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FICHAMENTO DO TEXTO: BATALHA, CLAUDIO. A formação da classe operária e projetos de identidade coletiva. IN: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília. O Brasil Republicano. O Tempo do Liberalismo Excludente (vol 1). RJ: Civilização Brasileira, 2003. Neste texto o autor realiza um debate sobre a da formação da classe operária fazendo um amplo apanhado a respeito de sua natureza, dificuldades, sua manifestação no período da Primeira República e sua luta por direitos. QUESTÃO 1: A formação da classe operária: um fenômeno econômico? Uma das críticas levantadas a respeito dos estudos da formação da classe operária é que muitas das analise “tomavam a classe como um efeito quase mecânico da estrutura produtiva” (p. 163). Uma das perspectivas mencionadas por Batalha em seu texto é a análise de Caio Prado Jr, que associa a origem da classe operária ao surto industrial da década de 1880. Num outro aspecto o autor apresenta outro tipo de abordagem que associa o crescimento do trabalho assalariado sem a concorrência com o trabalho escravo. Pautando que a escravidão dificultaria a formação do proletariado enquanto classe (idem). As duas análises desconsideravam o modo como as mulheres e homens inseridos no trabalho fabril viam a si próprios e reconheciam as relações que estavam submetidos e que configuravam a sua existência enquanto classe (p.164). Desta forma Claudio Batalha defende que “a formação da classe é, portanto, um processo mais ou menos demorado, cujos resultados podem ser verificados na medida em que concepções, ações e instituições coletivas de classe, tornam-se realidade” (p.163). QUESTÃO 2: A composição da classe operária e a o fenômeno da imigração. Começando o debate a respeito dessa questão, Batalha expõe uma imagem muito associada à classe operária na Primeira República, de que esta foi “branca, fabril e masculina” (p.164). Contrário a esta concepção o autor defende que um olhar que caracterize a classe operária enquanto branca e composta em sua maioria por imigrantes europeus desconsidera o peso do operariado nacional com significativa participação de negros e mulatos. Em outro as aspecto, considerando a análise da classe operária em seu caráter fabril, Batalha aponta que muitas das documentações de levantamentos públicos e privados tenderam a desconsiderar as manufaturas e oficinas que empregava em sua maioria trabalhadores manuais e possuía um pequeno número de operários. Debruçando-se num levantamento realizado em 1907 pelo Centro Industrial do Brasil no Rio de Janeiro que apontava para o predomínio de médias empresas - as empresas que possuíam entre seis e quarenta operários –, onde as pequenas e médias empresas correspondiam a 72% do total (p.165). Nesse caso, o trabalho na indústria moderna que reunia um grande número de operários, como foi o caso das empresas têxteis, representava uma experiência menor dentro do quadro produtivo, ainda que numericamente empregasse um grande número de trabalhadores. Por fim, as análises que priorizam a dimensão masculina da classe operária obliteram a mão de obra feminina em ramos como têxtil e vestuário, aonde chegam a ser majoritária em alguns lugares. Por outro lado, Batalha ressalta a questão da falta de representatividade feminina nas organizações operárias, mesmo em setores em que as mesmas possuíam presença significativa e até majoritária. o Imigração e organização operária Analisando o fenômeno da imigração e suas consequências na organização operária, Batalha começa apresentando a interpretação de que a grande presença do imigrante na região Sul e sudeste possuía uma relação direta com a militância operária e a difusão de ideologias. Contrário a essa perspectiva e expondo o avanço das análises acerca do tema, Claudio Henrique Batalha salienta que grande parte desses estudos mostram que a grande maioria dos imigrantes provinha do campo e na maioria das vezes, não tinham qualquer experiência de engajamento sindical. Sem desconsiderar que existissem imigrantes com experiência política prévia em seus países de origem e cuja emigração se devia não a razões econômicas, mas sim políticas como é o caso dos imigrantes operários de São Paulo, esse fenômeno não se caracterizou hegemonicamente. Num outro aspecto, o autor demonstra que a composição étnica na maioria das vezes se apresentava como um elemento de dissenso entre os trabalhadores que acabava por dificultar a organização operária. As divergências por diversas vezes acabavam por gerar conflitos, tanto por parte de imigrantes com brasileiros quanto entre diferentes grupos étnicos de imigrantes (p. 167). Seguindo esta concepção, Batalha cita a avaliação feita por Alceste de Ambris, um militante operário italiano e socialista: “ [...] não se deve esquecer que a classe trabalhadora no Brasil é constituída de elementos díspares e variados em raça, língua, temperamento, cultura e hábitos, o que torna mais difícil entendimento e a organização ” (p.167). “Outra dimensão da ‘cultura do imigrante’ ressaltado pelo autor que reforça sua resistência à ação de classe se trata da perspectiva de ‘fazer a América’, ou seja, de enriquecer e voltar a país de origem.” A despeito do índice relativamente alto de retorno em São Paulo, os dados a respeito da possibilidade de enriquecimento feito não podem ser verificados. De igual maneira, se de fato havia essa perspectiva, ao chegar à América com o passar do tempo e diante das dificuldades aqui encontradas, dificilmente esse tipo de concepção tenha permanecido, como demonstra Batalha com base na análise de Sheldon Maram ao observar a participação dos operários estrangeiros nas greves de 1917-20. (pg.167) Claudio Henrique caracteriza que análises mais contemporâneas tendem a não subestimar os elementos étnicos enquanto entraves para a organização operária. Por outro lado, se muitas vezes as diferenças étnicas, religiosas, regionais e linguísticas produziam divergências, esses elementos não foram capazes de impedir a organização. Por fim, o autor defende que “a conclusão a ser tirada da produção que relaciona a imigração com a formação da classe operária no Brasil é o abandono por completo das análises fundadas em determinações estruturais, que podiam conduzir tanto a ver necessariamente em todo imigrante um anarquista ou, ao contrário, percebê-lo como exclusivamente movidos pelo interesse individual de enriquecimento, o que tornaria implausível sua participação em movimentos coletivos. Se existiam dificuldades objetivas para a organização coletiva dos imigrantes e das classes trabalhadoras de modo geral, não faltaram exemplos, ao longo da história da Primeira República, de momentos em que essas dificuldades foram suplantadas” (p.170). QUESTÃO 3: A classe como manifestação histórica. A princípio a classe operária que esteve mais amplamente organizada, em muitos casos desde o século XIX, foram os trabalhadores qualificados detentores de algum ofício (tipógrafos, alfaiates, sapateiros, etc.). Segundo Batalha, esses trabalhadores geralmente não eram mais artesãos e estavam submetidos a algum patrão, mas detinham algum saber de ofício que lhes conferia certo poder de barganha por melhores condições de trabalho e salários. Esse tipo de característica como bem lembrado pelo autor não eram exclusividade do caso brasileiro, pois nos países europeus industrializados a base do movimento operário inicialmente era constituída por trabalhadores qualificados. Sob liderança desse setor, o discurso e as formas de organização do movimento operário foi moldado por suas perspectivas políticas e sociais. “Até 1917, em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, os trabalhadores fabris tiveram pouco peso na condução do movimento operário, a despeito de ser o setor que mais crescia e cujas empresas reuniam o maior número deoperários. O próprio predomínio, até a segunda metade da década de 1910, de organizações sindicais fundadas sobre o ofício em detrimento das organizações baseadas no ramo de atividade ou no setor industrial dificultava uma maior participação de operários fabris nos movimentos coletivos” (p.. 171). Esse tipo de configuração inclusive responde muito bem ao quadro produtivo apresentado por Batalha e mencionado anteriormente que dificulta chamar a classe operária nesse período inicial de eminentemente fabril. Uma questão muito importante levantada criticamente por Claudio Henrique a esse respeito, sinaliza acerca de concepções ideológicas amplamente difundidas na historiografia. Esta visão caracteriza uma relação direta da afinidade com o anarquismo por parte de trabalhadores qualificados e que esse tipo de ação seria característico de trabalhadores ainda não inseridos plenamente no trabalho industrial e que pressupões que trabalhadores industrializados deveriam seguir o socialismo marxista. Este conceito, portanto, visa desqualificar o anarquismo e valorizar o marxismo. Na realidade, as duas concepções ideológicas eram perpetuadas no movimento operário e o que levou o anarquismo a suplantar o socialismo na preferência de muitos militantes operários se deve às “condições políticas do Brasil da Primeira República” (p.172). “A organização dos trabalhadores, fossem eles qualificados ou não, é um traço marcantes do Brasil da Primeira República” (idem). Nesse momento o autor discorre acerca da grande capacidade de organização dos trabalhadores, principalmente em momentos de grande prosperidade econômica em que promoviam um grande poder de barganha aos operários e movimentos grevistas. “Os movimentos de mobilização em várias cidades brasileiras, com as greves de 1902-1903, 1906-1907, 1917-1919 ou o movimento contra a carestia de vida de 1913, apontavam para outra questão: a de que esses momentos ímpares da ação coletiva envolviam muito mais gente do que o número restrito de trabalhadores – sobretudo qualificados – pertencentes às sociedades operárias. São nesses processos que a classe como uma realidade histórica aparece, na medida em que os interesses coletivos se sobrepõem aos interesses individuais e corporativos. É então que podemos falar de formação da classe operária, não como um exemplo mecânico da existência da indústria ou da abolição da escravidão, mas como um processo conflituoso, marcado por avanços e recuos, pelo fazer-se e pelo desfazer-se da classe, que surge na organização, na ação coletiva, em toda a manifestação que afirma seu caráter de classe” (idem). Esta é a questão central levantada por Batalha acerca da ação histórica do movimento operário e se apresenta também como eixo central da argumentação de seu texto, na medida em que nesse momento ele identifica que a formação da classe operária é um processo de longo prazo que surge da organização e ação coletiva dos próprios trabalhadores e não como um fator econômico. QUESTÃO 4: a expectativa da República e a resposta do movimento operário a um projeto republicano que não os representava. Inicialmente, havia uma grande esperança nos meios organizados do movimento operário acerca do advento da República, tida por eles como uma nova era de direitos políticos e sociais para aquela classe. Essa expectativa foi amplamente difundida pela imprensa operária. No entanto, nos anos seguintes os mesmos jornais começavam a retratar uma grande desilusão a respeito dela à medida que a República se mostrou incapaz de corresponder aos anseios da classe operária. Batalha salienta que muitos dos futuros socialistas e anarquistas chegaram a essa concepção na medida em que “viram a República fechar as portas a toda esperança de transformação efetiva” (p.174). A desilusão com a República levou a três respostas por parte do movimento operário. A primeira foi a busca de obtenção de direitos sociais sem o questionamento dos direitos políticos. Esse tipo de ação era sustentado principalmente pelo positivismo e uma série de manifestações do sindicalismo reformista. Batalha apresenta o caso do Círculo dos Operários da União como exemplo desta concepção, sob o signo do positivismo que conclamava: “Pugnar dentro da mais absoluta ordem e do respeito à lei, perante os poderes constituídos no país, pelos direitos e interesses legítimos da classe, outorgados pela libérrima Constituição” (idem). A segunda resposta propunha a conquista de direitos sociais aliado a direitos políticos, visando à mudança do sistema pela participação no processo político-eleitoral, esta posição era defendida por socialistas e setores mais politizado do sindicalismo reformista. Nesse caso o autor exemplifica a posição do Partido Operário Brasileiro, que em seu programa em 1893 argumentava que “a emancipação econômica da classe trabalhadora é inseparável da sua emancipação política.” O partido defendia em seu programa eleição direta par todos os cargos eletivos pelo sufrágio universal, dentre outras demandas. Por último, a posição contrária à política institucional, acreditando na ação direta como forma de pressão mais eficaz para a obtenção de conquistas, defendidas por anarquistas e sindicalistas revolucionários. No Congresso Operário Brasileiro, de 1906 definiu como forma de orientação do movimento operário esta concepção, posição aprovada também no congresso de 1913 e 1920. Aqui cabe a análise da conjuntura nacional, diante do quadro eleitoral altamente excludente e fraudulento, este tipo de ação se torna a mais cabível. QUESTÃO 5: A luta por direitos sociais e a cidadania operária. Por vezes e diante da exclusão social e política que não terminou com o advento da República, parte substancial dos setores organizados da classe operária priorizou a luta por direitos sociais. As razões para isso variam de acordo com cada corrente do movimento operário. A primeira citada por Batalha não era de ampla aceitação do movimento operário por sua ação limitada. Se tratava da concepção positivista que compartilhava do ideal de República e acreditava que de fato o sistema vigente pudesse representa-los e mudar sua condição material. Como mencionado anteriormente essa vertente era representada no meio operário especialmente pelo Círculo dos Operários da União – Culto do Trabalho, segundo Batalha: “Os integrantes do Círculo eram movidos pela crença de que os parlamentares e o governo não podiam deixar de tomar uma atitude diante da justeza das reivindicações apresentadas. Prevalece, portanto, nessa organização uma perspectiva que descarta a luta política e o conflito. Nesse sentido, o Círculo representava um tipo peculiar de organização dos trabalhadores, agindo muito mais como grupo de pressão moral do que como sindicato” (p.177). Sem desqualificar este projeto e descartando a análise de “estadania”, Batalha defende que “o que o Círculo faz é conferir ao Estado o papel de avalista dos direitos que ele, Círculo, julga existir” (p. 178). Partindo de uma concepção completamente diversa e mais amplamente perpetuada por setores operários, em certa medida diante da realidade política da Primeira República, se apresenta o sindicalismo revolucionário. Segundo o autor, essa corrente, por vezes é chamada de “anarco-sindicalismo”, não era uma ramificação do anarquismo, mas uma corrente própria que aliava elementos tanto do socialismo como do anarquismo. A confusão com o anarquismo, muitas vezes, deriva do fato de que vários dirigentes do movimento operário eram anarquistas. “Essa corrente que dominou três congressos operários realizados na Primeira República, recusava a luta política não por conformismo com a ordem vigente, mas por não ver nas práticas eleitorais e parlamentares a possibilidade de transformar a sociedade. É através da lutaeconômico- sindical em torno das condições e da remuneração do trabalho, e adotando por método a ação direta particularmente expressa em movimentos grevistas, que o sindicalismo revolucionário pretendia alcançar a emancipação dos trabalhadores.” o Cidadania Operária O autor sinaliza que o termo cidadania já apresentou inúmeras conotações e se apresenta no jogo das narrativas políticas, desta forma ele caracteriza que a utilização do mesmo deve vir acompanhada de uma explicação sobre seu significado dentro de cada contexto. Atento a discussão de narrativas que ronda as concepções de cidadania, Batalha aponta que em inúmeros programas políticos de correntes do movimento operário, especialmente o socialista, pautava além de direitos sociais também direitos políticos, como por exemplo, a extensão do direito de voto. Em segundo lugar, mas atentando a concepção da cultura e inclusão social dentro do debate de cidadania, Batalha defende que a resposta encontrada pela classe trabalhadora durante a Primeira República a um sistema que o excluía político e socialmente está no mundo associativo. “O associativismo nesse período das classes trabalhadoras em geral, e da classe operária em particular, se expressa através de uma rede extremamente diversificada e rica de associações. Sociedades recreativas, carnavalescas, dançantes, esportivas, conviviam lado a lado com sociedade mutualistas, culturais e educativas e, também, com sociedades profissionais, classistas e políticas” (p. 180). Em que medida as sociedades compostas por trabalhadores expressa identidade de classe, seja qual o seu teor, cultural ou político é objeto de muita discussão. Dentro desta discussão, Batalha contrapõe a posição dele com a de outro historiador que analisa o futebol e sua expressão enquanto identidade da classe trabalhadora. “Há aqueles que associam a identidade operária a formas de ação coletivas e associações que reivindiquem seu caráter de classe (Batalha, 1991- 1992), ao passo que outros veem em toda sociedade composta por trabalhadores, inclusive clubes de futebol, uma forma de identidade classista. (PEREIRA, 2000, p.255-280)” (p. 180). Dentro dessa perspectiva, se o mundo associativo possibilitaria uma forma de ação política própria e em grande medida, não só política, mas cultural e social, Batalha salienta que a vontade dessas associações de participar da política formal era relativamente limitada e coube aos partidos operários desempenhar esse papel. Desde fins do século XIX, esses partidos operários possuíam em seu programa a ampliação dos direitos políticos, em particular propondo reformas no sistema eleitoral. Apesar da existência desses partidos a realidade político-eleitoral da primeira república com eleições comandadas pelo partido situacionista, composto em sua maioria pelas oligarquias, além de não haver voto secreto, propiciava fraudes. Desta forma, a eleição de candidatos operários na Primeira República foi extremamente rara, sendo assim, o programa desses partidos e a ação política dos mesmos se apresentavam mais como um efeito propagandístico do que uma possibilidade real de mudança do sistema político. Uma questão levantada pelo autor e que merece análise dentro da conjuntura atual se trata da contemporaneidade de muitas das reivindicações presentes no programa políticos desses partidos. Como é o caso da revogabilidade dos representantes eleitos no caso de não cumprirem o mandato popular e do referendum popular presente no programa do PSB. De modo que ele levanta o questionamento: “Se sob o olhar de hoje o diagnóstico da situação e as propostas contidas no Manifesto do PSB parecem justas, a pergunta inevitável é: por que não houve um partido socialista operário de peso no Brasil?” (p.183). Para responder a essa questão Batalha apresenta alguns fatores que entravavam o surgimento e um partido operário consolidado e nacional. Primeiro, se trata da questão do sistema eleitoral altamente corruptível como já mencionado, e da consequente ausência de uma reforma política na Primeira República que ampliasse a participação operária nacional e imigrante. Em segundo lugar, se trata da maneira altamente repressiva em que as classes dominantes e as governantes lidavam com as classes subalternas. E, por último, decorre do caráter geograficamente desconcentrado do movimento operário, com vários polos distribuídos nas principais cidades brasileiras e em algumas poucas cidades no interior de alguns estados levando também a existência de partidos operários estritamente locais. (A única exceção nessa conjuntura era o Partido Comunista) Por fim, Batalha conclui: “Portanto, o projeto de cidadania operária, que marca os muitos programas dos partidos operários da Primeira República, esbarrou na falta de organizações adequadas – partidos consolidados – para levá-lo adiante. (...) A história da classe operária no Brasil, percorreu um longo caminho até a eleição de um dos seus membros à Presidência da República em 2002. Essa eleição por si não garante que uma concepção operária da cidadania passe a vigorar, mas nos deixa sem dúvida mais próximos daquilo que almejava o Manifesto de 1902” (p.186).
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