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MED UNIFTC 2021.2 – 5º semestre | Anna Beatriz Fonseca MORTE ENCEFÁLICA (ME) Perda completa (ou seja, não temporária) e irreversível das funções encefálicas, definidas pela cessação das atividades corticais e do tronco encefálico. É diferente de coma/estado vegetativo persistente pela perda ser parcial e poder ser reversível. MORTE ENCEFÁLICA ESTADO VEGETATIVO PERSISTENTE Nível de consciência é zero Pode haver um estado mínimo de consciência Não há atividade do tronco cerebral (reflexos neurológicos devem estar todos ausentes) Atividade completa ou parcial do tronco cerebral Não há manutenção da respiração de forma autônoma Manutenção da respiração de forma autônoma Não há manutenção da circulação de forma autônoma Manutenção da circulação de forma autônoma Perda parcial das funções do hipotálamo Atividade completa ou parcial das funções do hipotálamo Não há ciclos de sono-vigília Há ciclos de sono-vigília Epidemiologia: 0,8 até 1% das pessoas morrem e até 15% dos óbitos em UTI são com morte encefálica. Etiologia: o AVE (acidente vascular encefálico) corresponde a 47-52% dos casos e TCE (traumatismo cranioencefálico) responsável por 32% dos casos, são as principais causas de morte encefálica no Brasil: Esse valor não é absoluto por possuir um grande número de subnotificação. Os pacientes de TCE possuem melhores enxertos – apesar de não ser determinante –, devido a normalmente não possuírem comorbidades como os pacientes que sofrem AVE. o Encefalopatia anóxica, ex.: pós PCR/ICC; Infecções; Neoplasias. Fisiologia: 1. O aumento da pressão intracraniana (PIC), faz com que a pressão de perfusão cerebral diminua e consequentemente reduza a pressão das células neuronais; 2. Essa redução da perfusão leva a perda de massa encefálica que resulta na perda de função cerebral; 3. E por fim, essa perda leva a interrupção do fluxo sanguíneo/isquemia encefálica - uma das formas de diagnosticar a morte encefálica. Diagnóstico: O diagnóstico deve ser feito, independentemente da possibilidade de doação: o Em quem suspeitar de morte encefálica? Paciente ≥ 37 semanas de idade gestacional; maiores de 7 dias de vida (o sistema neurológico ainda está em desenvolvimento, e o paciente pode está em coma reversível); pacientes em ventilação mecânica + alterações no nível de consciência - Glasgow 3 + alterações do tronco encefálico - pupilas fixas e ausência de reflexos + Estágio de coma de causa bem conhecida (a fim de diferenciar reversibilidade e irreversibilidade). Fatores confundidores das causas reversíveis de coma devem ser afastados, ex.: Hipotermia, drogas depressoras do SNC, alterações hidroeletrolíticos e metabólicos. o Parâmetros clínicos para início do diagnóstico (CFM/2017): Coma aperceptivo; ausência de reatividade; apneia persistente; ausência de hipotermia e saturação > 94%; PAS > 100mmHg em adultos; o Tempo de observação para iniciar o diagnóstico (CFM/2017): Quando a causa for a encefalopatia hipóxico- isquêmica, a observação deve ser de 24 horas – tempo para o organismo reagir aos status pós PCR. o Confirmação da morte encefálica (CFM/2017): Art. 3º: “Serão realizados dois exames clínicos, cada um deles por médicos diferentes, especificamente capacitado a realizar procedimentos para a determinação de morte encefálica” (em momentos diferentes) para confirmar a ausência de função do tronco encefálico; Um teste de apneia; Um exame complementar que comprove a ausência de atividade/função encefálica. Quem são os médicos capacitados? 1 ano de experiência em coma e acompanhamento/realização de 10 ME ou curso de capacitação para ME; Doação de órgãos e transplante hepático Clínica Cirúrgica MED UNIFTC 2021.2 – 5º semestre | Anna Beatriz Fonseca Um dos médicos capacitados deverá ser especialista: neurologia, neurologia pediátrica, neurocirurgia, medicina intensiva, medicina intensiva pediátrica ou medicina de emergência; Nenhum deles poderá fazer parte da equipe de transplante - antiético. Nomenclaturas referente a morte encefálica; o Possível doador: Lesão cerebral grave em ventilação mecânica; o Potencial doador: Abertura de protocolo morte encefálica; o Doador elegível: Fechado protocolo de morte encefálica; o Doador efetivo: Indicada retirada de órgãos; o Doador com órgãos transplantados: Quando órgãos removidos são transplantados. ETAPAS 1. Identificar potenciais doadores de órgãos: Pré-requisitos: Coma de causa conhecida (que deve ser irreversível); Glasgow 3, ventilação mecânica. 2. Excluir os fatores de confusão; 3. Avisar a família hipótese de ME e do protocolo a ser realizado; 4. Abertura de protocolo; 5. 02 testes clínicos realizados: o Exame físico: Reflexos/pares cranianos: Fotomotor - pelos pares II (ótico) e III (oculomotor): Através do estímulo luminoso, avalia-se a reatividade das pupilas, esperando o fechamento das mesmas, mas quando é ME as pupilas estão fixas e arreatiavas – reflexo ausente; Córneo palpebral - pares V (trigêmeo) e VII (facial): Faz o estímulo da córnea com um objeto rombo (ex.: algodão/cotonete). Espera-se que o paciente feche a pálpebra/pisque, porém, em ME esse reflexo está ausente; Óculo-cefálico - pares V (trigêmeo) e III (oculomotor): Realizado a movimentação brusca do crânio para os dois lados. Espera-se que o paciente desvie o olhar, porém em ME, o paciente mantém o olhar fixo, chama-se isso de olhar de boneca; Vestíbulo-coclear - par VIII (vestibulococlear). Faz infusão de soro ou outros líquidos em baixa temperatura (gelado), na membrana timpânica. Espera-se que o paciente desvie o olhar para a região ipsilateral, e em ME o paciente sem movimentação ocular ou qualquer outro reflexo. Reflexo da tosse - pares IX (glossofaríngeo), X (vago) e XII (hipoglosso). O paciente em ventilação mecânica estará com um tubo orotraqueal ou cânula de traqueostomia. Faz-se a movimentação desse tubo e através desse estímulo na mucosa traqueobrônquica, espera-se que o paciente tenha o reflexo de tosse, porém em ME esse reflexo está ausente. o Teste da apneia – Realizado uma única vez: I. Monitorizar e estabilizar o paciente; II. Pré-oxigenação do paciente com FiO2 100% por 10 minutos; III. Colhe uma gasometria para comprovar que a PAO2 está boa e logo após desacopla o paciente da ventilação mecânica; IV. Aguarda por 8 a 10 minutos e colhe uma nova gasometria. Essa nova gasometria vai comprovar uma hipercapnia (aumento da PCO2 >55mmHg) e se o paciente não apresentar nenhum tipo de movimento inspiratório espontâneo, após a interrupção da ventilação, o teste é considerado positivo. 6. Notificar CIHDOTT (Comissão Intra-Hospitalar para Doação de Órgãos e Tecidos), OPO ou diretamente a central de transplante estadual sobre a abertura do protocolo; 7. Repetir os testes clínicos, sendo esse intervalo variável de acordo com a idade do indivíduo: o O tempo de intervalo entre os testes são de: De 7 dias a 2 meses incompletos de idade: 24 horas para reavaliação; De 2 meses a 1 ano incompletos de idade: 12 horas para reavaliação; Acima de 2 anos de idade: 1 hora para reavaliação. 8. Exame confirmatório complementar: o Fluxo sanguíneo: Angiotomografia, arteriografia cerebral, Doppler transcraniano – muito utilizado na pediatria, cintilografia; o Atividade cerebral: Eletroencefalograma. 9. Comunicar o óbito a família. Conduta pós-determinação de ME: o Notificação obrigatória da ME à Central Estadual de Transplantes; o Preenchimento da declaração de óbito (DO) – se a causa da morte for externa, a DO é atribuição do médico legista; o Comunicar a morte aos familiares assim que estiver determinada; o Qualquer menção sobre doação de órgãos deve ocorre somente após a comunicação damorte; o Retirar o suporte vital nos casos em que a doação de órgãos não for viável. Figura 1: Termo de declaração de morte encefálica pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. MED UNIFTC 2021.2 – 5º semestre | Anna Beatriz Fonseca Fluxograma 1: Diagnóstico de morte encefálica. PROCESSO DOAÇÃO-TRANSPLANTE O processo doação-transplante é um procedimento médico composto por uma série de passos ordenados de forma precisa, que transforma os órgãos de uma pessoa falecida em órgãos suscetíveis de serem transplantados. Figura 2: Etapas do processo doação- transplante. 1. Identificação: Quem são (os pré-requisitos já foram citados), onde estão (em unidades que possuem ventiladores mecânicos como UTIs, emergências, salas de recuperação ou unidades de pronto atendimento) e como detectar – através de duas maneiras: via administrativa: controle diário das internações e laudos de TC ou forma ativa: contato diário do coordenador com as unidades que podem gerar esses potenciais doadores, por visita ou por telefone; 2. Diagnóstico de morte encefálica (retornar ao fluxograma 1); 3. Entrevista com a família: A decisão sobre a doação é dos familiares. Podem autorizar a doação os parentes de primeiro ou segundo grau ou cônjuges, na presença de duas testemunhas: o Se não for autorizada a doação: Comunicar a equipe responsável, que suspenderá a ventilação mecânica; evoluir no prontuário o resultado da entrevista; comunicar a Central de Transplantes para encerrar o processo; o Se a doação for autorizada: Preencher e ler o termo de autorização; coletar assinaturas dos familiares responsáveis e das testemunhas; enviar o termo de autorização para a Central de Transplantes. A estratégia empregada na entrevista é oferecer a oportunidade de transformar a tragédia da perda do ente querido em um ato nobre de doação. Este gesto pode atenuar a dor e servir como consolo. 4. Avaliação do potencial doador: A avaliação clínica, laboratorial e de imagem do potencial doador tem como objetivos: o Afastar qualquer doença do potencial doador que possa ser transmitida ao receptor, como infecção ou neoplasia; o Determinar a viabilidade dos órgãos e tecidos. 5. Manutenção do potencial doador: É realizada durante todo o processo, desde a identificação do potencial doador até o ingresso no centro cirúrgico. A morte encefálica implica na imediata e progressiva deterioração de todas as funções orgânicas. Para evitar a parada cardíaca é preconizado um conjunto de cuidados: Figura 3: Medidas utilizadas na manutenção dos potenciais doadores e a “regra dos 100” para os valores. o Avaliação e melhoria da função de cada órgão; o Maximização do número de órgãos para transplante; o Melhoria da qualidade do enxerto. Barreiras à doação de órgãos: Não identificação do potencial doador, comunicação com a família, dificuldade no diagnóstico de ME, problemas na manutenção do doador, avaliação inadequada do potencial doador. Como funciona o sistema nacional de transplante? O hospital identifica o potencial doador. Notifica a CIHDOTT (Comissão Intra- Hospitalar para Doação de Órgãos e Tecidos) sobre a abertura do protocolo. Ao começar os testes, concomitante já aciona a central estadual de transplante para preparar já a logística e equipe transplantadora. E ao mesmo tempo o paciente receptor já é preparado também para o procedimento. 1. QrCode sobre manual de doação e transplante de órgãos de 2017. Porém em 2019, alguns dados foram alterados, e a leitura sobre é a do QrCode ao lado: Determinação da morte encefálica no Brasil. MED UNIFTC 2021.2 – 5º semestre | Anna Beatriz Fonseca TRANSPLANTE HEPÁTICO O tempo de isquemia fria – intervalo de tempo entre o clampeamento da aorta com infusão de solução de preservação gelada no doador e o momento em que o enxerto foi inserido – dos órgãos é variável, sendo o do fígado correspondente a 12h (ideal menos de 8h). Indicações: Insuficiência hepática fulminante, insuficiência hepática crônica (doença alcoólica, doenças virais, esteato- hepatite não alcoólica), carcinoma hepatocelular, cirrose biliar primária, colangite esclerosaste primária e atresia biliar – má formação congênita. Contraindicações: Uso abusivo de álcool e drogas: o Para entrar na fila de transplante, a paciente etilista precisa estar sem usar álcool por 6 meses. Há um déficit de órgãos, então houve a necessidade de criar uma classificação da disfunção hepática vendo qual paciente possui a doença mais grave e menor sobrevida. O escore utilizado é o MELD (que usa como critério os valores de creatinina, bilirrubina e RNI e uma constante que pode ser alterada de acordo com o sódio do paciente), toda vez que o MELD é maior que 14, o paciente entra na fila de transplante. Existem patologias que são exceções do MELD, por alterar o prognóstico do paciente, mas não a numeração do MELD. Então, pessoas portadoras dessas doenças ganham pontos a mais para possível benefício na fila do transplante; essas são: Carcinoma hepatocelular (40 pontos), síndrome hepatopulmonar, hipertensão portopulmonar, polineuropatia amiloide familiar, hiperoxalúria primária, fibrose cística, hilar Colangiocarcinoma, trombose da artéria hepática. Critérios de Milão: São critérios usados para eleger ou não um paciente com carcinoma hepatocelular para o transplante hepático, sabendo que o fígado cirrótico não possui plena capacidade de regeneração em comparação ao mesmo órgão saudável: Critérios de Milão (mais utilizado): Nódulo único menor ou igual a 5cm ou até 3 nódulos sendo que menores ou iguais a 3cm; Critérios de Milão Brasil: Nódulo único menor ou igual a 5cm ou até 3 nódulos sendo que menores ou iguais a 3cm e são excluídos os nódulos menores que 2cm. EVOLUCÃO DA TECNICA CIRÚRGICA Transplante ortotópico: Um enxerto substitui o órgão do receptor. São divididos em fases: I. Pré-anepática: Incisão cirúrgica e interrupção da circulação do órgão nativo, anepática: Clampeamento vascular do fígado nativo e instituição do by-pass veno-venoso, terminando quando a anastomose vascular da veia cava infra-hepática (VCI) e da veia porta do fígado implantados é completada (dificuldade por clampeamento total da VCI) e hepática: Revascularização. Transplante heterotópico: O órgão transplantado inteiro é colocado em outra posição anatômica, deixando os dois órgãos no paciente: o Dificuldade na implementação e futuras complicações. Houve dificuldade com o clampeamento total da veia cava inferior pois essa interrupção do fluxo gerava uma grande instabilidade hemodinâmica ao paciente, até que conseguiram realizar pela técnica Piggyback: A via de drenagem venosa é reconstruída por meio de anastomose (lateral) realizada na artéria hepática, via biliar, veia cava e porta, sendo caracterizada pelo clampeamento parcial da veia cava: o Evita os inconvenientes da circulação extracorpórea; o Reduz algumas complicações específicas no pós-operatório; o Redução do custo final do procedimento. Tipos de transplante com a advento da técnica de Piggyback: o Transplante hepático (TxH) reduzido: Diminuição do enxerto de um adulto para beneficiar crianças; o Split liver: Fígado bipartido, beneficia dois receptores. Usado em situações de urgência; o Dominó: Fígado do receptor doente com doença metabólica de complicações tardias: Receptor torna-se doador para doentes em estágio terminal; o Intervivos: Secciona uma parte do órgão para doar a um paciente em situação de urgência, ex.: uma hepatite fulminante. Complicações: o Disfunção primária (ex.: coagulopatias e esteatose), complicações cirúrgicas imediatas (ex.: sangramentos, infecções e rejeições); o Disfunções secundarias: Tromboses vasculares e complicações biliares (ex.: estenose e fistula). Desafios para sucesso dostransplantes: Sistema imunológico, interação receptor-órgão doador, aderência aos imunossupressores. Figura 4: Ética e transplante. !!!Curiosidade que cai em prova: A principal causa de nódulo maligno hepático é a metástase colorretal; mas em pacientes com cirrose, a principal causa de nódulo hepático é carcinoma hepatocelular.
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