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Etnocentrismo e relativismo cultural

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Antropologia Cultural 
Adiala 
1- O conceito de cultura 
O conceito de cultura é uma preocupação intensa atualmente em diversas áreas do 
pensamento humano, no entanto a Antropologia é a área por excelência de debate sobre esta 
questão. O primeiro antropólogo a sistematizar o conceito de cultura foi Edward Tylor que, em 
Primitive Culture, formulou a seguinte definição: “cultura é todo complexo que inclui 
conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos 
adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade.”. 
Desde sempre os homens se preocuparam em entender por que outros homens 
possuíam hábitos alimentares, formas de se vestir, de formarem famílias, de acessarem o 
sagrado de maneiras diferentes das suas. A essa multiplicidade de formas de vida dá-se o 
nome de diversidade cultural. Contudo, durante foi a partir da descoberta do “Novo Mundo”, 
nos séculos XV e XVI, que os europeus se depararam com modos de vida completamente 
distintos dos seus, e passaram a elaborar mais intensamente interpretações sobre esses povos 
e seus costumes. 
É fundamental lembrarmos que o impacto e a estranheza se deram dos dois lados. Os 
grupos não europeus se espantavam com o ser diferente que chegava até eles 
desembarcando em suas praias e tomando posse de seu território. Existem relatos de povos 
que após a morte de um europeu em combate, colocavam seu corpo dentro de um rio e 
esperavam sua decomposição para ver se eram pessoas como eles. A diferença é que não 
temos contato com esses relatos dos povos não europeus para conhecermos a visão que eles 
tinham dos brancos. 
2- O olhar eurocêntrico sobre a cultura 
Mas de onde surge a preocupação com o tema da cultura? Vamos posicionar nosso 
olhar. Toda construção científica nasce na Europa. A reflexão teórico-científica sobre a 
humanidade se iniciou neste ambiente e nesta perspectiva. Logo, a noção de ser humano de 
referência para todas as Ciências Humanas e Sociais é a do homem europeu e da sociedade 
européia. No entanto, a partir dos esforços de conquista de outros continentes, os europeus 
“encontraram-se” com “seres” diferentes o suficiente para causarem estranhamento, mas 
“parecidos” o suficiente para produzirem o seguinte incômodo: serão estes seres “humanos”? 
A relação com agrupamentos humanos de localidades até então desconhecidas como 
as que hoje denominamos África, América, Austrália, fizeram com que os europeus se 
questionassem sobre as características peculiares ao humano e as razões de tanta diferença 
entre os componentes de uma mesma espécie. O movimento pré-científico, que domina o 
campo da diversidade cultural até o século XVIII, é aquele que oscilava entre conceber o 
“diferente” ora como humano ora como não humano, provido ou desprovido de alma, bom ou 
mal selvagem, etc. 
Antropologia Cultural 
Adiala 
Na ótica do “mal selvagem”, estes “humanos” eram vistos como perigosos, mais 
próximos aos animais, brutos, imbuídos de uma sexualidade descontrolada, primitivos, com 
uma inteligência restrita, iludidos pela magia, enfim, seres limitados que precisavam ser 
“civilizados” pela cultura européia. Assim entramos no século XIX. Os antropólogos estudam 
culturas “exóticas” buscando descrever seus hábitos, costumes e sua forma de ver o mundo 
(cosmovisão). 
No entanto, eles não iam ao campo; não eram os antropólogos que experimentavam 
diretamente o dia a dia dos grupos “selvagens”. Eram enviados viajantes, pessoas comuns que 
eram deslocados para essas “tribos” e ali ficavam por um certo tempo, registrando tudo que 
viam e ouviam, a fim de entregar este material aos antropólogos que aí sim analisavam estes 
relatos, desenvolvendo suas teorias sobre as diferentes culturas. Esta é a denominada 
“antropologia de gabinete”. 
3- A prática etnográfica 
Na segunda metade do século XIX esta “metodologia” é questionada, afinal, como falar 
sobre uma cultura que nunca se viu? Como descrever eventos que nunca se vivenciou? Assim 
cunha-se a prática etnográfica que é a metodologia característica da antropologia até os dias 
de hoje: o próprio antropólogo vai ao campo, entra no grupo, vivencia esta cultura diferente, 
deixa-se fazer parte deste dia a dia, registra esta vivência, retorna para sua própria cultura e 
finaliza seu trabalho de escrita que é o registro final desta experiência. 
Segundo François Laplantine, em Aprender Antropologia, a prática etnográfica consiste 
em “impregnar-se dos temas de uma sociedade, de seus ideais, de suas angústias. O 
etnógrafo é aquele que deve ser capaz de viver nele mesmo a tendência principal da cultura 
que estuda”. No entanto, não é nada fácil vivenciar uma outra cultura diferente da nossa. Por 
quê? Não sentimos nossa cultura como uma construção específica de hábitos e costumes: 
pensamos que nossos hábitos e nossa forma de ver o mundo devem ser os mesmos para 
todos! 
Naturalizamos nossos costumes e achamos o do outro “diferente”. Diferente de quê? 
Qual é o padrão “normal” segundo o qual analisamos o “diferente”? Geralmente estabelecemos 
a nossa cultura como o padrão, a norma. Assim, tudo que é diferente é concebido como 
estranho, e mesmo errado. Tal postura é o que denominamos etnocentrismo. 
4- Etnocentrismo 
Segundo Everardo Rocha, em O que é Etnocentrismo, trata-se da “visão do mundo 
onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e 
sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. 
No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano 
afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc. “. 
Antropologia Cultural 
Adiala 
Esse autor nos alerta, ao analisar o etnocentrismo, para a questão do choque cultural. 
Como ele afirma, “de um lado conhecemos o "nosso" grupo, que come igual, veste igual, gosta 
de coisas parecidas, conhece problemas do mesmo tipo, acredita nos mesmos deuses, casa 
igual, mora no mesmo estilo, distribui o poder da mesma forma, empresta à vida significados 
em comum e procede, por muitas maneiras, semelhantemente. Aí então de repente, nos 
deparamos com um "outro", o grupo do "diferente" que, às vezes, nem sequer faz coisas como 
as nossas ou quando as faz é de forma tal que não reconhecemos como possíveis. E, mais 
grave ainda, este “outro" também sobrevive à sua maneira, gosta dela, também está no mundo 
e, ainda que diferente, também existe.”. 
Roberto da Matta, no texto “Você tem cultura?” demonstra que “essa é a experiência 
antropológica, buscar compreender a lógica da vida do outro. Antes de cogitar se “aceitamos” 
ou não esta outra forma de ver o mundo, a antropologia nos convida a compreendê-la, e 
verificar que ao seu jeito uma outra vida é vivida, segundo outros modelos de pensamento e de 
costumes. O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência 
a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural”. 
 O conceito de cultura, ou, a cultura como conceito, então, permite uma perspectiva 
mais consciente de nós mesmos. Precisamente diz que não há homens sem cultura e permite 
comparar culturas e configurações culturais como entidades iguais, deixando de estabelecer 
hierarquias em que inevitavelmente existiriam sociedades superiores e inferiores. Por isso, 
como nos ensina Roberto da Matta, no supracitado texto, deve-se analisar as práticas culturais 
no contexto em que são praticadas, permitindo-se, assim, “traduzir melhor a diferença entre 
nós e os outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós 
mesmos”. 
5- Relativismo cultural 
É a postura, privilegiada pela Antropologia contemporânea, de buscar compreender a 
lógica da vida do outro. Ainda segundo Roberto da Matta, “antes de cogitar se “aceitamos” ou 
não esta outra forma de ver o mundo, a antropologia nos convida a compreendê-la,
e verificar 
que ao seu jeito outra vida é vivida, segundo outros modelos de pensamento e de costumes 
(...) pois cada sociedade humana conhecida é um espelho onde nossa própria existência se 
reflete”. A postura relativista pode ser sintetizada nas palavras de uma das mais notáveis 
antropólogas conhecidas, a americana Margaret Mead, que no prefácio de Sexo e 
Temperamento afirmou: “toda diferença é preciosa e precisa ser tratada com muito carinho”. 
 
 
Por Carlos Vogt 
10/09/2006, 
http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=17&id=174&print=true

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