Buscar

case cultura Sega Bradesco

Prévia do material em texto

�PAGE �
�PAGE �5�
 CASE: BRADESCO
O texto abaixo é um resumo do Capítulo “Sobre a identidade do Poder nas Relações de Trabalho”, de Liliana Rolfsen Petrilli Segnini, extraído do livro : Cultura e Poder nas Organizações, de Maria Tereza Leme Fleury e Rosa Maria Ficher (coord.) , Editora Atlas, 1992. O levantamento de dados se refere ao período de 1964 a 1985.
O Bradesco caracteriza-se como a maior organização bancária brasileira, tanto em receita financeira como em número de funcionários.
Em 1964, após 21 anos de sua fundação, o Bradesco empregava 4000 bancários e contava com 200 agências. Em 1985, os números passaram a ser 159.000 funcionários e 1916 agências.
O Bradesco foi a instituição financeira que obteve os maiores privilégios dos governos militares para ampliar seus negócios e número de agências.
Atualmente, o Bradesco continua sendo o maior banco privado do país em volume de depósitos, número de agências, fluxo de público, número de correntistas, acionistas e lucro líquido. Mesmo assim, é a organização financeira que pratica os menores salários do setor e tem as mais longas jornadas de trabalho. O sistema de poder desta organização se dá através de políticas de educação para o trabalho, seleção e treinamento de pessoal, normas e regulamentos internos e vigilância hierárquica que compõem o processo de construção do “Homem Bradesco”.
Desta forma, a filosofia da organização é transmitida através da “declaração de princípios”. O ritual do dia nacional de ação de graça é um exemplo de como se sintetiza o processo de construção do “Homem Bradesco”.
Educação para o trabalho
A partir de 1971, o Bradesco dedica-se à formação de seus funcionários. De acordo com a reforma do ensino de 1º. e 2º. graus, expressada em forma de Lei pelo estado militar, o objetivo era “qualificar para o trabalho e preparar para o exercício consciente da cidadania”.
O Bradesco instala escolas em regiões caracterizadas pela miséria e pela insuficiência de escolas públicas. Isto porque é a criança pobre que é selecionada para ser educada para o trabalho. Em todas as unidades escolares existe um alto grau de dependência das famílias em relação a esse processo educacional do Bradesco. Questionar ou mesmo não aceitar o conteúdo disciplinador a que são submetidos os seus filhos poderia significar romper com a única oportunidade de alfabetização, alimentação, saúde e, possivelmente, um futuro emprego.
O processo educacional privilegia o ensino de 1º. grau (51,64%) seguido dos cursos profissionalizantes (25,47%) e do 2º. grau (18,30%). A pré-escola compreende somente 4,95% dos educandos.
Segundo a Fundação Bradesco, a ênfase educacional recai sobre o 1º. grau para possibilitar ao aluno a formação profissional de acordo com suas habilidades e aptidões. A escola permite que os alunos familiarizem-se com os mais diversos campos de trabalho, desenvolvendo seus interesses profissionais.
“O ensino na Fundação Bradesco é prático: não há conteúdos inúteis. Não se utiliza o trabalho da criança. Elas limpam a escola para aprenderem a ser limpa. Não se usa copos descartáveis, pois as crianças são pobres e não terão acesso a esse luxo, por isso aprendem a serem mais econômicas”.
A declaração dos princípios Bradesco constitui a base ideológica a ser aprendida. A obediência a todos os princípios é condição de permanência do aluno na fundação ou dos funcionários na organização.
Selecionando crianças pobres para o processo educacional, procura-se reforçar os vínculos de obediência e desenvolver o sentimento de gratidão nos educandos. De acordo com o setor pedagógico, a função é tornar os alunos gratos. “Eles precisam entender que sem a assistência a fundação estaria abandonada, na miséria”.
O processo educacional é apolítico. Não é permitido nas escolas discussões sobre temas que possam questionar as autoridades constituídas e a hierarquia. O objetivo é trabalhar.
O lazer procura salientar a necessidade de obediência às leis, à disciplina e ao superior hierárquico. O escotismo é uma forma de lazer utilizada para reforçar estes objetivos. As meninas aprendem a cuidar da casa, lavar e passar roupas na disciplina “Educação para o Lar”. Através de um fictício envelope de pagamento referente ao salário médio de um escriturário, aprendem a “fazer as compras necessárias para a casa, controlando os desperdícios e aprendendo a poupar”.
Mesmo que não venham a ser funcionários do banco, estão sendo “preparados” para se casar e reproduzir os princípios da instituição. A formação de trabalhadores de acordo com a ideologia da organização revela que o processo educacional é entendido como “valioso instrumento” a serviço da empresa. Desta forma a educação torna-se investimento: forma trabalhadora disciplinados, não questionadora da realidade por eles vivenciada, e de baixo custo.
A organização pretende que futuramente todos seus funcionários tenham sido formados pelas escolas da Fundação Bradesco. Mas o número de funcionários que vem destas escolas ainda é insuficiente para suprir a necessidade de novas contratações. Por esta razão, o processo de seleção é realizado em paralelo para preencher todas as vagas em aberto. Os critérios de seleção indicam a importância política na socialização do trabalhador Bradesco.
Seleção de Pessoal
Os critérios de seleção envolvem, sobretudo, variáveis comportamentais dos candidatos, visando o enquadramento na organização. O primeiro passo é a realização de um teste de conhecimentos (noções básicas de matemática, português e datilografia). Os critérios: 1.) ser oriundo de família de baixa renda; 2.) ser oriundo de família estruturada; 3.) ter uma crença religiosa; 4.) não ter trabalhado em outra instituição financeira e, 5.) ser jovem e de preferência proveniente de cidades do interior.
Os trabalhadores de origem familiar de baixa renda tendem a temer a perda do emprego. Não importa qual seja a crença religiosa do candidato, segundo o departamento pessoal: “basta acreditar em um ser superior, senão vira bagunça, não há respeito às normas e hierarquia. Ao recrutar jovens sem experiência anterior no serviço bancário revela a intenção de disciplinar a fim de prevenir futuros conflitos”.
Com a pretensão de homogeneizar o perfil do trabalhador Bradesco, a organização desenvolve programas de treinamento, constrói normas e princípios que vão regular o comportamento do trabalhador e estabelecer eventuais punições para os desviantes.
Treinamento para carreira
O ingresso na organização se dá quando o candidato é jovem e em cargos de nível hierárquico baixo (contínuo escriturário). A promoção na carreira se dá em função do mérito do funcionário. A chefia imediata observa a produtividade, a obediência as normas e a dedicação às longas jornadas de trabalho. (Nota: apesar do Bradesco praticar um dos níveis salariais mais baixos do setor, ele obtém os maiores índices de produtividade).
Poder disciplinar no cotidiano
O conteúdo das regras e princípios que regem as relações na organização são apresentados como “uma necessidade acima da vontade da organização”. São estas regras que regulam os conflitos que surgem nos grupos sociais. Com base na declaração de princípios, é proibido discutir com clientes e os colegas devem ser tratados com “urbanidade e respeito”. Proíbe-se a participação em atividades políticas ou religiosas, que são entendidas como polêmicas.
Desta forma, a organização desenvolve seu trabalho político sem marcá-lo como discurso político: submissão do funcionário ao ideário da harmonia necessária para a “grande família” desenvolver seu trabalho comunitário.
Vigilância através da visibilidade
Na organização estabelece-se uma relação com alto grau de dependência entre o subordinado e o superior que o avalia. A promoção do funcionário é baseada não só em itens mensuráveis mas na compatibilidade do comportamento deste com a filosofia da organização.
A insegurança dos funcionários gera atitudes submissas, bajuladorase delatoras das falhas dos colegas, que são vistos como concorrentes por aqueles funcionários que desejam galgar para uma posição hierárquica superior.
O Bradesco foi o primeiro banco a eliminar paredes divisórias, pois segundo o seu fundador: “negócio de banco tem que ser às claras”. A arquitetura possibilita o controle do comportamento, permitindo monitorar os indivíduos: saber onde estão e o que estão fazendo.
 
Os 21 diretores trabalham em uma sala coletiva na sede em Osasco, em permanente troca de informações e, sobretudo, controle único.
CASE: SEGA
Artigo extraído do caderno de Economia, do Jornal “O Estado de São Paulo”, de 15/setembro/1999, intitulado: “O jeitinho japonês de cortar pessoal – Na Sega, funcionário passa por ‘solitária’antes da demissão”, por Peter Landers, repórter do “The wall Street Journal”.
	TÓQUIO – Numa segunda-feira fria e chuvosa em dezembro passado, os chefes de Toshiyuki Sakai na fabricante de videogame Sega Enterprises Ltd. Disseram a ele que seu trabalho estava abaixo da média. Eles sugeriram que ele pedisse demissão e ofereceram um pacote de US$ 23,9 mil caso ele aceitasse.
	Sakai, 35 anos, recusou na hora. Ele achava que seu desempenho era bom.
	Três dias depois, a Sega mandou Sakai levar seus pertences para casa, devolver as coisas da empresa que estavam em seu poder e procurar uma sala apelidada de “sala de pessoal”. Lá, ele encontrou um escritório praticamente vazio. Havia apenas uma mesa, três cadeiras, um armário e um telefone que não fazia ligações para fora da empresa. Sakai não recebeu nenhuma tarefa, mas também não podia distrair-se.
	Ele estava sendo demitido por redução de despesas, no estilo japonês.
	“Não vou agüentar nenhum dia assim”, Sakai lembra ter pensado na ocasião. Meses depois, porém, ele ainda estava cumprindo 40 horas por semana naquela mesma sala.
	Casos como ode Sakai estão pipocando enquanto as empresas japonesas encaram com atraso, mas seriamente, a necessidade de cortar funcionários administrativos. Elas estão aumentando seus esforços de reestruturação mesmo com a economia japonesa dando sinais de crescimento após anos de recessão. A taxa de desemprego no Japão está em 4,9%, a mais alta desde que o país passou a computar estatística, em 1953, e muitos economistas acham que o desemprego vai aumentar.
Mas enquanto o famoso sistema de emprego vitalício japonês começa a ruir, os tabus sociais e as restrições legais ainda dificultam as demissões. Como resultado, os patrões estão inventando formas criativas para colocar gente na rua.
Sakai acabou sendo demitido pela Sega em março, mas recorreu à Justiça para recuperar o emprego. Num processo atípico para os japoneses, Sakai argumenta que sua demissão não valeu porque a empresa não apresentou fatos para provar as alegações de que seu desempenho estava fraco e não podia ser melhorado.
A Sega, cujos lucros começaram a cair há dois anos, descreve Sakai como um causador de problemas. Ele não preenchia relatórios de despesas dentro do prazo, era rude no telefone e uma vez, em 1990, dormiu demais e perdeu um vôo para uma viagem de negócios, informa a empresa num documento apresentado em resposta ao processo aberto por Sakai. O ex-empregado, que começou a trabalhar para a Sega há nove anos no departamento que supervisiona os jovens fanáticos por videogames que testam os produtos da empresa, admite que perdeu o vôo, mas nega as outras alegações.
Quando Sakai apresentou-se à sala de pessoal em 10 de dezembro, ele recebeu ordens por escrito para permanecer na sala todos os dias das 8h30 às 17h15. Ele tinha 55 minutos de intervalo para o almoço. Suas instruções o proibiam de trazer pertences pessoais. (A Sega diz que essa cláusula não era para ser observada literalmente).
A sala era limpa e silenciosa, recorda-se Sakai. O telefone, que quase nunca tocava, tinha um relógio digital. “É bastante tempo até 17h15”, diz Sakai, que passava o dia olhando para o relógio.
Sakai resolveu resistir. Mas logo ele estava gastando a maior parte dos seus dias pensando no seu futuro.De vez em quando ele levantava para esticar as pernas ou deitava no chão para alongar as costas. Ã noite, andava até o seu apartamento, onde morava só, e sentava de frente para a televisão. Ele diz que tentou ler alguns livros, mas acabava lendo sempre a mesma linha.
No início de janeiro três outros empregados da Sega juntaram-se a ele na sala de pessoal, informaram Sakai e funcionários do sindicato de trabalhadores de empresa. Um foi rapidamente recolocado, mas os outros dois passaram um mês lá. Apenas um assunto dominava a conversa na sala – “por que estamos aqui ?” - , mas eles não achavam a resposta, diz Sakai. Depois de um mês, um dos dois colegas de Sakai pediu demissão e o outro foi demitido em meados de fevereiro, informa o sindicato no qual Sakai é filiado. (A Sega reconhece que encaminhou Sakai e outros funcionários para essa sala e outras parecidas, mas não confirma as estimativas do sindicato de que esses empregados eram cerca de dez, e nem comenta os casos.)
No fim de janeiro, o departamento de pessoal recomendou formalmente que Sakai pedisse demissão. Desta vez a Sega ofereceu um pacote menor, de US$ 21,6 mil. Sakai recusou outra vez e vendo que estava prestes a ser demitido se associou a um dos sindicatos dos empregados da empresa, filiado ao Partido Comunista do Japão. Os líderes sindicais elegeram a causa de Sakai como fundamental para preservar empregos na Sega.
Mas em 18 de fevereiro a Sega notificou a Sakai que ele seria demitido em 31 de março e receberia uma indenização de US$ 30,7 mil.
No fim de abril, a Sega anunciou que planeja cortar mil empregados – 25% da sua força de trabalho – até o ano que vem. Em junho, 750 empregados haviam aceitado os pacotes de indenização oferecidos pelo plano de demissões. Sakai diz que a Sega usou a sala de pessoal para amedrontar os outros e faze-los aceitar o programa de demissões. “Todo mundo tem medo de ser o próximo confinado na solitária”, diz ele.
Não é assim, afirma Shunichi Nakamura, um diretor da Sega encarregado do departamento de pessoal e administração. Ele diz que os empregados não eram mandados para a sala de pessoal como uma forma de força-los a sair da empresa,mas reconhece que a maior parte dos que foram para a sala acabaram deixando a empresa. O plano de demissões da Sega funcionou porque o pacote de incentivos era bom, diz Nakamura.
Mas então por que a sala de pessoal? Nakamura diz que a Sega transferiu Sakai para uma dessas salas até achar um bom trabalho para ele em outro lugar.Os costumes e a lei japonesa geralmente dificultam demitir rapidamente trabalhadores com desempenho fraco, acrescenta Nakamura, “mas os tempos caminham sem dúvida nessa direção”.
	Enquanto isso, Sakai gasta seus dias preparando documentos para seu caso na Justiça, que pode durar anos. Por que não seguir adiante e procurar outro emprego? “Se eu disser ‘tudo bem’, eu me demito”, diz ele, “eu sou pior do que rato”.

Outros materiais

Materiais relacionados

Perguntas relacionadas

Perguntas Recentes