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DIDÁTICA Pablo Rodrigo Bes Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar as características da pedagogia liberal e suas ramificações. Descrever a pedagogia progressista e suas diferentes tendências. Analisar as teorias pedagógicas que são encontradas nas escolas atualmente. Introdução Pensar sobre a escola implica entender que, em seu meio, estudantes estarão sendo preparados para conviver bem em sociedade, apropriando- -se das produções da cultura humana e das condições necessárias para atuar no mercado de trabalho e exercer a sua cidadania. Para atingir tais objetivos educacionais, pode-se considerar que as aptidões individuais desses alunos são determinantes para o seu desempenho escolar, ou, ainda, que possam existir outros fatores intervenientes nesse processo, como a classe social a que eles pertencem ou quaisquer outros tipos de desigualdades que venham a enfrentar. Neste capítulo, você conhecerá as tendências que alicerçam as práticas pedagógicas no interior das escolas. Além disso, conhecerá a pedagogia liberal, as suas principais características e ramificações, bem como a pedagogia progressista e os seus diferentes enfoques. Por fim, conhecerá as teorias pedagógicas que são encontradas nas escolas na atualidade. 1 A pedagogia liberal e suas ramificações Com o tempo, as ideias sobre a fi nalidade da escola e as concepções de aluno e de professor passaram por mudanças e se reconfi guraram, seguindo as tendên- cias presentes em cada período histórico. Isso se deve ao fato de que, de acordo com as tendências e a presença de determinadas teorizações em cada período histórico, as práticas escolares materializam-se de formas diferenciadas. Entende-se por tendência pedagógica “[...] as diversas teorias fi losófi cas que pretenderam dar conta da compreensão e da orientação da prática educacional em diversos momentos e circunstâncias da história humana” (LUCKESI, 1994, p. 53). Você com certeza já deve ter ouvido inúmeros comentários, e até mesmo críticas, a respeito da escola “tradicional”, não é mesmo? Ou deve ter manifestado interesse sobre escolas diferentes, consideradas de vanguarda. Mas o que seria uma escola tradicional? O que a diferenciaria das demais? Essas perguntas serão respondidas à medida que aprendermos sobre a chamada pedagogia liberal. Uma das principais características da pedagogia liberal é a ênfase colocada nas aptidões individuais dos estudantes para que o processo de ensino e apren- dizagem ocorra. Nessa perspectiva, o aluno é visto, prioritariamente, de forma individual e independente do seu contexto. Dessa forma, são minimizados os aspectos que compõem a realidade social do aluno e enfatizados os conheci- mentos e conteúdos a serem transmitidos pelo professor, que protagoniza o processo de ensino. Portanto, cabe ao aluno receber as explicações e, a partir de suas capacidades, aprender como portar-se e ocupar os papéis destinados a ele na vida social. Embora possamos entender que a nossa sociedade, atualmente, valoriza muito os conhecimentos adquiridos via educação formal (i.e., que ocorre na escola), a grande crítica que alguns autores apresentam à pedagogia liberal é justamente o fato de ela não discutir ou considerar que outros fatores possam intervir na educação escolar, como a classe social à qual o aluno pertence ou os diferentes aspectos da desigualdade que podem existir entre os diversos estudantes da escola. Ao referir-se à pedagogia liberal, Libâneo (2002, p. 21), comenta que, no interior da escola: [...] os indivíduos precisam aprender a adaptar-se aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes, através do desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classe, pois, embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições [...]. Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas2 Em outras palavras, o autor chama a atenção para a necessidade de refletir, a partir de sua análise sobre a pedagogia liberal, se as condições a partir das quais os estudantes se apresentam às escolas seriam as mesmas, ainda que exista igualdade de oportunidades ou de acesso à educação. Além disso, Libâneo ressalta o fato de existirem escolas mais bem-estruturadas, com mais recursos, professores mais bem-preparados, e até mesmo valorizados, e currículos de maior qualidade. Dentro do espectro da pedagogia liberal, existem quatro subclassificações (LIBÂNEO, 2002): tendência pedagógica liberal tradicional; tendência pedagógica liberal renovada progressivista; tendência pedagógica liberal renovada não diretiva; tendência pedagógica liberal tecnicista. A seguir, veremos o que constitui cada uma dessas classificações propostas pela pedagogia liberal. Ao realizar a leitura, procure imaginar o seu tempo de escola, analisando se já vivenciou alguma dessas características e desses modos de atuar por parte de seus professores e gestores escolares. Na pedagogia liberal, o professor é o detentor do conhecimento, cabendo a ele a responsabilidade de ensinar aos seus alunos os conteúdos curriculares. Tendência pedagógica liberal tradicional Essa tendência pedagógica é a mais antiga no Brasil, pois remete à sua colo- nização inicial. Queiroz e Moita (2007, p. 3) comentam que “[...] a tendência tradicional está no Brasil, desde os padres jesuítas. O principal objetivo da escola era preparar os alunos para assumirem papéis na sociedade, já que quem tinha acesso às escolas eram os fi lhos dos burgueses”. Algumas características compõem o que se denomina como pedagogia liberal tradicional. Segundo Libâneo (2002), uma delas é o distanciamento do cotidiano dos alunos e de sua realidade social, nos aspectos que se referem aos conteúdos a serem ensinados e às técnicas e metodologias didáticas a 3Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas serem colocadas em prática. Outra característica marcante é a relação entre o professor e o aluno: existe a “[...] predominância da palavra do professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual” (LIBÂNEO, 2002, p. 22). Então, o professor transmite os conteúdos, que representam as verdades que devem ser aprendidas, ao passo que o aluno, passivamente, deverá absorvê-los. Se esse processo não for bem resolvido, utiliza-se a disciplina para corrigir possíveis condutas estudantis que se desviem do que foi estabelecido, fazendo imperar o silêncio e a ordem em sala de aula. Tendência pedagógica liberal renovada progressivista A tendência pedagógica renovada é fruto do Movimento da Escola Nova, iniciado na Europa, que procurou “[...] mudar o rumo da educação tradicio- nal, intelectualista e livresca, dando-lhe sentido vivo e ativo. Por isso se deu também a esse movimento o nome de ‘escola ativa’” (LUZURIAGA, 1984, p. 227). A partir do Manifesto da Escola Nova, de 1932, esse movimento gerou modifi cações na estrutura da escola no Brasil. O escolanovismo, como foi chamado, produziu duas tendências de pensamento pedagógico: a tendência pedagógica liberal renovada progressivista e a tendência pedagógica liberal renovada não diretiva. A pedagogia liberal renovada progressivista parte do entendimento de que a educação é um processo interno do indivíduo e que, por esse motivo, devem ser consideradas as experiências que o aluno vivencia, bem como deve haver problematização e desafios por parte do professor como estratégia didática. Essa pedagogia entende que a principal função da educação é preparar o indivíduo, adaptando-o para o meio social do qual faz parte. Libâneo (2002, p. 25) afirma que “[...] é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente dito”. Por esse motivo, são valorizados os proces- sos de autoeducação e autoaprendizagem, os quais estimulamo aprender a aprender — ou seja, são maneiras para que os estudantes aprendam de forma mais eficiente. Essa pedagogia apresenta autores significativos para a área da educação, como Maria Montessori, John Dewey, Ovide Decroly e Jean Piaget. Tendência pedagógica liberal renovada não diretiva Assim como a anterior, essa tendência também é oriunda do Movimento da Escola Nova. Entretanto, a tendência liberal renovada não diretiva foi desenvolvida a partir do trabalho do psicólogo norte-americano Carl Rogers (1902–1987), que propôs que os principais aspectos a serem considerados na Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas4 escola são as questões psicológicas em que os alunos se encontram envolvidos, com maior grau de importância do que os aspectos sociais ou pedagógicos. Ao referir-se a essa pedagogia, Libâneo (2002, p. 27) destaca que: [...] os procedimentos didáticos, a competência na matéria, as aulas, livros, tudo tem muito pouca importância, face ao propósito de favorecer […] um clima de autodesenvolvimento e realização pessoal, o que implica estar bem consigo mesmo e com seus semelhantes. Logo, se os conteúdos e métodos de ensino são secundários ou menos im- portantes, nessa pedagogia, o professor apresentará uma postura que favoreça e estimule as relações interpessoais com o estudante, o seu jeito de ser, com a crença de que, agindo assim, ele irá se autodesenvolver. Nessa tendência pedagógica, são amplamente utilizadas as autoavaliações, em detrimento de outras avaliações quantitativas e disciplinares. De acordo com Queiroz e Moita (2007, p. 6), ao se referirem às escolas renovadas (progressivista e não diretiva): [...] essa tendência retira o professor e os conteúdos disciplinares do centro do processo pedagógico e coloca o aluno como fundamental, que deve ter sua curiosidade, criatividade e inventividade estimuladas pelo professor, que deve ter o papel de facilitador do ensino. Tendência pedagógica liberal tecnicista Essa pedagogia relaciona diretamente a escola ao ambiente produtivo do mercado de trabalho. Nesse caso, cabe à escola ensinar aos estudantes as técnicas necessárias para que se tornem competentes nas funções a serem desempenhadas em seus empregos. Dessa forma, como o que se objetiva é a aprendizagem de técnicas específi cas, princípios científi cos, normas e leis (conteúdos) serão repassados aos alunos de forma lógica, sequencial e objetiva, proporcionando que o conhecimento adquirido possa ser facilmente obser- vado e medido. Nessa pedagogia, “[...] o professor é apenas um elo [...] entre a verdade científi ca e o aluno, cabendo-lhe empregar o sistema instrucional previsto” (LIBÂNEO, 2002, p. 30). Saviani (2010, p. 381) comenta que, “[...] com base no pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, a pedagogia tecnicista advoga a reordenação do processo educativo de maneira que o torne objetivo e operacional”. Dessa forma, ao 5Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas valer-se de técnicas e procedimentos que favoreçam a transmissão e a recepção de informações, ela restringe o espaço para discussões, debates ou eventuais questionamentos em sala de aula. A tendência pedagógica liberal tecnicista é fundamentada nas teorias do psicólogo norte-americano Burrhus Frederic Skinner e, por esse motivo, a aprendizagem é considerada como condicionamento, o qual pode ser realizado a partir do reforço sobre as respostas dos alunos, modificando o seu desem- penho. Queiroz e Moita (2007, p. 8) acrescentam que: O chamado “tecnicismo educacional”, inspirado nas teorias da aprendizagem e da abordagem do ensino de forma sistêmica, constituiu-se numa prática pedagógica fortemente controladora das ações dos alunos e, até, dos profes- sores, direcionadas por atividades repetitivas, sem reflexão e absolutamente programadas, com riqueza de detalhes. O psicólogo norte-americano Burrhus Frederic Skinner (1904–1990) dedicou a sua vida a perseguir a ideia de que era possível moldar e controlar o comportamento humano. Por meio de seus inúmeros experimentos em laboratórios com animais, Skinner desenvolveu a teoria de que poderia existir um condicionamento operante, que levaria a ações a partir do desenvolvimento de um hábito por parte dos seres humanos — ao contrário dos animais, que agiriam instintivamente por meio de seus reflexos condicionados. Uma das contribuições de Skinner para a educação é a ideia de reforço positivo, muito encontrado ainda hoje nas escolas, o qual é realizado a partir de ações de professores que procuram valorizar os seus alunos, dando incentivos ou recompensas simbólicas a eles para que se sintam estimulados e se motivem a estudar. 2 A pedagogia progressista e suas tendências Segundo Queiroz e Moita (2007), as tendências progressistas surgiram na França, a partir de 1968. Já no Brasil, elas coincidem com o início da abertura política e sua efervescência cultural (início da década de 1980). A pedagogia progressista apresenta algumas características gerais que a distinguem e diferenciam especialmente das pedagogias liberais. Entre elas, destaca-se o aspecto de entender que professor e aluno se encontram em uma relação horizontal, ou seja, não há uma hierarquia que os separe, permitindo uma atuação baseada no diálogo. Dessa forma, não existirá Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas6 uma imposição do que precisa ser aprendido por parte do docente, pois tanto o aluno quanto o professor podem aprender durante o processo de ensino e aprendizagem. Outro aspecto interessante é o objetivo de desenvolver a criticidade dos estudantes, possibilitando que aspectos de suas realidades sociais cotidianas sejam a base de sua aprendizagem. Segundo os autores que seguem essa ten- dência, isso propicia que esses indivíduos se tornem atuantes no contexto em que estão inseridos. A pedagogia progressista é dividida em (LIBÂNEO, 2002): tendência pedagógica progressista libertadora; tendência pedagógica progressista libertária; tendência pedagógica progressista crítico-social dos conteúdos. Confira, a seguir, as principais características que compõem cada uma delas. Tendência pedagógica progressista libertadora Essa tendência pedagógica baseia-se nos pensamentos e nas obras do educador brasileiro Paulo Reglus Neves Freire, sendo também conhecida como pedagogia problematizadora. Segundo Queiroz e Moita (2007, p. 12): Nesta tendência pedagógica, a atividade escolar deveria centrar-se em dis- cussões de temas sociais e políticos e em ações concretas sobre a realidade social imediata. O professor deveria agir como um coordenador de atividades, aquele que organiza e atua conjuntamente com os alunos. Paulo Freire trabalha com duas ideias potentes ao produzir as bases dessa pedagogia: a educação bancária e a educação libertadora ou problematizadora. A educação bancária seria aquela na qual o professor, detentor de todo o conhecimento, é central no processo de ensino. O professor irá transmitir ou “depositar” o conhecimento que possui no aluno, que, por sua vez, recebe esses conhecimentos, que passam a compor o seu repertório de conhecimento e cultura. Nesse tipo de educação, não há espaço para que se dialogue ou se exerça a percepção das realidades ou das críticas sobre elas, pois [...] o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é ‘encher’ os educandos de conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação (FREIRE, 1987, p. 57). 7Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas Já a educação problematizadora parte da análise da realidade social em que o aluno se encontra envolvido, possibilitando, a partir de problematizações, em um processo dialógico entre professor e aluno, a aprendizagem críticados conteúdos que precisam ser desenvolvidos. Paulo Freire (2003, p. 47) comenta que “[...] ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou sua construção”. Nessa pedagogia, alunos e professores são sujeitos do processo de ensino e aprendizagem, e ambos aprendem a partir de suas experiências em sala de aula, quebrando a ideia de verticalidade e imposição do ensino tradicional. Tendência pedagógica progressista libertária Essa tendência propõe a ideia de que deve haver a autogestão na educação, ou seja, cabe ao aluno escolher entre os conteúdos a serem estudados, e a base da aprendizagem se dá pelo movimento político promovido pelas atividades realizadas em grupo, o que proporcionaria uma maior liberdade aos alunos. Libâneo (2002) comenta que é mais importante essa vivência e participação crítica nas ações em grupo do que os próprios aspectos relacionados aos con- teúdos que se pretende ensinar. De acordo com Queiroz e Moita (2007, p. 13): Esta tendência surge junto com o momento histórico democrático brasileiro e, por esse motivo defende, apoia e estimula a participação em grupos e mo- vimentos sociais: sindicatos, grupos de mães, comunitários, associações de moradores etc., para além dos muros escolares e, ao mesmo tempo, trazendo para dentro dela essa realidade pulsante da sociedade. Assim, a tendência pedagógica progressista libertária propõe o início da criação de espaços de participação democrática da sociedade na escola, como os conselhos escolares, os grêmios estudantis e a própria eleição de direto- res. Além disso, nessa tendência, o “[...] o professor é um catalisador, ele se mistura ao grupo, para uma reflexão em comum” (LIBÂNEO, 2002, p. 37). Ao colocar-se junto aos alunos, o professor procura criar condições para que eles não se sintam coagidos ou oprimidos e possam, assim, exercer os seus estudos críticos de forma livre. Essa pedagogia fundamenta-se nos estudos do pedagogo espanhol Francisco Ferrer Guardia. Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas8 Tendência pedagógica progressista crítico-social dos conteúdos Essa tendência é pautada na ideia de que os conteúdos ensinados na escola são concretos, reais e vinculados com as realidades sociais existentes, uma vez que são “[...] conteúdos culturais universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade, mas permanentemente reavaliados face as realidades sociais” (LIBÂNEO, 2002, p. 39). Em essência, admite-se a ideia de que os conteúdos são recon- fi gurados e atualizados de acordo com o momento histórico que a sociedade estiver vivenciando. Queiroz e Moita (2007) reforçam as ideias dessa tendência ao afirmar que a pedagogia crítico-social dos conteúdos defende a necessidade de se assegurar a função social e política da escola, por meio do trabalho com conhecimentos sistematizados e da inserção de classes populares nas escolas, a fim de criar condições para uma efetiva participação nas lutas sociais. Nessa pedagogia, para que a aprendizagem ocorra, o professor deverá vincular os conteúdos com a realidade e as experiências dos alunos. Assim como o professor deve compreender como o aluno se expressa e age, o aluno deve compreender o que o professor está dizendo. Dessa forma, os estudan- tes podem ter uma visão ampliada e mais nítida das realidades analisadas e estudadas. A pedagogia progressista crítico-social dos conteúdos baseia-se nos estudos de Carlos Libâneo e Demerval Saviani. Você já deve ter ouvido as seguintes frases: “o melhor investimento que você pode fazer é em si mesmo” e “a única coisa que ninguém pode tirar de você é o seu co- nhecimento”. Pois saiba que a origem dessas ideias remonta a uma teorização das décadas de 1960 e 1970, desenvolvida por Theodore Schultz, chamada teoria do capital humano. As principais obras do autor são O valor econômico da educação (1963) e O capital humano: investimentos em educação e pesquisa (1971). Essa teoria influenciou muito as ideias pedagógicas que circulam no Brasil e no mundo desde então, pois possibilitou entender, em um primeiro momento, que o ser humano é o principal responsável por investir em sua própria educação, o que pode lhe garantir um emprego (DAVENPORT, 2000). 9Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas 3 As teorias pedagógicas e a escola atual As escolas encontram-se permeadas por tendências pedagógicas que norteiam as práticas docentes, servindo de matrizes e de balizadoras das ações de pla- nejamento das atividades cotidianas em sala de aula. Todavia, é importante perceber que: [...] tendências e procedimentos ganham corpo, são aceitas e depois perdem a sua força, enfraquecidas por novas tendências, por novos procedimentos, que vêm no bojo da própria evolução do pensamento pedagógico, motivados pelo contexto vivido (contexto aqui no seu sentido amplo, político, social e econômico (SILVA, 1996, p. 11). Dessa forma, vamos discorrer sobre algumas tendências que modificam a forma como os professores atuam nos tempos contemporâneos e que apre- sentam relação estreita com os campos sociais, políticos e econômicos e suas reconfigurações. É importante destacar que a possibilidade de o docente escolher atuar de acordo com as teorizações pedagógicas com as quais mais se identifica é amparada constitucionalmente. Na Constituição Federal de 1988, em seu art. 206, que estabelece os princípios nos quais a educação nacional deverá basear- -se, tem-se o “[...] pluralismo de ideias e concepções pedagógicas” (BRASIL, 1988, documento on-line). Esse princípio será novamente reforçado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), em seu art. 3º, Inciso III. Também na LDB atual determina-se que as escolas deverão elaborar e executar as suas propostas pedagógicas. Esse processo de elaboração, que normalmente resulta na construção de um projeto político-pedagógico, requer participação coletiva e estudo de quais tendências irão alicerçar as práticas existentes nessas instituições de ensino. Na atualidade, ainda há lugar para todas as tendências pedagógicas; mais do que isso, todas elas disputam espaço no interior das escolas. Além disso, mudanças nos contextos culturais, sociais, políticos e econômicos têm desafiado as práticas pedagógicas das escolas. A seguir, confira algumas das tendências que se encontram presentes nos estudos acadêmicos sobre novas formas de ensinar e aprender, presentes na atualidade, e que envolvem a educação formal escolarizada, bem como a educação informal: pedagogias do consenso e do conflito; pedagogias culturais; Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas10 pedagogias do corpo; desescolarização. Entre as tendências que se encontram presentes no cotidiano escolar e aliam-se à forma como a escola deve ser conduzida, a partir dos estudos da administração educacional, estão a pedagogia do consenso e a do conflito, propostas por Benno Sander, em 1983. Baseadas na evolução dos pensadores da área da sociologia, essas teorias focam a sua análise nas formas como a administração escolar procura resolver os seus conflitos e organizar os seus procedimentos nas diversas áreas que compõem a instituição escolar. A pedagogia do consenso, derivada das ideias de Auguste Comte, Herbert Spencer, Émile Durkheim e Talcott Parsons, trabalha com a ideia liberal de integração, procurando “[...] satisfazer simultaneamente tanto as expectativas institucionais como as necessidades e motivações pessoais, sem comprometer o alcance dos objetivos de manutenção e reprodução do sistema” (SANDER, 1983, p. 22). Em outras palavras, essa tendência pedagógica entende que a organização escolar acaba influenciando ou produzindo os indivíduos a partir do que faz, com mínimas possibilidades de que ocorra o contrário — ou seja, de que os indivíduos personalizem, adaptem ou modifiquem a escola. A pedagogia doconflito, por sua vez, origina-se da interpretação das ideias iniciais de Karl Marx e Friedrich Engels, desenvolvidas por Bourdieu e Passeron e Althusser e Gramsci. Essa tendência aparece como uma crítica ao pensamento anterior (do consenso), propondo uma análise que sai da cen- tralização no aluno ou no educador e “[...] centra-se no papel das instituições e sistemas de ensino” (SANDER, 1983, p. 24). A ideia do conflito é justamente a percepção de que as escolas se encontram imersas nas grandes desigualdades culturais existentes entre os alunos, porém acabam reproduzindo a cultura da classe dominante e elitizada. Essas duas formas de se enxergar a escola — pelo aspecto da reprodução (consenso) ou da crítica de suas finalidades e formas de atuar (conflito) — acabam se inserindo fortemente no pensamento e nas ações docentes na escola contemporânea. Outra tendência pedagógica muito forte e presente no âmbito acadêmico na atualidade — e que tem gerado inúmeras pesquisas, principalmente na linha teórica dos estudos culturais em educação — é a denominada peda- gogia cultural. A pedagogia cultural entende que todo e qualquer artefato cultural (i.e., algo produzido pelo homem) pode ensinar algo e exercer função pedagógica. Dessa forma, ela analisa elementos de nossa cultura que con- tribuem para essa aprendizagem, como as mídias eletrônicas e os processos 11Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas que se estabelecem via internet, e possuem força de produzir subjetividades nas pessoas e modificar as suas condutas e o seu jeito de ser, pensar e agir. Conforme Steinberg (1997, p. 102): [...] a pedagogia cultural está estruturada pela dinâmica comercial, por for- ças que se impõem a todos os aspectos de nossas vidas privadas e das vidas de nossos/as filhos/as. Os padrões de consumo moldados pela publicidade empresarial fortalecem as instituições comerciais como os professores do nosso milênio. Como podemos perceber pelo conceito de pedagogia cultural, além das questões que envolvem a mídia, tem-se também as questões econômicas, que envolvem o consumo. Estas são analisadas na forma como se encontram inseridas nos mais diversos setores da sociedade (inclusive na escola), proble- matizando como a nossa vida, hoje, é pautada pelas relações de acumulação e consumo típicas do capitalismo. Enfim, apresentando resumidamente a peda- gogia cultural, devemos entender que ela “[...] pode representar uma das muitas alternativas possíveis para considerar as influências educativas informais em uma era de expansão da globalização e mercantilização” (HICKEY-MOODY; SAVAGE; WINDLE, 2010, p. 231, tradução nossa). Dessa forma, inúmeras análises articulam as mudanças que ocorrem nos aspectos educativos formais e informais, principalmente após a expansão da globalização, após os anos 1990, no Brasil e no mundo. Já as pedagogias do corpo propõem uma série de estudos que consideram o corpo como o veículo que acaba sendo objeto de disputa e sobre o qual são dispostas ações de governo, no sentido de conduzir as ações individuais que modelam um jeito de ser e estar no mundo. No viés dessas análises, as discussões de gênero, corpo e sexualidade se fazem presentes, com o enten- dimento de que nos tornamos homens ou mulheres a partir de discursos que estabelecem um status desses gêneros e um papel social a desempenhar por esse corpo masculino ou feminino. Dessa forma, as pedagogias do corpo entendem que: [...] as muitas formas de fazer-se mulher ou homem, as várias possibilidades de viver prazeres e desejos corporais são sempre sugeridas, anunciadas, promovidas socialmente (e hoje possivelmente de formas mais explícitas do que antes). Elas são também, renovadamente, reguladas, condenadas ou negadas (LOURO, 2007, p. 4). Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas12 Nas pesquisas que envolvem as pedagogias do corpo, problematizam-se as questões de gênero, procurando compreender os parâmetros impostos por uma sociedade que se constitui tendo a heterossexualidade como caminho certo e normal a ser seguido. Se a constituição dos sujeitos homens e mulheres se dá a partir de regulações sociais e culturais, as representações de indivíduos homossexuais, gays, transexuais e outras denominações presentes em nossa sociedade atual, da mesma forma, também merecem respeito e não devem ser discriminadas ou sofrer preconceitos sociais. As pedagogias do corpo servem de espaço de luta pelos direitos dessas minorias, que se constituem como cidadãos de direitos tanto quanto os heterossexuais. Para visualizar uma análise utilizando o conceito de pedagogia cultural, leia o artigo Pokémon Go: discutindo dispositivos e a pedagogia dos jogos eletrônicos, de Oliveira (2017). Por fim, vamos destacar estudos que apontam novos caminhos para as práticas educativas e que têm ganhado força no mundo inteiro, com enfoque em críticas e discussões em torno da desescolarização, baseadas nas obras do pedagogo Ivan Illich. O tema da desescolarização coloca a seguinte questão: a escola seria realmente necessária e positiva para todas as nações existentes no mundo? Os princípios defendidos pelo autor concentram-se na ideia “[...] de transformar cada momento da vida em uma ocasião de aprender, geralmente e de preferência, fora do sistema escolar” (GAJARDO, 2010, p. 13). Dessa forma, a desescolarização traz uma grande crítica às instituições sociais existentes, propondo uma sociedade sem escolas. A ideia defendida pela desescolarização parte do princípio de que a escola institucionalizada, na forma como se encontra, acaba privilegiando aqueles que possuem maior capital cultural ao frequentá-la. Existe a crítica ao valor que é repassado ao aluno a partir do conhecimento que ele adquire na escola, sendo este acumulativo e certificado por graus ou diplomas. Para o autor: [...] a aprendizagem é a atividade humana que menos necessita da intervenção de terceiros; a maior parte da aprendizagem não é consequência da instrução, mas o resultado de uma relação do aprendiz com um meio que tem um sentido, enquanto a instituição escolar o faz crer que o desenvolvimento cognitivo pessoal depende, necessariamente, de programas e de manipulações complexas (GAJARDO, 2010, p. 17). 13Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas Esse pensamento nos leva a refletir sobre os processos de aprendizagem que encontramos hoje, sobretudo aqueles que ocorrem via internet, no ciberespaço. Nesses espaços, aquele que se interessa em aprender algo (aprendiz) tem a possibilidade de escolher o assunto objeto do conhecimento de que necessita, estipulando o seu roteiro, os horários e os formatos a aprender, muitas vezes sem a mediação de um terceiro. Para conhecer um pouco mais sobre a tendência pedagógica progressista libertadora, acesse o site do Instituto Paulo Freire e percorra as informações e obras desse autor. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti- tuicao/constituicao.htm >. Acesso em: 16 jul. 2018. BRASIL. Lei nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/ pdf/lei9394_ldbn1.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2018. DAVENPORT, T. O. Capital humano. Barueri: NBL Editora, 2000. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2003. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. GAJARDO, M. Ivan Illich. Recife: Editora Massangana, 2010. Disponível em:<http:// www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4673.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2018. HICKEY-MOODY, A.; SAVAGE, G. C.; WINDLE, J. Pedagogy writ large: public, popular and cultural pedagogies in motion. Critical Studies in Education, v. 51, n. 3, p. 227- 236, 2010. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17508487.2010.508767?journalCode=rcse20>. Acesso em: 16 jul. 2018. LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia-crítico social dos conte- údos. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2002. LOURO, G. L. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica. 2007. Diferentes tendências pedagógicas: liberais e progressistas14 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. LUCKESI, C. C. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez,1994. LUZURIAGA, L. História da educação e da pedagogia. 15. ed. São Paulo: Nacional, 1984. OLIVEIRA, P. R. B. Pokémon GO: discutindo dispositivos e a pedagogia dos jogos eletrôni- cos. Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, v. 10, n. 2, dez. 2017. Disponível em: <http://www. periodicos.letras.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/11725>. Acesso em: 16 jul. 2018. QUEIROZ, C. T. A. P. de; MOITA, F. M. G. da S. C. As tendências pedagógicas e seus pressu- postos. Natal: UFRN, 2007. Disponível em: <http://www.ead.uepb.edu.br/ava/arquivos/ cursos/geografia/fundamentos_socio_filosoficos_da_educacao/Fasciculo_09.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2018. SANDER, B. Consenso e conflito na administração da educação. 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