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História da África Pré-colonização Aula 4: A Idade Média na África Apresentação Estudante, como estamos no aprendizado? Você tem feito os exercícios? Tem visto as fontes sugeridas? Está procurando vídeos a respeito da África? Agora, queremos que responda à seguinte pergunta: quando você pensa em Idade Média, o que surge em sua mente? Quais as imagens que aparecem? Guerras? Peste Negra? Mundo rural? Duelos? Poder nas mãos da Igreja Católica? Senhores feudais explorando seus servos? Um cenário praticamente sem cidades e muitos domínios rurais? Ou sua memória abriu espaço até para magia como dragões, espadas que são tiradas de uma bigorna por um jovem que se torna rei, um reino onde as casas, as ruas são de ouro, bruxos com chapéus pontudos ou elfos que lançam �echas? Pois bem. Esse é o cenário — muito equivocado — do mundo europeu. Agora, se você soubesse que Idade Média pode ser associada a grandes cidades, a poder centralizado nas mãos de um rei ou imperador, a uma cidade com mais de 120 escolas e uma universidade, muito ouro circulando, grande interação entre os povos e homens que trabalhavam fazendo leis, controlando �nanças e relações internacionais como diplomatas, você �caria espantado? Isso tudo aconteceu na Idade Média. A idade média africana. Objetivo Identi�car os aspectos políticos, econômicos e culturais dos principais reinos negros da Idade Média: Gana, Mali e Songai; Analisar as relações políticas e econômicas entre os reinos e o Islã. Introdução Trataremos nesta aula dos reinos africanos em sua parte ocidental, conhecida também como Sudão Ocidental. Lembre-se que Sudão era como os árabes denominavam os territórios habitados pela população negra africana. Vimos na aula anterior os reinos que tinham ligação próxima com o mar Vermelho. Veremos agora reinos com ligações com o Magreb (norte africano), Mediterrâneo e o próprio mar Vermelho, cuja travessia leva à Península Arábica. O Reino de Gana O primeiro dos três mais importantes reinos do Sudão ocidental foi Gana. Não confunda o nome desse reino com o país de mesmo nome. O reino de Gana compreendia terras do atual Mali, da Mauritânia, do Senegal e da Guiné. Ele se estendia pelo Sahel (Aula 2) e foi um império de longa duração, do século IV ao XIII. O reino tinha acesso a duas fontes importantes de água, os rios Níger e Senegal. Comentário Os relatos sobre Gana são derivados de escritos árabes e dos testemunhos mudos — os sítios arqueológicos. Acredita-se que foi fundado inicialmente por povos berberes — nômades das montanhas e do deserto, que podem ser negros ou de origem árabe — nos anos 300. Sua fundação deve-se ao uso do camelo de forma mais intensa a partir do contato desses povos com o Egito. Nas aulas anteriores você estudou que a África era dividida geogra�camente em África do Norte e África subsaariana. O obstáculo natural que gerava essa divisão era o deserto do Saara. Raros eram os povos que tinham contato com os povos do sul da África. Pois bem, a partir do uso de camelos e dromedários de forma mais expansiva entre os séculos I a III, essa barreira diminuiu. As tribos que os adotaram passaram a controlar poços, grutas e oásis. Assim, os berberes (especialmente o grupo desse tronco linguístico conhecido como tuaregues), que tornaram-se cameleiros, dominaram do litoral norte africano ao litoral do Sahel (ou Sael). Invadiram províncias do decadente Império Romano e as saquearam. Chegaram ao mar Vermelho, dominaram a savana. Fonte: Infoescola. O Saara, de deserto inóspito, impossível de ser vencido, passou a ser um “mar interior”. As caravanas passariam a ser um aglomerado de caravelas. As viagens no deserto melhoraram o estudo da astronomia, pois as constelações e o posicionamento do Sol passaram a ser referência para os cameleiros das caravanas. Séculos mais tarde, essa experiência no deserto servirá no desbravamento do “mar tenebroso”, o oceano Atlântico, pois o estudo astronômico e o astrolábio do deserto serão usados pelos navegantes. De certa forma, pode-se a�rmar que da África surgiram as condições para a conquista daquilo que mais tarde chamou-se de América. Fonte: nathalia_nbf / Pixabay. A importância dos camelos Clique no botão acima. Os camelos, como nos lembra o africanista Alberto Costa e Silva, dinamizaram o comércio transaariano e desse comércio surgiram reinos. Parafraseando a frase de Shakespeare, de Ricardo III, “meu reino por um cavalo”, pelo olhar africano viraria “meu reino foi por um camelo”. Porém, se o camelo é um aliado no embate com a dureza de se atravessar o Saara não o é quando ele vai para outro tipo de habitat, como a savana. No Sahel o camelo não entrava. Assim, as mercadorias tinham que ser tiradas de pontos �xos nos limites do deserto com a savana e do camelo os homens passavam para o lombo de bois e jumentos ou para as costas de escravos. Dessa forma, os cameleiros não entravam nas principais fontes de ouro. Era necessária uma intermediação nos pontos de embarque e desembarque de mercadorias. Esses entrepostos comerciais começam a destacar-se com o ouro que ali circula, assim como todas as mercadorias e um grande volume de pessoas de diversas origens. Nessas cidades — que mais tarde serão incorporadas por reinos do ouro e do comércio transaariano — há pedágios para circulação de mercadorias, hospedagens e setores de serviços diversi�cados. Pro�ssões e espaços diversos surgem: os responsáveis pelo conserto de selas de camelos, artesãos que vendem sandálias ou cabrestos, aguadeiros que comercializam água para as caravanas sedentas, estrebarias para os animais que vinham do deserto ou que dali partiriam para rotas pela savana, alojamentos de escravos que seriam trocados por sal. Eis a importância do camelo, do comércio transaariano e sua relação com o desenvolvimento de cidades nas “franjas” do deserto. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Localização do Império do Gana. Fonte: Wikipédia (2020). Gana era a aglomeração de várias vilas desse per�l, cuja presença dominante era do povo soninquês. Como dito anteriormente, supostamente a centralização de Gana se deu por mercadores do deserto — os berberes —, mas isso aparece somente em textos árabes do século XVII (é possível que os árabes quisessem forçar a mão para colocar os berberes como fundadores por serem do mesmo tronco étnico, assim seria uma justi�cativa para o domínio dessa região no momento em que as fontes estão sendo escritas, uma busca de legitimidade a partir de uma fundação feita há muito tempo). A melhor descrição acerca do Reino de Gana foi feita no século XI por Al-Bakri, astrônomo árabe, morador de Córdoba, atual Espanha. Ele fundamentou-se em relatos de viajantes árabes ou africanos. Fez uma seleção rigorosa daquilo que se repetia nos relatos fantasiosos ou possivelmente exagerados. A partir das semelhanças desses vários relatos acabou por escrever o Livro dos Itinerários e dos Reinos, fonte principal que temos sobre Gana, o reino mais duradouro do Sudão Ocidental, que se iniciou no século IV e terminou no século XIII de nossa Era Comum. Segundo relatos árabes, os soninquês decidiram tomar o poder e criaram sua própria dinastia, cujo ápice da expansão foi no reinado de Kaya Maghan Sisse (790). Esses mesmos relatos árabes apontam surpresa com a organização do Reino de Gana. Sua imponência se fez tão presente que chegou a aparecer em vários mapas-múndi feitos por árabes. Gana era a terra do ouro, como aparecia em várias legendas nesses mapas e também no relato de Al-Bakri. 1 Saiba mais O líder de Gana era seu homônimo, ou seja, era chamado de gana ou também caia-maga. Há uma especulação sobre quem vem primeiro, o nome do lugar ou do cargo. Presume-se que de tanto se falar “a terra do gana” tenha se tornado a terra Gana. Outra hipótese é que o gana assumiu essa identidade para vinculá-lo ao reino de forma de�nitiva. Para não confundir você, estudante, ao nos referirmos ao reino sempre será com letra maiúscula. Sob o domínio do gana estavam as cidadesde Galan, Farmé e Bambuk, região abundante em jazidas de ouro. O controle desse caminho era monopólio do gana e dos funcionários mais próximos, geralmente familiares. Os súditos que fossem explorar as minas tinham que pagar tributos ao gana, além de manter segredo sobre as rotas, caso contrário, sofreriam violenta punição. https://estacio.webaula.com.br/cursos/gon213/aula4.html Filão de ouro. Fonte: oficina70.com. A mineração Clique no botão acima. A mineração era segredo de Estado. Em vários relatos há divisão do ouro entre o minerador e o gana. O primeiro �cava com o ouro em pó e o segundo com as pepitas que fossem encontradas. Há uma estimativa que cerca de cinco toneladas e meia de ouro chegaram ao Mediterrâneo entre os séculos VIII e IX. Tamanha riqueza do Reino de Gana exigiria uma organização e uma diversi�cação de mão de obra muito grande, daí o espanto dos árabes que conheceram Gana e escreveram sobre o que viram. O reino necessitava de metalurgia para exploração do ouro. Ferramentas usadas nas minas sugerem que já havia o domínio do ferro e mãos habilidosas para confeccionar instrumentos para cavar o solo ou procurar o metal nos rios, como o ouro de aluvião. Além da metalurgia, o reino organizou-se para consolidar sua economia baseada em ouro e no comércio transaariano. No mapa anterior é possível perceber que Gana não tinha acesso ao mar, e o escoamento de sua produção seria pelo interior. Houve a constituição de responsáveis por diversas áreas, tais como justiça, controle do ouro, dos tributos, força militar, intérpretes para o comércio internacional, entre outras funções. Um quadro burocrático praticamente inexistente na Europa Ocidental no mesmo período. O rei de Gana era o senhor do ouro, mas também era o chefe da guerra. O domínio do gana não tinha como �nalidade impor sua religião, seus costumes ou sua língua. A �nalidade da expansão do Reino de Gana não era a terra, mas o controle de pessoas. Quanto mais pessoas sob o domínio do gana, mais tributos eram recolhidos, mais lavradores, servidores do Estado, pastores e soldados para seu exército — cujo apogeu chegou a cerca de duzentos mil guerreiros; desse total, um quadro de quarenta mil arqueiros que lançavam �echas com pontas de metal envenenadas. O imenso aparato militar era para se proteger dos vizinhos da grande cidade de Gaô e dos povos berberes que disputavam as rotas de comércio. Sobre a escolha do gana, mesmo que não seja consenso, a maioria dos africanistas aponta para uma sucessão de caráter matrilinear, ou seja, ao contrário de o �lho suceder ao pai, o sobrinho sucede ao irmão da mãe. O poder do gana tinha uma matriz religiosa baseada no culto da divindade-serpente (Wagadu-ira), animal que aparecia em objetos e roupas reais. Após a morte do gana, seus sobrinhos eram chamados pelo grupo de anciãos e pelos feiticeiros locais. Esses iam a um bosque e traziam uma serpente. Aquele que fosse mordido por ela seria o novo gana. Outro símbolo de poder era o cavalo. Mesmo que usado em batalhas, ele não era muito útil porque os soninquês o montavam no pelo, sem sela, o que não ajudava a manter o equilíbrio durante os ataques. O cavalo, porém, aparecia nas solenidades em que o gana aparecia para ouvir seus funcionários e representantes das comunidades, aldeias e pequenos reinos que ele dominava. Além dos cavalos também havia cachorros. Uma curiosidade que espantou um viajante árabe foi o uso desmedido do ouro por conta de sua abundância, fosse pelas minas ou pelos tributos pagos ao reino — como no caso de selas e de coleiras de animais feitas de ouro —, assim como �os de ouro eram usados nas vestimentas do soberano. A formação urbana do Reino de Gana era peculiar, pois nem tudo que reluzia era ouro. Havia uma divisão social bem nítida na formação das cidades. Havia a cidade dos mercadores, com grande presença de árabes com liberdade de culto e mesquitas, por exemplo. Ruas e casas com certa opulência e com material mais requintado ao se comparar a maioria da população que morava na periferia, que utilizava material mais rudimentar, aldeias de camponeses e artesão negros. A capital seria Kumbi Saleh. Seria, pois há hipóteses variadas a respeito da capital. Estudiosos apontam que ela seria em Saleh, ao sul do Saara, em uma região que �cava protegida de ataques dos povos nômades do deserto ao mesmo tempo em que tinha acesso ao rio Níger. Outros a�rmam que a capital seria outra e ainda não foi descoberta. A�rmam que Kumbi Saleh seria uma pequena cidade administrativa onde o gana por vezes aparecia. E ainda há outros que defendem a ideia da mobilidade de capital para que o gana tivesse o controle das rotas comerciais e dos caminhos do ouro de forma mais intensa e presente. Fonte: Seminario C. Independentemente da escolha, Kumbi Saleh foi descrita pelos árabes como uma cidade onde havia um palácio real formado por pedra madeira. Em seu entorno, cabanas de telhado cônico e muralhas para defesa. Mais distante aldeias modestas, como as descritas acima, e um bosque que era um lugar sagrado, controlado pelos feiticeiros locais. Nesse bosque havia o cemitério dos ganas e era também o destino de condenados pelo gana, que nunca mais voltavam e não se sabe qual era o seu destino. Fonte: R7 Quando morto, o gana era enterrado com seus pertences pessoais em um domo de teto cônico. Depois, colocava-se areia sobre essa tumba original, não sem antes sacri�car pessoas, que depois eram enterradas próximas ao cadáver do gana. Arqueólogos descobriram nos atuais Gana e Mali vários túmulos abaixo da terra com um cadáver central cheio de ornamentos e objetos de luxo. Saiba mais Os habitantes mais pobres de Gana eram divididos quase em forma de casta. Havia o grupo de pescadores, o de lavradores, os pastores, os ferreiros etc. Di�cilmente havia possibilidade de ascensão social. Os tributos desses trabalhadores não podiam sem pago em dinares, moeda árabe incorporada por Gana. Assim, o pagamento era em espécie, em produto in natura originado daquilo que trabalhavam. Como se deu a queda desse reino? A queda de Gana deu-se por conta da invasão de um grupo islâmico radical que discordava do modo como a religião do Profeta era praticada ao longo do Sahel ou se posicionava de forma radical à liberdade religiosa que era concedida ao animismo de vários grupos dominados. Esse ponto merece a sua atenção. Clique nos botões para ver as informações. Primeiro, o que é animismo? É a crença acerca de um ente religioso único que deu vida a tudo que existe na Terra, até o que não é animado ou se move, como pedras, rios, cachoeiras, árvores. Tudo passa a fazer parte do sagrado, do que deve ser cultuado, pois tudo é proveniente desse ser criador do universo, assim como a humanidade. Logo, há um cordão umbilical entre a humanidade e a natureza. Ponto 1 Segundo, muitos líderes africanos islamizados converteram-se mais pela conveniência do que pela fé em si, pois ser muçulmano abria rotas comerciais com a Península Arábica, estabelecia certa harmonia com os berberes islamizados, responsáveis pela guarda das caravanas ao longo do deserto, e ainda tinham acesso aos portos da Europa mediterrânea que estava sob o domínio de árabes, como a atual Espanha. Ponto 2 Terceiro, a conversão de uma religião para outra, ainda mais quando se é politeísta e de tradição oral para uma que seja monoteísta e baseada na escrita, cria ampla possibilidade para o sincretismo religioso. Ponto 3 Por conta dessa suposta distorção da fé verdadeira, muçulmanos ortodoxos, berberes vindos de Marrakesh, do Marrocos, chamados de almorávidas, começam a rebelar-se contra reinos, retraem-se, acumulam forças e acabam com o sincretismo pela espada e com ela querem fazer novos �éis verdadeiros. As tropas de seu líder, Yahia Ibn Omar, invadem Gana e várias de suas cidades em sua jihad. Por trás da defesa do “verdadeiro Islã” também havia o interesse pelo ouro soninquês. Fonte: Civilizações Africanas. Essas invasões acabaram por prejudicar o comércio e as trocastransaarianas �cam inviáveis. Muitas aldeias que viviam de agricultura de subsistência tiveram que converter sua economia e criar pastos, o que gerou fome, assim como a interrupção do comércio de sal, um dos produtos básicos consumidos em Gana. Da mesma forma que a religiosidade islâmica era algo circunscrito à elite do reino, assim o era o consumo das mercadorias. Os metais, a seda, o algodão eram de consumo dos grupos dominantes de Gana. O que era usado de forma mais extensiva era o sal, fundamental para a conservação de alimentos. A partir dos ataques dos almorávidas, até esse elemento básico deixou de entrar em Gana e houve crises de alimentação. A vulnerabilidade do reino foi favorável para a invasão de outro povo vizinho, os malineses, que a partir de 1235 fundaram sobre Gana o seu Império, o Império de Mali. O Império de Mali O império de Mali foi fundado pelo povo malinque, pertencente ao grupo linguístico mandê (que abrigava bambaras, diúlas, konos, mandikas, a maioria dos escravos que foi mão de obra nos Estados Unidos e no Caribe) no século XIII. Não confunda o território do império com o atual país, pois o império abrangia o território atual do Mali, parte do Senegal, da Mauritânia e de Gana. Veja no mapa a seguir que o Império de Mali abrigará em seu interior parte do seu vizinho, o Império de Gana. Localização do Império de Mali. Fonte: Wikipédia (2020). Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Boa parte do que nos chegou sobre Mali veio dos griôs, os responsáveis pela transmissão oral, as “bibliotecas vivas”, como �caram conhecidos. Os malinques foram famosos pelos feitos de seus imperadores, pelo domínio de vasto território e pelo controle das rotas de ouro. Segundo a tradição oral, os malineses viviam sob o domínio de outro povo, os sossos. Um líder sosso cometera atrocidades tão terríveis que gerou revolta dos sossos sob a liderança de Sundiata Keita, o primeiro fundador do Império Mali. Sundiata Keita começou a expansão sobre vários povos. Saiba mais Além dos sossos, conquistou o povo soninquês com a decadência do Reino de Gana e o povo dogon, o que gerou um império multiétnico. Os domínios territoriais eram tão grandes que abrangiam algo em torno de 45 milhões de pessoas. Esse imenso império foi dividido em várias províncias com liberdade religiosa e de tradições. Havia a cobrança de impostos feito por Mali, mas essa autonomia nos faz lembrar as cidades-estado gregas e mesopotâmicas. As aldeias menores podiam escolher seus chefes com os mecanismos pelos quais estavam acostumadas, desde que �zessem um juramento de �delidade ao imperador de Mali. O imperador de Mali era conhecido como mansa — termo que signi�ca “imperador” para os islâmicos —, que tinha o papel de che�ar o exército, controlar a arrecadação de impostos e seus investimentos e manter a soberania da justiça. O termo mostra que houve uma conversão do líder a partir do século XI. O sucessor de Sundiata Keita foi Mansa Uli, o primeiro imperador islamizado na África. É bom lembrar que a conversão ao islamismo entre grupos dirigentes estava por vezes mais relacionada às rotas de comércio do que à fé em Alá — rotas essas que passavam pelo Magreb até a Andaluzia, na atual Espanha. O Mansa vivia em palácio em meio a objetos de grande riqueza e opulência, que marcou muito a memória dos viajantes. O mansa vestia-se como um árabe, com um solidéu na cabeça feito de ouro. Para viajantes e comerciantes árabes, seus trajes assemelhavam-se aos de uma mulher por conta do excesso de pulseiras e braceletes de ouro e prata. O palácio de mansa era na capital, Niani, localizada de forma estratégica mais distante do deserto para evitar ataques dos berberes. Fonte: Super Abril. Atenção O Império do Mali (ou de Mali) tinha grande organização, que era bem dividida e pro�ssional. A burocracia administrativa (cobrança de impostos, realização de obras, por exemplo) era feita por membros da linhagem real. A burocracia militar organizava o expansionismo do vasto império, formado por uma grande cavalaria e arqueiros. Os líderes militares eram homens livres, mas sua base era formada por escravos, geralmente guerreiros capturados de povos vizinhos que tentaram conter a invasão de Mali. Seus armamentos, para a realidade africana, eram muito potentes. Além do uso do cavalo com sela, que lhes dava maior mobilidade, inclusive para os arqueiros, empregavam nas batalhas armaduras, escudos, capacetes, tudo de origem europeia que conseguiam em troca de ouro. Era um exército praticamente imbatível. Como já exposto, o mansa conquistava territórios sem impor sua religião ou sua língua. Essa preservação de identidade tinha dois motivos: O primeiro, para não dar justi�cativa para uma rebelião interna que se tornasse uma grande onda de rebeldia por autonomia em várias de suas províncias. Segundo, porque o exército de Mali era imenso e intenso. Porém, seus soldados não eram islâmicos, mas animistas. Assim, era complexo impor aos povos subjugados uma religião à qual a base do exército de Mali não aderiu, pois poderia gerar desconforto nas forças de dominação e uma possível aliança por questões religiosas. Em regiões mineradoras era um risco a imposição à força porque a consequência, quando tentou-se essa prática, foi a misteriosa diminuição da produção de metal. Quando o Império do Mali permitia a liberdade religiosa, misteriosamente a produção de ouro voltava a aumentar. Comentário Porém, não há mistério algum. Era uma tática de boicote feita pelos mineradores. Era melhor dar liberdade religiosa do que arriscar perder o império e o trono, pensavam os mansas. O tema da escravidão na África, que será tratado em futuras aulas, aparece com muita ênfase no sistema de organização do Império do Mali. Os escravos eram prisioneiros de guerra — não eram comprados ou trocados —, que em sua maioria eram ou tornavam-se lavradores. Aqueles que mostrassem habilidades militares nas guerras de conquista eram incorporados ao exército do Mansa, a quem tinham que jurar lealdade. A riqueza de Mali tornou-se histórica a partir do ouro. Esse metal saía das minas para as rotas que atravessavam o Saara e do deserto chegava aos portos do Mediterrâneo ou às cidades costeiras do mar Vermelho para abastecer a Europa e a Península Arábica, respectivamente. Em troca, o Império do Mali recebia dos mercadores (os wangaras) sal (que era tão necessário como no reino de Gana, que você viu anteriormente), vidros, armas, cavalos e tecidos. Além do ouro os malineses mandavam mar�m, cobre e noz de cola. No entanto, nem todos os malineses viviam de ouro. Havia vilas ligadas à produção de ouro ou à capital onde viviam ferreiros, carpinteiros, ourives. Porém, a maioria da população era formada por agricultores e pastores que plantavam arroz, milho, criavam cabras, camelos e bois. Os mais pobres que moravam na periferia do império não tinham acesso às riquezas do comércio transaariano. Assim, trocavam sua produção de subsistência, especialmente o milho e o sorgo, por peixe seco com os povos que viviam no litoral. Dois dos relatos mais famosos acerca de Mali é a peregrinação que dois dos seus mansas �zeram a Meca. Veja a seguir. A viagem dos mansas Uli e Musa Clique no botão acima. Mansa Uli, ao ir para Meca como é obrigação de qualquer islâmico, não o fez só por obrigação, mas para obter conquistas. Ao longo da viagem acabou por controlar Gao, Tombuctu e outras cidades que eram entrepostos comerciais autônomos das caravanas do deserto. Essas cidades cresceram depois como centros culturais e acadêmicos. A viagem do Mansa Uli teve três motivações. A primeira, sua fé. A segunda, a busca por um diálogo com os estados muçulmanos para além da região do Sudão Ocidental, e a terceira, a busca de apoio interno dos líderes religiosos locais para apaziguar qualquer tensão política. A segunda viagem marcante foi a de seu sucessor, Mansa Musa, que não entrou para a história como conquistador, mas pelo que causou à economia da região doOriente Médio e Egito. Mansa Musa fez a peregrinação de mais de seis mil quilômetros até Meca (a Heja, obrigação do muçulmano de visitar Meca uma vez na vida, a cidade sagrada do Islã), na atual Arábia Saudita. Antes de chegar ao Egito ele levou uma comitiva de mais de 12.000 escravos negros e cada um carregava um bastão de ouro. Estavam vestidos com seda e montados a cavalo, além de 70.000 servos, mais de 50 camelos e duas toneladas de ouro. Mansa Musa enviou, antes de chegar ao Egito, 50 mil dinares (cada dinar equivale a cerca de quatro gramas de ouro) para o sultão do Egito, Al-Malik Al-Nasir. Musa �cou cerca de três meses no Egito dando esmolas valiosíssimas e sendo enganado no preço das mercadorias e hospedagens pelos comerciantes egípcios. O mansa gastou praticamente toda a sua fortuna antes de chegar à Meca. Sua viagem só continuou porque conseguiu empréstimos de negociantes no Egito. A quantidade de ouro que Mansa Musa despejou na região foi tamanha que o ouro foi desvalorizado por duas décadas na região, perdendo seu valor para a prata, pois a oferta superara a demanda. Segundo relato do árabe Ibn Bathutta, o musa não dava ordens diretamente, mas tinha um porta-voz para falar com sua assistência. Não se admitia receber Musa Mansa com calçados. Algo que destaca sua importância na região: por tradição e hierarquia, ele deveria, ao encontrar-se com o Sultão do Egito, prostra-se ao chão, algo que não conseguiu fazer e foi atendido. Ao que tudo indica, Mansa Musa percebeu o isolamento de seu império no mundo islâmico, uma posição de periferia. Como mudar isso? Como ter tanto ouro e não �gurar entre os reinos islâmicos centrais? Primeiro, sua parada no Egito foi estratégica. Pela posição geográ�ca do Egito, pela história daquele país, tê-lo como aliado era importante para o Império do Mali. Além disso, o Egito não tinha mais o ouro que vinha do Sudão oriental, ao sul — uma forma de unir o ouro com prestígio e acesso ao mar Vermelho. No retorno de Meca para o Mali, o mansa levou um arquiteto para criar núcleos de conhecimento e de práticas religiosas em cidades como Gao e Tombuctu. Foram criadas Madrasas — escolas para o estudo do Corão e de Direito — e mesquitas, além da famosa faculdade de Sankoré, onde se estudava astronomia, matemática e direito. Fonte: Wikipédia – Abraham Cresques (2020). Mansa Mussa retratado em um atlas catalão de 1375. O texto do mapa diz: "Este senhor negro é chamado Mussa Mali, senhor dos negros da Guiné. Tão abundante é o ouro que foi achado no seu país que ele é o mais rico e nobre rei em toda a terra." Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Para reforçar os laços com Meca, Mansa Musa teria trazido, segundo relatos árabes, dois descendentes de Maomé para o Mali para estudarem e depois ajudarem-no na administração do império. Cabe destaque ao fato da necessidade de letramento. O Islã tem como condição para seu �el a leitura do Corão. Assim, o grupo dirigente sabia ler e escrever em árabe, de modo que sua universidade vai ter vários livros originais ou copiados do mundo islâmico. Porém, como já foi destacado, isso não chegava à maioria da população do império. Mesquita de Djinguereber, em Tombuctu . Fonte: Wikipédia – KaTesnik (2020). Império Songhai – Séculos XIV – XVI O terceiro e último Império da Idade Média africana é o Songai. Sua constituição se deu a partir da incorporação das terras do Império do Mali e em expansão continuada nas cidades que margeavam o rio Níger. Mapa do Império Songai. Fonte: Wikipédia – Roke (2020). Sua origem era uma divisão de ofícios bem estabelecida internamente. As trocas de produtos criaram uma unidade linguística e cultural que acabou por constituir o povo songai. Fonte: O autor. No século XI, os berberes chegaram à região e islamizaram a maioria dos habitantes. Songai era um entreposto comercial do comércio que vinha do deserto para o Sudão Ocidental. Foi comandada por Mansa Musa por mais de uma década. Com a queda de Mali veio a autonomia do Songai e a constituição de um poder centralizado nas mãos de Suni Ali. Seu �lho não continuou a dinastia após a morte do pai porque ainda usava práticas religiosas animistas e não se submetia ao clero islâmico. Houve uma rebelião interna comandada por um líder militar, Maomé Ibn Abacar, que teve apoio das lideranças religiosas e militares. Assim foi formada a dinastia muçulmana Áskia e teve o nome de Muhamed Turê. Turê estreitou os laços com os reinos islâmicos e foi bem-sucedido. Conseguiu que o sultão do Egito o nomeasse califa do Sudão ocidental, o que corresponderia à região banhada pelo rio Níger. Assumiu com ostentação e poder sua hégira (ida para Meca) e na volta acabou fazendo várias jihads de povos que �cavam sob sua tutela, como o povo soninquês, o povo fula e parte da região dos hauçás. O Estado de Songai tinha uma divisão bastante clara de atribuições. O imperador e a alta burocracia eram responsáveis pela administração, pela construção e �scalização das embarcações que passavam pelo Níger; pelas arbitragens de con�itos sobre terras, que eram taxadas. Havia um corpo diplomático para representar o imperador songhai na Europa, na Ásia e no norte africano. No controle menos extenso, como nas províncias do império, os fari eram chefes nomeados pelo imperador. Nas aldeias, como aconteceu em Mali, havia a escolha do governante pelas leis e tradições locais. As leis seguiam uma divisão social para os convertidos e para os não convertidos. Havia o uso do cádi, código de leis islâmicas aos seus seguidores com o julgamento de um juiz perito no assunto. Para as comunidades tradicionais era diferente, exigia-se o respeito aos costumes e às tradições locais, sem imposição do cádi, como a formação de conselhos de anciãos, por exemplo. A economia de Songhai era diversi�cada, não �cava presa ao ouro. Havia uma agricultura de subsistência muito grande, assim como a prática da pesca e a criação de animais. Nas cidades mais desenvolvidas o comércio era mais intenso. As grandes cidades eram atreladas ao que vinha e saía das rotas transaarianas. Havia muita circulação de pessoas, de animais, muitas construções, grande diversidade de mão de obra, amplos espaços voltados à cultura — havia mais de 150 escolas espalhadas pelas cidades de Djené e Ualala e a faculdade de Sankoré, que permaneceu onde havia um grande número professores de origem marroquina ou egípcia. A educação formal era exclusivamente masculina. Os jovens aprendiam gramática, retórica, �loso�a e astronomia. Cidade de Tombuctu. Fonte: Worldation (2020). O �m do grande Império Songhai foi semelhante ao do Império de Mali: disputas internas na linha sucessória; presença mais intensa de europeus que ampliaram as redes do trá�co para as Américas, quando muitas aldeias foram desorganizadas e territórios foram tomados para virar feitorias. O �m de�nitivo do Império Songhai foi em 1591. Atividade 1. Leia o trecho a seguir, re�ita e depois responda o que se pede. “O primeiro grande Estado tributário sudanês irá sucumbir no século XIII, diante de uma força maior — o reino de Mali. Ainda sobre Gana, nos diz Mário Maestri: ‘Hipóteses estapafúrdias foram levantadas pelos primeiros historiadores ocidentais que se interessaram pelo Estado negro. Ventilou-se a possibilidade de que sua fundação fosse obra de judeus sírios fugidos de perseguições romanas na Cirenaica (região da atual Líbia), no séc. II d. C. As origens do reino são mais simples e menos fantasiosas’” (MAESTRI, 1988 apud MACEDO JR. 2008, p. 15). Por que houve a construção de hipóteses estapafúrdias quanto à fundação do Império de Gana, de acordo com o texto anterior? 2. “Muhamed Turê estreitou as relações do Império de Songai com o mundo islâmico. Como muçulmano devoto que era, o novo imperador visitou os principais lugares sagrados para o Islã e chegou a receber o título de califa do Sudão. As investidas bélicas foram mantidas por Muhamed Turê, que conseguiu subjugar importantes grupos vizinhos como os fulas, soninquês,e, sobretudo, duas importantes cidades-estado dos hauçás: Kano e Gobir” (SANTOS, 2017, p. 82). Aponte duas características que �zeram muitos chefes africanos se converterem ao islamismo para além do caráter religioso. 3. Entre os séculos VIII e XVII, a África ao sul do deserto do Saara era habitada por vários povos negro‐africanos, cada um com seu jeito próprio de ser. Alguns desses povos construíram impérios e reinos prósperos e organizados, como o Império do Mali e o Reino do Congo. Há poucos documentos escritos sobre Mali. Os vestígios arqueológicos (vasos, potes, panelas, restos de alimentos e de fogueiras) também são reduzidos. Dentro do contexto da história africana e de alguns impérios como o de Mali, conferia‐se importância notável aos griots, que: a) Representavam o grupo majoritário da sociedade, pois, como guerreiros, cuidavam da segurança e das estratégias de guerra. b) Eram os líderes religiosos, que baseados em conhecimentos ancestrais ainda mantinham intacta a religião de seus antepassados. c) Eram os indivíduos que tinham o compromisso de preservar e transmitir histórias, fatos históricos, conhecimento e canções de seu povo. d) Detinham o poder entre as mais variadas tribos por serem os únicos proprietários de terras, responsáveis por distribuir o trabalho e a produção. e) A cultura Mali valoriza aspectos da ancestralidade e da manutenção de seus princípios. Isso era contado às crianças e fazia parte do aconselhamento dinâmico dos adultos, por isso eram vitais. Notas soninquês 1 Povo negro que vivia em aldeias ao redor de Gana e aos berberes eram submetidos. Referências FRY, P. A persistência da raça. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. MACEDO, JR. (org.) Desvendando a história da África. Porto Alegre: UFRGS, 2008. Disponível em: http://books.scielo.org/id/yf4cf/pdf/macedo-9788538603832.pdf. Acesso em: 10 out. 2020. javascript:void(0); MOHAMMED, E. F. História geral da África, III: África do século VII ao XI. Unesco. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000190251. Acesso em: 10 out. 2020. SANTOS, Y. L. História da África e do Brasil afrodescendente. Rio de Janeiro: Pallas, 2017, p. 82. Próxima aula Identi�car as práticas escravistas na África no período da Antiguidade, antes da presença islâmica no continente; Analisar as relações políticas, econômicas e sociais entre a África e os reinos muçulmanos da Península Arábica. Explore mais javascript:void(0);
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