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HIPOGLICEMIA NEONATAL INTRODUÇÃO A glicose tem um papel central na economia de combustível e é armazenada sob a forma de glicogênio. Cada molécula gera cerca de 38 mols de ATP. Ela é essencial para o metabolismo de energia no cérebro. A captação de glicose cerebral é independente de insulina. O transporte cerebral é feito por difusão facilitada, mediada pelo transportador GLUT1, que é dependente da concentração de glicose no sangue. Portanto, baixas concentrações de glicose no sangue resultam em glicopenia cerebral. Para evitar isso, existe um sistema regulatório elaborado. A defesa contra hipoglicemia é integrada pelo SNA e hormônios que agem em conjunto para aumentar a produção de glicose, limitando a utilização de glicose periférica. Como a prematuridade ou a insuficiência placentária podem limitar os depósitos de nutrientes no tecido, e anormalidades genéticas em enzimas ou hormônios podem se tornar evidentes no recém-nascido, a hipoglicemia é comum no período neonatal. A incidência de hipoglicemia em Rns PIGs é de 15%, e nos GIGs, de 8,1%. DEFINIÇÃO Nos Rns não tem correlação evidente entre a concentração de glicose no sangue e as manifestações clinicas da hipoglicemia. A ausência de sintomas não indica que a concentração esteja normal. A hipóxia e a isquemia podem potencializar o papel da hipoglicemia e causar dano cerebral permanente. Assim, o limite inferior da normalidade aceito de glicose no sangue em RN com doença associada não foi determinado. A maioria dos autores recomenda que qualquer valor <55 mg/dl em neonatos seja visto com desconfiança e tratado energicamente. O ministério da saúde traz que níveis de glicose inferiores a 45 mg/dl ou do sangue total abaixo de 40 mg/dl, associados ao sinais clínicos e com o desaparecimento dos sinais após a correção, são critérios práticos para definir hipoglicemia. SIGNIFICÂNCIA E SEQUELAS Como o cérebro cresce mais rapidamente no primeiro ano de vida, a hipoglicemia prolongada ou repetitiva em lactentes e crianças pode retardar o desenvolvimento e o funcionamento do cérebro. A hipoglicemia transitória isolada não parece estar associada a essas manifestações graves. As principais sequelas a longo prazo são o comprometimento cognitivo, a atividade convulsiva recorrente, paralisia cerebral e desregulação autônoma. Sequelas neurológicas permanentes estão entre 25% a 50% dos pacientes com hipoglicemia sintomática recorrente grave com menos de 6 meses de idade. Essas sequelas podem ser atribuídas a atrofia do córtex cerebral e redução da mielinização da substância branca, refletidos na ampliação dos sulcos e afinamento dos giros. SUBSTRATO, ENZIMA E INTEGRAÇÃO HORMONAL DA HOMEOSTASE DA GLICOSE No recém nascido A glicose fetal é derivada inteiramente da transferência placentária. Portanto, a concentração de glicose fetal geralmente reflete os níveis de glicose maternos, mas é geralmente menor. A interrupção abrupta da transferência de glicose materna para o feto durante o parto impõe uma necessidade imediata de mobilizar a glicose endógena. Três eventos facilitam isso: mudança nos hormônios, mudanças em seus receptores e mudanças na atividade das enzimas chave. Há um aumento de 3 a 5 vezes na concentração Bruno Henryque Marconato HIPOGLICEMIA NEONATAL de glucagon dentro de minutos a horas após o nascimento. O nível de insulina geralmente cai inicialmente e permanece no intervalo basal por vários dias. Aumenta também a secreção de catecolaminas. Agindo em conjunto essas mudanças mobilizam a glicose via glicogenólise e gliconeogênese, ativam a lipólise e promovem cetogênese. Como resultado, a concentração de glicose se estabiliza após uma redução transitória imediatamente após o nascimento, as reservas de glicogênio se esgotam em poucas horas, e a gliconeogênese a partir da alanina, um AA gliconeogênico, pode ser responsável por 10% da renovação da glicose no RN. As concentrações de AGL também aumentam de forma acentuada, em conjunto com picos de glucagon e adrenalina, seguidas por aumento de corpos cetônicos. A glicose então é direcionada ao cérebro e os outros substratos servem de fonte de energia para o resto do corpo. As respostas do pâncreas endócrino no período pós-natal favorecem a secreção de glucagon, para manter a concentração de glicose no sangue. Além disso, enzimas como glicogenio-sintase tem a atividade reduzida, enquanto aquelas que favorecem o aumento da glicemia, como a fosforilase, tem a atividade aumentada. Este quadro de mudanças pode explicar várias causas da hipoglicemia neonatal, com base em mudanças inadequadas na secreção hormonal e atividade enzimática. Em lactentes mais velhos e crianças Em bebês mais velhos e crianças a homeostase da glicose é igual em adultos, a glicose é mantida por glicogenólise durante o período imediato após a alimentação e por gliconeogênese várias horas após as refeições. O Fígado de uma criança de 10kg contém de 20 a 25g de glicogênio, suficiente para atender os níveis de glicose por 6 a 12 horas. Após isso, a gliconeogênese hepática deve ser ativada. Defeitos na glicogenólise e na gliconeogênese podem não se manifestar em lactentes até que as mamadas frequentes, em intervalos de 3 a 4 horas, cesse e os bebês durmam durante a noite. A fonte de precursores gliconeogênicos é principalmente a proteína muscular. A mudança da síntese de glicogênio durante e imediatamente após as refeições para degradação de glicogênio e posteriormente gliconeogênese é regida por hormônios, principalmente a insulina. A insulina aumenta após as refeições, diminuindo a glicemia através da síntese de glicogênio, absorção periférica de glicose e inibição da produção de glicose, estimulando também a lipogênese e reduzindo a lipólise e a cetogênese. Durante o jejum as concentrações de insulina caem e as concentrações de glicose são mantidas através da ativação da glicogenólise e gliconeogênese, inibição da síntese de glicogênio e ativação da lipólise e da cetogênese. A concentração de insulina no plasma >5 uU/mL, associada a uma concentração de glicose no sangue entre 50 e 55 mg/dL é anormal, indicando um excesso de ação da insulina, hiperinsulinismo, ocasionado pela falha de mecanismos que resultem na supressão da secreção de insulina durante o jejum ou hipoglicemia. Os hormônios contrarreguladores, glucagon, hormônio do crescimento, cortisol e adrenalina, agem em conjunto aumentando as concentrações de glicose no sangue pela ativação de enzimas glicogenolíticas (glucagon, adrenalina); indução de enzimas gliconeogênicas (glucagon, cortisol); inibição da captação de glicose pelo músculo (adrenalina, hormônio do crescimento, cortisol); mobilização de aminoácidos a partir do músculo para gliconeogênese (cortisol); ativação da lipólise e proporcionando glicerol para gliconeogênese e ácidos graxos para cetogênese (adrenalina, cortisol, hormônio do crescimento, Bruno Henryque Marconato HIPOGLICEMIA NEONATAL glucagon); e inibição da liberação de insulina e hormônio do crescimento e promovendo secreção de glucagon (adrenalina). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Duas categorias. A primeira inclui sintomas associados à ativação do SNA e à liberação de adrenalina, geralmente associada a um rápido declínio na glicemia. A segunda inclui sintomas causados pela diminuição da utilização de glicose cerebral (glicopenia cerebral), geralmente associada a um lento declínio no nível de glicose nosangue ou hipoglicemia prolongada. Os sintomas em Rns e lactentes podem ser mais sutis e incluem cianose, apneia, hipotermia, hipotonia, dificuldade de alimentação, letargia e convulsões. Ocasionalmente pode ser assintomática. Rns com hiperinsulinismo muitas vezes são GIGs; bebês mais velhos podem comer muito e se tornarem obesos. Na infância, a hipoglicemia pode se apresentar como problemas de comportamento, desatenção, apetite voraz ou convulsões. Pode ser diagnosticada erroneamente como epilepsia, embriaguez, transtornos de personalidade, dor de cabeça. Histeria e atraso no desenvolvimento. A determinação da glicose no sangue deve ser sempre realizada em Rns doentes, que devem ser tratados se as concentrações forem <50 mg/dl. Em qualquer idade a hipoglicemia deve ser considerada uma causa de episódio inicial de convulsões ou de funcionamento anormal psicocomportamental ou no nível de consciência. A incidência de hipoglicemia assintomática (química) é mais elevada em PIGs. A incidência exata de hipoglicemia sintomática é difícil de estabelecer porque muitos sintomas ocorrem junto com outras condições como infecções, anormalidades no SNC, hemorragia ou edema, hipocalcemia e hipomagnesemia, asfixia, retirada de droga, apneia de prematuridade, doença cardíaca congênita ou policitemia. O inicio dos sintomas em RN varia de algumas horas a uma semana após o nascimento. Em ordem aproximada de frequência, os sintomas incluem nervosismo ou tremores, apatia, episódios de cianose, convulsões, períodos apneicos intermitentes ou taquipneia, choro fraco ou estridente, fraqueza ou letargia, dificuldade de alimentação e revirar os olhos. Episódios de sudorese, palidez repentina, hipotermia e insuficiência e parada cardíaca também ocorrem. É necessário medir os níveis séricos de glicose e determinar se os sintomas desaparecem com a administração de uma quantidade suficiente de glicose para elevar a glicemia a níveis normais, se não, outros diagnósticos devem ser considerados. CLASSIFICAÇÃO DAS CAUSAS DE HIPOGLICEMIA Bruno Henryque Marconato HIPOGLICEMIA NEONATAL Aumento da utilização da glicose (hiperinsulinismo) É o excesso de insulina em relação à quantidade de glicose disponível. Pode ocorrer nas seguintes situações clínicas: • RN GIG • Filhos de mãe diabética • Portadores de eritroblastose fetal • Hipoglicemia de rebote (após exsanguineotransfusão) • Hiperinsulinismo congênito idiopático • Síndrome de Beckwith- Wiedemann • Uso materno de tocolíticos, clorpropamida ou benzotiazidas Diminuição das reservas Acontece quando os níveis de insulina são normais e as reservas de glicose diminuídas. Frequente em RN prematuro e PIG, incidência chega a 67%. Causas mistas Ocorre nas situações de estresse (asfixia, sepse, hipotermia, dificuldade respiratória grave), durante exsanguinotransfusão com sangue heparinizado ou nas deficiências de hormônios contrarreguladores das ações de insulina (hormônio de crescimento, cortisol ou glucagon). Hipoglicemia é também endontrada nas alterações do metabolismo de aminoácidos (tirosinemia, acidemia metilmalônica etc) e dos carboidratos (galactosemia), na policitemia (excesso de consumo da glicose pelo excesso de hemácias) e por uso materno de propanolol (que impede a glicogenólise). DIAGNÓSTICO E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Na primeira semana de vida, a maioria dos lactentes tem a forma transitória de hipoglicemia neonatal, seja como resultado de CIUR ou em virtude de terem nascido de mães diabéticas. A ausência de diabetes materno, mas a presença de macrossomia e a aparência pletórica de um RN de mãe diabética, deve levantar a suspeita de hiperinsulinemia da infância, provavelmente resultante de um defeito do canal K atp que é familiar (autossomico recessivo) ou esporádico; redução de b OH butirato, AGLs baixos e - concentrações plasmáticas de insulina > uU/ml. A presença de hepatomegalia deve levantar a suspeita para deficiência da enzima glicose – 6 – fosfato na doença do armazenamento de glicogênio tipo 1 ou outras doenças de armazenamento de glicogenio; se um açúcar não redutor em glicose estiver presente na urina, é mais provável a galactosemia. CONDUTA A hipoglicemia pode ser controlada com as seguintes medidas: • RN assintomático com glicemia baixa (25 e 45 mg/dl): Alimentar a criança preferencialmente com leite materno. Repetir a dosagem da glicemia em 30 – 60 minutos. • RN sintomático ou com glicemia inferior a 25 mg/dl: infundir solução de 2ml/kg de soro glicosado a 10% a uma velocidade de 1 ml/min, por via endovenosa, o que corresponde a 200 mg/kg de glicose. Após infusão, manter oferta endovenosa contínua de glicose a uma velocidade de 6 – 8 mg/kg/min. A glicemia deve ser avaliada 30 minutos após a infusão do bolus de glicose, e depois cada hora com glicofita, até que os níveis se mantenham estáveis e adequados. • Iniciar a alimentação enteral (de preferência com leite da própria mãe ou de banco de leite) o mais Bruno Henryque Marconato HIPOGLICEMIA NEONATAL precocemente possível, de acordo com a tolerabilidade do RN. • Usar sempre bomba de infusão para administração da glicose endovenosa. Em veias periféricas, a concentração máxima utilizada é 12,5%. Concentrações maiores de glicose levam à flebite e extravasamento da solução. • Adicionar 4ml/kg/dia de gluconato de cálcio às soluções nas infusões prolongadas, mas nunca no bolus. • Após a estabilização da glicemia, reduzir lentamente as taxas de infusão da glicose. • Quando não se consegue a manutenção da glicemia plasmática acima de 45 mg/dl com taxa de infusão acima de 12 mg/kg/min, considerar a administração de corticoide (hidrocortisona) por via intravenosa na dose de 5 mg/kg/dose, a cada 12 horas, concomitantemente à oferta de glicose. • Quando houver pouca resposta ao corticoide e quando o RN possuir boa reserva de glicose (ex. Filhos de mãe diabética), pode-se utilizar glucagon por via EV. • Nos casos de hiperinsulinemia persistente (nesidioblastose), está indicado o diazóxido, que atua nas células beta pancreáticas, diminuindo a liberação de insulina. • Nos tumores secretores de insulina ou nesidioblastose, pode ser necessária a resseção cirúrgica (pancreatectomia subtotal). PREVENÇÃO O estímulo e apoio a amamentação. Nas primeiras 24h de vida, a produção de colostro ainda é baixa, mesmo naquelas que terão sucesso na amamentação. Essa situação não apresenta risco para o RN a termo com peso adequado para IG. Esses Rns possuem reservas suficientes de carboidratos e são capazes de lançar mão de mecanismos de controle da glicemia plasmática, o que pode não ocorrer em crianças de grupo de risco. Para monitorização da glicemia em Rns de risco, para RN GIG deve-se dosar a glicemia utilizando fita com 1,2 4, 8, 12 e 24 horas de vida. Por serem macrossômicos, podem ser portadores de hiperinsulinismo. Devem receber atenção especial na amamentação, que deve ser iniciada na primeira hora de vida. Para RN PIG (ou com diminuição de reserva ou causas mistas), deve-se doasr a glicemia utilizando fita com 2, 4, 6, 12, 24, 48 e 72 horas de vida. Esse grupo de RN pode apresentar hipoglicemia por diminuição das reservas de glicogênio. Se o aporte energético não for garantido, eles podem apresentar um quadro tardio. Lembrar que o uso de glicose via oral, após aumento inicial da glicemia, pode causar hipoglicemia de rebote1 a 2 horas após a ingestão. Bruno Henryque Marconato
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