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O termo "choque" é usado para denotar várias condições, inclusive a resposta à passagem de corrente elétrica pelo corpo; o estado que se segue imediatamente após a secção da medula espinal; e a reação atordoada a más notícias. No contexto presente, ele se refere a uma anormalidade do sistema circulatório na qual há uma perfusão tecidual inadequada em virtude de um débito cardíaco relativo ou absolutamente inadequado. As causas são divididas em quatro grupos: volume de sangue inadequado para encher o sistema vascular (choque hipovolêmico ); aumento do tamanho do sistema vascular produzido por vasodilatação na presença de uma volemia normal (choque distributivo, vasogênico, ou de baixa resistência); débito cardíaco inadequado resultante de anormalidades miocárdicas (choque cardiogênico ); e débito cardíaco inadequado como um resultado de obstrução do fluxo sanguíneo nos pulmões ou no coração (choque obstrutivo). O choque hipovolêmico é caracterizado por hipotensão; pulso rápido e ftliforme; pele fria, pálida, pegajosa; sede intensa; respiração rápida; e inquietação ou, alternativamente, torpor. O volume urinário está acentuadamente diminuído. Contudo, nenhum desses achados está presente de maneira invariável. Em geral, o choque hipovolêmico é subdividido em categorias com base na causa. O uso de termos como choque hemorrágico, choque traumático, choque cirúrgico e choque por queimadura é benéfico, porque embora haja semelhanças entre essas várias formas de choque, há aspectos importantes que são peculiares a cada uma. No choque hipovolêmico e outras formas de choque, a perfusão inadequada dos tecidos leva a uma glicólise anaeróbia aumentada, com produção de grandes quantidades de ácido láctico. Em casos graves, o nível sanguíneo de lactato sobe de um valor normal de cerca de 1 mmol/L para 9 mmol/L ou mais. A acidose láctica resultante deprime o miocárdio, diminui a responsividade vascular periférica às catecolaminas e pode ser grave o bastante para causar coma. Múltiplas reações compensatórias intervêm para defender o volume de líquido extracelular. O grande número de reações que têm evoluído indica a importância de manter a volemia para a sobrevida. Uma diminuição da pressão de pulso ou da pressão arte rial média diminui o número de impulsos ascendentes para o encéfalo a partir dos barorreceptores arteriais, resultando em descarga vasomotora aumentada. A vasoconstrição resultante é generalizada, poupando apenas os vasos do encéfalo e coração. Os vasos coronarianos estão dilatados devido ao metabolismo miocárdico aumentado secundário a um aumento da frequência cardíaca. A vasoconstrição na pele é responsável pela frieza e palidez, e a vasoconstrição nos rins leva ao dano renal. A resposta cardíaca imediata à hipovolemia é taquicardia. Com a perda de volume mais extensa, taquicardia pode ser substituída por bradicardia, ao passo que com hipovolemia muito grave, a taquicardia reaparece. A bradicardia pode ser de vida ao desmascaramento de um reflexo depressor de mediação vagal, talvez relacionado com a limitação da perda de sangue. A vasoconstrição no rim reduz a filtração glomerular. Isso diminui a perda de água, mas atinge um ponto em que produtos nitrogenados do metabolismo se acumulam no sangue (azotemia pré-renal). Se a hipotensão for prolongada, pode haver dano tubular renal grave, levando à lesão renal aguda. A queda na pressão arterial e a capacidade diminuída de transporte de 0 2 pelo sangue, causada pela perda de hemácias, resultam em estimulação dos quimiorreceptores carotídeos e aórticos. Isso não só estimula a respiração, como aumenta a descarga vasoconstritora. Na hipovolemia grave, a pressão é tão baixa que não há mais descarga alguma dos barorreceptores carotídeos e aórticos. Isso ocorre quando a pressão sanguínea média está em torno de 70 mmHg. Nessas circunstâncias, se a descarga aferente dos quimiorreceptores por meio dos nervos do seio carotídeo e vago for interrompida, há uma queda adicional paradoxal da pressão arterial, em vez de uma elevação. A hipovolemia causa um aumento acentuado dos níveis circulantes dos hormônios pressores angiotensina II, adrenalina, noradrenalina e vasopressina. A secreção de ACTH também é aumentada, e angiotensina II e ACTH causam um aumento agudo da secreção de aldosterona. A retenção resul tante de Na+ e água ajuda a reexpandir a volemia Choque hemorrágico provavelmente é a forma de choque mais cuidadosamente estudada, porque ele é produzido facilmente em animais experimentais. Com hemorragia moderada (5 a 15 mL/kg de peso corporal), a pressão de pulso é reduzida, mas a pressão arterial média pode permanecer normal. Com hemorragia mais grave, a pressão arterial sempre cai. Depois de hemorragia, a proteína plasmática perdida no sangue derramado é reposta gradualmente por síntese hepática, e a concentração de proteínas plasmáticas retorna ao normal em 3 a 4 dias. O aumento da eritropoietina circulante aumenta também a formação de hemácias, mas leva de 4 a 8 semanas para restabelecer ao normal as contagens de hemácias. Choque traumático se desenvolve quando há dano grave de músculos e ossos. Este é o tipo de choque observado em baixas de batalhas e vítimas de acidentes de automóvel. Sangramento para dentro das áreas lesionadas é a causa principal desse tipo de choque. A quantidade de sangue que pode ser perdida para dentro de um local de lesão que parece relativa mente pequeno é considerável; por exemplo, os músculos da coxa podem acomodar 1 L de sangue extravasado, com um aumento de diâmetro da coxa de apenas 1 cm. A desintegração de músculo esquelético é um problema adicional grave quando o choque é acompanhado de esmagamento extenso de músculos (síndrome de esmagamento). Quando a pressão sobre tecidos é aliviada e eles são novamente perfundidos com sangue, são gerados radicais livres que causam destruição adicional de tecidos (lesão induzida por reperfusão). O Ca2 + aumentado em células danificadas pode atingir níveis tóxicos. Grandes quantidades de K+ entram na circulação. Mioglobina e outros produtos do tecido reperfundido podem se acumular nos rins, nos quais a filtração glomerular já está reduzida por hipotensão, e os túbulos podem ficar entupidos, causando anúria. O choque cirúrgico é devido a combinações, em várias proporções, de hemorragia externa, sangramento para dentro de tecidos lesionados e desidratação. No choque por queimadura, há uma perda de plasma a partir de superfícies queimadas, e o hematócrito sobe em vez de cair, produzindo hemoconcentração grave. Além disso, há alterações metabólicas complexas. Por estas razões, além dos problemas de infecção fácil e lesão renal, a taxa de mortalidade é quase 100% quando queimaduras de terceiro grau cobrem mais de 75% do corpo. No choque distributivo, a maioria dos sintomas e sinais descritos previamente está presente. Entretanto, a vasodilatação torna a pele quente em vez de fria e pegajosa. O choque anafilático é um bom exemplo de choque distributivo. Nessa condição, uma reação alérgica acelerada causa liberação de grandes quantidades de histamina, produzindo vasodilatação acentuada. A pressão arterial cai porque o tamanho do sistema vascular excede a quantidade de sangue nele, embora a volemia esteja normal. Um segundo tipo de choque distributivo é o choque neuro gênico, no qual uma perda súbita de atividade autonómica simpática (como é observado em lesões traumáticas da cabeça e medula espinal) resulta em vasodilatação e acúmulo de sangue nas veias. A diminuição resultante do retorno venoso reduz o débito cardíaco e, frequentemente, provoca desmaio, ou síncope, uma perda súbita transitória da consciência. Mais benigna e muito mais comum é a síncope postural, que ocorre ao se levantar de uma posição sentada ou de decúbito. Isso é comum em pacientes em uso de fármacos que bloqueiam a descarga simpática ou seus efeitossobre os vasos sanguíneos. A queda para a posição horizontal restaura o fluxo sanguíneo para o encéfalo, e a consciência é recuperada A pressão sobre o seio carotídeo produzida, por exemplo, por um colarinho apertado, pode causar bradicardia e hipotensão suficientes para provocar desmaio (síncope do seio carotídeo). O desmaio causado por uma variedade de atividades tem recebido nomes apropriados, como síncope de micção, síncope de tosse, síncope de deglutição e síncope de esforço. A síncope resultante de choque neurogênico geralmente é benigna. Entretanto, ela deve ser distinguida da síncope resultante de outras causas e, por isso, merece investigação. Outra forma de choque distributivo é o choque séptico. Esta condição é discutida em detalhes no Capítulo 4. É atual mente a causa mais comum de morte em UTis nos Estados Unidos. Trata-se de uma condição complexa que inclui ele mentos de choque hipovolêmico, resultantes de perda de plasma para os tecidos ("terceiro espaço") e choque cardiogênico, resultante de toxinas que deprimem o miocárdio. Ele está associado com excesso de produção de NO, e a terapia com fármacos que limpam NO pode ser benéfica. A síndrome de choque tóxico estreptocócico é uma forma particularmente grave de choque séptico, na qual estreptococos do grupo A infectam tecidos profundos; a proteína M na superfície dessas bactérias tem um efeito antifagocítico. Ela também é liberada na circulação, onde se agrega ao fibrinogênio. Cerca de 25% dos episódios de síncope são de origem cardíaca, e são devidos à obstrução transitória do fluxo sanguíneo pelo coração ou a diminuições súbitas do débito cardíaco causadas por várias arritmias cardíacas. Além disso, desmaio é o sintoma de apresentação em 7% dos pacientes com infartos do miocárdio. O choque cardiogênico resulta sempre que a função de bombeamento do coração é deficiente ao ponto em que o fluxo sanguíneo para os tecidos não é mais adequado para satis fazer as demandas metabólicas em repouso; mais comumente, ele é devido a infarto extenso do ventrículo esquerdo. A incidência de choque em pacientes com infarto do miocárdio é de cerca de 10%, e a taxa de mortalidade é de 60 a 90%. Contudo, o choque cardiogênico também pode ser causado por outras doenças (insuficiência cardíaca, arritmias) que comprometem gravemente a função ventricular normal. Os sintomas são os do choque hipovolêmico, além de congestão dos pulmões e vísceras resultante da falha do coração em expelir todo o sangue venoso retornado para ele. Consequentemente, a condição às vezes é chamada de "choque congestivo”. O quadro de choque congestivo também é observado no choque obstrutivo. As causas incluem embolia pulmonar massiva, pneumotórax de tensão com dobramento das grandes veias e sangramento para dentro do pericárdio com compressão externa do coração (tamponamento cardíaco). Nas duas últimas condições, a cirurgia imediata é necessária para prevenir a morte. Pulso paradoxal ocorre no tamponamento cardíaco. Normalmente, a pressão arterial cai cerca de 5 mmHg durante a inspiração. No pulso paradoxal, esta resposta é exagerada, e a pressão arterial cai 1 O mmHg ou mais como um resultado da pressão aumentada do líquido no saco pericárdico sobre a superfície externa do coração. Entretanto, o pulso paradoxal também acontece com a respiração forçosa na asma grave, no enfisema pulmonar e na obstrução das vias aéreas superiores.. Alguns pacientes com hipovolemia ou choque séptico morrem pouco depois do início da condição, e outros se recuperam quando mecanismos compensatórios gradualmente restauram a circulação ao normal. Em um grupo intermediário de pacientes, o choque persiste por horas e progride aos poucos. Finalmente, ele atinge um estado em que não há mais resposta alguma a fármacos vasopressores, e em que, mesmo que a volemia seja retornada ao normal, o débito cardíaco permanece deprimido. Esta condição é conhecida como choque refratário, o qual era chamado de choque irreversível, e os pacientes ainda morrem apesar de tratamento vigoroso. Entretanto, mais e mais pacientes são salvos à medida que a compreensão sobre os mecanismos fisiopatológicos aumenta e o tratamento é melhorado. Portanto, "choque refratário" parece ser um termo mais apropriado. Vários fatores contribuem para que o choque seja refratrio. Esfincteres pré-capilares são contraídos por várias horas, mas depois relaxam enquanto as vênulas pós-capilares permanecem constritas. Portanto, o sangue flui para os capilares e nestes permanece. Vários mecanismos de retroalimentação positiva contribuem para o estado refratário. Por exemplo, a isquemia encefálica deprime a descarga vasomotora e cardíaca, causando queda da pressão arterial e tornando o choque pior. Isso, por sua vez, causa uma redução maior do fluxo sanguíneo cerebral. Além disso, o fluxo sanguíneo miocárdico está reduzido no choque grave. A insuficiência miocárdica torna a função de bomba do coração menos efetiva, e, consequentemente, torna o choque pior e diminui ainda mais o fluxo sanguíneo do miocárdio. Uma complicação do choque que tem uma taxa de mortalidade muito alta é o dano pulmonar com síndrome de angústia respiratória aguda. A causa parece ser lesão de células endoteliais capilares e de células epiteliais alveolares, com libe ração de citocinas.
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