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Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO SÍNDROMES DEMENCIAIS E NEURODEGENERATIVAS: A demência pode ser definida como uma diminuição da capacidade cognitiva prévia de um indivíduo, afetando seu desempenho em vários domínios, como memória, atenção, socialização, capacidade motora e linguagem. O principal fator de risco para o desenvolvimento de quadros demenciais é a idade avançada. A maior causa dessas manifestações são doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer, porém quadros não- demenciais também podem estar associados, como traumas, intoxicações e infecções. Classificação de quadros demenciais Degenerativa x Não Degenerativa Mecanismo de início (precoce ou tardio) Forma de evolução (rápida ou insidiosa) Reversibilidade (ou não) do quadro Possíveis classificadores para a demência Quanto a fisiopatologia, dois processos estão intimamente relacionados ao declínio neurológico, representados pela perda neuronal e por disfunções em circuitos de neurotransmissores. A avaliação do paciente deve contar com a realização do mini exame do estado mental, que atua como método de triagem para quadros de deterioração cognitiva, investigando os seguintes aspectos: Orientação; Memória imediata; Atenção/cálculo; Evocação; Linguagem. É necessário mudar o ponto de corte do exame conforme o grau de escolaridade do paciente, visto que ele emprega diversas habilidades conceituais (soletração e cálculo). A bateria breve também pode ser aplicada, analisando a memória incidental, imediata (não pontuam), a capacidade de aprendizado e a evocação de informações. São usadas figuras com objetos comuns, contornando os problemas decorrentes da diferença de escolaridade. Frente a alterações nos dois instrumentos supracitados, pode ser aplicada a escala de Pfeffer, que identifica a capacidade e autonomia funcional do indivíduo em atividades diárias (ex.: ficar sozinho em casa, tomar remédios por conta própria). Os critérios diagnósticos para a demência elencados pelo DSM-V são: A. Evidência de declínio cognitivo significativo a partir de um nível prévio de desempenho em ao menos um domínio (citados anteriormente), baseada em: Queixas do próprio indivíduo ou informações coletadas pelo informante do paciente; Desempenho insatisfatório em testes neuropsicológicos (ex.: mini exame do estado mental). B. Interferência sobre a execução de tarefas diárias, necessitando de assistência em diferentes níveis; C. Alterações não limitadas a episódios de delirium; D. Comprometimentos não melhor explicados por outro transtorno mental. Para excluir diagnósticos diferenciais, alguns exames complementares devem ser realizados, a saber: Hemograma; Glicemia de jejum; Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO Ureia e creatinina; Eletrólitos; Albumina sérica; Aminotransferases e gama-GT; TSH e T4 livre; Dosagem sérica de B12; Sorologias para HIV e sífilis; Tomografia ou ressonância de crânio. Em alguns casos, podem ser indicadas a punção lombar, eletroencefalograma, detecção de metais pesados na urina ou arteriografia. DOENÇA DE ALZHEIMER: A doença de Alzheimer é a causa mais frequente de demência na população idosa, com incidência anual de 7 a 14 casos a cada mil habitantes, aumentando conforme a idade. Para além do envelhecimento, outros são o histórico familiar, mutações, hipertensão, diabetes, obesidade, tabagismo e hipercolesterolemia. Alguns fatores de proteção, no entanto, são a alta escolaridade, fatores alimentares, atividade física e a atividade intelectual produtiva (“exercício” neurológico). A fisiopatologia do Alzheimer pode ser resultante da perda neuronal por placas beta-amiloides insolúveis (cascata amiloide) e da formação de emaranhados insolúveis de proteína Tau, que degradam neurônios por apoptose intracelular. Os aglomerados beta-amiloides irão inibir a deflagração da potenciação de longa duração, cujos sinais são mantenedores do funcionamento neuronal e da consolidação de memórias. Formação dos emaranhados de Tau a partir da desestruturação dos microtúbulos Essas alterações ocorrem principalmente no hipocampo, região necessária a consolidação de memórias, e em núcleos colinérgicos (núcleo basal de Meynert). Comparação anatomopatológica entre o cérebro saudável e aquele afetado por Alzheimer O quadro clínico apresenta início insidioso, com déficits de memória As alterações genéticas mais associadas ao Alzheimer são nos genes da pré- senilina 1 e 2, gene da apolipoproteínas E2 e E4 e nos genes da proteína beta- amiloide (presente no cromossomo 21) Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO episódica, diminuição da fluência verbal e desorientação espacial. Há também anosognosia, redução ou ausência de percepção individual sobre o quadro. Sintomas comportamentais, como agressividade, e do humor, como apatia, são frequentemente observados. O diagnóstico do Alzheimer é clínico, se valendo de critérios postulados pelo DSM-V como forma de descartar outras etiologias. Além de atender aos indicadores de demência, devem estar presentes: A. Início insidioso, entre meses e anos; B. Histórico claro de disfunção cognitiva informado pelo acompanhante; C. Evidência de déficit cognitivo amnésico (mais comum, com perdas no aprendizado e evocação recente) ou não amnésico (alterações na linguagem e em funções visuo-espaciais); D. Ausência de doenças cardiovasculares substanciais ou de outras demências primárias. Os exames complementares solicitados são os mesmos aplicáveis à demência geral, porém, na análise de imagens, observa-se atrofia mesial temporal. Atrofia temporal, evidenciada por perda de massa encefálica Biomarcadores e a presença de alterações liquóricas (excesso de proteína Tau e depleção de beta-amiloide) também complementam o diagnóstico. Atividade da proteína Tau e das proteínas amiloides entre indivíduos saudáveis e portadores de Alzheimer Análises tomográficas da atividade energética cerebral também podem observar a presença de hipometabolismo ou hipoperfusão tempoparietal. TRATAMENTO DA DOENÇA DE ALZHEIMER: O tratamento, não curativo, deve ser multidisciplinar, tendo como objetivo o manejo dos sintomas e a preservação da capacidade funcional do indivíduo. Em casos leves, são indicados os anticolinesterásicos, fármacos capazes de elevar os níveis de Ach na fenda sináptica, podendo desacelerar a progressão da doença. Seus representantes são o donepezil (menor risco de hepatotoxidade e maior comodidade posológica), a rivastigimina. A galantamina e a tacrina. Nas apresentações mais graves, por sua vez, emprega-se a memantina, um antagonista dos receptores de glutamato frequentemente associado a um dos medicamentos acima. Acometimentos das funções motoras somente são vistos nas fases finais da doença (dificuldade de deambular), acompanhados por déficit cognitivo grave Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO Posologia dos principais medicamentos usados no tratamento da doença de Alzheimer DEMÊNCIA FRONTOTEMPORAL: A demência frontotemporal é a segunda causa mais frequente de demência degenerativa de início precoce, podendo afetar todas as idades. Sua incidência é de cerca de 4 casos a casa 100 mil habitantes. Os sintomas são caracterizados por mudanças de comportamento e personalidade de início insidioso, com presença de ações sociais inadequadas, menor tolerância à frustração, atos motores repetitivos e perda de insight. Ainda que ocorram prejuízos nas funções executivas, a memória encontra-se preservada. São sintomas frequentes: Desinibição(atos impulsivos ou perda do decoro); Apatia; Diminuição da empatia (indiferença); Comportamentos compulsivos ou estereotipados; Hiperoralidade. O diagnóstico é clínico, confirmado pela presença de 3 ou mais dos sintomas supracitados, podendo também ser evidenciado por atrofia dos lobos frontais e temporais anteriores visível em exames de imagem. O tratamento dessa forma de demência também não é curativo, mas sim de manejo sintomático, se valendo de inibidores seletivos de recaptação de serotonina ou de serotonina e noradrenalina, além de medidas não farmacológicas. DOENÇA DE PARKINSON: A Doença de Parkinson (DP) corresponde a um distúrbio neurodegenerativo crônico e progressivo que acomete o SNC. Suas origens remontam à perda de neurônios dopaminérgicos, cruciais para a realização de movimentos voluntários. A ausência dessas estruturas, em especial na substância nigra, compromete o controle motor do indivíduo ao hiperativar neurônios colinérgicos do corpo estriado, desencadeando o quadro clínico típico dessa doença. Quanto a epidemiologia, observa-se predomínio dentre homens, com pico aos 80 anos, o que torna a doença de Parkinson um problema de saúde pública no contexto do envelhecimento populacional. Outros aspectos associados são a exposição a pesticidas, traumas cranioencefálicos prévios e uso de betabloqueadores. A genética também promove contribuições importantes, havendo maior risco de desenvolver DP em indivíduos com histórico familiar do quadro. Diversos estudos identificaram múltiplos genes e Antioxidantes, como vitamina E e seleginina (que também age como inibidor da monoamina oxidase) podem ser usados para aumento da sobrevida e na evitação do risco de institucionalização A patogênese da DP também está associada ao acúmulo de corpos de Lewy, afetando o SNC em sentido caudal- rostral, com início gradual dos sintomas Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO proteínas que agem como potencializadores para a doença. As manifestações clínicas típicas são representadas pelo conjunto tremor de repouso, bradicinesia, rigidez (roda denteada) e instabilidade postural. A marcha parkinsoniana, outro achado relevante, é marcada por passos curtos sem movimento dos braços e com projeção do tronco para a frente. Progressão clínico-temporal na doença de Parkinson DIAGNÓSTICO: A confirmação diagnóstica da DP é obtida a partir de sinais clínicos e do descarte de outros quadros que promovam parksonismo, como demência vascular, paralisia supranuclear progressiva, doença de Wilson e o uso de certos medicamentos (haloperidol, metoclopramida). O tremor essencial pode ser distinguido da DP a partir de seu impacto funcional, direcionado principalmente a motricidade fina. Atualmente não há biomarcadores laboratoriais específicos para essa doença, porém a PET-scan, uma forma de tomografia, pode detectar depleção dopaminérgica no cérebro, ainda que esse não seja um método muito acessível no diagnóstico geral. Biomarcadores em estudo para uso na investigação da DP como forma de excluir outras causas TRATAMENTO: O principal representante do manejo da doença de Parkinson é a Levodopa, que age como precursor da dopamina no SNC. A dose prescrita deve aumentar gradualmente, pois a passagem pela barreira hematoencefálica é diminuída. A administração desse medicamento deve ser feita ao menos uma hora antes das refeições, pois tem seu efeito diminuído por alimentos ácidos ou ricos em vitamina B6. Como efeitos adversos desse medicamento, destacam-se: Hipotensão; Náuseas e anorexia; Confusão, desorientação, insônia ou pesadelos; Discinesia (2 anos após o início do uso); Efeito on-off (oscilação sintomática entre energia e apatia, tal como um interruptor); Deterioração de fim de dose (encurtamento do período de ação da Levodopa, aumentando a intensidade dos sintomas). Um achado semiológico importante é o sinal de Myerson, no qual o paciente não consegue deixar de piscar após ser estimulado por toques repetidos na glabela A Levodopa isolada apresenta meia-vida curta, sendo necessárias múltiplas administrações diárias Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO De forma a potencializar a absorção e aumentar a comodidade terapêutica dessa droga, a Levodopa pode ser associada a Carbidopa (mais comum) ou à benzerazida. Tal combinação ainda acaba por diminuir os efeitos adversos citados anteriormente, devendo ser evitada em gestantes/lactantes, e pacientes com doenças renais, hepáticas ou cardiorrespiratórias. Alteração expressiva na curva de absorção e disponibilidade da Levodopa isolada ou em associação A selegilina, um inibidor seletivo de MAO- B (desvia-se dos efeitos indesejados associados a essa classe), também pode ser usada junto à Levodopa, promovendo a inibição da degradação dopaminérgica. São manifestações secundárias decorrentes do uso a sudorese, a insônia e cefaleia. O uso de anticolinérgicos diretos (biperideno ou difenildramina), responsáveis por bloquear receptores muscarínicos, deve ser reservado a pacientes jovens com predominância de tremores. Sua administração em indivíduos com > 65 anos está associada a confusão mental, borramento visual e alterações vesico-intestinais. A Amantadina também é um fármaco de emprego seletivo, principalmente como adjuvante ou nas fases iniciais da doença, onde atua com moderado impacto sobre a liberação e a recaptação de dopamina. Dentre os efeitos adversos, destacam-se o edema maleolar, alucinações, insônia, tontura e confusão. Comparação da eficácia de fármacos usados no tratamento da DP sobre vários de seus sintomas Os inibidores da COMT (Entalcapona e Tolcapona) são compostos que ampliam a concentração de Levodopa que atinge o SNC, devendo ser administrados em sua combinação com a Carbidopa A Tolcapona pode causar hepatotoxicidade fatal
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