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A entrevista farmacêutica Prof. Mauro S. de Castro “Quem vem lá?” ou “Como estará?” Sempre é um mistério! Tanto no novo atendimento, como no atendimento de um sujeito já conhecido. Lá estará ele, uma pessoa como qualquer outra, mas também uma pessoa totalmente singular. Veja, em sua vida foi vivenciando o mundo, primeiramente com olhos de quem descobre, de quem se comunica-sem-palavras. Totalmente não-verbal!!! Sofre as influências do mundo em que vive, das idéias, das ações, dos consensos que sua família estabelece. Não se esqueça, pais e mães, avós, irmãos e todos nós temos nossas idéias e agimos segundo nossa vontade possível. Para melhor convivermos vamos formando nossos consensos, nossa visão de mundo. Aos poucos, vamos coordenando nossos consensos de idéias e ações com as dos outros, vamos negociando e chegando a esses verdadeiros acordos que nos tornam humanos. Os determinantes sociais, nossa cultura familiar ou a que se assume, mais nossa própria constituição genética nos faz singular. Por isso é um mistério. Vamos para o primeiro encontro, lá vamos desvelando um mundo todo à parte. A vida de uma pessoa que está com um problema visível ou não. Sim, trabalhamos com problemas – pessoas doentes ou que podem vir a ser. A entrevista nos ajuda a desvelar o problema e na maior parte das vezes a identificar as causas desses. Muitas vezes são questões técnicas, voltadas ao medicamento. Em outras, o que se apresenta é a vida com suas vicissitudes: problemas familiares, acessibilidade a serviços ou medicamentos, até mesmo empregabilidade! É a arte do terapeuta que leva a condições para que o outro relate seus problemas e a partir disso negociar com o sujeito a forma de resolvê-los. É a hora de empoderá-lo. Outras vezes, lá vem quem conhecemos. Pensamos, está controlado quanto a diabetes, hipertensão e a dislipidemia. Olhamos o prontuário, lá está, vem apenas para a revisão/manutenção. Mas nada disso acontece. Mais uma vez o mistério – um câncer que se apresentou no viver de nosso sujeito! Somos humanos. Dói! Sim, às vezes dói e podemos expressar isso, mas nunca transmitir que não existe uma esperança. Pelo menos a de se poder preparar para o que no final nos acontece – a morte. Então, podemos afirmar: não é um tomador-de-remédios que se nos apresenta. Não é uma hipertensão ou um câncer. É uma pessoa singular, que tem todo o poder de decidir SE, QUANDO E COMO vai fazer/seguir as recomendações dos profissionais da saúde. E nós, devemos estar ali, para respeitar essa pessoa singular, para tratarmos de esclarecê-la da melhor forma possível e aí então dar condições para que ela decida o que fazer, se possível junto com a gente ou com a equipe de saúde. Quem daqui vai Num primeiro momento a idéia que surge é a de alguém que não teve formação curricular para isso. Normalmente reclamamos que nossos currículos dos cursos de farmácia foram tecnicistas. Sim, muito tecnicistas. Mas não podemos retroceder e devemos utilizar o bom senso e buscar o desenvolvimento das habilidades necessárias para realizar o melhor. Vamos mudar a conjugação verbal, para melhor nos expressarmos: Primeiro devo acolher, seja onde for, no balcão, na sala na unidade, na casa. Sim, mesmo na casa devo acolher. Isso quer dizer: tenho que acolher o outro integralmente, sem colocar qualquer condição e sem julgá-lo pelo que sente, pensa, fala ou faz. (aceitação incondicional ou respeito) Em segundo lugar, tenho que estar mentalmente quieto e atento para poder escutar e, ao assim fazer, tentar com todas minhas forças me colocar no lugar do outro, para sentir o que sentiria caso estivesse em seu lugar. (empatia) Quando for apropriado devo me expressar de forma real, por meio de palavras e atos meus sentimentos. Muitas vezes assinalando o que é importante na fala do paciente. (coerência) Já em outros momentos, devo ter a capacidade de perceber e comunicar corretamente ao outro as discrepâncias ou incoerências em seu comportamento frente aos problemas detectados. (confrontação) Tenho que estar atento e avaliar a relação profissional-sujeito, já existe uma relação terapêutica formada? Quão imediato posso intervir? Posso abordar sentimentos? Ou estou frente a pequenos problemas técnicos de administração de medicamentos e uma simples ação sem aprofundar sentimentos é suficiente? (imediaticidade) E agora, tenho que concretizar a proposta de intervenção a ser negociada: para isso tenho que ter decodificado a experiência do outro em elementos específicos, objetivos e concretos sobre o problema(s) de saúde e o tratamento. (concreticidade) Veja as palavras entre parênteses nos itens acima, podemos utilizar as três primeiras dimensões aceitação, empatia e coerência já no primeiro encontro, ou melhor, numa fase inicial do processo. Já as outras três devem ser analisadas. Portanto, quem vai daqui deve ser um profissional que saiba sintonizar com o outro, que saiba responder suas dúvidas ou saiba buscar as respostas, que consiga personalizar o atendimento e, avaliar, com o sujeito, as alternativas de ações possíveis e facilitar a escolha de uma delas ou das necessárias e possíveis. Quem não deve ir Qual profissional da saúde atende o usuário através de grades? Por um buraco no vidro? Não é atendimento, não é mesmo? Trata-se de uma simples entrega administrativa, uma “marcação de uma entrega numa receita com uns medicamentos juntos”! O fundamento talvez esteja no desconhecimento de qual seu papel em atividades de núcleo, de não termos conseguido mostrar nossa importância no dia a dia dos trabalhadores da saúde. Talvez tenhamos expressado ao máximo uma situação comum aos que não são previamente habilitados. É melhor sempre ser defensivo, pois agir assim é rápido e fácil! “Lá vem o chato com suas dores nas costas!” Sim, gasto tempo em ter que comunicar-me adequadamente com uma pessoa com dores nas costas. Primeiro tenho que compreender suas dores e a partir daí interagir de forma não defensiva. “Que pessoa mais agressiva!! Vou me livrar logo dela! Se me disser um desaforo, não vou levar para casa!!!” “Como é burro, não entende!! Não tenho mais paciência para gente assim!” Essa postura nos traz perda de energia e de entusiasmo pelo outro em um curto espaço de tempo. Não somos úteis para nada! Assim nos sentimos. Mas se aprendo a desenvolver habilidades de assertividade tudo começa a mudar. Aqui entra o verdadeiro conceito de paciente – não é o que pacientemente espera, mas sim o que padece, o que sofre. Se refletirmos bem, as grades e os vidros devem cair!! Ter grades ou vidros pode dar uma idéia errada de quem está indo atender, cuidar! Por outro lado, o normal é negarmos que necessitamos desenvolver habilidades de comunicação. É tão fácil se comunicar! É só pegar a receita e separar e entregar os medicamentos e se livrar rapidamente “das malas”, não é? Isso é o bom comunicador? Isso é ser profissional da saúde? Estudar comunicação requer trabalho e esforço individual. Se olharmos por aí, ninguém faz, ou melhor, poucos fazem, por que então terei eu que fazer? Quando estamos frente a uma dificuldade o mais fácil é culpar o outro, seja usuário, seja nosso colega. “Ele não ouve!! Eu falo, falo e ele não ouve!” É muito mais fácil do que examinarmos nossas ações e conseguirmos fazer uma auto-crítica: “Onde errei?” ou “Onde posso melhorar?”. Por outro lado, não posso me imobilizar frente a qualquer uma dessas situações. Tenho que aprender a ultrapassá-las! Isso exige treinamento e mudança de atitude. Onde se encontram A farmácia é um local exclusivo de nosso vir-a-ser. É onde hoje principalmente nos apresentamos a sociedade. Se olharmos para muitas delas, onde está sua vinculação aos princípios do SUS? Qual acolhimento elas proporcionam aos usuários? Em alguns locais os pacientes retiram seus medicamentos por uma janela em uma parede, além de ficarem ao sabor das intempéries