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até que, cerca de uma hora da madrugada, só restavam dançando autora e réu, este último, a essa altura, completamente embriagado. 32- Tocado pelo álcool, o réu perdeu o controle de si mesmo e começou a tentar seduzir a autora, com palavras eloqüentes ,carregadas de sensualidade imoral. 33- A autora, é claro, resistiu sempre, até que, finalmente, desvencilhou-se do réu e saiu andando apressadamente até seu quarto. 34- O réu, porém, seguiu-a e, com o pé, impediu-a de trancar a porta, dizendo cruamente, em alto e bom som: "- Esta noite eu vou dormir aqui com você". 35- O constrangimento era total e invencível., No silencioso hotel de fim de semana, todos estavam recolhidos. O réu, completamente embriagado, deixava desenganadamente claras suas lascivas intenções. Somente com grande escândalo, do qual todos os demais hóspedes do hotel e, principalmente, os profissionais integrantes do escritório por certo tomariam conhecimento, poderia a autora ter resistido a suas lúbricas investidas. 36- Não restou à autora senão aceder e passar a noite com o réu. Enojada, vencendo a repugnância, por várias vezes permitiu que ele a possuísse, sempre para evitar o escândalo. 37- Manhã bem cedo, retirou-se o réu para seu próprio quarto e, algumas horas depois, de cara lavada, como se nada tivesse acontecido, presidia a reunião da manhã de domingo. 38- A autora cuidava que todo aquele pesadelo não duraria mais que uma noite e que, novamente sóbrio, o réu se desculparia ou, pelo menos, tentaria fingir que nada tinha acontecido. 39- De fato, foi assim que procedeu o réu durante todo o domingo, no hotel, e na viagem de volta. 40- Na segunda-feira a autora apresentou-se ao trabalho, ainda desconfiada, mas pronta a iniciar esforço consciente para relegar o episódio- a merecido esquecimento. O emprego ainda era um bom emprego; a autora precisava dele; agora mais que nunca, pois sua mãe, já idosa, estava prestes a submeter-se a uma delicada intervenção cirúrgica. O réu, até ali, tinha sido um bom patrão. Tudo afinal não passara de uma noite de bebedeira. 41- Ao final do expediente, porém, o réu chamou a autora, dizendo que precisava conversar com ela e oferecendo uma carona. Cuidando, ingenuamente, que receberia o tão esperado pedido de desculpas, a autora aceitou o convite. 42- Mais uma vez, porém, para sua desgraça, enganou-se. O réu desejava, isto sim, reiterar que apreciara imenso a noite passada com ela, que insistia em chamar “uma noite de amor"; que não tinha deixado de pensar nela um só minuto e que queria repetir a experiência. 43- Agora não havia mais a desculpa da embriaguez. O réu estava sóbrio e sua voz, firme, decidida; simplesmente, com estarrecedor cinismo e despudor, convidava a autora a ser sua amante fixa, a ter “um caso" com ele. 44- A autora não sabia o que. fazer: aceitar não podia; não queria envolver-se com o réu, um homem casado e, ao que se dizia, bem casado; por outro lado, estava implícito no convite que a recusa significaria para a autora a demissão do emprego. 45- Procurou a autora, em desespero, ganhar tempo. Pediu uma semana para pensar, ao que o réu, surpreendentemente, respondeu que esperaria... "_ ...porque tinha certeza que ela ia ser 'boazinha' e aceitar sua proposta". Curso de Direito Turma A – Manhã - 2012.1 Teoria e Prática da Narrativa Jurídica Prof.: Francysco Pablo Feitosa Gonçalves Disciplina: CCJ0009 Aula: 003 Assunto: Características da Narrativa Jurídica Folha: 12 de 13 Data: 10/08/2012 MD/Direito/Estácio/Período-02/CCJ0009/Aula-003/WLAJ/DP 46- Durante uma semana, o réu nada disse. Manteve-se discreto, absolutamente frio, com o cinismo impávido e arrogante do conquistador profissional. 47- Não deixou, porém, de sinalizar, indireta e ofensivamente, as vantagens que adviriam para a autora de aceitar suas propostas indecorosas; interessou-se mais por seu trabalho, sugeriu a contratação de um auxiliar para suas funções, acenou com a perspectiva de um aumento de seus vencimentos. 48- Passada a semana de prazo, voltou o réu novamente à carga de modo direto: perto do final do expediente, como sete dias antes, ofereceu à autora uma carona, que esta não teve como recusar. 49- Conversavam no trajeto; a autora, hesitante, relutante, com medo de negar, sentindo-se coagida, ameaçada de perder o emprego. O réu, gentil, polido, falsamente sedutor, mas deixando clara a opção: ou a autora se transformava em sua amante fixa ou teria que procurar rapidamente um novo emprego. 50- A autora, nervosa, entretida na conversa difícil, não observava para onde estavam se dirigindo. De repente, em uma curva, o réu saiu com o carro da estrada e entrou em um motel, pedindo imediatamente a chave da suíte presidencial. 51- Novamente o constrangimento; novamente o envolvimento, as insinuações, a criação de situações sem saída. E novamente a autora é forçada a aceder aos caprichos sexuais do réu. 52- F0rmava-se assim uma situação irreversível. autora e réu, agora, eram amantes. Não havia como voltar atrás. 53- Irremediavelmente enredada pelo patrão, era agora prostituída, obrigada a entregar seu corpo para não perder o emprego. Nada mais restava agora à autora senão manter as aparências e associar-se ao réu no negregando esforço de manter desconhecido o espúrio conúbio. 54- A rel.ação, vivida às ocultas, durou alguns meses. A autora, porém, sofria muito; não saía mais de casa. Sua condição de amante fixa de um homem casado, ainda por cima seu patrão, tornava-a uma pessoa amarga, dissimulada. 55- O único lugar que freqüentava, além do trabalho, era o motel, sempre o mesmo, uma ou duas vezes por semana pelo menos, ao final do expediente. De vez em quando, quando o réu tinha o.pretexto de alguma viagem, exigia que a autora o acompanhasse ou que, antes ou depois, passasse com ele uma noite inteira, o que a obrigava a inventar mentiras constrangedoras para sua velha mãe, com quem ainda morava. 56- Mas não paravam aí os sofrimentos. Também por um outro particular a situação era cruel: além de seus sonhos profissionais, a autora evidentemente tinha também sonhos como mulher, os sonhos de toda moça: ter uma relação afetiva normal, sólida, casar-se, gerar e criar os próprios filhos. 57- Aos poucos esses sonhos iam se frustrando. Como poderia ela, sentindo-se como se sentia, uma prostituta, entregando-se a práticas sexuais com um homem que não amava, conseguir desenvolver um outro tipo de relação, mais puro e mais saudável? 58- Um dia, porém, apesar de tudo, a autora apaixonou-se por um rapaz solteiro, um jovem médico, dois anos mais velho que ela, que conheceu na festa de casamento de sua irmã. 59- Sua paixão, para sua felicidade ou desgraça, foi correspondida e logo iniciava ela, cheia de esperanças, um namoro saudável. 60- Estava, porém, carregada de culpas. Não podia continuar nem mais um minuto levando uma vida dupla: amando com pureza o jovem médico, ao mesmo tempo em que mantinha com o patrão uma relação adúltera e pecaminosa. O rompimento com o réu, nas circunstâncias, tornou-se inevitável. 61- O réu, porém, inconformado, insistia, prometia, ameaçava, gritava; chegou mesmo, certa vez, a agredir fisicamente a autora. 62- Finalmente, deixou-a ir. Mas, no dia seguinte, como era de se esperar, a autora estava demitida. 63- Não parou aí a baixeza do réu. Vingativo, contou ao namorado da autora o caso que tivera com ela, mostrando-lhe, inclusive, fotografias suas em posições obscenas. 64- A mãe da autora, por sua vez, mal recuperada da cirurgia a que se submetera, não resistiu à sucessão de crises emocionais da filha e faleceu pouco depois. 65- A própria autora adoeceu seriamente. Não conseguia arranjar emprego; tinha vergonha. O réu, pessoa conhecida e influente na sociedade, cuja separação recente era assunto das crônicas de intrigas, provavelmente denegrira seu nome. 66- Poderia a autora alongar-se ainda, por páginas e páginas no relato de seus tormentos. Não o faz.