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TEMA 2 História da Filosofia Medieval

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DESCRIÇÃO
A história da Filosofia medieval, conhecimento imprescindível para a entender o mundo moderno e, em
particular, de sua ordem jurídico-política liberal.
PROPÓSITO
Entender o sentido da Filosofia medieval, para fins de conhecimento da via moderna do nominalismo e
da gênese do direito “das gentes”, é importante para a sua formação, pois lhe permitirá entender o
arcabouço teórico do Direito e da política modernos.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o estudo deste tema, é importante ter à mão um bom dicionário de Teoria Política ou
mesmo de Filosofia. Sugerimos o Dicionário de Filosofia, de Abbagnano, e o Dicionário de Política,
de Bobbio, Matteucci e Pasquino, ambos disponíveis virtualmente.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Definir os conceitos de cidade e justiça em Santo Agostinho
MÓDULO 2
Reconhecer as características das virtudes morais cardeais, segundo Santo Tomás de Aquino
MÓDULO 3
Distinguir a novidade na concepção de lei no nominalismo e na Escola Ibérica em relação aos
pensamentos agostiniano e tomista
INTRODUÇÃO
Estamos iniciando um percurso que nos levará aos elementos fundamentais da história da Filosofia
medieval. Primeiro, entenderemos esse conceito, que consistiu em um diálogo entre a fé religiosa e a
razão grega. Em seguida, veremos suas etapas e seus principais expoentes:
A patrística – Com Santo Agostinho de Hipona (354 d.C.-430 d.C.). O termo é uma homenagem a
líderes cristãos cuja literatura floresceu a partir do ano 95 d.C. e que foram considerados os “pais” da
Igreja. Também se refere à Filosofia cristã daqueles primeiros séculos, mesmo quando não escrita por
líderes religiosos (POLESI, 2014).
A escolástica – Com Santo Tomás de Aquino (1225-1274).
No estágio final, de transição para a Filosofia moderna – com o nominalismo, de Guilherme de
Ockham (1285-1349), e a escolástica ibérica, de Francisco de Vitória (1483-1546), em Salamanca, e
Francisco Suárez (1548-1617), em Coimbra –, a razão filosófica foi se tornando cada vez mais
independente da revelação bíblica.
Nosso interesse será, sobretudo, a Filosofia prática (moral e política): como foram compreendidos
nestas três etapas, pelos principais expositores, os conceitos de sociedade, justiça,razão prática,
princípios morais, virtudes, comunidade política e lei. O entendimento dessas questões também requer
a indicação de algumas noções fundamentais da Filosofia do ser (metafísica) e da Filosofia do
conhecimento dos autores estudados.
Veremos, ainda, como se passou de uma concepção à outra, nesta ordem:
Concepção mais estritamente teológica da moral, do direito e da política (a da patrística em geral
e de Agostinho em particular) – baseada no platonismo e na Bíblia, em que “Deus” era o centro
das reflexões.
Concepção mais estritamente filosófico-metafísica (a da escolástica em geral e de Tomás em
particular) – baseada no aristotelismo e na Bíblia, em que a “essência” ou “razão” das coisas
passou a ocupar um lugar decisivo.
Concepção jurídico-científica (no sentido moderno) – baseada na investigação da razão empírica,
à parte da teologia e da metafísica das essências.
MÓDULO 1
 Definir os conceitos de cidade e justiçaem Santo Agostinho
CONCEITO DE FILOSOFIA MEDIEVAL
Antes de iniciar a exposição sobre o Santo Agostinho e a patrística, precisamos entender o sentido
fundamental da “Filosofia medieval”. Antes, um breve aviso: a Filosofia medieval não foi apenas aquela
pensada pelos intelectuais cristãos! Também houve Filosofia medieval entre os pensadores judeus e
muçulmanos.
As três correntes, contudo, tiveram a mesma estrutura intelectual: a de um diálogo entre a respectiva
escritura sagrada e o pensamento grego platônico, neoplatônico e aristotélico.
 
Fonte: I. Grasbergs/Shutterstock.com
A BÍBLIA, NO CASO DOS CRISTÃOS.
 
Fonte: Shutterstock.com
A TANAK OU ANTIGO TESTAMENTO, NO CASO DOS
JUDEUS.
 
Fonte: Xalman Sh/Shutterstock.com
O ALCORÃO, NO CASO DOS MUÇULMANOS.
Do ponto de vista da história da Filosofia, entretanto, foi a corrente cristã que, levando as outras duas
como afluentes, conectou a fonte do pensamento antigo ao oceano da modernidade filosófica. É nesse
contexto que Gilson afirma:
NUM PRIMEIRO SENTIDO, ELA DESIGNA TODOS OS
ESCRITORES ECLESIÁSTICOS ANTIGOS, MORTOS NA FÉ
CRISTÃ E NA COMUNHÃO DA IGREJA [...]. CHAMA-SE DE
LITERATURA PATRÍSTICA O CONJUNTO DAS OBRAS
CRISTÃS QUE DATAM DA IDADE DOS PADRES DA IGREJA,
MAS NEM TODAS TÊM COMO AUTORES PADRES DA
IGREJA.
(GILSON, 1995)
O autor toma o cuidado de esclarecer que, além dos autores cristãos, outros não cristãos contribuíram
com a fecundidade deste período.
Entre os intelectuais cristãos, a Filosofia nunca constituiu uma ciência ou investigação independente da
teologia. Para os gregos, a “Filosofia” significava — etimologicamente — “o amor à sabedoria”. Para os
cristãos, a “verdadeira Filosofia” era o Evangelho de Cristo, que, na fé cristã, é a própria Sabedoria em
pessoa. Assim, para os teólogos católicos, a Filosofia era um instrumental capaz de auxiliar a razão
iluminada pela fé a conceituar os mistérios revelados.
Gilson (2020), importante filósofo contemporâneo e historiador da Filosofia medieval, perguntou-se se
havia sentido em falar de uma “Filosofia cristã”. Ele considerou que é possível abstrair do todo da
investigação teológica um conjunto de reflexões filosóficas originais em relação àquelas de origem
grega.
Tais reflexões nasceram a partir de temas que, embora estejam presentes na Bíblia, não constituem
exatamente mistérios de fé, mas realidades do mundo e do homem que a perspectiva da fé ajudou a
vislumbrar melhor do que a razão grega havia feito.
São exemplos desses temas:
AMOR
Amor, aqui, significa eros , desejo, busca.
O FATO DE O MUNDO TER UM INÍCIO
O que deixou sua marca na própria Ciência moderna.
A VALORIZAÇÃO DO MUNDO VISÍVEL, DA MATÉRIA E DO
CORPO
Uma vez que estes foram criados por Deus.
A SUPERVALORIZAÇÃO DO SER HUMANO
Pois é revelado como “pessoa”, “imagem” de Deus, dotado de alma espiritual e chamado a uma
vocação transcendente.
A VALORIZAÇÃO DA MULHER, DA INFÂNCIA, DOS QUE
SOFREM, DOS QUE PADECEM DE ESCRAVIDÃO
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Porque que também são “pessoas” pelas quais Cristo morreu.
A VALORIZAÇÃO DO TEMPO E DA HISTÓRIA
Visto que nela Deus intervém.
O INCREMENTO DA NOÇÃO DE “MEMÓRIA”
Posto que Deus está presente em seu fundo.
O INCREMENTO DA INVESTIGAÇÃO SOBRE O PROBLEMA
DO “MAL”
Auxiliada pela noção bíblica de uma criação essencialmente “boa” e do “pecado”.
O INCREMENTO DAS NOÇÕES DE “LEI” E DE
“CONSCIÊNCIA”
A voz de Deus manifesta-se à consciência e aí dita seus juízos, audíveis ao homem reto.
A luz da revelação bíblica suplementa a razão grega também no que diz respeito à razão puramente.
Nós, modernos, vivemos desses incrementos, e não do âmbito dos problemas e conteúdos gregos,
porém agora desconectados da teologia e reduzidos ao horizonte da imanência. Dito isso, passemos à
patrística e a Santo Agostinho.
CONTEXTO HISTÓRICO E BREVE BIOGRAFIA
Por “patrística” entende-se o período do pensamento teológico e filosófico dos “padres da Igreja”
(séculos II a VIII). “Padres”, aqui, não são os presbíteros ou sacerdotes católicos, mas os “pais” dos
dogmas católicos, que uniram a revelação de Cristo e dos apóstolos ao pensamento grego racional,
cunhando, em disputa com as heresias nos primeiros concílios ecumênicos, os artigos fundamentais
da fé católica, como a divindade de Cristo ou a Trindade de pessoas divinas.
Tais crenças só vieram a ser dogmatizadas por ocasião do fim das perseguições, dos questionamentos
dos hereges e da oportunidade da Filosofia grega.
HERESIA
Interpretação, doutrina ou sistema teológico rejeitado como falso pela Igreja.
Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
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CONCÍLIOS ECUMÊNICOS
Reunião de dignitários eclesiásticos, especialmente bispos, presidida ou sancionada pelo papa,
para deliberar sobre questões de fé, costumes, doutrina ou disciplina eclesiástica.Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
 
Fonte: GualdimG/Wikimedia commons/CC BY-SA 4.0 
 Figura 1. Cenas da vida de Santo Agostinho.
Dentre os padres, sobressai no Ocidente a figura de Santo Agostinho. Quando ele nasceu em Tagaste
(norte da África, na atual Argélia), o cristianismo já tinha liberdade de culto (desde 325, sob o imperador
Constantino). Sua mãe, Mônica (que seria canonizada como santa católica), embora muito devota,
seguindo um costume de então, não batizou seu filho quando bebê, e ele não cresceu como católico
praticante.
Intelectualmente inquieto, Agostinho interessou-se por Filosofia a partir da obra perdida Hortênsio , de
Cícero, e estudou literatura latina, tendo sido professor de gramática e retórica. Viveu durante anos
uma relação de concubinato com uma mulher que lhe deu um filho, Adeodato. Aderiu à seita
maniqueísta, mas, estudando o neoplatonismo de Plotino (205 d.C.-270 d.C.), descobriu a realidade do
“espírito”, e abandonou o maniqueísmo.
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SANTO AGOSTINHO
Um dos mais representativos pensadores medievais, cuja contribuição filosófica pode ser
interpretada como um dos esforços mais genuínos por compatibilizar fé e razão (SIMÕES, 2015).
MANIQUEÍSMO
Sincretismo entre gnosticismo, zoroastrismo e cristianismo, que ensinava o dualismo entre o deus
do bem e o deus do mal, o qual aprisionara os espíritos divinos (feitos, na realidade, de matéria
sutil) na matéria grosseira dos corpos.
Em Milão, escutava com interesse estético os sermões do bispo Ambrósio (340 d.C.-397 d.C.), e
começou a interessar-se pelos temas cristãos e a experimentar uma grande alegria espiritual ao ouvir
seus cânticos. O canto ambrosiano é semelhante ao mais conhecido canto gregoriano.
Enfim, converteu-se ao catolicismo, abandonou o concubinato, iniciou uma comunidade de monges
para dedicar-se à Filosofia, mas teve de voltar à África, onde tornou-se padre católico e, depois, bispo
da cidade de Hipona.
 
Fonte: Nunca coberto/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 2. Santo Agostinho , 
Philippe de Champaigne, século XVII.
A essa altura, as invasões bárbaras implodiam o decadente Império Romano e os pagãos
remanescentes culpavam o cristianismo, com sua pregação do “amor” como causa da fraqueza de
Roma. Agostinho, então, respondeu a esses ataques com sua obra principal: A Cidade de Deus .
A CIDADE DE DEUS E A JUSTIÇA
 Figura 3. Alegoria do bom governo , Ambrogio Lorenzetti, 1338.
Em A Cidade de Deus , Agostinho (2006) defende que uma sociedade se forma a partir do amor de
vários indivíduos pelo mesmo objeto. Ele exemplifica com os espetáculos: os espectadores ignoram-se
mutuamente, mas, ao admirarem a performance do ator, também passam a nutrir simpatia uns pelos
outros.
Atualmente, poderíamos ver algo semelhante nas competições esportivas: uma torcida de futebol,
formada por pessoas que não se conhecem, estabelecem um vínculo de simpatia por causa do time
que as empolga.
Essa tese agostiniana vai ao encontro da tese de Aristóteles, segundo o qual a polis é o âmbito dos
“amigos”, dos que amam e odeiam as mesmas coisas. E contrapõe-se à teoria moderna de Hobbes, do
“contrato social”, que considera que o Estado nasce como um pacto para cessar a luta de todos contra
todos, para nos protegermos dos “vizinhos”, e não dos inimigos externos.
“Cidade” é o conjunto de homens unidos pelo amor comum a certo objeto. E haveria fundamentalmente
duas cidades:
A CIDADE DE DEUS
Unida pelo amor divino e que dirige sua existência temporal à glória de Deus.

A CIDADE DOS HOMENS
Unida pelo amor às coisas temporais, de costas para Deus.
É por isso que Agostinho preocupou-se com a arte de governar, pois, para ele, a política deve
contemplar o homem em sua plenitude constituída de corpo e de alma. Portanto, não haverá política
verdadeira se esta não estiver ligada a Deus.
 
Foto: Eugene a/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 4. Alegoria do mau governo , por Ambrogio Lorenzetti, 1338.
Nesse contexto, dirigia-se aos que pretendiam governar a “Cidade dos homens” para que não se
esquecessem desse princípio e, assim, fizessem da cidade terrena uma antecipação da “Cidade de
Deus”: a Pátria Celestial.
Se os que governam não pensarem na política como uma arte e que esta não pode ser pensada sem a
presença de Deus, não haverá concórdia na cidade terrena. Assim, as virtudes não serão praticadas e
os vícios reinarão. Em suas palavras:
ESCOLHE DESDE JÁ O TEU CAMINHO, A FIM DE PODERES
TER GLÓRIA VERDADEIRA, NÃO EM TI, MAS EM DEUS [...].
NÓS TE CONVIDAMOS, NÓS TE EXORTAMOS A VIR A ESTA
PÁTRIA, PARA QUE CONSTES NO NÚMERO DE SEUS
CIDADÃOS, CUJO ASILO É, DE CERTO MODO, A
VERDADEIRA REMISSÃO DOS PECADOS. NÃO PRESTES
OUVIDO AOS QUE DEGENERAM DE TI. [...] É QUE NOS
TEMPOS NÃO BUSCAM O REPOUSO DA VIDA, MAS A
SEGURANÇA DO VÍCIO. [...] VOLTE-TE, AGORA, PARA A
PÁTRIA CELESTE. POR ELA TRABALHARÁS POUCO E
NELA TERÁS ETERNO E VERDADEIRO REINO. NÃO
ENCONTRARÁS O FOGO DE VESTE NEM A PEDRA DO
CAPITÓLIO, MAS DEUS, UNO E VERDADEIRO, QUE NÃO TE
PORÁ LIMITES AO PODER NEM DURAÇÃO A IMPÉRIO [...].
NELA, A VITÓRIA É A VERDADE, A HONRA É A
SANTIDADE, A PAZ É A FELICIDADE, E A VIDA É A
ETERNIDADE. [...] EVITA, POR CONSEGUINTE, COMUNHÃO
COM OS DEMÔNIOS, SE QUERES CHEGAR À CIDADE BEM-
AVENTURADA.
(AGOSTINHO, 2006)
Embora a Igreja Católica seja a realidade que encaminha a vida dos homens à Cidade de Deus
definitiva, a divisão entre esta e a Cidade dos homens não corresponde exatamente à divisão entre
Igreja e mundo, porque há quem esteja na Igreja com o corpo, mas com o coração no mundo; e há
quem esteja no mundo, mas ingressará na Igreja e na Cidade divina. O conjunto dos homens que
vivem em uma cidade é chamado de “povo” por Agostinho.
Há um fim comum a toda sociedade, seja qual for, e este fim é, segundo Agostinho, a “paz”. A paz que
as sociedades desejam é pura tranquilidade de fato, mas a paz verdadeira é a que satisfaz plenamente
as vontades de todos tão bem que, ao ser obtida, nada mais se deseja. Afinal, “uma coisa não é a
ventura da cidade e outra a do homem, pois toda cidade não passa de homens que vivem unidos”
(AGOSTINHO, 2006).
A condição fundamental para que a paz seja permanente é a ordem . Para que um conjunto de partes
concorde na busca de um mesmo fim, é preciso que cada qual esteja em seu lugar e desempenhe sua
própria função corretamente. Assim:
A paz do corpo é o equilíbrio bem ordenado dos apetites ou das paixões.
A paz da alma racional é o acordo entre o conhecimento e a vontade.
A paz doméstica é a concórdia dos moradores da mesma habitação quanto ao comando e à
obediência.
A paz da cidade é a concórdia da família estendida a todos os cidadãos.
A paz da cidade cristã é uma sociedade ordenada de homens que amam a Deus e se amam
mutuamente em Deus.
A paz, em tudo, é a tranquilidade da ordem, o bem soberano, assim como define o teólogo:
NA PAZ FINAL, ENTRETANTO, QUE DEVE SER A META DA
JUSTIÇA QUE TRATAMOS DE ADQUIRIR AQUI NA TERRA,
COMO A NATUREZA ESTARÁ DOTADA DE IMORTALIDADE,
DE INCORRUPÇÃO, CARECERÁ DE VICIAS, E NÃO
SENTIREMOS NENHUMA RESISTÊNCIA INTERIOR OU
EXTERIOR, NÃO SERÁ NECESSÁRIO A RAZÃO MANDAR
NAS PAIXÕES, POIS NÃO EXISTIRÃO [...]. TAL ESTADO
SERÁ ETERNO, E ESTAREMOS CERTOS DE SUA
ETERNIDADE. POR ISSO, NA PAZ DESSA FELICIDADE E NA
FELICIDADE DESSA PAZ, CONSISTIRÁ O SOBERANO BEM.
(AGOSTINHO, 2006)
Obviamente, Agostinho considera a paz da Cidade dos homens uma paz aparente, uma desordem. Por
essa razão, ainda que seus ensinamentos expressem a transitoriedade da cidade terrena e a definitiva
paz na cidade celestial, ele chamava atenção daqueles que não praticavam as virtudes. Assim,
promoviam os vícios que desqualificam os sentidos da política terrena, conforme destaca o trecho a
seguir:
DEPOIS, OS SENADORES COMEÇARAM A SUBMETER O
POVO AO JUGO DA ESCRAVIDÃO, A DISPOR, À MODA DOS
REIS, DA POSSE E DA VIDA, A PROIBIR-LHE A ENTRADA
NO CAMPO E A GOVERNAR SOZINHOS O IMPÉRIO,SEM
PARA NADA CONTAR COM OS DEMAIS. OPRIMIDO POR
SEMELHANTES SEVÍCIAS E, DE MODO ESPECIAL, PELA
USURA, SUPORTANDO, ENTRE GUERRAS CONTÍNUAS,
TRIBUTOS E, AO MESMO TEMPO, ENCARGOS MILITARES,
O POVO INSTALA-SE NOS MONTES SAGRADO E AVENTIO
E CONSEGUE QUE LHE DEEM TRIBUTOS DA PLEBE E
OUTRAS GARANTIAS LEGAIS. A SEGUNDA GUERRA
PÚNICA PÔS FIM ÀS DISCÓRDIAS E PENDÊNCIAS ENTRE
AMBAS AS PARTES.
(AGOSTINHO, 2006)
A justiça é a virtude que realiza a ordem, que dá a cada um o que é devido: subordina o inferior ao
superior, mantém a igualdade entre coisas iguais e dá a cada um o que lhe pertence. A justiça deriva da
lei eterna, que nos ordena conservar a ordem e impedir que ela seja perturbada. Essa lei imutável
ilumina nossa consciência moral como a luz do Mestre interior — que é Cristo, “o Verbo que ilumina
todo homem” — ilumina nossa inteligência.
Assim, também há em nós uma lei, chamada “lei natural”, que é como a “transcrição” da lei eterna ou
divina em nossa alma. A exigência fundamental da lei é que tudo esteja ordenado. E é a justiça que
estabelece no homem a ordem pela qual o corpo submete-se à alma e essa a Deus, como declara
Agostinho:
DAS COISAS TEMPORAIS DEVEMOS USAR, NÃO GOZAR,
PARA MERECERMOS GOZAR AS ETERNAS. NÃO COMO OS
PERVERSOS, QUE QUEREM GOZAR DO DINHEIRO E USAR
DE DEUS, PORQUE NÃO GASTAM O DINHEIRO POR AMOR
A DEUS, MAS PRESTAR CULTO A DEUS POR CAUSA DO
DINHEIRO.
(AGOSTINHO, 2006)
Porém, apenas Deus pode dar ao homem a virtude da justiça e as demais virtudes. Nos termos do
teólogo:
A VERDADEIRA VIRTUDE CONSISTE, PORTANTO, EM
FAZER BOM USO DOS BENS E MALES E EM REFERIR
TUDO AO FIM ÚLTIMO, QUE NOS PORÁ NA POSSE DA
PERFEITA E INCOMPARÁVEL PAZ.
(AGOSTINHO, 2006)
Uma das maiores batalhas intelectuais de Santo Agostinho foi contra Pelágio (360 d.C.-420 d.C.), que
defendia que o homem poderia ser justo com seus próprios recursos, sua própria força.
Vamos, agora, aprofundar a importância da Patrística, em especial de Santo Agostinho, 
para a concepção política da Idade Média
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ESTUDAMOS O CONCEITO DE “CIDADE” DE SANTO AGOSTINHO, QUE É “O
CONJUNTO DE HOMENS UNIDOS PELO AMOR COMUM A CERTO OBJETO”.
ASSINALE A ALTERNATIVA QUE CORRESPONDE ESSENCIALMENTE AO IDEAL
AGOSTINIANO:
A) A sociedade medieval.
B) A polis ateniense.
C) A ideia de “califado” do Islã.
D) O Império Romano pagão.
E) O Estado formado na base do “contrato social” hobbesiano.
2. O CONCEITO AGOSTINIANO DE “JUSTIÇA” É ANÁLOGO À QUESTÃO DA
“ILUMINAÇÃO” DA VERDADE, PORQUE:
A) As leis humanas positivas são a fonte que esclarece a consciência para que o homem possa agir de
modo justo.
B) As nossas escolhas pessoais determinam a verdade prática, iluminando nosso agir.
C) O consenso social ou democrático funciona como guia luminoso para o procedimento justo.
D) A consciência humana é iluminada por Deus para agir em conformidade com a lei eterna.
E) Os costumes e as tradições dos povos iluminam a existência moral.
GABARITO
1. Estudamos o conceito de “cidade” de Santo Agostinho, que é “o conjunto de homens unidos
pelo amor comum a certo objeto”. Assinale a alternativa que corresponde essencialmente ao
ideal agostiniano:
A alternativa "B " está correta.
 
Dos exemplos listados, apenas a polis ateniense representa uma sociedade cujos cidadãos são
unidos pelo mesmo amor à cultura helênica (comum a toda Hélade) e pelo diálogo em busca da
sabedoria (específico a Atenas, que é algo superior à mera formalidade democrática). Os demais
exemplos unem à força pessoas que não possuem uma positiva solidariedade essencial.
2. O conceito agostiniano de “justiça” é análogo à questão da “iluminação” da verdade, porque:
A alternativa "D " está correta.
 
Assim como no caso da verdade, a Luz de Deus é o foco da verdade especulativa. No caso da justiça,
ela é o foco da verdade prática, e não as leis, os costumes ou os procedimentos exteriores, nem
nossos pensamentos subjetivos.
MÓDULO 2
 Reconhecer as características das virtudes morais cardeais segundo Santo Tomás de Aquino
CONTEXTO HISTÓRICO
Santo Tomás de Aquino é o maior expoente do período escolástico da teologia e Filosofia católica,
cujo nome deriva das “escolas” monásticas ou catedralícias, nas quais eram ensinadas a teologia e as
“artes liberais”:
TRIVIUM
Artes da linguagem (gramática, retórica e lógica).

QUADRIVIUM
Artes das relações numéricas (aritmética, geometria, astronomia, música).
O período escolástico teve início a partir do século IX, quando Alcuíno (735 d.C.-804 d.C.) promoveu a
reforma carolíngia no âmbito educacional, que foi impulsionada pelo imperador Carlos Magno (742 dC-
814 d.C.), do recém-criado Sacro Império Franco-Romanol, após a chamada “Idade das Trevas”,
provocada pelas invasões bárbaras e pela queda do Império Romano (séculos V a VIII).
O “método” da escolástica madura era a disputatio , que consistia em um embate dialético de opiniões
contrárias e favoráveis a determinada tese. Ele foi inaugurado por Pedro Abelardo (1079-1142), no
século XII, iniciando-se a era das grandes “sumas”.
As “sumas” buscavam compendiar todo o saber teológico e filosófico, reunindo as teses dos padres da
Igreja e dos filósofos, confrontando-as entre si e com a Bíblia, e buscando a melhor solução para os
problemas filosóficos e teológicos.
 
Fonte: Markus Mueller/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 5. Triunfo de Santo Tomás de Aquino 
sobre Averroes , Benozzo Gozzoli, século XV.
À época de Aquino, já haviam sido fundadas as primeiras universidades do Ocidente, a Igreja havia
atingido o auge de seu poder temporal — quando reinava o Papa Inocêncio III (1161-1216) — e
começava a se mundanizar, com o apego dos eclesiásticos à riqueza e ao luxo.
Foi quando surgiram as ordens “mendicantes” dos “irmãos menores” ou franciscanos, de São Francisco
de Assis (1182-1226), e dos “pregadores”, de São Domingos de Gusmão (1170-1221), para pregar a
pobreza como ideal de vida cristã.
Também nesse momento, o Sacro Império, que havia passado das mãos dos francos à mão dos
germanos, tinha Frederico II (1194-1250) à frente, talvez o imperador no qual podemos identificar as
primeiras aspirações absolutistas, no auge da Idade Média. Ele havia iniciado a caçada violenta aos
cátaros e tinha conseguido da Igreja autorização para a Inquisição.
Tomás de Aquino, frade da Ordem dos Pregadores, ensinava em Paris, e os livros da ética e da
metafísica aristotélicas começaram a circular na Europa cristã — até então, era fundamentalmente
adepta da obra lógica conhecida de Aristóteles —, a partir das traduções e interpretações dos árabes,
que haviam entrado em contato com a tradição filosófica grega por meio dos cristãos da Síria.
Essas interpretações questionavam a visão cristã do mundo, porque Aristóteles era apresentado como
alguém que, por exemplo, negaria a criação do mundo ao afirmá-lo como eterno.
Santo Tomás solicitou traduções diretas do grego ao latim e pôs-se a comentar Aristóteles — a quem
chamava “O Filósofo” —, contrapondo às interpretações árabes um entendimento de Aristóteles
compatível com a verdade revelada do cristianismo.
Assim, o Aquinate defende que, sem o conhecimento revelado do início temporal do mundo no livro de
Gênesis , poderíamos dizer que o mundo foi criado desde toda a eternidade, porque o essencial na
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criação é ter um princípio ontológico (de origem causal do ser), e não um princípio cronológico (de início
temporal do ser).
ÉTICA DA LEI NATURAL E DAS VIRTUDES
CÁTAROS
Adeptos do catarismo: movimento social e heresia gnóstica ou dualista, que negava a bondade da
matéria e era resistente ao casamento e à reprodução, bem como aos vínculos feudais, além de
incitar as pessoas ao suicídio.
INQUISIÇÃO
Tribunal eclesiástico instituído pela Igreja Católica, no qual os frades investigavam os erros
doutrinários dos supostos hereges. Ao Estado, era permitido torturar os réus considerados
culpados, condenando-os à penacapital da fogueira.
AQUINATE
Termo que expressa o conjunto das obras de Tomás de Aquino, somado aos estudos a partir dele.
 Figura 6. Alegoria da Virtude , Rafel Sanzio, 1511. 
Assim como para Agostinho, para Aquino (2011), a lei eterna de Deus é participada à mente humana
como “lei natural”, e o papel de tal lei — como de todas — é orientar o homem à sua finalidade e
felicidade, que é Deus. Como conteúdo, essa lei é um hábito — que Tomás também chama de
“sindérese” — dos princípios da vida moral.
Vejamos o primeiro desses princípios: “O bem é o que todos desejam”. Dele deriva o primeiro preceito
da lei natural: “O bem deve ser feito, e o mal, evitado”. A razão prática apreende como bem as coisas
para as quais o homem tem uma inclinação natural: seguir vivendo, propagar a espécie e educar os
filhos, buscar a verdade e viver em sociedade.
A virtude é definida por Aquino (2011) como “uma boa qualidade da mente pela que se vive retamente,
da qual ninguém usa mal, produzida por Deus em nós sem intervenção nossa”. Em sentido lato,
“virtudes” são aquelas humanas, que destinam-se aos fins da razão humana e que podem ser obtidas
pela reiteração dos atos.
Contudo, para Santo Tomás de Aquino a virtude em sentido próprio é a “infusa”, inseparável da virtude
teologal da caridade, com a qual Deus incrementa as virtudes humanas ou cardeais — prudência,
justiça, fortaleza e temperança — para o cumprimento do fim último e sobrenatural da vida humana,
que é o próprio Deus.
Vejamos um pouco sobre cada virtude cardeal, pois esse é um conhecimento filosófico de grande
densidade existencial:
PRUDÊNCIA
Esta é a virtude pela qual o homem aplica os princípios da sindérese (hábito) ou lei natural à situação
concreta. Por ela, conhecendo a verdade dos princípios e da situação, o homem atua com justiça. O
querer e o agir devem ser conformes à verdade. A prudência não se refere ao fim último, mas às vias
que a ele conduzem, isto é, ela não decide o que é a felicidade, mas apenas como chegar lá . A
unidade viva de sindérese e prudência é o que chamamos de “consciência”.
 
Fonte: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 7. Prudência , Piero del Pollaiolo, 1469.
A prudência é cognoscitiva e imperativa: apreende a realidade para, depois, ordenar o querer e o agir.
O essencial na prudência é que o saber da realidade transforme-se em império prudente, e este, em
ação boa. Sem a vontade do bem em geral, o esforço por descobrir o prudente e o bom aqui e agora
seria ilusório e vão.
 
Fonte: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 8. Justiça , Piero del Pollaiolo, 1469.
JUSTIÇA
Esta é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu direito. A matéria da justiça é a
operação exterior, enquanto esta, ou a coisa que por ela usamos, é proporcionada à outra persona, à
qual estamos ordenados pela justiça.
A justiça legal é a mais preclara (notável) entre todas as virtudes morais, na medida em que o bem
comum é preeminente sobre o bem singular de uma pessoa considerada individualmente.
A justiça particular também sobressai entre as outras virtudes morais por duas razões: a primeira se
toma pelo sujeito, porque se acha na parte mais nobre da alma, na vontade; a segunda razão deriva de
parte do objeto, porque o justo comporta-se bem a respeito de outro, e, assim, a justiça é, de certo
modo, um bem de outro.
FORTALEZA
Sua essência não é se expor a qualquer risco, mas entregar-se, de maneira razoável, ao verdadeiro
valor do real. A autêntica fortaleza supõe uma valoração justa das coisas, tanto das que se arrisca
como das que se espera proteger ou ganhar.
O bem do homem é a realização de si conforme a razão, e o bem da razão vem da prudência. A justiça
quer realizar esse bem. A fortaleza e a temperança o conservam (com primazia da fortaleza).
 
Fonte: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 9. Fortaleza , Piero del Pollaiuolo, 1469.
Sem a “coisa justa”, não há fortaleza: a coisa é o que decide, e não o dano que se possa sofrer. Ser
forte não é o mesmo que não ter medo: a fortaleza supõe o medo do homem ao mal, e sua essência é
não deixar que o medo a force ao mal ou a impeça de realizar o bem.
O mais próprio da fortaleza é a resistência e a paciência, e não o ataque, pois o mundo real é de tal
forma, que só o caso de extrema gravidade exige a mais profunda força anímica do homem.
 
Fonte: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 10. Temperança , por Piero del Pollaiolo, 1469.
TEMPERANÇA
O sentido da temperança é realizar a ordem no interior do homem, com absoluta ausência de egoísmo.
Dela brota a tranquilidade do espírito. A tendência natural ao prazer sensível que se obtém na comida,
na bebida e no deleite sexual manifesta as forças naturais mais potentes que atuam na conservação do
homem.
Essas energias vitais, que se puseram no ser para conservar no indivíduo e na espécie a natureza, dão
as três formas originais do prazer e destroem a ordem interior quando se desordenam. Disso resulta
que as funções mais específicas da temperança sejam a abstinência e a castidade (ordenação do
comer, do beber e da sexualidade segundo a razão).
Quando a exigência natural do homem de vingar uma injustiça desemboca em desatada cólera, é
destruído o que deveria ser edificado à base de mansidão e doçura. Inclusive a natural ânsia de
conhecer pode degenerar, sem temperança, em ansiedade ou em mania patológica. Santo Tomás de
Aquino chama essa depravação de “curiosidade” e a temperança que a modera, de “estudiosidade”.
Castidade, sobriedade, humildade e mansidão, junto com a estudiosidade, são formas da temperança.
Luxúria, desenfreio, soberba e uma cólera irracional, junto com a curiosidade, são formas da
destemperança.
POLÍTICA
Para Aquino (2011), o homem é um “animal sociável e político”: desprovido de instrumentos que lhe
garantam automaticamente a sobrevivência, mas dotado de razão para buscar os meios da existência,
ele não pode, sozinho, encontrar tudo que necessita. Portanto, a vida social lhe é natural.
THOMAS HOBBES
Filósofo inglês, segundo o qual, para construir uma sociedade, é necessário que cada indivíduo
renuncie a uma parte de seus desejos e chegue a um acordo mútuo para não se aniquilar com os
outros: um ‘contrato social’, no qual os direitos que o homem naturalmente possui sobre todas as
coisas são transferidos em favor de um soberano dotado de direitos ilimitados.
Fonte: Biografías y Vidas.
Ao contrário, a Filosofia política de Thomas Hobbes (1588-1679) afirma que o indivíduo, no “estado de
natureza”, é “o lobo do homem”, e o Estado é um artifício, o “Leviatã” que, por meio da força, impõe a
“paz”. Se o homem não pode viver sua vida a não ser em sociedade, é preciso sobrepor o bem comum
de todos aos bens particulares. 
A política é a arte de dirigir a multidão à consecução do bem comum — e não meramente um jogo de
luta pelo poder —, para a qual é imprescindível a presença de um governante que saiba harmonizar os
interesses presentes na sociedade, subordinando-os aos interesses mais gerais.
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Fonte: Sailko/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 11. A política de São Tomás de Aquino , Carlo Crivelli, 1476.
Quando o governante busca seu bem privado, o governo é injusto e perverso, implicando:
Tirania – Governo injusto de um só.
Oligarquia – Governo injusto de alguns poucos ricos.
Democracia – Governo injusto de muitos.
Os governos justos são:
Politia – Governo da multidão.
Aristocracia – Governo de poucos, porém virtuosos (os “melhores”).
Realeza ou monarquia – o governo de um só (o rei). 
DEMOCRACIA
Não há que se entender, aqui, a palavra no sentido moderno, mas como oposição à politeia ,
como “demagogia”.
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POLITIA
Transliteração latina de politeia .
A princípio, Tomás de Aquino diz preferir o governo do rei para realizar o objetivo primordial da
sociedade, que é a unidade da paz, precisamente porque consideraque um só tem mais condições de
evitar o conflito. Depois, no entanto, Aquino (2016) inclina-se a um governo misto, que combina os três
regimes justos. Em suas palavras:
ESTA É A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA MAIS PERFEITA, BEM
MESCLADA DO REINO, ENQUANTO UM PRESIDE; DA
ARISTOCRACIA, ENQUANTO MUITOS EXERCEM O
PRINCIPADO SEGUNDO A VIRTUDE; E DA DEMOCRACIA,
ISTO É, DO PODER DO POVO, PORQUE DENTRE OS
POPULARES PODEM SER ELEITOS OS PRÍNCIPES, E AO
POVO PERTENCE A ELEIÇÃO DOS PRÍNCIPES.
(AQUINO, 2016)
O fundamental no governo é a orientação da sociedade ao bem comum. O governante não pode
deliberar sobre este bem comum, mas tão somente sobre os meios para alcançá-lo. Nesse sentido,
Tomás de Aquino não veria com bons olhos uma democracia que se entendesse, não como método
que faz a multidão participar da eleição dos meios ou das estratégias políticas, mas como fim do próprio
processo político.
É como se a noção do bem comum pudesse ser constantemente refeita por novas demandas.
 
Fonte: Inritter/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 12. Nero contempla o grande incêndio de Roma , Karl Theodor von Piloty, 1861.
Entre os regimes injustos, a “democracia” é o mais aceitável, porque os muitos governantes se
atrapalham, o que minimiza os estragos do regime. O pior é a tirania, pois busca-se somente o bem de
um.
Os tiranos esmeram-se para que seus súditos não sejam virtuosos ou magnânimos, perdendo, assim, a
capacidade de reagir a seu regime. Eles semeiam discórdias entre os súditos para que não haja
entendimento entre eles, e, assim, sua tirania possa se exercer mais facilmente.
Tomás de Aquino reconhece à sociedade o direito de destituir o governante instituído ou de lhe refrear o
poder, caso abuse tiranicamente dele. Ao tirano, cujo governo só se sustenta pelo temor, Deus não
permite que reine por muito tempo.
Para compreender este “princípio da rebelião”, destacamos os dois princípios estabelecidos no Tratado
da Lei: o primeiro, de que uma lei humana é injusta, contradiz-se à lei natural (AQUINO, 2016); o
segundo afirma que a autoridade política pertence ao povo (ou a seus representantes). Vejamos:
ORA, ORDENAR ALGO PARA O BEM COMUM COMPETE A
TODA A MULTIDÃO OU A ALGUÉM A QUEM CABE GERIR,
FAZENDO AS VEZES DE TODA A MULTIDÃO. PORTANTO,
ESTABELECER A LEI PERTENCE A TODA A MULTIDÃO OU
À PESSOA PÚBLICA À QUAL COMPETE CUIDAR DE TODA
A MULTIDÃO.
(AQUINO, 2016)
Esse segundo princípio não implica menosprezo da ideia bíblica de que “todo poder vem de Deus”,
precisamente porque a lei natural é uma participação na lei eterna, e a autoridade humana é uma
participação no domínio de Deus sobre os homens.
A política não significa uma ordem humana independente da ordem cósmica, mas inserida nela. Com
isso, podemos entender melhor a relação entre a vida política e o sentido religioso da vida humana
segundo Santo Tomás de Aquino.
O fim da sociedade humana é a vida virtuosa, mas o fim último do homem é a fruição divina. Assim, o
fim último da multidão também é chegar à fruição divina. Disso resulta que os governantes humanos
devam estar sujeitos à Igreja, que realiza a obra de Cristo de conduzir os homens à bem-aventurança
eterna.
Trata-se não de confusão entre Estado e Igreja (teocracia), mas de uma distinção sem separação, com
uma subordinação do Estado, não nos assuntos eminentemente políticos, e sim naquilo que toca à
salvação dos homens. 
É nesse contexto que Santo Tomás de Aquino apresenta as três condições exigidas para uma boa vida
da multidão:
A unidade da paz.
O procedimento virtuoso dos cidadãos, isto é, a ação em conformidade com o bem moral que se
expressa na lei natural.
A abundância do necessário para o viver bem.
Vamos aprofundar o conceito de AUTORIDADE, no contexto da Filosofia de Tomás de Aquino, 
enfatizando pontos relevantes de tal filosofia
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ESTUDAMOS AS VIRTUDES EM SANTO TOMÁS DE AQUINO E VIMOS O
CONTEÚDO DA “PRUDÊNCIA”, OU SEJA, A CAPACIDADE DE AGIR SEGUNDO
A VERDADE. QUAL DOS EXEMPLOS A SEGUIR NÃO É UMA ATITUDE
IMPRUDENTE PARA O AQUINATE ?
A) Descumprir uma ordem injusta da autoridade.
B) Dirigir sem conhecer as leis do trânsito.
C) Votar sem conhecer a prática dos candidatos e sem verificar a exequibilidade de suas propostas.
D) Preencher o Imposto de Renda sem ler o regulamento.
E) Responder a estas questões sem ler o conteúdo ou a partir de ideias preconcebidas.
2. SEGUNDO TOMÁS DE AQUINO, A VIRTUDE CARDEAL DA “FORTALEZA”
SUPÕE O BEM JUSTO E VERDADEIRO E O CONSERVA. QUE ATITUDE LISTADA
A SEGUIR CORRESPONDERIA A UM ATO OBJETIVO DE COVARDIA?
A) Entregar a carteira ao ladrão armado.
B) Não enfrentar a agressividade excessiva e injusta da autoridade policial.
C) Não responder a uma ofensa pessoal.
D) Não fazer postagens nas redes sociais contra as injustiças sociais.
E) Não sacrificar a vida para salvar esposa e filhos.
GABARITO
1. Estudamos as virtudes em Santo Tomás de Aquino e vimos o conteúdo da “prudência”, ou
seja, a capacidade de agir segundo a verdade. Qual dos exemplos a seguir não é uma atitude
imprudente para o Aquinate ?
A alternativa "A " está correta.
 
A ordem injusta é aquela que não corresponde à verdade e ao bem. Portanto, não pode ser objeto da
virtude da prudência.
2. Segundo Tomás de Aquino, a virtude cardeal da “fortaleza” supõe o bem justo e verdadeiro e
o conserva. Que atitude listada a seguir corresponderia a um ato objetivo de covardia?
A alternativa "E " está correta.
 
A fortaleza ou coragem não é audácia. Ela só exige o martírio diante de um dever absoluto — neste
caso, proteger a família da morte com a própria vida, se necessário.
MÓDULO 3
 Distinguir a novidade na concepção de lei no nominalismo e 
na Escola Ibérica em relação aos pensamentos agostiniano e tomista
GUILHERME DE OCKHAM
Com sua Filosofia “nominalista”, Guilherme (ou William) de Ockham iniciou o processo fideísta e 
racionalista que caracteriza a Modernidade, com suas separações entre fé e razão, graça e natureza,
Igreja e Estado, as quais quebram a harmonia buscada por Agostinho e Tomás de Aquino.
Ockham ensinou em Oxford, onde a investigação filosófica pendeu para o conhecimento empírico da
natureza, com as pesquisas de Roberto de Grosseteste sobre a natureza da luz e as intuições de
Roger Bacon sobre o que seria posteriormente o método científico moderno.
 
Foto: John Salmon/geograph.org.uk/CC BY-SA 2.0 
 Figura 13. Guilherme de Ockham representado 
em vitral de uma igreja na Grã-Bretanha
FIDEÍSTA
Crença religiosa que não busca o diálogo com a Filosofia.
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RACIONALISTA
Pensamento filosófico que não busca o diálogo com a teologia.
ROBERTO GROSSETESTE
“Tido em geral como uma das principais figuras da Universidade de Oxford no século XII. Sua
importância é tanto mais significativa para o movimento cultural que se desenvolveu em torno
desta universidade quanto se pode incontestavelmente atribuir a ele certo número de
características que balizaram tal movimento por vários séculos: recurso às fontes neoplatônicas,
importância da matemática como chave do estudo da natureza, relevância da ótica como modelo
de conhecimento matematizado do mundo material” (NASCIMENTO, 1974).
ROGER BACON
Filósofo, cientista e teólogo inglês. Difusor e crítico de Aristóteles, Bacon adotou uma doutrina dos
universais de tipo conceitualista e propôs a "ciência experimental" como alternativa à dialética
escolástica. No entanto, tudo isso foi baseado em uma cosmovisão crente, segundo a qual a
ciência é baseada na teologia (dom divino), e a Filosofia — seu servo — vem da revelação de
Adão.
Fonte: Biografías y Vidas.
NOMINALISMO METAFÍSICO-TEOLÓFICO E
EPISTEMOLÓGICO
No ambiente mais científico (em nosso atual sentido) e menos especulativo, Ockham (MARCONDES,
2016) considerou que a razão não poderia conhecer com certeza a transcendência e unicidade de
Deus, a imortalidade da alma, tampouco existiria uma lei moralnatural. Deus, a alma e os deveres
morais seriam assuntos exclusivos da Revelação. 
Aos poucos, a teologia e a Filosofia/ciência tornaram-se estranhas, “sem assunto”: a Revelação
sobrenatural não seria mais o suplemento de uma busca natural pelo Criador, pela vida eterna e pelo
bem, e não faria mais sentido falar de “preâmbulos da fé” — os pontos máximos da Filosofia metafísica
ou “teologia natural”, que tangenciam os problemas da fé revelada. 
Essa separação foi a base sobre a qual apoiaram-se Lutero (1483-1546) e a Reforma Protestante, de
sabor fideísta, e Descartes (1596-1650) e sua Filosofia, de sabor racionalista.
MARTINHO LUTERO
Sacerdote católico alemão de convicções intensas que representa, com sua concepção do
homem como um indivíduo isolado de Deus, da história e do mundo, um dos pilares sobre o qual
assenta a Modernidade. Foi Lutero que iniciou a Reforma Protestante, rejeitando a autoridade do
papa e enfraquecendo o poder da Igreja Católica.
Fonte: Biografías y Vidas.
RENÉ DESCARTES
Filósofo, físico e matemático francês. Depois do esplendor da Filosofia grega antiga e do apogeu
e da crise da escolástica na Europa medieval, os novos ventos do Renascimento e a revolução
científica que o acompanhou dariam origem, no século XVII, ao nascimento da Filosofia moderna.
Fonte: Biografías y Vidas.
COMO, EXATAMENTE, OCKHAM IMPULSIONOU ESSE
PROCESSO?
O fideísmo e o racionalismo são do mesmo gênero: dá para explicar um pelo outro e o outro pelo
primeiro. Ockham coloca Deus tão acima da razão humana que a exclui de si mesma. De outra parte,
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ele minimiza de tal modo o poder metafísico da razão, que esta necessariamente não alcançará o que é
propriamente espiritual e divino (que ficarão a cargo de uma fé desarrazoada).
A Onipotência, e não mais a Inteligência ou o “Logos”, torna-se o atributo divino por excelência.
Além disso, Deus é colocado tão acima da criação, que poderíamos dizer que a teologia fideísta de
Ockham termina gerando, por contraste, o deísmo racionalista que nega a Providência e a Revelação
(agnosticismo prático).
Trata-se de uma Onipotência suprarracional, pois Ockham considera que Deus não poderia se
submeter nem mesmo às chamadas "Ideias Eternas", pois seria uma espécie de “constrangimento”
para a liberdade divina.
Exatamente pelo fato de que o mundo não foi feito segundo uma Razão Eterna ou segundo Razões
Eternas, nele, não existem essências (quididades) imutáveis e universais, mas apenas entes ou
essências (coisas) singulares.
Assim, o problema do conhecimento é conduzido à solução nominalista: os conceitos serão meros
“nomes" ou “símbolos” que agregarão realidades similares, pois o “conceito universal” seria tão
somente uma apreensão “confusa” de uma realidade única.
Por exemplo, “homem” é uma apreensão confusa de “Sócrates”. Esse encaminhamento do problema
epistemológico abriu espaço para o desenvolvimento do conhecimento matematizante típico da Ciência
moderna.
 
Fonte: File Upload bot (eloquence)/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 14. Sacrifício de Isaac, Rembrandt, 1635.
NOMINALISMO MORAL
No campo moral, desaparecendo o conceito de “essência” ou “natureza” universal (associado à criação
segundo paradigmas eternos), também desapareceu o conceito de “lei natural” e surgiu uma “liberdade
de indiferença”: o ato humano será moralmente bom ou mau na medida em que se conformar ou não à
obrigação legal imposta por Deus (que poderia nos mandar odiá-lo, segundo Ockham).
A vida moral é marcada pela “obrigação”, e não pela “graça” ou “benevolência”, que permite cumprir a
lei. Assim, a moralidade foi separada do clássico (e bíblico) desejo de felicidade e, com o tempo, os 10
Mandamentos — considerados arbitrários. Sem o suporte de uma fé vivida existencialmente — senão
transformada em mera instalação social, em uma cultura cada vez mais secularizada (mundana) —, a
moral cristã parecia um fardo.
A verdade é que essas concepções já haviam sido preparadas pelo estado de coisas sociopolítico. A
Inquisição inaugurou um procedimento intolerante com o espírito cristão e católico. A fé não era vista
como “graça”, mas reduzida a elemento do bem comum temporal, podendo, assim, ser criminalizada
pelo Estado — muito além daquelas heresias que poderiam ser consideradas verdadeiras sedições
(crimes), que foi o caso específico do catarismo.
Consequentemente, o Estado assumiu um papel religioso muito além da tradicional defesa da realidade
física dos fiéis e da Igreja ou do apoio logístico à evangelização. Assim, preparou-se, com a
cooperação imprudente da própria Igreja, a estatolatria moderna ou o ressurgir do espírito do Império
Romano pagão, ou o “Leviatã”, que o equilíbrio medieval entre o poder espiritual da Igreja e o poder
temporal do Sacro Império havia contido até então.
Na nova moral nominalista, não existia mais um “sentido” (a busca do bem) que envolve toda a vida e
todos os seus atos, mas atos individuais desconexos que poderiam ser perfeitamente realizados na
direção contrária, se Deus “mudasse de ideia”.
Essa moral da obrigação teve seu máximo expoente em Immanuel Kant (1724-1804), que reduziu o
cristianismo a esse papel moralizante. Foi repudiada pelo utilitarismo e pelo hedonismo, perdendo-se,
assim, de uma ou de outra forma, a conexão entre felicidade, lei (natural como reflexo da eterna) e
consciência.
Esta, portanto, converteu-se em legisladora de seus próprios imperativos. Em um primeiro momento,
pela instalação social, ela ainda foi condizente com os ideais cristãos, mas, com o tempo, expressou
apenas as próprias vontades e os próprios desejos.
 
Fonte: Sardanaphalus/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 15. Immanuel Kant, retratado por Johann Gottlieb Becker (1768).
Influenciada por essa perspectiva, a teologia moral católica distanciou-se do Novo Testamento, de
Agostinho e de Tomás Aquino, e converteu-se, na prática, em “teologia jurídica”, com o surgimento do
“casuísmo” dos teólogos jesuítas e dos grandes manuais de teologia moral, como o de Santo Afonso
de Ligório (1696-1787). No campo religioso, as ideias de Ockham influenciaram diretamente a reforma
luterana, o que excede nosso campo.
NOMINALISMO POLÍTICO
A obra Breviloquium (MARCONDES, 2016) é a síntese da Filosofia política de Ockham. O
Breviloquium divide-se em seis livros. No quinto livro discute-se a famosa passagem bíblica das “duas
espadas” (Lucas 22:38), afirmando que, em nenhuma parte da Escritura, está expresso este sentido
místico em que se afirma que as duas espadas devem ser entendidas como os dois poderes: o
temporal e o espiritual.
No sexto livro analisa-se a Donatio Constantini, considerando-a provavelmente apócrifa. Segundo
Ockham, só o povo romano poderia transferir para o papa a autoridade juntamente com todas as suas
competências. Alguém que fosse apenas um usuário delas (pessoa individual ou moral) não poderia
transferi-las ou doá-las. O imperador não poderia transferir autoridade ao papa, em todo ou em parte,
de onde decorre a ilegitimidade da donatio .
A seguir, Ockham indica as competências (em regime de uso) que poderiam, dentro desses
pressupostos, ser conferidas ao papa: entre elas encontram-se todas as que se referem ao governo
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espiritual (no foro externo), mas não as competências em matéria estritamente temporal. Estão sujeitas
ao papa todas as coisas que visam ao culto de Deus e à estabilidade dos cristãos.
Como a donatio teria sido uma concessão de Constantino, movida por sua devoção e fidelidade ao
Papa Silvestre, os infiéis ainda poderiam ter um verdadeiro império ou poder temporal, uma verdadeira
jurisdição temporal e uma verdadeira potestade (supremacia) da espada material.
A autoridade papal é puramente espiritual e religiosa, ainda que também tenha algum poder temporal
sobre determinados bens físicos ou materiais com vistas ao fim espiritual, e na medida em que é
necessáriopara o cumprimento de sua missão de salvação.
Porém esse poder temporal é de origem humana, e seu uso foi transferido ao papa pelo imperador. O
imperador, por sua vez, recebeu o poder do povo romano e somente pode transmiti-lo dentro das
limitações do mandato recebido.
Portanto, Ockham não impugna a instituição divina do papado nem seu direito a reger os assuntos
espirituais conforme a lei divino-positivo e o direito natural (como ele o entende), mas opõe-se
vigorosamente às pretensões da Cúria (corte papal) de intervir nos assuntos temporais no imperium .
Ele preconiza coordenação e cooperação de ambas as potestades.
ESCOLAS DE SALAMANCA E COIMBRA E O
“DIREITO DAS GENTES”
APOCRIFA
Diz-se de obra religiosa destituída de autoridade canônica [que segue os dogmas da Igreja].
Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
DONATIO CONSTANTINI
Suposto documento do imperador Constantino (306 d.C.-337 d.C.), que cede à Igreja Católica
propriedades ao então Papa Silvestre I (285 d.C.-335 d.C.).
SANTO AFONSO DE LIGÓRIO
Missionário e teólogo italiano que se dedicou à recristianização de Nápoles e sua região. Ele criou
a Congregação dos Redentoristas e desenvolveu um sistema de teologia moral a meio caminho
entre o rigor e o laxismo, que foi chamado de equiprobabilismo. Ele foi canonizado em 1839 e
declarado doutor da Igreja em 1871.
Fonte: Biografías y Vidas.
 
Foto: Enrique Cordero/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 16. Alunos em uma aula da Universidade 
de Salamanca em pintura do século XVII.
A Universidade de Salamanca foi fundada em 1243 por Fernando III, o Santo (1201-1252), rei de Leão
e Castela. Foi uma das quatro grandes universidades da cristandade medieval, junto com Paris,
Bolonha e Oxford.
A Universidade de Coimbra, fundada em 1290, também merece destaque por manter-se como uma das
instituições mais antigas do mundo, que, desde sua origem, ofereceu os cursos de Artes, Direito
Canônico, Direito Civil e Medicina. Foi nessas universidades que nossos personagens se destacaram.
FRANCISCO DE VITÓRIA
Francisco de Vitória (1483-1546) estudou em Paris, dedicando-se especialmente ao estudo da
Antropologia tomista. Foi um grande mestre universitário e criador de uma escola filosófico-teológica
que teria influência decisiva na Espanha e na América.
Suas obras De potestate civili , De indis e De iure belli expressam seu pensamento sobre a origem
da autoridade civil, os títulos legítimos e ilegítimos dos espanhóis para conquistar a América, e o direito
à guerra contra os nativos do novo continente.
Um ponto que deve chamar nossa atenção é o seguinte:
 
Fonte: Danisd75/Wikimedia commons/CC BY-SA 3.0 
 Figura 17. Monumento a Francisco de Vitória, 
obra de Francisco de Toledo (1975), em Salamanca, na Espanha.
NA SUA ELABORAÇÃO DAS RELAÇÕES DE PODER E DE
RADICAÇÃO DO PODER CIVIL DO SOBERANO, É VISÍVEL A
RUPTURA DE VITÓRIA COM A ESCOLÁSTICA MEDIEVAL –
QUE DEFENDIA A ORIGEM DIVINA DO PODER CIVIL E, POR
ISSO, POSTULAVA A SUPREMACIA PAPAL EM ASSUNTOS
TEMPORAIS –, ESTABELECENDO QUE O PODER CIVIL DO
PRÍNCIPE NÃO TINHA ORIGEM EM DEUS, MAS ATRAVÉS
DA ELEIÇÃO DO ESTADO.
(SANTOS, 2016)
Não há lugar para o anarquismo, nem existe nada de definitivo sobre as formas concretas de
organização política.
Todos os povos podem escolher para si mesmos a forma de governo que consideram idônea.
Toda república pode ser castigada pelo pecado do rei, segundo o princípio de solidariedade entre o
governante e os governados, que são corresponsáveis pelas culpas do governante.
Sobre a justificativa da guerra, Vitória aplica os critérios do “mal menor” e do “bem possível”. Isto é,
nenhuma guerra é justa caso verifique-se que se sustenta às custas de um mal maior do que o bem e a
utilidade da República, por mais que sobrem razões para uma guerra justa.
Vitória criou o direito das gentes (ius gentium ), precursor de nosso Direito internacional, que justifica,
sobre a base da solidariedade internacional dos povos — e não sobre o direito natural, como concebido
classicamente por Agostinho e Tomás de Aquino —, uma espécie de fraternidade universal dos homens
entre si.
Sobre a conquista espanhola, Vitória estabeleceu sua conhecida relação de sete títulos ilegítimos e de
oito títulos legítimos.
Os sete títulos ilegítimos são:
O imperador é senhor do mundo.
A autoridade é do Romano Pontífice, que doou as Índias aos espanhóis.
O direito provém do descobrimento.
Os índios se obstinam em não receber a fé de Cristo, apesar de lhes ter sido proposta e os terem
exortado com insistência.
Os pecados são dos próprios bárbaros — alguns contra natura (contra a natureza).
A escolha é voluntária por parte dos nativos.
Há uma especial doação por parte de Deus — como ocorreu no caso dos israelitas quanto à sua
Terra prometida.
Os oito títulos legítimos são:
Os espanhóis têm direito a percorrer as terras americanas sem serem molestados e sem receber
dano.
A religião cristã pode ser propagada naquelas terras — no caso de os índios aceitarem
espontaneamente a fé católica, não haveria o direito a declarar guerra contra eles nem de ocupar
suas terras.
Os nativos que se converteram à fé católica devem ser protegidos contra as perseguições de
seus próprios reis, ainda pagãos.
Se boa parte dos nativos tivesse se convertido à fé católica, o papa poderia, com causa justa,
impor-lhes um príncipe cristão e destituir o príncipe infiel.
Cabe à tirania de seus próprios senhores ou às leis desumanas que estes promulgam. 
A escolha por parte dos nativos deve ser verdadeira e voluntária. 
Essa escolha vale por razão de amizade ou aliança. 
Pela pouca “civilização e polícia” dos nativos, poderia ser imposto a eles um príncipe cristão —
este lhe parece um título duvidoso.
FRANCISCO SUÁREZ
Para Francisco Suárez (1548-1617), a lei natural é uma verdadeira e autêntica lei divina e seu
legislador é Deus. Em Deus, supõe um juízo que Deus mesmo emite a respeito da conveniência ou
inconveniência de tais atos e a vontade de obrigar os homens a cumprir o que dita a reta razão. Essa
vontade supõe um juízo a respeito da malícia, por exemplo, da mentira ou de coisas semelhantes.
Entretanto, a autêntica proibição ou obrigação do preceito não surge em virtude do mero juízo, uma vez
que não se pode entender isso independentemente da vontade. A lei natural, portanto, não se limita a
manifestar a desconformidade natural de tal ato ou objeto com a natureza racional, mas também é um
signo da vontade divina que o proíbe.
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Foto: Seges commonswiki/Wikimedia commons/Domínio Público 
 Figura 18. Francisco Suárez.
FRANCISCO SUÁREZ
Teólogo e filósofo jesuíta que ensinou na Universidade de Coimbra.
Para Suárez, no ato humano existe um tipo de bondade ou malícia em função do objeto em si mesmo
considerado, segundo esteja ou não de acordo com a reta razão. E o ato humano recebe, de modo
especial, o nome de pecado ou culpa para com Deus por razão da transgressão de uma verdadeira lei
dada pelo próprio.
Suárez interpreta essa específica malícia como a “prevaricação” de que fala São Paulo: “onde não há
lei, tampouco há prevaricação [transgressão].” O ato humano contrário à natureza racional não teria
esse caráter de “transgressão” ou “prevaricação”.
Aqui, observamos a mentalidade moderna de Suárez: uma sutil transposição da questão da verdade
divina da lei natural (como reflexo da “lei eterna”) para a vontade divina de impô-la como lei natural.
E a interpretação da passagem de São Paulo é forçada: “onde não há lei”, na mente do apóstolo, é
“onde há fé e a graça do amor”, isto é, onde a lei já está sendo cumprida e, portanto, não pode haver
transgressão .
Suárez distingue o direito “das gentes” do direito natural ao afirmar o seguinte:
[...] DIGA-SE ASSIM DO DIREITO DAS GENTES: DE MODO
ÚNICO, É DIREITO QUE TODOS OS POVOS E AS
COLETIVIDADES DEVEM APLICAR ENTRE SI; DE OUTRO
MODO, QUE É DIREITO QUE AS CIDADES E REINOS
OBSERVAM EM SEUS ÂMBITOS INTERNOS,QUE EM
RAZÃO DE SIMILITUDE E CONVENIÊNCIA SE CHAMA DE
DIREITO DAS GENTES.
(COSELLA, 2012)
Assim, o direito “das gentes” não manda nada que seja por si mesmo necessário para a retidão ou a
conduta, nem proíbe nada que seja essencial e intrinsecamente mau. Tudo isso pertence ao direito
natural.
O direito “das gentes” não forma parte do direito natural tampouco distingue-se dele por ser um direito
específico dos homens. O direito “das gentes” é simplesmente humano e positivo, e seus preceitos
diferenciam-se dos preceitos do Direito civil pelo fato de não estarem formados por leis escritas e sim
por costumes, não deste ou daquele Estado, mas de todas ou quase todas as nações.
Afinal, o direito humano é de duas classes: escrito e não escrito. O direito não escrito está formado por
costumes, e, se foi estabelecido pelos costumes de um só povo e a ele só obriga, segue sendo Direito
civil. Se, pelo contrário, foi estabelecido pelos costumes de todos os povos e se a todos obriga, esse é
o direito “das gentes” propriamente dito, segundo Suárez.
Com isso, o Direito internacional identifica-se com os costumes universais positivos e compreende
apenas o mínimo comum de práticas extremamente indispensáveis para a manutenção de uma
comunidade internacional pacificada.
Estamos, aqui, longe da necessidade (moral) de uma adequação universal aos costumes ideais e
conformes com a lei natural, que uma sociedade objetivamente mais justa poderia ter alcançado e
desejaria difundir (sem violência).
Portanto, estamos na origem de certo relativismo ético político, já que o indispensável são apenas os
costumes universais de fato , e não aqueles de direito (direito natural, entenda-se, na concepção pré-
moderna).
Agora vamos aprofundar o conceito de Nominalismo, mas a partir das ideias de Guilherme de Ockham
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ESTUDAMOS O NOMINALISMO DE OCKHAM E COMO INCIDIU NAS
CONSIDERAÇÕES SOBRE A MORAL E A POLÍTICA. QUAL DAS AFIRMATIVAS A
SEGUIR MELHOR EXPRESSA A RELAÇÃO IGREJA-ESTADO PARA O AUTOR?
A) A Igreja cuida sozinha das coisas espirituais e tem potestade indireta sobre o Estado.
B) A Igreja cuida sozinha das coisas espirituais e o Estado tem total potestade nas coisas temporais.
C) O Estado tem potestade nas coisas temporais e pode interferir nas leis eclesiásticas.
D) A Igreja cuida sozinha das coisas espirituais e tem potestade direta sobre o Estado.
E) O Estado tem a potestade nas coisas temporais e religiosas.
2. SEGUNDO AS TEORIAS DE VITÓRIA E SUÁREZ, O “DIREITO DAS GENTES”
FUNDA-SE EM:
A) Direito natural.
B) Revelação bíblica.
C) Solidariedade dos costumes comuns dos povos.
D) Consenso dos representantes dos povos.
E) Arbítrio do papa.
GABARITO
1. Estudamos o nominalismo de Ockham e como incidiu nas considerações sobre a moral e a
política. Qual das afirmativas a seguir melhor expressa a relação Igreja-Estado para o autor?
A alternativa "B " está correta.
 
Ockham sustenta a separação dos dois poderes sem qualquer tipo de interferência e com uma possível
cooperação.
2. Segundo as teorias de Vitória e Suárez, o “direito das gentes” funda-se em:
A alternativa "C " está correta.
 
O direito das gentes é uma lei positiva humana. Não é direito natural nem revelação bíblica ou
eclesiástica, não é escrita nem fruto de debate político, e sim a solidariedade que resulta dos costumes
universais dos povos.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As éticas agostiniana e tomasiana, como fundamentação do agir formalmente ético, são inseparáveis
da moral, como conteúdo concreto em que a forma da ética se realiza. De outra parte, ética e moral têm
uma fundamentação metafísica, pois estão ancoradas no próprio ser da pessoa humana, em sua
natureza ou essência, naquilo que a tradição clássica chamou de lei (moral) natural. E a lei natural tem
uma fundamentação teológica: é o reflexo em nossa consciência da “lei eterna” divina.
Aqui, a palavra “natureza” tem o sentido clássico anterior à separação entre natureza e espírito, ou
natureza e história, ou natureza e cultura.
A lei natural nos dois maiores clássicos da Filosofia medieval não deve ser entendida como alguma
espécie de dado “espontâneo” ou meramente biológico, mas como a leitura ou interpretação que a
razão humana faz das inclinações naturais e a consequente promulgação dos deveres/direitos daí
decorrentes. Também, ou principalmente, a razão constitui a natureza da pessoa humana.
Para Agostinho e Tomás de Aquino, a reflexão e a prática política e jurídica são inseparáveis da ética e
da religião: o exercício do governo, as relações sociais, as leis e o bem comum devem estar em
harmonia com o que é considerado bom e justo para o indivíduo, segundo a lei natural radicada na lei
divina. Com Ockham, ocorre uma separação entre as obrigações morais e a lei divina, e a ética pende,
agora, do conceito de “obrigação”.
Francisco de Vitória inauguraria a investigação do “direito das gentes”, buscando ajuizar a conquista
americana pelos espanhóis, a partir da ideia de uma solidariedade internacional. E Francisco Suárez
separaria a lei natural do conceito de “transgressão” ou “pecado”, e entenderia o direito das gentes
como um mínimo de costumes internacionais comuns. Com isso, todo o arcabouço jurídico-político
moderno já está montado para ser edificado.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO. A Cidade de Deus. 9. ed. Bragança Paulista: USF, 2006.
AQUINO, T. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Tradução e introdução de Francisco
Benjamin de Souza Neto. Petrópolis: Vozes, 2011. (Coleção Textos Filosóficos)
AQUINO, T. Suma teológica. São Paulo: Paulus, 2016.
BELLO, J. O moral e o teologal: felicidade e religação em Xavier Zubiri e Santo Tomás. Trilhas
Filosóficas, v. 9, n. 1, 2016.
COSELLA, P. 400 anos do DE LEGIBUS de Francisco Suarez. In : Revista da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 106-107, p. 25-33, jan./dez. 2012.
GILSON, E. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
GILSON, E. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Paulus, 2007.
GILSON, E. O espírito da Filosofia medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2020.
MARCONDES, D. Guilherme de Ockham e a crise da escolástica: uma iniciação à Filosofia. São
Paulo: Zahar, 2016.
NASCIMENTO, C. A. R. O tratado sobre a luz de Roberto Grosseteste. In : Revista
Trans/Form/Ação, Marília, v. 1, p. 227-237, 1974.
POLESI, R. Ética antiga e medieval. Curitiba: Intersaberes, 2014.
SANTOS, P. Sobre o direito de guerra – Estudo introdutório e tradução comentada da Relectio de
iure belli de Francisco de Vitória. 2016. Dissertação (Mestrado em Estudos Clássicos) – Instituto de
Estudos Clássicos, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016.
SIMÕES, M. C. Os caminhos da reflexão metafísica: fundamentação e crítica. Curitiba: Intersaberes,
2015.
EXPLORE+
No Blog Acadêmico ICTYS , é possível encontrar artigos que aprofundam temas de Filosofia
medieval pertinentes como: O problema dos universais e As bases medievais do laicismo
moderno .
O livro A Filosofia política na Idade Média , de Sérgio Ricardo Strefling, distribuído virtual e
gratuitamente, é um importante material introdutório sobre o assunto. Vale a leitura!
A Revista Portuguesa de Filosofia (v. 75, n. 3, 2019) é inteiramente dedicada às teorias
políticas medievais. Publicada pela Aletheia – Associação Científica e Cultural, em Braga,
também está disponível virtualmente. Pesquise e aprofunde seu conhecimento.
CONTEUDISTA
Joathas Soares Bello
 CURRÍCULO LATTES
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