mais comum de infecção supurativa do SNC, com uma incidência anual nos Estados Unidos de > 2,5 casos por 100 mil habitantes. A incidência de meningite bacteriana caiu drasticamente nos países desenvolvidos desde a introdução de vacinas contra os patógenos bacterianos. Os microrganismos mais frequentemente responsáveis pela meningite bacteriana adquirida na comunidade são STREPTOCOCCUS PNEUMONIAE (cerca de 50%) mais comum em adultos, NEISSERIA MENINGITIDIS (cerca de 25%), ESTREPTOCOCOS DO GRUPO B (cerca de 15%) e LISTERIA MONOCYTOGENES (cerca de 10%). O HAEMOPHILUS INFLUENZAE TIPO B responde por < 10% dos casos afetando principalmente crianças. A N. MENINGITIDIS é o microrganismo etiológico de epidemias recorrentes de meningite a cada 8 a 12 anos principalmente no período neonatal e em pessoas com 60 anos de idade ou mais. Fatores de risco Os fatores de risco estão muito relacionados com o tipo de bacteria que está acometendo o paciente. Há uma série fatores predisponentes que elevam o risco de meningite pneumocócica; a mais importante delas é a pneumonia pneumocócica. Outros fatores de risco incluem a coexistência de rinossinusite ou otite média pneumocócica aguda ou crônica, alcoolismo, diabetes, esplenectomia, hipogamaglobulinemia, deficiência de complemento, traumatismo craniano com fratura da base do crânio e rinorreia do líquido cerebrospinal (LCS). A taxa de mortalidade continua sendo de cerca de 20%, apesar da antibioticoterapia. Etiologia S. pneumoniae constitui a causa mais comum de meningite em adultos com > 20 anos de idade, sendo responsável por quase 50% dos casos notificados (1,1 por 100 mil indivíduos por ano). A incidência de meningite por N. meningitidis diminuiu com a vacinação rotineira de indivíduos de 11 a 18 anos de idade com a vacina glicoconjugada meningocócica quadrivalente (sorogrupos A, C, W-135 e Y). A vacina não contém o sorogrupo B, que é responsável por cerca de 33% dos casos de doença meningocócica. Os bacilos Gram-negativos entéricos causam meningite em indivíduos com doenças crônicas e debilitantes, como diabetes, cirrose ou alcoolismo, ou com infecções crônicas do trato urinário. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 3 Mírian Santos – 7° semestre A meningite causada por microrganismos Gram- negativos também pode complicar procedimentos neurocirúrgicos, particularmente craniotomia, bem como traumatismo craniano associado a rinorreia e otorreia do LCS. A otite, a mastoidite e a rinossinusite são condições predisponentes e associadas para a meningite causada por espécies de estreptococos, anaeróbios Gram-negativos, Staphylococus aureus, Haemophilus sp. e Enterobacteriaceae. A meningite que complica a endocardite pode ser causada por estreptococos viridans, S. aureus, Streptococcus bovis, grupo HACEK (Haemophilus sp., Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens, Kingella kingae) ou enterococos. A L. monocytogenes constitui uma causa cada vez mais importante de meningite em recém- nascidos (< 1 mês de idade), mulheres grávidas, indivíduos > 60 anos de idade e pacientes imunocomprometidos de todas as idades. A infecção é adquirida pela ingestão de alimentos contaminados com Listeria. Já se descreveu a transmissão alimentar da infecção humana a partir de saladas de repolho cru, leite, queijos cremosos e vários tipos de alimentos prontos para o consumo, como iguarias de carne e cachorros-quentes malcozidos. O S. aureus e os estafilococos coagulase- negativos constituem causas importantes da meningite que ocorre após procedimentos neurocirúrgicos invasivos, particularmente procedimentos de derivação para hidrocefalia. Fisiopatologia • As bactérias normalmente conseguem acessar o SNC pela colonizaçao de membranas mucosas da nasofaringe e aderência às celulas nasofaríngeas, levando a uma invasao tecidual local, bacteremia e disseminaçao hematogenica no espaço subaracnoide. • A Listeria é uma exceçao, pois ela é ingerida. • As bactérias também podem se disseminar diretamente para as meninges, por defeitos anatômicos do crânio ou a partir de locais parameníngeos, como os seios paranasais ou a orelha média. • Algumas bacteriais possuem proteínas de membrana como cápsulas bacterianas de polissacarídeos, lipopolissacarídeos que podem contribuir com a invasao bacteriana e a virulencia, dificultando a defesa do hospedeiro. • Os baixos níveis de anticorpos e complemento presentes no LCS sao inadequados para conter a infecçao. • A resposta inflamatória resultante está associada com a liberaçao de citocinas inflamatórias, que promovem permeabilidade da barreira hematoencefálica, edema cerebral vasogenico, alteraçoes no fluxo Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 4 Mírian Santos – 7° semestre sanguíneo cerebral e, talvez, toxicidade neuronal direta. • Durante os estágios bem iniciais da meningite, há aumento do fluxo sanguíneo cerebral, logo seguido de redução do fluxo e perda da autorregulação cerebrovascular. • O estreitamento das grandes artérias na base do encéfalo, em razão da extensão do exsudato purulento pelo ESA, e a infiltração da parede arterial por células inflamatórias acompanhada de espessamento da íntima (vasculite) também ocorrem, podendo acarretar isquemia e infarto, obstrução de ramos da artéria cerebral média por trombose, trombose dos principais seios venosos cerebrais e tromboflebite das veias corticais cerebrais. • A combinação de edema intersticial, vasogênico e citotóxico resulta em elevação da PIC e coma. A herniaçãocerebral resulta geralmente dos efeitos do edema cerebral, focal ou generalizado; a hidrocefalia e a trombose dos seios durais ou das veias corticais também podem estar implicadas. • Patologicamente, a meningite bacteriana se caracteriza por infiltraçao leptomeníngea e perivascular com leucócitos polimorfonucleares e por um exsudato inflamatório. • Essas alteraçoes tendem a ser mais evidentes sobre as convexidades cerebrais na infecçao por Streptococcus pneumoniae e Haemophilus e, na base cerebral, por Neisseria meningitidis. • Edema cerebral, hidrocefalia e infarto cerebral podem ocorrer, embora a invasao bacteriana do parenquima cerebral seja rara. Quadro clínico A meningite pode apresentar-se como doença aguda fulminante que evolui rapidamente em algumas horas ou como infecção subaguda que piora de forma progressiva ao longo de vários dias. A maioria dos pacientes tem sintomas de meningite por 1 a 7 dias. A tríade clássica inclui febre, cefaleia e rigidez de nuca, essa triade nem sempre está presente, além de sintomas como confusao, fotofobia e vômito. A queda do nível de consciência ocorre em > 75% dos pacientes e varia da letargia ao coma. Podem ocorrer sinais neurológicos focais e paralisias de nervos cranianos. O papiledema é raro. O exame físico pode evidenciar febre e sinais de infecçao sistemica ou parameníngea, como abscesso cutâneo ou otite. Uma erupçao petequial ocorre em 50 a 60% dos pacientes com meningite por N. meningitidis. Sinais de irritaçao meníngea (meningismo) são observados em cerca de 80% dos casos, mas frequentemente estao ausentes em pacientes muito jovens e muito idosos, ou em pacientes com comprometimento profundo da consciencia. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 5 Mírian Santos – 7° semestre A rigidez de nuca é o sinal patognomônico de irritação meníngea e está presente quando o pescoço resiste à flexão passiva. Os sinais de Kernig e de Brudzinski também são sinais clássicos de irritação meníngea. O sinal de Kernig deve ser pesquisado com o paciente em decúbito dorsal. A coxa é fletida sobre o abdome, com o joelho fletido; quando há irritação meníngea, as tentativas de se estender passivamente o joelho suscitam dor. O sinal de Brudzinski deve ser pesquisado com o paciente em decúbito dorsal, sendo positivo quando a flexão passiva do pescoço resulta em flexão espontânea dos quadris e joelhos. As crises convulsivas ocorrem como parte da apresentação inicial da meningite bacteriana ou durante a evolução da doença em 20 a 40% dos pacientes. As crises focais costumam advir de isquemia arterial ou infarto focal, trombose venosa cortical com hemorragia ou edema focal. A atividade epiléptica generalizada e o estado de mal epiléptico podem ser decorrentes da hiponatremia, anoxia cerebral ou de efeitos tóxicos dos agentes antimicrobianos. A hipertensão intracraniana é uma complicação esperada da meningite bacteriana e a principal causa de embotamento e coma nessa doença. Mais de 90% dos pacientes irão apresentar uma pressão de abertura do LCS de > 180 mmH2O, e 20% têm pressões de abertura de > 400 mmH2O. Os sinais de elevação da PIC incluem deterioração ou redução do nível de consciência, papiledema, pupilas dilatadas e pouco reativas, paralisia do VI nervo craniano, postura de descerebração e a presença do reflexo de Cushing (bradicardia, hipertensão arterial e respiração irregular). A complicação mais desastrosa da hipertensão intracraniana é a herniação cerebral. Certas manifestações clínicas específicas podem fornecer indícios para o diagnóstico de determinados microrganismos. O mais importante desses indícios é o exantema da meningococemia, que começa como erupção maculopapular eritematosa difusa semelhante a um exantema viral; entretanto, as lesões cutâneas da meningococemia tornam-se rapidamente petequiais. Encontram-se petéquias no tronco e nos membros inferiores, nas mucosas e conjuntivas, bem como, às vezes, nas palmas das mãos e plantas dos pés. Diagnóstico (sinais de Kernig e Brudzinski) Quando há suspeita de meningite bacteriana, devem-se obter imediatamente hemoculturas, e o tratamento antimicrobiano empírico e a terapia adjuvante com dexametasona devem ser iniciados sem demora . O diagnóstico de meningite bacteriana é estabelecido pelo exame do LCS. A necessidade de avaliação neurorradiológica (tomografia computadorizada [TC] ou ressonância magnética [RM]) antes da punção lombar (PL) requer discernimento clínico. Exames de imagem do tórax, dos seios paranasais ou dos ossos mastoides podem indicar o local primário da infecçao. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 6 Mírian Santos – 7° semestre Em paciente imunocompetente sem história conhecida de traumatismo craniano recente, com nível de consciência normal e sem evidências de papiledema ou déficits neurológicos focais, é considerado seguro realizar a PL sem exame de neuroimagem prévio. A pressao do LCS está elevada em cerca de 90% dos casos, e o aspecto do líquido varia de levemente turvo a francamente purulento. Em geral, observa-se uma contagem de leucócitos de 1.000 a 10.000/mm3, consistindo predominantemente de leucócitos polimorfonucleares, embora células mononucleares possam predominar na meningite por Listeria monocytogenes. Concentraçoes proteicas de 100 a 500 mg/dL sao mais comuns. O nível de glicose no LCS é inferior a 40 mg/dL em cerca de 80% dos casos, podendo ser tao baixo que nao possa ser medido. As anormalidades clássicas do LCS na meningite bacteriana consistem em (1) leucocitose polimorfonuclear (PMN) (> 100 células/μL em 90%), (2) concentração diminuída de glicose (< 2,2 mmol/L [< 40 mg/dL] e/ou razão de glicose do LCS:soro de < 0,4 em cerca de 60%), (3) aumento da concentração de proteína (> 0,45 g/L [> 45 mg/dL] em 90%) e (4) aumento da pressão de abertura (> 180 mmH2O em 90%). As culturas bacterianas do LCS são positivas em > 80% dos pacientes, e a coloração do LCS pelo Gram mostra microrganismos em > 60% dos casos. Se a PL for adiada com a finalidade de se obter um exame de neuroimagem, deverá ser iniciada a antibioticoterapia empírica após a coleta de hemoculturas. A antibioticoterapia instituída algumas horas antes da PL não modifica significativamente a contagem de leucócitos ou a concentração de glicose no LCS e tampouco impede a visualização de microrganismos pela coloração de Gram ou detecção de ácidos nucleicos bacterianos pela reação em cadeia da polimerase (PCR, de polymerase chain reaction). O sangue periférico pode revelar leucocitose polimorfonucleada decorrente de infecçao sistemica, ou leucopenia causada por imunodepressao. O EEG costuma apresentar lentidao difusa, e anormalidades focais sugerem a possibilidade de cerebrite focal, formaçao de abscesso ou cicatrizes. Diagnóstico diferencial A meningoencefalite viral, e particularmente a encefalite pelo herpes-vírus simples (HSV), pode simular a apresentação clínica de meningite bacteriana (encefalite). Sinais de irritaçao meníngea também podem ser observados com meningite nao bacteriana e hemorragia subaracnóidea. No entanto, a combinaçao de uma evoluçao aguda com uma evoluçao subaguda (dias em vez de semanas), pleocitose polimorfonuclear e glicose baixa no LCS apontam para uma causa bacteriana. Meningite viral precoce pode produzir pleocitose polimorfonuclear e sintomas Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 7 Mírian Santos – 7° semestre identicos aqueles da meningite bacteriana, mas umapunçao lombar repetida após 6 a 12 horas demonstra um desvio para o predomínio linfocítico na meningite viral, e o nível de glicose do LCS é normal. A hemorragia subaracnóidea se diferencia pelo LCS sanguinolento a punçao, que nao melhora com a remoçao de quantidades maiores de LCS. Tratamento A meningite bacteriana é uma emergência clínica. O objetivo é começar a antibioticoterapia nos primeiros 60 minutos da chegada do paciente ao pronto-socorro. O tratamento antimicrobiano empírico deve ser instituído nos pacientes com suspeita de meningite bacteriana mesmo antes que os resultados da coloração de Gram e da cultura do LCS sejam conhecidos. Em virtude da emergência do S. pneumoniae resistente à penicilina e às cefalosporinas, o tratamento empírico de caso suspeito de meningite bacteriana adquirida na comunidade em crianças e adultos deve incluir uma combinação de dexametasona, uma cefalosporina de terceira ou quarta geração (p. ex., ceftriaxona, cefotaxima ou cefepima) e vancomicina mais aciclovir, visto que a encefalite por HSV constitui a principal doença no diagnóstico diferencial, e doxiciclina durante a época dos carrapatos para tratar as infecções bacterianas transmitidas por carrapatos. A ceftriaxona ou a cefotaxima oferecem boa cobertura contra o S. pneumoniae sensível, estreptococos do grupo B e H. influenzae, bem como cobertura adequada contra N. meningitidis. A cefepima é uma cefalosporina de quarta geração de amplo espectro, dotada de atividade in vitro semelhante à da cefotaxima ou da ceftriaxona contra o S. pneumoniae e a N. meningitidis, e maior atividade contra as espécies de Enterobacter e Pseudomonas aeruginosa. Deve-se acrescentar ampicilina ao esquema empírico para a cobertura contra a L. monocytogenes em crianças com < 3 meses, em pessoas com > 55 anos ou para aqueles com suspeita de deficiência da imunidade celular em consequência de doença crônica, transplante de órgão, gravidez, câncer ou tratamento imunossupressor. O metronidazol é acrescentado ao esquema empírico para cobertura dos anaeróbios Gram- negativos em pacientes com otite, rinossinusite ou mastoidite. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 8 Mírian Santos – 7° semestre Meningite Viral Conceito O termo inespecífico meningite asséptica descreve um processo inflamatório que compromete as meninges, em geral acompanhado de pleocitose mononuclear, sem evidência de infecção bacteriana piogênica na cultura ou coloração pelo Gram. A definição abrange vários processos que produzem quadros clínicos semelhantes e respostas inflamatórias. A meningite asséptica, que é geralmente um processo agudo ou subagudo, pode ser ainda dividida em subtipos conforme a duração da doença (crônica versus crônico-intermitente) e conforme as respostas celulares características no LCR (p. ex., meningite eosinofílica). Muitos dos vírus que causam meningite também podem causar infecção do parênquima cerebral ou da medula espinal. Às vezes, comprometimento parenquimatoso e comprometimento meníngeo ocorrem simultaneamente no mesmo paciente e são chamados meningoencefalite e meningomielite, respectivamente. Epidemiologia A maioria dos casos de meningite asséptica adquirida na comunidade é causada por vírus, principalmente enterovírus, os quais são responsáveis por mais de 60% das meningites virais e por 90% daquelas em que é identificado um agente etiológico. Estima-se, entretanto, que a sua incidência anual seja de cerca de 75.000 casos. Etiologia Os agentes mais importantes são os enterovírus (incluindo echovírus e vírus Coxsackie, além de numerosos enterovírus), HSV do tipo 2 (HSV-2), HIV e arbovírus. As culturas do LCS são positivas em 30 a 70% dos pacientes, e a frequência do isolamento depende do agente viral. Cerca de 66% dos casos de meningite asséptica com cultura negativa têm uma etiologia viral específica identificável pelo exame de PCR no LCS. Enterovírus • Nos climas temperados, a meningite por enterovírus tem seu pico máximo de frequência durante o verão e o outono, especialmente em crianças. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 9 Mírian Santos – 7° semestre • Os sorotipos tendem a se comportar de modo cíclico com periodicidade variável e os surtos estão relacionados à falta de exposição prévia a um sorotipo particular. • Anticorpos protetores sorotipo específicos se desenvolvem em seguida à infecção, de modo que episódios subsequentes de meningite enteroviral são infrequentes e são causados por vírus de um sorotipo diferente. • Os seres humanos são o único reservatório conhecido de enterovírus. A infecção enteroviral é disseminada predominantemente pela via fecal-oral e ocasionalmente pela via respiratória. Vírus do Herpes Simples • O HSV é responsável por 1% a 3% de todos os episódios de meningite asséptica e ocorre mais frequentemente em adultos ou adolescentes sexualmente ativos. • Em indivíduos com infecção por herpes genital primário (HSV-2), até 36% das mulheres e 13% dos homens têm sintomas de meningite asséptica. • Recorrências de herpes genital são comuns e podem ser acompanhadas por meningite asséptica. • Mais de 80% dos casos de meningite asséptica recorrente benigna são causados por HSV-2. • Em contrapartida, infecção do SNC por HSV-1 quase sempre se apresenta como encefalite em vez de meningite asséptica. • Os herpesvírus também podem ser reativados em pacientes que fazem uso de drogas imunomoduladoras, que são frequentemente utilizadas para tratar doenças autoimunes. Caxumba • O vírus da caxumba foi a principal causa identificável de meningite viral antes da imunização generalizada nos anos 1960. Episódios ocorriam mais frequentemente no inverno e primavera. Ela é atualmente uma forma infrequente de meningite viral nos Estados Unidos. Fisiopatologia Infecçoes virais podem afetar o SNC de tres maneiras – disseminaçao hematogenica de uma infecçao viral sistemica (p. ex., os arbovírus), disseminaçao neural do vírus por transporte axonal (p. ex., o herpes simples, a raiva) e desmielinizaçao pós-infecciosa autoimune (p. ex., varicela, influenza). As alteraçoes patológicas na meningite viral consistem em uma reaçao inflamatória meníngea mediada por linfócitos. Os enterovírus passam através do estômago, onde resistem ao pH ácido, e prosseguem para o trato gastrointestinal inferior. Alguns vírus também têm replicação na nasofaringe e se disseminam nos gânglios linfáticos regionais. Depois de presumivelmente se ligar a receptores específicos nos enterócitos, o vírus rompe o revestimento epitelial e tem replicação primária em uma célula suscetível. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 10 Mírian Santos – 7° semestre Daí, o vírus progride para as placas de Peyer, onde ocorre mais replicação. Uma pequena viremia de enterovírus então atinge o SNC, coração, fígado e sistema reticuloendotelial. Após extensa replicação nesses últimos locais, segue-se uma grande viremia, muitas vezes acompanhando a instalação da doença clínica. Presume-se que o mecanismo pelo qual o enterovírus entra no SNC envolva atravessar as junções íntimas endoteliais da barreira hematoencefálica e em seguida entrar no LCR, provavelmente através do plexo coroide. Por outro lado, as infecções por HSV podem atingir o SNC por via neuronal: na encefalite por HSV-1, a partir de locais orais via nervo trigêmeo e olfatório; na meningite asséptica por HSV-2 (e rara no caso de HSV-1), por disseminação a partir deuma lesão genital primária e ascensão ao longo das raízes nervosas sacras para as meninges. Depois da regressão da infecção primária, o HSV-1 pode permanecer em forma latente nos gânglios das raízes do trigêmeo ou do olfatório apenas para se reativar posteriormente, entrar no lobo temporal e produzir encefalite. De modo semelhante, o HSV-2 pode permanecer latente nos gânglios das raízes sacras até que a reativação subsequente provoque episódios mais tardios de meningite asséptica. Quadro clínico Os pacientes adultos imunocompetentes com meningite viral aguda habitualmente se apresentam com cefaleia, febre e sinais de irritação meníngea associados a um perfil inflamatório do LCS. A cefaleia quase sempre está presente e, com frequência, caracteriza-se pela sua localização frontal ou retroorbitária e por estar frequentemente associada a fotofobia e dor aos movimentos oculares. A rigidez de nuca está presente na maioria dos casos, mas pode ser leve e manifestar-se apenas próximo ao limite de anteflexão do pescoço. Os sinais constitucionais podem consistir em mal-estar, mialgia, anorexia, náuseas e vômitos, dor abdominal e/ou diarreia. Os pacientes com frequência têm letargia leve ou sonolência; entretanto, alterações mais profundas da consciência, como estupor, coma ou confusão mental acentuada, não ocorrem na meningite viral e sugerem a presença de encefalite ou de outros diagnósticos alternativos. De modo semelhante, crises epilépticas, sinais ou sintomas neurológicos focais ou anormalidades da neuroimagem indicativas de envolvimento do parênquima cerebral não são típicos da meningite viral e sugerem a presença de encefalite ou de outros processos infecciosos ou inflamatórios do SNC. Diagnóstico Exame do Líquido Cefalorraquidiano Os resultados do LCR em todos os tipos de meningite viral são semelhantes e consistem em: pleocitose predominantemente linfocítica, normalmente de 50 a 1000/mm3, mas, ocasionalmente, até vários milhares por Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 11 Mírian Santos – 7° semestre milímetro cúbico; concentração normal de glicose; e nível de proteínas ligeiramente elevado, em geral, menos de 150 mg/dL. Durante as primeiras 24 a 48 horas de meningite enteroviral, é observada predominância de neutrófilos (de 55% a ≤90%) em aproximadamente 50% dos pacientes; subsequentemente, as principais células no LCR passam a ser os linfócitos. Ocasionalmente, não ocorre pleocitose em pacientes com diagnóstico de meningite enteroviral inicial feito por cultura ou PCR. Reação em Cadeia por Polimerase versus Detecção por Cultura ou Pesquisa de Anticorpo O desenvolvimento recente da PCR de transcrição reversa para enterovírus pode reduzir o tempo de detecção encurtando, desse modo, o tempo das hospitalizações e minimizando o uso desnecessário de agentes antimicrobianos. Sua sensibilidade no LCR é de 85% a 100%, com especificidade de 90% a 100%, dependendo do laboratório. É um teste disponível em contextos de pesquisa, grandes hospitais e laboratórios comerciais. Em comparação, a cultura de enterovírus a partir do LCR tem sensibilidade de apenas 65 a 75% e leva quatro a oito dias. HSV-2 pode ser cultivado a partir do LCR em aproximadamente 75% dos pacientes com meningite asséptica durante episódio inicial de infecção por HSV-2 genital, mas ele raramente é isolado do LCR durante meningite associada a herpes genital recorrente. A PCR para DNA de HSV-2 normalmente é positiva no LCR de pacientes com episódios iniciais de meningite e é positiva em aproximadamente 80% dos pacientes com meningite linfocitária recorrente benigna causada pelo vírus da coriomeningite linfocítica. Um aumento de quatro vezes no título de caxumba ou vírus da coriomeningite linfocítica entre soros agudos e convalescentes tem também valor diagnóstico. Diagnóstico diferencial O processo mais importante a distinguir da meningite viral é a meningite bacteriana. Uma predominância de neutrófilos no LCR, hipoglicorraquia e bactérias no esfregaço corado pelo Gram ou cultura indicam meningite bacteriana. Uma predominância neutrofílica inicial no LCR combinada com uma erupção macular e petequial na meningite enteroviral pode simular meningococcemia com meningite. Bactérias e fungos ocasionais causam meningite com uma pleocitose predominantemente linfocítica semelhante à da maioria das meningites virais. Considerações epidemiológicas e resultados clínicos ajudam a distinguir a meningite por leptospirose, a Borrelia (ou borreliose ou doença) de Lyme e a meningite sifilítica, ao passo que a hipoglicorraquia sugere meningite tuberculosa ou criptocócica. Tratamento Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 12 Mírian Santos – 7° semestre O tratamento de quase todos os casos de meningite viral é principalmente sintomático e consiste no uso de analgésicos, antipiréticos e antieméticos. O estado hídrico e o eletrolítico devem ser monitorados A introdução da vacina de caxumba viva atenuada nos Estados Unidos reduziu a caxumba de causa principal de meningite e meningoencefalite assépticas para a situação atual, em que ocorre raramente. Meningite e meningoencefalite enterovirais crônicas em pacientes agamaglobulinêmicos podem ser controladas pela administração de imunoglobulina. Não há disponível nenhuma quimioterapia antiviral aprovada para tratamento de meningite enteroviral. Pleconaril, uma droga que evita fixação viral às células hospedeiras, pode produzir melhora clínica em pacientes agamaglobulinêmicos com meningoencefalite enteroviral crônica. Aciclovir intravenoso (5 a 10 mg/kg a cada oito horas) é usado para tratar pacientes sintomáticos, hospitalizados, com meningite por HSV-2, particularmente quando a doença está associada a herpes genital primário, embora essa conduta não tenha mostrado, em estudos clínicos, alterar o curso da doença. Em pacientes com recorrências frequentes de meningite por HSV, convém tentar profilaxias com antivirais orais: valaciclovir (500 mg uma vez ao dia), fanciclovir (250 mg duas vezes ao dia) ou aciclovir (400 mg duas vezes ao dia). Meningite Fungica As meningites causadas por agentes fúngicos podem ocorrer como infecções oportunistas ou surgir em hospedeiros imunocomprometidos (diabetes, doença maligna, terapia iminossupressora ou AIDS). Os agentes patológicos habituais são: Cryptococcus neofarmans, Coccidioides immitis, Candida albicans, Aspergillus spp, Histoplasma capsulatum, Blatomyces e Mucor spp. A meningite crônica pode ser causada por fungos dos gêneros Coccidioides e Candida. O diagnóstico feito por exame de LCR mostra pleiocitose mista, com predomínio linfocítico, níveis elevados de proteínas, níveis de glicose normais ou ligeiramente diminuídos; coloração de tintura da Índia pode identificar Cryptococcus; geralmente cultura positiva para fungos e teste de aglutinação com látex para antígeno criptocócico sensível para este organismo. A meningite crônica resulta da reação inflamatória contínua no espaço subaracnóide e a fibrose aracnóide pode causar hidrocefalia; a endarterite obliterativa pode resultar em isquemia ou infarto do encéfalo que depende da artéria ocluída, com resultado catastrófico como na oclusão da artéria espinhal anterior. Hidrocefalia, paralisia dos nervos cranianos, arterite com infarto cerebral e formação de abscessos são algumas das complicações descritas para a meningite fúngica. Biópsia, cultura de tecidos ou sorologia são métodos confiáveis para diagnóstico de infecções fúngicas intracranianas. DistúrbiosSensoriais, Motores e da Consciência 13 Mírian Santos – 7° semestre A base do tratamento das infecções fúngicas é a anfotericina B, seguindo protocolo bem estabelecido em função de sua alta incidência de toxicidade, com 1 mg por dia, dobrando-se a dose diariamente até alcançar 16 mg/dia, para alcançar a dose terapêutica de 0,5 a 1,5 mg/kg por dia. Fluocitosina, miconazol, cetoconazol e fluconazol são efetivos anti-fúngicos. Todos os grupos etários são susceptíveis à infecção fúngica. A cura permanente é exceção, com mortalidade comum, especialmente nas infecções não criptocócicas (50-90%) e os pacientes com infecções criptocócicas normalmente precisam de tratamento por toda a vida. Meningite Tuberculosa A meningite tuberculosa deve ser considerada em pacientes que se apresentam com estado confusional, especialmente se existe uma história de tuberculose pulmonar, alcoolismo, tratamento com corticosteroides, infecçao por HIV, ou outras condiçoes associadas com comprometimento das respostas imunológicas. Também deve ser considerada em paciente de áreas (p. ex., Ásia, África) ou grupos (p. ex., sem teto e usuários de drogas) com uma alta incidencia de tuberculose. Patogênese e patologia A meningite tuberculosa costuma resultar de reativaçao de infecçao latente com Mycobacterium tuberculosis. A infecçao primária, adquirida principalmente por inalaçao de perdigotos contendo bacilos, pode estar associada com a disseminaçao metastática de bacilos contidos no sangue dos pulmoes para as meninges e a superfície cerebral. Aqui os microrganismos permanecem em estado dormente dentro de tubérculos, que mais tarde podem romper para dentro do espaço subaracnoide, resultando em meningite tuberculosa. O principal achado patológico é um exsudato meníngeo basal contendo, principalmente, células mononucleares. Os ventrículos podem estar aumentados em tamanho, um resultado da hidrocefalia, e suas superfícies podem apresentar exsudato ependimário ou ependimite granular. A arterite pode resultar em infarto cerebral, e inflamaçao e fibrose basal podem comprimir os nervos cranianos. Achados clínicos Os sintomas geralmente estao presentes por menos de quatro semanas no momento da apresentaçao e incluem cefaleia, febre, rigidez de nuca, vômito e letargia ou confusao. Perda visual, comprometimento visual, diplopia, fraqueza focal e convulsoes também podem ocorrer. Uma história de contato com casos conhecidos de tuberculose geralmente está ausente. Febre, sinais de irritaçao meníngea e um estado confusional sao os achados mais comuns ao exame físico, mas podem estar ausentes. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 14 Mírian Santos – 7° semestre Papiledema, paralisias oculares e hemiparesia ou paraparesia eventualmente sao observados. Somente metade a dois terços dos pacientes apresentam um teste cutâneo positivo para tuberculose ou evidencia de infecçao tuberculosa ativa documentada ao raio X de tórax; a TC é mais sensível. O diagnóstico é estabelecido pelo exame do LCS. A pressao do LCS costuma estar aumentada, e o líquido geralmente é claro e incolor. Muitas vezes, é observada uma pleocitose linfocítica e de células mononucleares, de 50 a 500 células/mL, mas pleocitose polimorfonuclear pode ocorrer precocemente e dar uma falsa impressao de meningite bacteriana. A proteína do LCS costuma estar acima de 100 mg/dL, podendo exceder 500 mg/dL, principalmente em pacientes com bloqueio espinal subaracnoide. O nível de glicose costuma estar diminuído e pode ser inferior a 20 mg/dL. Esfregaços para bacilo álcool-ácido-resistente (BAAR) do LCS devem ser realizados sempre que houver suspeita de meningite tuberculosa, mas sao positivos somente em uma minoria dos casos. O diagnóstico definitivo, muitas vezes, é feito pela cultura do M. tuberculosis a partir do LCS, um processo que geralmente leva várias semanas e requer grande quantidade de LCS para ter um rendimento máximo. Em alguns casos, a reaçao em cadeia da polimerase pode ser usada para o diagnóstico. Uma TC ou RM pode mostrar realce das cisternas basais e das meninges corticais, ou hidrocefalia. Tratamento Sao usados quatro fármacos para a fase inicial de dois meses de tratamento: isoniazida 300 mg, rifampicina 600 mg, pirazinamida 1.600 mg e estreptomicina 1.000 mg, administradas por via oral, uma vez ao dia. Durante os 7 a 12 meses subsequentes da fase de continuaçao, sao usadas somente isoniazida e rifampicina, nas mesmas dosagens. Para a meningite tuberculosa resistente a múltiplos fármacos, a fase de iniciaçao é estendida a quatro meses e inclui cinco fármacos: amicacina ou canamicina (1.000 mg ao dia por via intravenosa ou intramuscular) e etionamida (1.000 mg), pirazinamida (1.600 mg), ofloxacina (800 mg) e etambutol (1.200 mg) ou cicloserina (1.000 mg) administradas diariamente por via oral. A fase de continuaçao envolve o tratamento adicional de 12 a 18 meses com etionamida, ofloxacina e etambutol ou cicloserina, com as mesmas doses. Piridoxina, 50 mg/dia, pode ser usada para reduzir a probabilidade de neuropatia ou convulsoes, induzidas pela isoniazida ou pela cicloserina. As complicaçoes do tratamento incluem disfunçao hepática (isoniazida, rifampicina, pirazinamida, etionamida), polineuropatia (isoniazida, cicloserina), neurite óptica (etambutol) e ototoxicidade (estreptomicina, amicacina, canamicina). Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 15 Mírian Santos – 7° semestre Meningite Crônica e Recorrente A meningite crônica é comumente definida como uma inflamação das meninges, mais frequentemente acompanhada de pleocitose com mais de 5 leucócitos por microlitro no líquido cerebrospinal (LCS), que persiste durante pelo menos 1 mês sem resolução espontânea. A inflamação crônica das meninges (pia- máter, aracnoide e dura-máter) pode provocar incapacidade neurológica profunda e, se não for tratada com êxito, pode ser fatal. A meningite crônica é diagnosticada quando ocorre uma síndrome neurológica típica durante > 4 semanas, associada a uma resposta inflamatória persistente no líquido cerebrospinal (LCS) (contagem de leucócitos > 5/μL). As causas são numerosas, e o tratamento apropriado depende da identificação da etiologia. Existem cinco categorias de doenças responsáveis pela maioria dos casos de meningite crônica: (1) infecções das meninges, (2) neoplasia maligna, (3) distúrbios inflamatórios autoimunes, (4) meningite química e (5) infecções parameníngeas. Fisiopatologia clínica As manifestações neurológicas da meningite crônica são determinadas pela localização anatômica da inflamação e suas consequências. As principais manifestações são cefaleia persistente, hidrocefalia, neuropatias cranianas, radiculopatias e alterações cognitivas ou da personalidade. Podem ocorrer isoladamente ou em combinação. Quando aparecem combinadas, significa que ocorreu ampla disseminação do processo inflamatório ao longo das vias do LCS. Em alguns casos, a presença de doença sistêmica subjacente indica um agente específico ou uma classe de agentes como a causa provável. O LCS é produzido pelo plexo corióideo dos ventrículos cerebrais e atravessa forames estreitos para o espaço subaracnóideo, que circunda o cérebro e a medula espinal; circula em torno da base do cérebro e sobre os hemisférios cerebrais e é reabsorvido por vilosidades aracnóideas que se projetam para dentro do seio sagital superior. O fluxo de LCS constitui uma via de propagação rápida deinfecções e outros processos infiltrativos para o encéfalo, a medula espinal e raízes de nervos cranianos e espinais. Pode ocorrer propagação a partir do espaço subaracnóideo para o parênquima cerebral através das bainhas de aracnoide que circundam os vasos sanguíneos que penetram no tecido cerebral (espaços de Virchow-Robin). Meningite intracraniana • As fibras nervosas nociceptivas das meninges são estimuladas pelo processo inflamatório, resultando em cefaleia e dor no pescoço ou nas costas. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 16 Mírian Santos – 7° semestre • A obstrução das vias do LCS nos forames ou nas vilosidades aracnoides pode provocar hidrocefalia e sinais e sintomas de pressão intracraniana (PIC) elevada, incluindo cefaleia, vômitos, apatia ou sonolência, instabilidade da marcha, papiledema, perda visual, comprometimento do olhar para cima ou paralisia do VI nervo craniano (NC). Meningite espinal • Pode haver lesão das raízes nervosas motoras e sensitivas quando elas atravessam o ESA e penetram nas meninges. • Esses casos manifestam-se na forma de diversas radiculopatias com combinações de dor radicular, perda sensitiva, fraqueza motora e incontinência urinária ou fecal. • Em alguns casos a inflamação crônica causa pinçamento das raízes nervosas mais baixas e espessamento das meninges, a chamada paquimeningite. • A inflamação meníngea pode atingir e danificar a medula espinal, resultando em mielopatia. Manifestações sistêmicas Em alguns pacientes, as evidências de doença sistêmica fornecem indícios quanto à causa subjacente da meningite crônica. Deve-se obter uma história completa de viagens, práticas sexuais e exposição a agentes infecciosos. As causas infecciosas estão frequentemente associadas a febre, mal-estar, anorexia e sinais de infecção localizada ou disseminada fora do sistema nervoso. As causas infecciosas são alvo de preocupação no paciente imunossuprimido, sobretudo em pacientes com infecção pelo HIV, nos quais a meningite crônica pode apresentar-se sem cefaleia ou febre. Os distúrbios inflamatórios não infecciosos muitas vezes produzem manifestações sistêmicas primeiro, embora a meningite possa ser a manifestação inicial. A meningite carcinomatosa pode ou não ser acompanhada de evidências clínicas da neoplasia primária. Abordagem A ocorrência de cefaleia crônica, hidrocefalia, neuropatia craniana, radiculopatia e/ou declínio cognitivo em um paciente sugere a necessidade de punção lombar (PL) à procura de evidências de inflamação meníngea. Uma vez confirmada a meningite crônica pelo exame do LCS, os esforços devem ser orientados para a identificação da causa por meio de (1) outras análises no LCS, (2) diagnóstico de infecção sistêmica subjacente ou de distúrbio inflamatório não infeccioso ou (3) exame histopatológico de amostras de biópsia das meninges. Existem duas formas clínicas de meningite crônica. Na primeira, os sintomas são crônicos e persistentes, enquanto na segunda ocorrem episódios distintos e recorrentes de doença. No último grupo, todos os sintomas, sinais e parâmetros de inflamação meníngea do LCS Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 17 Mírian Santos – 7° semestre sofrem resolução completa entre os episódios, espontaneamente ou em resposta a um tratamento específico. Nesses pacientes, as prováveis etiologias incluem meningite de Mollaret, que é mais comumente causada por infecção pelo herpes- vírus simples (HSV) do tipo 2; meningite química; condições inflamatórias autoimunes primárias, e hipersensibilidade a fármacos com administração repetida do agente agressor. Tratamento empirico É fundamental estabelecer o diagnóstico do agente etiológico, visto que existem tratamentos eficazes para muitas etiologias da meningite crônica; entretanto, se o distúrbio não for tratado, é provável que ocorra lesão progressiva do SNC e dos nervos e raízes cranianos. Em certas ocasiões, deve-se instituir terapia empírica quando todas as tentativas de diagnóstico tiverem fracassado. Em geral, a terapia empírica nos Estados Unidos consiste em antimicobacterianos, anfotericina para infecção fúngica e/ou glicocorticoides para causas inflamatórias não infecciosas. É importante direcionar o tratamento empírico da meningite linfocitária para a tuberculose, particularmente quando o distúrbio está associado a baixos níveis de glicose no LCS, visto que a doença não tratada pode ser devastadora dentro de poucas semanas. A terapia prolongada antifator de necrose tumoral e com inibidores antimorte celular programada 1 (PD-1) pode causar reativação da tuberculose, e esses pacientes que desenvolvem meningite crônica devem ser tratados empiricamente com terapia antituberculose se a etiologia for incerta. Ao realizar o uso empírico de glicocorticoides, deve-se ter cuidado sempre que uma resposta transitória ao tratamento for observada, pois algumas etiologias infecciosas (p. ex., tuberculose e cisticercose) e não infecciosas (p. ex., linfoma) podem responder temporariamente à monoterapia com glicocorticoides. A meningite carcinomatosa ou linfomatosa pode ser difícil de diagnosticar no início, mas com o tempo torna-se evidente. Encefalite Viral por Herpes Conceito A encefalite viral é um processo inflamatório que ocorre no parênquima encefálico. Tem início agudo, determinando febre, alteração do nível de consciência, convulsões e/ou sinais focais neurológicos associados à infecção viral. Representa a manifestação mais grave no sistema nervoso central (SNC). O exame do líquido cefalorraquiano (LCR) contribui na diferenciação com outras enfermidades infecciosas do SNC, além da possibilidade da demonstração do agente etiológico. Epidemiologia O herpes simples tipo 1 (HSV-1) é responsável por 90% dos casos de encefalite herpética em adultos e crianças com idade superior a 2 Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 18 Mírian Santos – 7° semestre anos. Os casos restantes decorrem da infecção pelo HSV-2, encontrado principalmente em imunodeprimidos e em neonatos. Não há predominância sazonal, por área geográfica ou sexo. Ocorre em indivíduos imunocompetentes, sendo a maioria dos casos resultado de reativação de infecção endógena adquirida no passado. Etiologia Os principais agentes causadores de encefalite viral em indivíduos imunocompetentes são os vírus do grupo herpes, arbovírus e enterovírus. A etiologia permanece desconhecida em 30 a 60% dos casos. Da família dos herpesvírus que infectam humanos, o vírus herpes simples (HSV) é o agente etiológico mais comum de encefalite tratável. O citomegalovírus (CMV) e o vírus varicela-zóster (VZV) são causa frequente de encefalite em pacientes imunossuprimidos, podendo também ocorrer em imunocompetentes. Patogênese A entrada do vírus no organismo ocorre através das membranas mucosas do trato respiratório, gastrointestinal, geniturinário e também pele, conjuntiva ocular e sangue. Alguns permanecem confinados ao local de entrada, como papilomavírus e rinovírus. Outros, entretanto, se disseminam. A maioria apresenta potencial neuroinvasivo, destacando-se os vírus da raiva, caxumba e HIV na fase inicial da infecção. A disseminação viral para o SNC acontece por disseminação hematogênica (arboviroses) ou neural (herpesvírus). Em relação à via hematogênica, o vírus alcança o SNC atravessando as junções da barreira hematoencefálica, via plexo coroide, ou por diapedese. Entretanto, a doença surge a partirda propagação viral no SNC, com agressão, penetração e lesão da célula susceptível. O neurotropismo viral se manifesta pela infecção de neurônios (p. ex., Herpes simplex e raiva), neuroglia (herpes simplex, JC-vírus – vírus da leucoencefalopatia multifocal progres- siva), micróglia (p. ex., herpes simples, HIV) e pia-aracnoide/ epêndima (p. ex., caxumba, herpes simples). O vírus atinge o espaço subaracnoide através do plexo coroide, dispersando-se no líquido cefalorraquiano, e entrando em contacto com as células meníngeas e ependimárias. Os vírus Herpes simplex, da raiva e HIV apresentam elevada neurovirulência. Patologia Aspectos característicos consistem na presença de áreas de inflamação multifocal ou difusa no encéfalo, associadas à degeneração neuronal e neuronofagia. Corpos de inclusão são descritos nas encefalites causadas por herpesvírus, raiva e sarampo. Herpes simples vírus O vírus atinge o SNC por via neural, ainda não esclarecido se por via trigeminal ou olfatória. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 19 Mírian Santos – 7° semestre O neurotropismo viral envolve os neurônios da glia, ocasionando necrose hemorrágica principalmente nos lobos temporais. A encefalite por HSV deve ser diagnosticada e o tratamento iniciado precocemente devido a elevada morbidade e mortalidade da infecção. Quadro clínico A encefalite por HSV caracteriza-se por febre, convulsões, distúrbio da consciência e de comportamento. Predominam sinais focais, por vezes acompanhados de sinais meníngeos. O quadro é em geral, grave, com taxa de mortalidade atingindo 70%. Entretanto, cerca de 20% dos casos apresentam manifestações leves e atípicas tais como encefalite multifocal sem envolvimento de lobo temporal, apresentação subaguda, sintomas psiquiátricos, encefalite de tronco cerebral e mielite. Diagnóstico laboratorial O diagnóstico definitivo baseia-se na demonstração de antígenos virais no tecido cerebral, isolamento viral ou amplificação do DNA do HSV no LCR, por técnica de PCR. Cerca de 50% da população em torno dos 15 anos e 50 a 90% dos adultos apresentam anticorpo anti-HSV no sangue. Os títulos se elevam durante as recorrências de lesões cutâneas. Em geral, a sorologia apresenta valor limitado para o diagnóstico de encefalite por HSV, considerando a presença de anticorpos previamente adquiridos. Entretanto, quando a encefalite ocorre em associação à infecção primária, a detecção de anticorpo IgM no sangue periférico é um indicador de valor de infecção. As alterações do LCR são semelhantes aos achados observados nas outras infecções virais, porém pode ser normal em 5% dos casos. A síntese intratecal de anticorpos anti-HSV é demonstrada pelos métodos de enzimaimunoensaio e imunoblotting. Este representa um teste diagnóstico retrospectivo útil, considerando que a síntese local de anticorpos ocorre após 7-14 dias do inicio dos sintomas e persiste até três anos após o surgimento da encefalite aguda. A cultura de vírus para HSV no LCR e a biópsia cerebral com isolamento viral usada previamente como padrão-ouro para diagnóstico, não são mais consideradas como procedimentos de rotina. A TC é em geral normal na fase inicial da encefalite herpética. A RM revela edema, caracterizado pela presença de sinal hiperintenso nos lobos frontais e temporais em T2 e FLAIR, captação de contraste sugestivo da quebra da barreira hematoencefálica, efeito de massa e hemorragia. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 20 Mírian Santos – 7° semestre Tratamento Medidas de suporte para controle da pressão arterial e da temperatura, desobstrução de vias aéreas, monitoração cardíaca, controle da pressão intracraniana e de sintomas que ocasionalmente possam colocar o paciente em risco de vida, tais como crises convulsivas, devem ser instituídas. O tratamento com aciclovir necessita ser iniciado o mais breve possível nos casos suspeitos de encefalite por HSV-1, HSV-2 e VZV, considerando a elevada morbidade e mortalidade que ocorrem nestas situações. A dose recomendada consiste em 10mg/kg de 8/8 horas, por via intravenosa (IV) durante 14 a 21 dias. REFERÊNCIAS 1. Neurologia Clínica – Harisson; 2. Neurologia Clínica – Greenberg; 3. Tratdo de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia; 4. Tratado de Neurologia – Merriet; 5. Medicina Interna – Harisson; 6. Clínica Médica – Goldman e Cecil. Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 21 Mírian Santos – 7° semestre Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 22 Mírian Santos – 7° semestre Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 23 Mírian Santos – 7° semestre Distúrbios Sensoriais, Motores e da Consciência 24 Mírian Santos – 7° semestre
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