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Hematologia - 2020

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O que não se pode deixar de
saber sobre o hemograma e
anemias?
2.1 HEMATOPOESE
Hematopoese é o processo pelo qual são formados os elementos do
sangue. O tecido hematopoético, localizado no adulto
predominantemente na medula óssea, é originado das células-
tronco hematopoéticas, que apresentam 3 propriedades:
1. Autorrenovação: capacidade de produzir células idênticas;
2. Diferenciação: produção de todas as linhagens das células
hematológicas maduras;
3. Plasticidade: capacidade de transdiferenciação, ou seja, de originar
células de outros tecidos.
A origem da Célula-Tronco Hematopoética (CTH) pode ser
entendida relembrando os conceitos da embriogênese. A Célula-
tronco totipotente (zigoto) é a que tem a capacidade de formar todos
os tecidos embrionários e extraembrionários. A célula-tronco
pluripotente – blastocisto, também chamada célula-tronco
embrionária – tem a capacidade de formar qualquer tecido
embrionário. A célula-tronco multipotente, também chamada
célula-tronco adulta, forma tecidos específicos, como neurológico,
epidérmico e sanguíneo, mas com propriedade de plasticidade.
A CTH é uma célula multipotente que dá origem a todo componente
celular sanguíneo pela sua propriedade de plasticidade. Essa
propriedade é fundamental para o desenvolvimento das técnicas
futuras de terapia celular, que consistem na reparação, pela célula-
tronco adulta, de tecidos lesados, como tecido cardíaco em
chagásicos ou coronariopatas, tecido neurológico em acidente
vascular cerebral e lesão medular, tecido ósseo e cartilaginoso etc.
Figura 2.1 - Embriogênese e propriedades da célula-tronco de diferenciação e
transdiferenciação
Fonte: elaborado pelos autores.
As células que povoam os espaços intertrabeculares da chamada
medula óssea vermelha ou hematopoética são as CTHs (stem cells),
em pequena quantidade, além das células derivadas da sua
diferenciação e maturação, que se desenvolvem devido ao
microambiente medular – constituído de vasos sanguíneos, células
estromais (fibroblastos e osteoblastos, por exemplo), matriz
extracelular e citocinas.
No processo de diferenciação celular, a CTH tem a capacidade de
originar novas células, mais diferenciadas para uma linhagem
específica, os chamados precursores mieloides e linfoides. Esses
precursores, por meio de sucessivas divisões e maturação, chegam à
formação dos elementos maduros que são, então, liberados para a
circulação periférica.
A divisão e a maturação dos elementos das diferentes linhagens
devem-se à ação de mecanismos intracelulares e à atividade de
mediadores humorais, fatores de crescimento e citocinas – stem cell
factor, fator de crescimento granulocítico, eritropoetina (EPO),
trombopoetina, interleucinas e o fator de necrose tumoral, entre
outros –, além da ação das chamadas moléculas de adesão
medulares. Assim, a ausência ou o excesso de algumas dessas
substâncias pode levar a estados patológicos.
Figura 2.2 - Hematopoese
Legenda: (CFU) unidade formadora de colônia; (BFU) unidade formadora de “ninhos” de
eritrócitos e megacariócitos; (GM) Granulócitos e Monócitos.
#IMPORTANTE
A eritropoese engloba os mecanismos de
diferenciação e maturação da linhagem
eritroide e compreende os elementos que
podem ser detectados na análise da medula
óssea.
A eritropoese envolve a diferenciação e a maturação da linhagem
eritroide, compreendendo, na sequência, pró-eritroblasto,
eritroblasto basofílico, eritroblasto policromatófilo, eritroblasto
ortocromatófilo e, por fim, os reticulócitos, que já são células
enucleadas e capazes de executar as atividades metabólicas de um
eritrócito maduro.
Figura 2.3 - Eritropoese
Nota: as formas vão desde a célula-tronco até a BFU-E e não apresentam características
morfológicas próprias quando visualizadas no esfregaço de sangue medular, mostrando-se
apenas como células mononucleares indiferenciadas. A partir do pró-eritroblasto, já
existem características morfológicas de cada elemento, e são essas características que
indicam sua maturação. 
Fonte: adaptado de Análise da expressão gênica das peroxirredoxinas em pacientes
talassêmicos e com anemia falciforme, 2013.
A síntese de Hb faz parte do processo de maturação eritroblástica e
começa com os eritroblastos policromáticos. Ao final da maturação,
o núcleo, já sem utilidade para a célula, é extraído, dando origem ao
reticulócito.
Os reticulócitos, portanto, são anucleados e capazes de realizar todas
as atividades metabólicas de um eritrócito maduro, mas mantêm
restos de material ribossômico em seu interior e têm volume celular
discretamente maior do que as formas maduras. Após 3 dias de
permanência na medula óssea, o reticulócito cai na circulação
periférica, finalizando sua maturação em mais 1 dia, e, com a perda
do material ribossômico restante (retirado pelo baço), se
transformará em eritrócito maduro.
Os fatores necessários para uma eritropoese completa e eficiente são
a presença de CTH normal, nutrientes, como ferro, vitaminas B12 e
B6, ácido fólico, proteínas e lipídios, e do fator estimulante para a
síntese eritroide, principalmente EPO e IL-3. A primeira é uma
glicoproteína produzida no parênquima renal, pelas células
justaglomerulares, por meio de mecanismo autorregulatório – uma
alça de feedback cujo estimulante principal é a hipóxia, e o nível de
EPO circulante aumenta em proporção inversa à oxigenação tecidual
e à massa eritrocitária. À medida que a anemia se desenvolve, o
aparelho sensor dentro do rim aumenta a secreção de EPO, com
aumento da síntese eritroide na medula óssea.
Após 100 a 120 dias na circulação, o eritrócito
senil é destruído pelo sistema
reticuloendotelial, principalmente no baço.
Cerca de 0,8 a 1% da massa eritroide circulante é
reposta diariamente.
Figura 2.4 - Controle da eritropoese
Fonte: adaptado de Anemia of chronic kidney disease: Treat it, but not too aggressively,
2016.
A massa eritroide total do indivíduo é resultado
do balanço entre produção e destruição diárias.
2.2 COMPOSIÇÃO DO ERITRÓCITO
O eritrócito é composto, essencialmente, por uma membrana
envolvendo uma solução rica em eletrólitos (principalmente o
potássio) e Hb. É altamente dependente de glicose como fonte de
energia (ATP), e, como não existem organelas intracelulares como
mitocôndrias, a produção de ATP é quase exclusiva por meio da
glicólise.
2.2.1 Membrana eritrocitária
A membrana eritrocitária é constituída por uma bicamada lipídica,
na qual são inseridas proteínas transmembrana de disposição
vertical (proteínas integrais, banda 3 e glicoforina), que têm como
base de sustentação um citoesqueleto de proteínas de disposição
horizontal (malha de alfa e betaespectrinas).
A integridade da membrana é responsável por propriedades
importantes dos eritrócitos, que permitem sua passagem pelos vasos
sem haver lise celular. Essas propriedades são deformabilidade,
elasticidade e reestruturação do eritrócito, as quais se encontram
alteradas nos defeitos de membrana (esferocitose).
Figura 2.5 - Membrana do eritrócito
2.2.2 Hemoglobina
A Hb é a macromolécula presente no interior dos eritrócitos,
responsável diretamente pelo transporte de oxigênio até os tecidos.
A cor vermelha das hemácias é dada por esse pigmento, e a sua
concentração no interior do corpúsculo se traduz em diferentes
intensidades e padrões de pigmentação, que podem ser armas
propedêuticas importantes no diagnóstico da etiologia das anemias.
A concentração considerada normal de Hb para
mulheres é de 12 a 16 g/dL e, para homens, de 14
a 18 g/dL.
Cada molécula da Hb é composta por 4 cadeias heme e 4 cadeias de
polipeptídios de globina. As cadeias globínicas, responsáveis pela
caracterização do tipo de Hb, são formadas por 2 cadeias alfa e 2
cadeias não alfa (beta, gama e delta). As formas predominantes no
indivíduo normal após o nascimento são:
1. Hemoglobina A (HbA): 2 cadeias alfa e 2 cadeias beta;
2. Hemoglobina A2 (HbA2): 2 cadeias alfa e 2 cadeias delta;
3. Hemoglobina fetal (HbF): 2 cadeias alfa e 2 cadeias gama.
Contudo, outros tipos de cadeias globínicas e de Hbs aparecemdurante o desenvolvimento embrionário-fetal ou por mutações
específicas, como no caso das talassemias e da doença falciforme.
Cada cadeia de globina envolve 1 único núcleo contendo ferro,
denominado “porção heme da molécula”. O heme contém 1 anel de
protoporfirina e 1 átomo de ferro em seu estado ferroso, e pode
ligar-se a 1 única molécula de oxigênio. Portanto, cada molécula de
Hb é capaz de ligar 4 moléculas de oxigênio.
Em um adulto normal, cerca de 98% da Hb circulante consiste em
HbA; aproximadamente 2% da Hb restante aparece na forma A2.
Menos de 1% apresenta-se na forma fetal ou F, sendo esta de maior
afinidade pelo oxigênio do que as formas A.
Figura 2.6 - Hemoglobina A: 4 cadeias de globina (2 alfa, 2 beta) e 4 núcleos heme
2.3 CONCEITOS GERAIS EM ANEMIAS
A anemia é definida como o estado em que há diminuição da
concentração de hemoglobina (Hb) por unidade de sangue, abaixo da
média considerada normal para a raça, o sexo, a idade do indivíduo e
a altitude em que ele se encontra. Essa condição caracteriza-se pela
redução da capacidade de transporte de oxigênio, resultando, nos
quadros mais severos, em disfunções miocárdica e cerebral.
Segundo os critérios da Organização Mundial da
Saúde, os limites mínimos ao nível do mar são
de 14 g/dL para homens, 12 g/dL para mulheres e
11 g/dL para gestantes.
Erroneamente, considera-se a anemia uma patologia, e não o sinal
de uma doença de base. O raciocínio simplista de considerar a
anemia uma entidade individual leva a falhas graves na realização de
diagnósticos e no seu tratamento. Diagnosticar a etiologia é
essencial, pois, se não corrigida ou controlada, a anemia evolui de
forma recorrente ou com piora progressiva.
Alguns fatos devem ser citados no estudo da anemia: a anemia
congênita é sugerida pelas histórias pessoal e familiar. A causa mais
comum de anemia é a deficiência de ferro. Má alimentação pode
resultar em deficiência de ácido fólico e contribuir para deficiência
de ferro, mas o sangramento é muito mais comumente a causa da
deficiência de ferro em adultos. O exame físico demonstra palidez.
Deve-se ter atenção aos sinais físicos de doenças hematológicas
primárias (linfadenopatia, hepatoesplenomegalia ou sensibilidade
óssea), sobretudo no esterno ou na região tibial anterior. Alterações
na mucosa, como língua lisa, podem sugerir anemia megaloblástica.
2.3.1 Mecanismos adaptativos
2.3.1.1 Aumento do débito cardíaco
Para aumentar o aporte de oxigênio aos tecidos, o sangue circula em
maior volume por minuto. Tal procedimento é chamado “efeito
hipercinético da anemia”, que é consequência da queda da
resistência vascular periférica e do aumento da frequência cardíaca.
2.3.1.2 Aumento do 2,3-DPG no interior da hemácia
O 2,3-difosfoglicerato é produzido e destruído enzimaticamente
como intermediário da glicólise nos eritrócitos e liga-se à Hb
desoxigenada, diminuindo, assim, a afinidade desta pelo oxigênio,
liberando-o para os tecidos. Este metabólito reduz a afinidade da Hb
pelo oxigênio, facilitando a liberação de O2 nos tecidos e
minimizando os sintomas.
2.3.1.3 Aumento da perfusão “órgão-seletiva”
Tal aumento forma shunts, para melhorar a perfusão de órgãos
vitais. Na perda aguda, as maiores áreas de redistribuição são o leito
vascular mesentérico e ilíaco; nas perdas crônicas, pele e rim.
2.3.1.4 Aumento da função pulmonar
Este consiste no aumento da frequência respiratória para elevar a
oxigenação sanguínea.
2.3.1.5 Aumento da produção de eritrócito
Tal aumento é mediado pela produção de EPO. A taxa da síntese
desta é inversamente proporcional à concentração de Hb e
estimulada pela hipóxia do tecido renal.
Quando o sistema de adaptação da anemia está preservado, a
liberação tissular de oxigênio pode ser mantida, em repouso, com
valores de Hb de até 5 g/dL. Sintomas estabelecem-se com valores
abaixo desse no indivíduo em repouso, ao esforço físico ou, ainda,
nos casos de falha no sistema de adaptação.
2.3.2 Quadro clínico
Os sinais e sintomas associados à anemia devem-se à deficiência do
aporte tissular de oxigênio. A chamada síndrome anêmica varia em
suas manifestações, de acordo com a idade, o tempo de
estabelecimento, a intensidade da anemia e as performances
hemodinâmica e respiratória do indivíduo. Idosos com
comorbidades, como insuficiência cardíaca ou doença pulmonar
obstrutiva crônica, têm menor tolerância ao estado de hipóxia
tissular. Pacientes cujo quadro anêmico se estabelece lentamente,
como no caso da deficiência de ferro por perdas crônicas, suportam
níveis mais baixos de Hb (pela adaptação feita com os mecanismos
compensatórios) quando comparados àqueles em que há rápida
instalação da anemia, como nas perdas agudas.
Os sintomas mais habitualmente associados à síndrome anêmica,
independentemente de sua etiologia, são dispneia aos esforços, de
forma progressiva – até dispneia em repouso, tontura postural,
vertigem, cefaleia, palpitação, síncope, astenia, diminuição dos
rendimentos físico e intelectual, alteração do sono, diminuição da
libido, alteração do humor, anorexia, dor torácica e descompensação
de patologias cardiovasculares, cerebrais ou respiratórias de base.
No exame físico, encontram-se palidez da pele e das mucosas,
taquicardia, aumento da pressão do pulso, sopros de ejeção
sistólicos, diminuição da pressão diastólica e edema periférico leve.
Nos casos mais graves, letargia, confusão mental, hipotensão
arterial e arritmia cardíaca.
A anemia causada por perda sanguínea aguda é acompanhada de
sintomas de hipovolemia. De acordo com o volume de sangue
perdido, a intensidade do sintoma muda e pode variar desde
taquicardia até choque hipovolêmico e perda de consciência. Além
disso, os reflexos de adaptação vascular à perda volumétrica aguda
são mais intensos, e o quadro pode regredir apenas com reposição de
volume. É importante reconhecer a diferença entre sintoma de
anemia e hipovolemia, a fim de evitar transfusões de sangue
desnecessárias.
A transfusão de concentrado de hemácias deve ser considerada aos
pacientes das classes III e IV, pois, nos de classes I e II, pode ser feita
apenas a reposição volêmica com cristaloides. O cor anêmico é
possível em indivíduos previamente hígidos e acontece em razão da
insuficiência cardíaca de alto débito.
2.4 INVESTIGAÇÃO ETIOLÓGICA E
CLASSIFICAÇÃO
A anemia é sinal de doença, portanto nunca
deve ser admitida como normal, devendo-se
sempre procurar uma causa.
A abordagem inicial do paciente com anemia deve acontecer da
seguinte forma:
1. História clínica completa:
a) Questionar quanto aos sintomas da síndrome anêmica e ao
tempo de evolução;
b) Investigar história nutricional, incluindo ingestão alcoólica;
c) Questionar sobre sintomas de doenças que, sabidamente,
cursam com anemia (sangue nas fezes, dor epigástrica, artrite,
características da diurese);
d) Pesquisar comorbidades e medicamentos em uso;
e) Investigar história familiar de anemia e origem étnica,
considerando alterações hereditárias da Hb e do metabolismo do
eritrócito (talassemias, anemia falciforme, deficiência de G6PD
etc.);
f) Investigar história ocupacional, à procura de exposição a
agentes tóxicos.
2. Exame físico: realizar exame físico completo, além de estar atento
para sinais de anemia, como glossite, queilite angular, icterícia (sinal
de hemólise ou hepatopatia), sinais de neuropatia, esplenomegalia
(hemólise ou outra doença de base) e sinais de doenças associadas
como causa da anemia (adenomegalia, esplenomegalia, petéquias);
3. Exames laboratoriais na investigação inicial:
a) Hemograma: é importante para a análise dos índices
eritroides, auxiliando na classificação morfológica da anemia e na
avaliação dos outros componentes celulares sanguíneos;
b) Contagem de reticulócito: avalia a função medular,
importante na classificação funcional das anemias;
c) Avaliação do esfregaço de sangue periférico: contém
informações importantes quanto à alteração na produção eritroide
e nos mostra diferenças no tamanho e na forma das hemácias.
A avaliação da anemia depende da avaliaçãofisiopatológica, que
compreende a contagem de reticulócitos e classifica a anemia pela
produção medular, e a avaliação morfológica, que inclui os
elementos do hemograma e do esfregaço periférico e classifica a
anemia conforme as características dos exames laboratoriais.
2.4.1 Classificação fisiopatológica (hemograma e
contagem de reticulócitos)
O número de reticulócitos (precursores das hemácias) ajuda a
estimar a função medular e deve ser pedido na avaliação das
anemias. A contagem normal de reticulócitos varia de 0,5 a 2%, e sua
contagem absoluta de 25.000 a 75.000 µL, podendo ser utilizada
como marcador da eritropoese eficaz, pois eles são formas jovens da
hemácia recentemente liberados pela medula óssea. Diante do
quadro de anemia, se a EPO e a função medular estiverem
preservadas, a produção eritroide aumentará em 2 a 3 vezes o valor
normal dentro de 10 dias do início da anemia. Desta forma, se o valor
normal da contagem não for ampliado dessa maneira, será indício de
resposta medular inadequada.
O valor do reticulócito pode ser expresso em número absoluto ou
relativo (em porcentagem). Como geralmente é referido em
porcentagem, para utilizá-lo como indicador de função medular, são
necessários ajustes, descritos a seguir.
2.4.1.1 Ajustar para o grau de anemia
Na anemia, a porcentagem de reticulócitos pode estar aumentada,
enquanto o número absoluto pode estar baixo. Exemplo: em um caso
em que o valor de reticulócitos é de 5%, em uma contagem de
eritrócitos de 1.000.000/µL, o número absoluto é de 50.000/µL; isto
é, infere-se que não há reticulocitose. Para corrigir esse efeito,
utiliza-se o seguinte cálculo:
Nota: hematócrito normal para o homem: 45%; para a mulher: 40%.
Ambos, o hematócrito (Htc) e o reticulócito são mensurados em
porcentagem. A maturação depende do nível de Htc: 1 para Htc >
40%; 1,5 para Htc entre 30 e 39,9%; 2 para Htc entre 20 e 29,9%; e
2,5 para Htc < 20%. Um índice de reticulócito > 3 representa uma
reação medular normal, e um índice < 2 representa uma resposta
medular inadequada (insuficiente).
Outra fórmula que pode ser utilizada é o cálculo do número de
reticulócitos absolutos, como segue:
Quando o reticulócito é expresso em número absoluto, esse cálculo
não é necessário.
2.4.1.2 Índice reticulocitário
O reticulócito está presente na circulação pelo período de 1 a 2 dias,
tempo suficiente para o catabolismo final dos resíduos de RNAs. Em
situações com grande estímulo da eritropoese, o reticulócito pode
sair precocemente da medula e ficar mais dias no sangue periférico,
fato identificado pelo encontro de policromasia (variação de cor na
análise do sangue periférico). Portanto, nessas situações, pode-se
ter uma estimativa excessiva da eritropoese. Para corrigir esse
efeito, utiliza-se o índice reticulocitário.
Calcula-se, de forma prática, dividindo o reticulócito corrigido por 2
(ou o valor absoluto), pois a maioria dos pacientes se apresenta com
hematócrito entre 20 e 30%. Porém, quanto mais intensa for a
anemia, mais precocemente o reticulócito cairá na circulação e ali
ficará por maior tempo. Desta forma, o método correto de calcular o
índice é correlacionar com o hematócrito.
Quadro 2.1 - Fator de correção, segundo o hematócrito para o cálculo do índice
reticulocitári
Com a avaliação dos reticulócitos, pode-se dividir a função medular
em:
1. Medula hipoproliferativa: apresenta contagem de reticulócito
corrigida < 2% ou < 100.000/mm3;
2. Medula hiperproliferativa: quando a contagem atinge valores ≥ 2%
ou ≥ 100.000/mm3, indicando resposta medular normal à perda de
sangue ou à destruição excessiva dos eritrócitos.
Com esses dados, pode-se estabelecer a classificação fisiopatológica
das anemias:
1. Anemias hipoproliferativas: diagnosticadas pela reticulocitopenia,
resultam da baixa taxa de produção de hemácia. As causas mais
comuns são:
a) Deficiência nutritiva (em crianças e adultos) por falta de
absorção, ingesta inadequada ou perda crônica (especialmente
de ferro, folato e vitamina B12);
b) Falta de estímulo com diminuição de hormônios estimulantes
da eritropoese – EPO (disfunção renal), hormônio tireoidiano,
androgênio;
c) Doenças da célula-tronco (anemia aplásica, mielodisplasia) ou
infiltração medular tumoral;
d) Supressão medular: quimioterápicos, medicamentos;
e) Anemia de doença crônica secundária a processos
inflamatórios, infecciosos ou neoplásicos.
2. Anemias hiperproliferativas: diagnosticadas pela reticulocitose,
ocorrem em razão da perda ou destruição excessiva dos eritrócitos,
com resposta adequada da medula óssea. Hemólise é a destruição
prematura de hemácias e pode ser de causa congênita ou adquirida.
Quadro 2.2 - Classificação fisiopatológica
2.4.2 Avaliação da morfologia (hemograma e
esfregaço do sangue periférico)
A avaliação morfológica das anemias baseia-se, principalmente, na
hemoglobina corpuscular média, no volume corpuscular médio e no
red cell distribution width (RDW).
O VCM (que mostra o tamanho médio dos eritrócitos) e a HCM (que
mostra o valor médio de Hb nas hemácias – representado
morfologicamente pela cor do eritrócito) podem ser calculados com
base nos valores de hematócrito, número de eritrócitos e Hb.
Baseia-se na cor (CHCM) e no tamanho (VCM) das hemácias (Quadro
2.3).
Quadro 2.3 - Valores de referência para concentração da hemoglobina corpuscular média
e volume corpuscular médio
2.4.2.1 Hipocrômicas e microcíticas
São caracterizadas por células pequenas e de coloração menos
intensa, pelo pouco conteúdo de Hb, que pode ser decorrente de:
1. Diminuição da disponibilidade do ferro: deficiência de ferro, anemia
de doença crônica, deficiência de cobre;
2. Diminuição da síntese do heme: intoxicação por chumbo, anemia
sideroblástica;
3. Diminuição na síntese de globinas: talassemia, outras
hemoglobinopatias.
2.4.2.2 Normocrômicas e normocíticas
A média do tamanho e da coloração das hemácias é normal. Nessa
situação, a análise do sangue periférico é importante, pois pode
tratar-se de estágio inicial de anemia microcítica ou macrocítica.
Pode também ocorrer pela falta de estímulo da eritropoese
(insuficiência renal, endocrinopatia), pela anemia de doença crônica
ou pelas anemias por infiltração medular, entre outros.
2.4.2.3 Normocrômicas e macrocíticas
Trata-se de hemácias grandes e de coloração normal, maiores que a
média, porém com conteúdo globínico normal. Ocorrem
frequentemente em:
a) Anemias com metabolismo anormal do ácido nucleico –
megaloblásticas por deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico,
medicamentos (zidovudina, hidroxiureia);
b) Reticulocitose importante, pois o reticulócito é uma célula grande –
anemia hemolítica, resposta à perda sanguínea aguda;
c) Alteração da maturação do eritrócito (mielodisplasia);
d) Outras causas, como hepatopatia, hipotireoidismo, alcoolismo.
Podem-se ainda classificar as anemias, além dos pontos de vista
fisiopatológico e morfológico:
1. Quanto à massa eritrocitária:
a) Relativas: aumento do volume plasmático, sem alteração da
massa eritrocitária (gestante, macroglobulinemia);
b) Absolutas: diminuição real da massa eritrocitária.
2. Quanto à velocidade de instalação:
a) Agudas: de instalação rápida;
b) Crônicas: de instalação lenta. Após a avaliação e a
classificação inicial das anemias, muitas vezes são necessários
exames específicos para confirmação diagnóstica, como na
anemia hipocrômica e microcítica com RDW alto – analisar perfil
de ferro; anemia macrocítica com RDW alto – analisar dosagem
de vitamina B12 e folato; anemia normocrômica e normocítica
com reticulócito baixo e RDW normal – dosar nível sérico de EPO,
avaliar funções renal e tireoidiana e solicitar mielograma.
O que não se pode deixar de
saber sobre o hemograma e
anemias?
Convém não esquecer de checar os níveis de hemoglobina,
VCM, HCM, CHCM e RDW para poder classificar as anemias
em micro/macrocíticas, hipo/hipercrômicas.
Quais são as principais
causas de anemias
hipoproliferativas?
3.1 CONCEITOS GERAIS
A baixa resposta reticulocitária perante a anemia é sinal
patognomônicodas anemias por deficiência de produção ou
hiporregenerativas.
A faixa da normalidade no número de reticulócitos por volume de
sangue varia entre 25.000 e 100.000/mm3, esperando-se contagens
maiores ou iguais a 100.000/mm3 quando há regeneração medular,
ou seja, nas anemias hiperproliferativas, e valores menores que
100.000/mm3 quando não há resposta medular eficaz, no caso das
anemias hipoproliferativas ou por deficiência de produção.
3.2 ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE
FERRO
3.2.1 Conceitos gerais
O ferro é um mineral essencial ao organismo humano. Suas funções
são as de mediador enzimático para a troca de elétrons (citocromo,
peroxidases, catalases e ribonucleotídeo redutase) e carreador de
oxigênio (mioglobina e Hb). Nesta, é o componente central da
molécula heme e o responsável direto por levar oxigênio até os
tecidos.
A deficiência de ferro é a causa mais comum de anemia no mundo e
uma das doenças mais frequentes na prática médica. Sua
distribuição geográfica é mais extensa nos países em
desenvolvimento, onde o aporte dietético de ferro e o controle das
parasitoses intestinais são insuficientes. Dados norte-americanos
revelam que de 1 a 2% dos adultos apresentam anemia ferropriva,
sendo a deficiência de ferro sem anemia mais comum, acometendo
11% das mulheres e 4% dos homens. Entretanto, não existe faixa
etária de maior prevalência dessa patologia, podendo ser encontrada
em qualquer idade, com causas variáveis.
Em adultos, as causas mais comuns de anemia
por deficiência de ferro são ingestão
insuficiente, déficit de absorção, perdas
sanguíneas ou aumento rápido da demanda
(como no crescimento rápido dos adolescentes
e na gestação).
O desenvolvimento da deficiência de ferro e a velocidade com que ela
se instala dependem da reserva individual. O sexo, a idade e o
balanço entre ingestão e perda diária do paciente influenciam nesse
caso.
3.2.2 Metabolismo do ferro e fisiopatologia da
carência
O ferro total do organismo varia entre 2 e 4 g: por volta de 50 mg/kg
nos homens e 35 mg/kg nas mulheres. Nos homens, 1 mL de
concentrado de hemácias contém, aproximadamente, 1 mg de ferro,
portanto 1 mL de sangue total contém entre 0,5 e 0,6 mg de ferro,
perfazendo um total estimado de 2.100 mg de ferro no sangue de um
indivíduo que pesa 70 kg. Nas mulheres, a concentração é mais
baixa; calcula-se encontrar cerca de 1.350 mg de ferro, o que pode
ser explicado por perda menstrual, gravidez, lactação e menor
ingestão.
Quadro 3.1 - Distribuição do conteúdo de ferro no organismo
A produção do estoque de ferro é feita principalmente por 2
componentes:
1. Ferritina: formada pela proteína apoferritina + ferro, encontrada
virtualmente em todas as células do organismo (principalmente fígado,
baço e pulmões) e na corrente sanguínea, por ser hidrossolúvel. Sua
dosagem sérica reflete o estoque total corpóreo, visto ser essa a forma
de estoque mais abundante. É importante para disponibilizar ferro,
conforme a necessidade corpórea;
2. Hemossiderina: não é hidrossolúvel, representando cerca de 25 a
30% do estoque corpóreo; nos indivíduos normais, encontra-se
armazenada no sistema reticuloendotelial macrofágico e na medula
óssea; porém, em condições patológicas, pode acumular-se em
qualquer tecido, principalmente no fígado e no baço.
Figura 3.1 - Ciclo da cinética de ferro
Fonte: elaborado pelos autores.
3.2.2.1 Ingestão
A dieta média nos países desenvolvidos contém aproximadamente 15
mg/d de ferro. No Brasil, calcula-se que a dieta das classes B e C
apresente cerca de 10 mg/d de ferro nos alimentos. Está presente na
forma de anéis heme (carnes, peixes, aves), a mais biodisponível, e
na forma de complexos de hidróxido férrico (nos vegetais). Esta
necessita do pH ácido do estômago para ser reduzida à forma ferrosa
e para poder ser adequadamente absorvida.
3.2.2.2 Absorção
Do total de ferro ingerido, 30% da forma heme e 10% da não heme
são absorvidos; o restante é eliminado nas fezes. A absorção diária
no homem varia de 0,5 a 1 mg/d, sendo o dobro na mulher, o que é
justificado pela perda menstrual, e o quádruplo na gestante, em
razão do consumo pelo feto. A absorção pode ser ajustada, de acordo
com as necessidades orgânicas. Na deficiência de ferro, a eficácia da
absorção do metal pode aumentar até 5 vezes em relação ao basal.
O ferro, de maneira geral, é absorvido pela borda “em escova” das
células epiteliais da vilosidade intestinal, especialmente no duodeno
e no jejuno proximal. Os íons ferrosos (Fe++) são absorvidos mais
eficientemente do que a forma férrica (Fe+++); esta, por sua vez,
necessita da acidez gástrica para a estabilização e a ligação com a
mucina. Com tal ligação, uma enzima chamada redutase férrica
transmembrana converte Fe+++ em Fe++, o qual precisa atravessar a
membrana apical da célula intestinal pela proteína DMT1
(transportador de metal divalente do tipo 1), saindo, assim, do
lúmen intestinal e atingindo o interior celular.
Existem substâncias capazes de interferir na absorção do ferro,
como o ácido ascórbico, que modifica a valência de férrico para
ferroso e melhora a absorção, ou como os fitatos (farelos, aveia,
centeio), tanatos (chás), oxalatos (uvas-passas, figo, ameixa,
batatas-doces, amêndoas, tomate, chocolate, cacau), fosfatos (leite
e derivados), antiácidos, cálcio e até antibióticos (tetraciclina,
quinolonas), que reduzem a absorção.
O duodeno e a porção superior do jejuno são os locais de máxima
absorção; consequentemente, síndromes disabsortivas ou bypass
dessas áreas podem levar à deficiência de ferro.
Uma vez no interior celular, o ferro tem 2 vias possíveis: é
armazenado como ferritina, ou é transportado para o plasma,
passando pela proteína transmembrana ferroportina, que, por sua
vez, atua em conjunto com a hefaestina para nova transformação de
íon ferroso em férrico.
Atualmente, sabe-se, ainda, que a regulação da absorção é dada por
uma proteína de fase aguda chamada hepcidina; sintetizada no
fígado, atua diretamente na inibição da absorção de ferro, bem como
na diminuição da sua liberação do interior da célula intestinal, pelo
feedback negativo do seu transportador na membrana basolateral
ferroportina. Logo, sua superexpressão causa aumento dos estoques
de ferro, associado à diminuição da absorção desse íon e de sua
quantidade sérica circulante.
A hepcidina e a ferroportina são reguladoras da absorção de ferro:
aumentam a absorção quando os estoques estão baixos ou ausentes e
quando há aumento da eritropoese (principalmente em doenças que
cursam com eritropoese ineficaz: mielodisplasia, betatalassemia e
anemia sideroblástica); e diminuem a absorção quando os estoques
estão repletos. Além disso, a hepcidina regula a liberação de ferro
pelos macrófagos que fagocitaram eritrócitos senescentes.
#IMPORTANTE
A hepcidina está aumentada em infecções,
inflamações, doença renal crônica e aumento
do estoque de ferro, e diminuída em casos de
hipóxia, anemia, deficiência de ferro,
eritropoese inefetiva e altos níveis de
eritropoetina.
3.2.2.3 Transporte do ferro
O ferro ferroso (Fe++), absorvido pelo enterócito, pode ser
armazenado na forma de ferritina ou novamente ser oxidado em
férrico (Fe+++), para ligar-se à transferrina e ser transportado aos
diversos tecidos pela ação da hefaestina, enzima dependente de
cobre. Os tecidos que necessitam de ferro possuem receptores de
transferrina em quantidade proporcional e suficiente, pois, por meio
deles, ligam-se à transferrina e recebem o ferro.
Figura 3.2 - Absorção de ferro no duodeno
Fonte: adaptado de Iron and multiple sclerosis, 2014.
3.2.2.4 Reaproveitamento do ferro
Cerca de 20 a 25 mg de ferro são liberados diariamente pelas
hemácias senescentes para os macrófagos.
O núcleo heme da hemácia fagocitada pelo macrófago é
metabolizado, deixando o ferro livre para a circulação sanguínea por
meio da ferroportina ou para armazenamento na forma de ferritina,
a depender das necessidades do organismo.
3.2.2.5 Perda
Não há nenhum mecanismo de regulação da perda de ferro. Este é
perdido pelo suor e pela descamaçãoda pele e do epitélio
gastrintestinal, na taxa de, aproximadamente, 1 mg/d; na mulher,
em cada ciclo menstrual, a perda é aumentada em 1 a 2 mg/d.
Nenhum mecanismo de excreção foi ainda detectado, nem pelo
fígado nem pelos rins, portanto, a homeostasia fica balanceada entre
a absorção diária de 1 a 2 mg e a perda diária da mesma quantidade.
Figura 3.3 - Homeostasia do ferro
Legenda: Tf-Fe+++: transferrina ligada ao ferro. 
Fonte: acervo Medcel.
A gravidez pode modificar tal equilíbrio, em razão do aumento da
demanda de ferro de até 2 a 5 mg/d. A dieta normal, geralmente, não
supre essas necessidades, e a suplementação de ferro é indispensável
durante a gravidez. Gestações repetidas, principalmente quando
seguidas de amamentação, são causas frequentes de anemia
ferropriva, caso não haja aporte de ferro adicional.
As perdas crônicas desequilibram o cálculo entre o aporte diário e a
absorção de ferro. Deve-se pensar nesse fato como um balanço
comercial: se a absorção for equivalente a 2 mL de sangue por dia (1
mg), perdas acima dessa quantidade deverão ser compensadas pelo
mecanismo de aumento do aproveitamento do ferro alimentar.
Contudo, tal mecanismo nem sempre é suficiente, e os estoques de
ferro são lentamente depletados, até que a deficiência se instale. O
processo é frequente nas hipermenorreias, em que a mulher pode
relatar fluxo intenso e duradouro por muitos anos e considerá-lo
normal.
A redução da absorção do ferro, como na gastrite atrófica ou na
acloridria, na doença celíaca e na gastrite por Helicobacter pylori, leva
à deficiência. Contudo, o sangramento em algum local do tubo
digestivo é causa muito mais comum dessa condição.
Reitera-se que a causa mais frequente de deficiência de ferro em
adultos é a perda de sangue, seja menstrual, nas hipermenorreias ou
polimenorreias, seja digestiva, em úlceras gástricas, doenças
diverticulares ou tumores do trato gastrintestinal. As patologias
aparentemente não sangrantes, como a esofagite e a hérnia de hiato,
podem estar relacionadas.
A hemoglobinúria crônica também pode causar deficiência de ferro,
pois é possível perder acima de 1 mg/d por essa via. Esse quadro pode
ocorrer por hemólise mecânica, por válvulas cardíacas metálicas e
por hemólise intravascular sustentada, como na hemoglobinúria
paroxística noturna.
O Quadro 3.2 sintetiza os fatores que levam à deficiência de ferro.
Quadro 3.2 - Fatores etiológicos da deficiência de ferro
Em geral, a falta de ingesta como causa isolada de ferropenia é rara.
Deve ser um diagnóstico de exclusão, pois mesmo a quantidade de
ferro em dietas de extrema pobreza é suficiente para aporte
adequado de ferro, levando-se em conta a capacidade do organismo
em aumentar a sua absorção de ferro em até 5 vezes.
3.2.3 Quadro clínico
A apresentação clínica pode incluir tanto manifestações da doença
de base como do próprio estado anêmico.
A privação de ferro manifesta-se com sintomas
em outros órgãos e tecidos,
independentemente da presença ou não de
anemia, como queda de cabelo, redução do
rendimento intelectual e mialgia.
São queixas frequentes na ferropenia: perversão do apetite (pica –
vontade de comer terra, barro, arroz cru), pagofagia (compulsão por
comer gelo), unhas quebradiças e finas, língua lisa, com perda das
papilas, glossite, queilite angular (Figura 3.6), gastrite atrófica e
diminuição da saliva. Coiloníquia, que são as unhas em formato de
colher (Figura 3.5) também podem ocorrer na anemia ferropriva.
Algumas manifestações clínicas são pouco frequentes, como
disfagia, alteração nos mecanismos da imunidade e escleras
azuladas.
Os sintomas evoluem de maneira gradual e incluem fadiga,
taquicardia, palpitação, irritabilidade, tontura, cefaleia e
intolerância aos esforços de intensidade variável. Pela instalação
insidiosa e prolongada, os mecanismos adaptativos do organismo
permitem tolerância de níveis bastante baixos de Hb.
Figura 3.4 - Glossite atrófica: atrofia das papilas
Figura 3.5 - Coiloníquia
Fonte: Iweevy.
Figura 3.6 - Queilite angular
Fonte: Frank60.
3.2.4 Laboratório
Os achados laboratoriais acompanham a evolução do quadro clínico,
pois a deficiência de ferro se instala por etapas.
Inicialmente, ocorre depleção dos estoques de ferro, com redução
dos níveis de ferritina sérica abaixo de 30 ng/mL. A ferritina é o
indicador mais confiável do status do ferro no organismo, por ser
menos sensível às variações distributivas do que o ferro sérico e seus
indicadores de transporte. Contudo, é uma proteína “de fase aguda”,
ou seja, aumenta perante quadros inflamatórios, devendo ser
considerada com cautela quando há concomitância da anemia com
infecções ou inflamações severas. Para dosagens de ferritina
extremamente baixas (< 15 ng/mL), a especificidade do teste é de
99%.
Devido à falta de ferro, a formação de hemoglobina é deficiente,
fazendo que o conteúdo das hemácias seja pequeno, acarretando
volumes corpusculares médios mais baixos e anisocitose
importante, o que eleva o valor do red cell distribution width (RDW).
Posteriormente, a formação dos eritrócitos continua, porém os
níveis de ferro circulante e a saturação da transferrina caem,
mostrando que não resta mais ferro para ser mobilizado. A
Capacidade Total de Ligação do Ferro (CTLF) e a quantidade de
receptor de transferrina solúvel aumentam, mostrando que os
receptores do ferro estão “vazios”.
Outros parâmetros menos utilizados no cotidiano, porém de valor
acadêmico, são: receptor de transferrina solúvel, produzido pelos
eritrócitos de forma aumentada na carência de ferro, conferindo a
essas células maior capacidade de absorção do ferro, e protoporfirina
eritrocitária livre, que reflete diretamente a substituição do ferro
pelo zinco na formação do heme, estando aumentada nas
ferropenias.
A falta de ferro para formar Hb leva à formação de hemácias com
pouco conteúdo (hipocromia: Hemoglobina Corpuscular Média –
HCM – baixa), que, ao se adaptarem a essa situação, alcançam
volumes corpusculares mais baixos (microcitose: Volume
Corpuscular Médio – VCM – baixo), resultando em anisocitose
importante e RDW aumentado. Nas formas mais severas, podem ser
notadas formas bizarras das hemácias, apresentando poiquilocitose
intensa. A contagem de reticulócitos está diminuída, pois a
eritropoese também está. A contagem de plaquetas pode elevar-se
em razão do aumento da secreção de eritropoetina (EPO) pela
anemia. O padrão-ouro para a avaliação direta do estoque de ferro é
a análise da medula óssea com pesquisa do ferro medular, por meio
da coloração com azul da Prússia (Perls). Dessa forma, é possível
avaliar semiquantitativamente o estoque de ferro nos macrófagos;
porém, como sua aplicabilidade é limitada, opta-se por medidas
indiretas;
Deve-se sempre lembrar de investigar a causa: diante de ferropenia
ou anemia ferropriva, sem causa aparente (hipermenorreia,
gestação, adolescência ou infância), avaliar inicialmente: endoscopia
digestiva alta e colonoscopia, caso não seja identificada nenhuma
anomalia, avaliar intestino delgado (exame de imagem – tomografia
de abdome e cápsula endoscópica).
Quadro 3.3 - Perfil laboratorial da anemia ferropriva
Quadro 3.4 - Principais causas de anemia ferropriva, de acordo com a faixa etária
Diante de situações como gastroplastia redutora, gastrectomia,
doença gastrintestinal inflamatória crônica, nas quais se suspeita de
resposta insatisfatória com o tratamento com ferro por via oral
devido à má absorção deste elemento, um dos métodos preconizados
que pode ajudar a confirmar essa alteração é o teste de absorção
intestinal do ferro por via oral.
Nesse teste, é realizada a dosagem de ferro sérico em jejum, feita a
ingestão de ferro elementar por via oral e, após cerca de 2 horas, é
dosado novamente o nível de ferro sérico para comparação com o
anterior.
3.2.5 Diagnóstico diferencial
Outras causas de anemia hipocrômica microcítica devem ser
consideradas na avaliação clínica. Contudo, a história e o exame
físico geralmente são suficientes para confirmar o diagnóstico. São
diagnósticosdiferenciais:
a) Anemia de doença crônica;
b) Talassemia;
c) Anemia sideroblástica;
d) Hemoglobinopatia C;
e) Intoxicação por chumbo.
É importante ressaltar que, no hipotireoidismo e na deficiência de
vitamina C, existe diminuição de ferritina sem depleção dos estoques
de ferro.
3.2.6 Tratamento
A transfusão para a correção de anemia
ferropriva deve ser reservada a quadros de
instabilidade hemodinâmica por sangramento
excessivo ou situações que apresentem sinais
de isquemia tecidual/cor anêmico.
Além de oferecer o aporte de ferro para o tratamento da deficiência
subjacente, deve-se tratar a causa, ou seja, investigar a fonte de
perda sanguínea e tratá-la, já que a persistência da perda é o
principal motivo de manutenção e até piora da anemia ferropriva.
É extremamente rara a necessidade de transfusão para a correção de
anemia ferropriva, pois esta é de instalação lenta, e o organismo
adapta-se a níveis bastante baixos de Hb. Deve ser reservada a
quadros de instabilidade hemodinâmica por sangramento excessivo
ou situações que apresentem sinais de isquemia tecidual/cor
anêmico.
A primeira opção para o tratamento da anemia ferropriva é o ferro
oral, pois é de custo bastante baixo, de fácil administração e sem
efeitos adversos graves.
O ferro parenteral, por ser mais custoso, com necessidade de infusão
em ambiente hospitalar e risco de reações adversas graves e até
fatais, deve ser reservado para casos especiais.
3.2.6.1 Ferro oral
Apesar do aparecimento de várias formas diferentes de ferro oral, o
melhor tratamento para a deficiência continua a ser o sulfato ferroso
na dose de 300 mg (60 mg de ferro elementar), 3 a 4x/d, que deve ser
ingerido longe das refeições, para garantir o máximo
aproveitamento. Em crianças, preconiza-se o uso de 2 mg/kg/d,
procurando não ultrapassar 15 mg/d, para não aumentar a
toxicidade.
Os principais problemas no uso do sulfato ferroso são os possíveis
efeitos colaterais: intolerância digestiva, com dispepsia, dor
epigástrica, diarreia, constipação, gosto amargo na boca e
escurecimento das fezes. Muitas vezes, conseguem-se controlar os
efeitos adversos com a ingestão do medicamento junto às refeições,
fracionamento ou redução da dose diária, lembrando, porém, que
essas medidas podem reduzir o aporte terapêutico de ferro
elementar em até 50%, resultando em maior tempo de tratamento. O
aporte de ferro oral deverá ser mantido por, pelo menos, 4 a 6 meses
após a normalização da Hb, para garantir a repleção dos estoques do
mineral. Contudo, recomenda-se realizar nova dosagem de ferritina
sérica após o término da reposição, a fim de confirmar a
normalização das reservas, que devem estar acima de 50 ng/mL e
com saturação de transferrina > 20%, deixando um intervalo de pelo
menos 7 dias entre a última dose da medicação e a coleta do exame,
já que a ingesta de suplementos de ferro é a principal causa de
resultados falsamente normais de ferro sérico e ferritina. Algumas
vezes, pode ser necessário manter o aporte de ferro oral por mais
tempo, principalmente quando a causa da deficiência ainda não foi
resolvida ou ultrapassada.
Atualmente, existe o ferro quelato ou quelatado, superior ao sulfato
ferroso quanto às queixas de intercorrências gastrintestinais, pois
não ocorre liberação de íons ferro no trato gastrintestinal, como
acontece com o uso de outros sais de ferro, o que pode estar
relacionado ao fato de a absorção desse tipo acontecer
principalmente no jejuno.
A eficácia da reposição pode ser avaliada por meio do pico
reticulocitário, que ocorre de 5 a 7 dias após o início do tratamento, e
pela elevação de Hb, em 3 semanas, de pelo menos 2 g/dL (0,2
g/dL/d). Em casos de refratariedade ao tratamento, deve-se pensar
em dose inadequada da medicação prescrita, falta de adesão, falta de
absorção e persistência da causa da ferropenia.
3.2.6.2 Ferro parenteral
O grau de anemia não faz parte das indicações de ferro parenteral;
assim, mesmo que o paciente esteja com baixos níveis de
hemoglobina, se não estiver sintomático a ponto de realizar
transfusão de hemácias e não houver nenhuma contraindicação ao
uso de ferro oral, opta-se por essa modalidade de reposição.
Em virtude de efeitos adversos graves (choque anafilático em 1% dos
casos), a administração de ferro parenteral deve ser reservada a
casos estritos:
a) Na intolerância ao ferro oral, apesar da alteração da posologia ou da
mudança na apresentação;
b) Na falta de absorção do ferro oral, como em alguns casos pós-
gastrectomia;
c) Na vigência de doença gastrintestinal (como as doenças
inflamatórias intestinais), pois pode haver piora dos sintomas;
d) Nos casos em que há perda intensa, com o ferro oral não sendo
suficiente para suprir as necessidades;
e) Pacientes em hemodiálise, que apresentam perdas constantes pelo
procedimento e pelo déficit de absorção intestinal.
Até pouco tempo, a única apresentação comercial de ferro parenteral
no Brasil era o sacarato de hidróxido de ferro III (Noripurum®), que
se encontra em formulação tanto para aplicação intramuscular
quanto para infusão intravenosa após diluição, sendo preferível esta
última. A administração de ferro intramuscular é dolorosa, de
absorção lenta e incompleta, podendo impregnar-se na região da
aplicação, e não é menos tóxica ou mais segura do que a outra
administração, estando atualmente proscrito o seu uso rotineiro. O
déficit de ferro é calculado pela determinação do decréscimo em
massa de células vermelhas do sangue normal, reconhecendo que há
1 mg de ferro em cada mL de células vermelhas do sangue.
Foi lançada no mercado uma apresentação de ferro para uso
intravenoso, a carboximaltose férrica (Ferinject®), a qual propicia
mais comodidade e apresenta posologia e cálculo de dose que levam
em conta somente o peso do paciente. Ela oferece excelentes
resultados, porém com maior custo para aquisição.
3.3 ANEMIA MEGALOBLÁSTICA
A anemia megaloblástica é um distúrbio provocado pela síntese
comprometida do DNA. A divisão celular é lenta, em razão da
inadequada conversão de desoxiuridilato em timidilato. O
desenvolvimento citoplasmático progride normalmente, de modo
que as células megaloblásticas tendem a ser grandes, com proporção
aumentada de RNA e proteínas em relação ao DNA. O aspecto das
células é característico, e o termo megaloblástico refere-se às
anormalidades que aparecem nos núcleos celulares dos precursores
eritroides, com a presença de grandes núcleos com cromatina
rendilhada, traduzida no sangue periférico pelo encontro de macro-
ovalócitos.
Existem 4 tipos etiológicos de anemia megaloblástica: por
deficiência de cobalamina (Cbl – vitamina B12), por deficiência de
folato, por drogas e por alterações variadas, que incluem síndrome
mielodisplásica, formas raras de deficiências enzimáticas e doenças
ainda inexplicáveis, como a síndrome de Lesch-Nyhan.
Existem 4 tipos etiológicos de anemia
megaloblástica: por deficiência de cobalamina,
por deficiência de folato, por drogas e por
alterações variadas.
As alterações morfológicas afetam todas as linhagens, inclusive a
granulocítica e a megacariocítica, podendo ocorrer pancitopenia.
3.3.1 Anemia por deficiência de vitamina B12
3.3.1.1 Considerações gerais
A vitamina B12 pertence à família das Cbls e atua em 2 reações
importantes:
1. Como metil-Cbl: coenzima da metionina sintetase, que catalisa a
transferência do radical metil da metil-Cbl para a homocisteína,
formando a metionina, importante na metilação de vários
neurotransmissores, fosfolipídios, DNA e RNA. O grupo metil do 5-
metiltetra-hidrofolato restabelece a metil-Cbl, doando seu radical metil,
o que resulta na formação do tetra-hidrofolato, importante para a
síntese de timidilato;
2. Como adenosil-Cbl: cofator para a conversão da metilmalonil-
coenzima A em succinil-coenzima A.
Figura 3.7 - Papel da metilcobalamina no metabolismo humano
Legenda: tetra-hidrofolato (THF). 
Fonte: elaborado pelos autores.
3.3.1.2 Fisiopatologia
A vitamina B12 é encontrada somente em produtos de origem animal
(carnes, ovos e derivados do leite),e toda aquela presente no corpo
humano provém da dieta.
A dose necessária diária é de 2 µg/d para adultos e 2,6 µg/d para
gestantes e lactentes. A reserva é de 2.000 a 5.000 mg, sendo metade
estocada no fígado. Dessa maneira, desde que o consumo diário
esteja entre 2 e 5 µg, a carência pode levar mais de 3 anos para
estabelecer-se após a instalação de um bloqueio de absorção.
A Cbl da dieta está ligada a proteínas alimentares, precisando sofrer
ação da acidez e pepsina do estômago para ser liberada e ligada à
proteína R (ou haptocorrina), produzida pela saliva e pelo suco
gástrico. A combinação proteína R + B12 impede a absorção da
vitamina em meio gástrico. Proteases do suco pancreático produzem
meio alcalino no duodeno e liberam o ligante da B12,
disponibilizando-o para ligar-se ao Fator Intrínseco (FI), secretado
pelas células parietais do fundo gástrico e da cárdia. Vitamina B12 +
FI são absorvidos no íleo distal (99%), por meio do complexo
receptor cubilina-AMN, que é dependente de cálcio.
Posteriormente, a Cbl é transportada através do plasma pelas trans-
Cbls e estocada, principalmente, no fígado. As trans-Cbls são
proteínas de transporte de vitamina B12 e, até o momento, foram
identificados 3 tipos dessa proteína: I, II e III, cada qual com um
local de síntese diferente e variações na estrutura de glicoproteínas.
Aproximadamente 90% da B12 plasmática circula ligada às trans-
Cbls, porém apenas a trans-Cbl II tem a capacidade de transportar a
vitamina para o interior das células. Uma vez dentro das células, a
Cbl é metabolizada em metil-Cbl e adenosil-Cbl.
Dessa maneira, para a absorção adequada da vitamina B12, são
necessários os seguintes fatores:
a) Ingesta adequada;
b) Acidez gástrica;
c) Proteases pancreáticas;
d) Secreção de FI;
e) Receptor ileal funcionante.
Figura 3.8 - Absorção de vitamina B12
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
A principal consequência da deficiência de cobalamina é o aumento
da homocisteína, o que é tóxico ao endotélio, podendo acelerar a
arteriosclerose e causar tromboembolismo venoso.
Pela síntese inadequada de THF, ocorre eritropoese ineficaz, ou seja,
a medula óssea é repleta de precursores, porém, no sangue
periférico, há reticulocitopenia relativa e anemia, em consequência
de hemólise intramedular por formação de precursores alterados.
3.3.1.3 Causas de deficiência
As principais causas de deficiência de vitamina B12 são: anemia
perniciosa; gastrectomia/cirurgia bariátrica; doença péptica;
ressecção/bypass ileal; doença de Crohn/má absorção; síndrome da
alça cega; insuficiência pancreática; dieta vegetariana vegana;
gestante vegetariana; medicamentos que alteram a síntese de DNA,
como biguanida, neomicina, 6-mercaptopurina e agentes
alquilantes (ciclofosfamida); inibidor da bomba de prótons.
a) Deficiência de ingesta
Uma vez que a vitamina está presente em todos os alimentos de
origem animal, a deficiência por ausência de ingesta é raríssima,
podendo afetar os considerados vegetarianos veganos (que não
ingerem ovos nem produtos lácteos).
b) Deficiência de absorção
As cirurgias de gastrectomia podem causar deficiência de B12 pela
retirada da camada de mucosa produtora de FI, pela diminuição da
produção do suco gástrico e pela ocorrência da chamada “síndrome
da alça cega”, em que o crescimento bacteriano excessivo leva à
competição pela vitamina no lúmen intestinal. Ileostomias em que a
porção absorvedora de B12 é retirada também provocam carência.
Uma causa rara de deficiência de B12, porém frequentemente citada,
é a infestação por Diphyllobothrium latum, um parasita que afeta
peixes de águas frias. Essa larva atua competindo com a absorção da
vitamina.
Na pancreatite e na doença de Crohn grave, há deficiência por
retardo da absorção no íleo. Outras doenças que afetam a região de
absorção ileal, como tuberculose intestinal, linfoma intestinal e
irradiação pélvica, também são fatores que levam à falta da
vitamina.
Além disso, há relatos entre portadores de Helicobacter pylori, nos
quais o tratamento deste supre a deficiência da vitamina.
c) Deficiência de fator intrínseco
A causa mais comum de deficiência de B12 é a chamada anemia
perniciosa, doença autoimune que dificilmente se manifesta antes
da idade adulta. O FI diminui por meio de 2 mecanismos principais:
1. Anticorpos antifator intrínseco: detectáveis em 70% dos
pacientes com anemia perniciosa, possuem 100% de especificidade;
2. Gastrite atrófica: associada ao anticorpo anticélula parietal
(detectável em até 90%), diminuindo a secreção do FI. É mais sensível
do que o anticorpo antifator intrínseco, porém menos específico.
A gastrite atrófica também está associada ao risco aumentado
de neoplasia gástrica e tumor carcinoide gástrico,
recomendando-se vigilância com endoscopia anual.
Geralmente, a anemia perniciosa associa-se a outras alterações
imunológicas, como deficiência de IgA, vitiligo, hipotireoidismo e
insuficiência endócrina poliglandular.
As causas hereditárias são muito raras, mas podem acontecer por
secreção de FI qualitativamente deficiente, mutação do gene do
receptor ileal cubilina-AMN e deficiência congênita de trans-Cbl.
3.3.1.4 Quadro clínico
Há relato de sintomas relacionados à anemia, geralmente grave,
podendo ocorrer também sangramentos quando se instala
plaquetopenia.
Como a síntese de DNA alterada afeta todos os tecidos com alto
turnover, o estado megaloblástico produz mudanças nas mucosas,
levando à glossite, assim como a outros distúrbios gastrintestinais
inespecíficos, por exemplo, anorexia e diarreia.
As manifestações neurológicas associadas incluem polineuropatia,
mielopatia, demência e neuropatia óptica. Ocorre também síndrome
neurológica complexa e característica chamada “degeneração
combinada subaguda”, em que os nervos periféricos geralmente são
os primeiros afetados, com queixas iniciais de parestesia simétrica,
acometendo mais os membros inferiores do que os superiores. As
colunas posteriores da medula espinal começam a sofrer lesão, e os
pacientes queixam-se de alterações sensoriais mais graves,
caracteristicamente com redução da propriocepção, apresentando
ataxia e, nos casos mais severos, paraplegia, incontinência urinária e
fecal. Em casos mais avançados, podem ocorrer alterações
neuropsiquiátricas e até demência. Os sintomas neurológicos podem
aparecer independentemente da anemia; na verdade, de 12 a 25%
daqueles com carência de B12 podem evoluir com sintomas
neurológicos apenas, sem alteração hematológica.
A reposição de folato é capaz de corrigir a anemia, porém não afeta o
quadro neurológico ou há até piora deste, nos casos de deficiência de
B12.
Não é incomum, em pacientes com anemia perniciosa, o diagnóstico
de outras doenças autoimunes, como tireoidite de Hashimoto e
vitiligo.
Ao exame físico, encontram-se palidez e, às vezes, icterícia leve.
Durante o exame neurológico, redução da sensação vibratória e da
propriocepção pode estar presente, sendo o primeiro sinal de
neuropatia periférica. Constitui quadro clássico: pessoa idosa,
levemente ictérica e pálida, com língua careca, mentalmente lenta e
com passos largos e trôpegos.
3.3.1.5 Alterações laboratoriais
A anemia megaloblástica caracteriza-se por macrocitose com VCM
aumentado, que pode chegar a 140 fL.
A associação à deficiência de ferro não é rara; nesse caso, o VCM
pode estar normal ou até diminuído.
No esfregaço de sangue periférico, nota-se anisopoiquilocitose
acentuada, e o achado característico são os macro-ovalócitos. Os
neutrófilos maduros mostram hipersegmentação nuclear (5% com 5
segmentos ou mais, ou 1% com 6 segmentos ou mais –
polilobócitos).
A contagem de plaquetas e granulócitos pode estar reduzida, e os
reticulócitos estão baixos.
A morfologia eritroide medular é característica, com hiperplasia
eritroide como resposta à produção vermelha ineficaz, e há células
grandes, com assincronia de maturação do núcleo e do citoplasma
(já que o citoplasma continua a amadurecer, mas o núcleo, pelo
defeito de síntese de ácidos nucleicos, retardasua progressão). Na
série granulocítica, além dos polilobócitos, podem ser vistos
metamielócitos gigantes.
A combinação de macro-ovalócitos e neutrófilos
hipersegmentados é patognomônica de anemia
megaloblástica.
Figura 3.9 - Neutrófilo hipersegmentado
Fonte: adaptado de Kantarose Boonyuen.
Como resultado da eritropoese ineficaz e da destruição intramedular
das células anômalas, os níveis séricos de bilirrubinas
(principalmente de bilirrubina indireta secundária à hemólise
intramedular) e desidrogenase láctica podem elevar-se, com
aumento discreto das primeiras e pronunciado da segunda.
O diagnóstico de deficiência de vitamina B12 é feito pela dosagem da
vitamina no sangue, que deverá estar baixa, desde que o paciente
não tenha recebido recentemente aporte exógeno da vitamina. É
comum encontrar deficiência de B12, mas com níveis séricos
normais, por terem recebido hidratação venosa ou suplementos
vitamínicos contendo complexo B. A dosagem sérica da vitamina
sofre várias limitações: gestantes com níveis diminuídos sem
deficiência, variação individual ampla, alguns com dosagem normal
diante do quadro de deficiência; portanto, em casos de dosagem
normal de vitamina B12, mas com quadro clínico e hemograma
altamente suspeitos, podem-se dosar homocisteína sérica e ácido
metilmalônico sérico e urinário (todos estarão aumentados). Essas
dosagens são atualmente o padrão-ouro para diagnóstico, tanto que
valores normais desses metabólitos intermediários, mesmo com
dosagens diminuídas de B12, excluem diagnóstico de anemia
megaloblástica.
Para o diagnóstico da anemia perniciosa, podem-se dosar o
anticorpo antifator intrínseco (especificidade > 95%, mas
sensibilidade de 50 a 70%), o anticorpo anticélula parietal
(encontrado em 80 a 90% dos pacientes, mas específico para
gastrite autoimune) e o anticorpo de dosagem sérica de gastrina
(bastante sensível – 90 a 95% –, mas pouco específico).
3.3.1.6 Diagnóstico diferencial
Deve-se, primeiramente, diferenciar a deficiência de B12 da
deficiência de folato, pela semelhança dos quadros clínico e
laboratorial, embora possa haver concomitância.
Afastar também a mielodisplasia, capaz de causar alterações
morfológicas medulares bem semelhantes, mas sem haver
concomitantemente queda dos níveis de B12 (normais na
mielodisplasia) nem quadros neurológicos associados. Pelo quadro
de pancitopenia que pode acontecer, deve-se diferenciar de anemia
aplásica e leucemias agudas.
3.3.1.7 Tratamento
Os pacientes com anemia perniciosa são tratados com aporte
parenteral de vitamina B12, sugerindo o uso diário de injeção de
1.000 µg IM. O esquema proposto é de 1 injeção/d por 1 semana; após,
1 injeção/sem durante 1 mês; e, depois, 1x/mês por toda a vida. Pode-
se, em alguns casos, utilizar a manutenção com Cbl oral de forma
alternativa, 1.000 µg/d, continuamente.
Também se deve evitar o uso de folato antes do início da reposição da
vitamina, pois pode agravar o quadro neurológico.
O primeiro sinal de resposta é sensação inespecífica de bem-estar,
seguida da redução dos outros sintomas. Já no segundo dia do
tratamento, há queda importante de ferro sérico, bilirrubina e
desidrogenase láctica, além da normalização das alterações
encontradas na medula óssea.
Pode acontecer hipocalemia nos primeiros dias de tratamento,
principalmente se a anemia é muito grave, pelo aumento da
utilização para a eritropoese. Espera-se aumento de contagem
reticulocitária em 3 a 4 dias de tratamento, com pico entre o sétimo e
o décimo dia. Os neutrófilos hipersegmentados desaparecem ao
redor do décimo ao décimo quarto dia. E a normalização
hematológica acontece em torno de 2 meses após o início da
terapêutica.
Os sintomas do sistema nervoso central são reversíveis em até 12
meses, caso haja pouco tempo de evolução (menos de 6 meses), mas
podem ficar sequelas permanentes, caso o tratamento não seja
iniciado prontamente.
3.4 ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE
ÁCIDO FÓLICO
3.4.1 Considerações gerais
O Ácido Fólico (AF) está presente na maioria dos vegetais e das
frutas, principalmente nos cítricos e nas folhas verdes, na forma de
poliglutamato, sendo hidrolisado em monoglutamato no jejuno,
onde é absorvido. As necessidades diárias variam entre 50 e 100 µg,
aumentando na gestação até 8 vezes. Os estoques corpóreos de folato
alcançam cerca de 5.000 µg, nível suficiente para suprir os
requerimentos orgânicos por 2 a 3 meses.
Os folatos constituem um grupo de compostos heterocíclicos nos
quais o ácido pteroico está conjugado com um ou diversos resíduos
de ácido L-glutâmico. O AF, para ser biologicamente ativo, necessita
sofrer redução, passando pelas formas intermediárias de
diidrofolato e THF, por meio da enzima diidrofolato redutase. Pode,
ainda, ligar unidades de carbono, que inclui grupos metil (CH3),
metileno (CH2), formil (-CHO-) ou formimino (-CHNH-),
conferindo ao folato a função de coenzima, em vários sistemas
enzimáticos, como carreador dessas unidades de carbono em
diferentes graus de oxidação.
Os folatos podem ser absorvidos ao longo de todo o intestino
delgado, preferencialmente no jejuno. Para sua absorção, os
poliglutamatos necessitam ser hidrolisados em monoglutamatos
pela enzima intestinal pteroilpoliglutamato hidrolase. Uma vez
absorvidos, os folatos monoglutamatos podem ser convertidos em
5-metiltetra-hidrofolato (5-metil-THF), principal forma
encontrada no plasma, onde é transportado para o fígado e os
tecidos periféricos via circulação porta.
O folato é estocado principalmente no fígado e secretado na bile,
onde a circulação êntero-hepática será responsável por sua
reabsorção e reutilização, diminuindo as perdas orgânicas.
A importância dessa vitamina está na participação de reações de
transferência de unidades de carbono, como reações de metilação,
síntese de metionina, biossíntese de purinas e formação de
timidilato (fundamentais para a síntese do DNA).
3.4.2 Causas da deficiência
A principal causa de deficiência é falha na ingesta: pessoas
anoréxicas, etilistas crônicas, aquelas que não ingerem frutas ou
vegetais crus e as que cozinham demasiadamente os alimentos (o AF
é termolábil, destruído após 15 minutos de cozimento). O alcoolismo
crônico pode resultar em deficiência de folato por diminuição da
ingesta alimentar, da circulação êntero-hepática e bloqueio da
absorção pela inibição direta do álcool sobre a enzima
pteroilpoliglutamato hidrolase.
Raramente é vista a deficiência por déficit de absorção. O AF é
absorvido no jejuno proximal, por isso a deficiência pode ocorrer
principalmente em indivíduos com síndromes disabsortivas crônicas
(espru tropical).
Existem condições em que os requerimentos diários de folato
aumentam intensamente, podendo levar aos quadros carenciais,
como na gestação, nas doenças esfoliativas cutâneas crônicas e nas
anemias hemolíticas.
É muito importante o suplemento durante a gestação, para prevenir
malformação fetal, como os defeitos de tubo neural (anencefalia e
espinha bífida).
Drogas como a fenitoína, que pode interferir na absorção do folato, a
sulfassalazina, o sulfametoxazol-trimetoprima (inibidores fracos da
diidrofolato redutase) e o metotrexato (inibidor forte da diidrofolato
redutase) levam à diminuição da síntese de DNA (diminui a síntese
de timidilato) e provocam anemia megaloblástica por deficiência
funcional. Paciente em esquema de hemodiálise por Insuficiência
Renal Crônica (IRC) pode apresentar deficiência de AF por este ser
dialisável, logo, perdido durante as múltiplas sessões às quais é
submetido.
3.4.3 Quadros clínico e laboratorial
O quadro é semelhante ao da deficiência de vitamina B12, com as
mudanças megaloblásticas e as alterações de mucosa, porém não se
apresenta quadro neurológico associado.
Acontece também a elevação da desidrogenase láctica e das
bilirrubinas, porém a dosagem de B12 é normal. O AF sérico está
abaixo de 3 ng/mL. Os níveis eritrocitários são mais específicos do
que a dosagem no soro, contudo esse é um exame de maior
complexidade e menor disponibilidade. Em caso de dúvida
diagnóstica, pode-seobservar aumento da homocisteína sérica e
urinária, mas, diferentemente do que ocorre na deficiência de
vitamina B12, a dosagem do ácido metilmalônico está normal.
Quadro 3.5 - Dosagem de metabólitos intermediários
3.4.4 Diagnóstico diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais de causas de macrocitose são:
a) Drogas;
b) Alcoolismo/doença hepática alcoólica;
c) Hipotireoidismo;
d) Mieloma múltiplo (falsa macrocitose);
e) Síndrome mielodisplásica;
f) Anemia aplásica;
g) Leucemias agudas.
3.4.5 Tratamento
Utiliza-se AF oral na dose de 1 a 5 mg/d (a maioria das formas
comerciais disponíveis no Brasil é de 2 ou 5mg), e espera-se
resposta rápida. O tratamento deverá ser continuado até a completa
recuperação hematológica ou durante todo o período de aumento da
demanda, quando for o caso.
3.5 ANEMIA DE DOENÇA CRÔNICA
3.5.1 Considerações gerais e fisiopatologia
A Anemia de Doença Crônica (ADC) é a etiologia mais frequente de
anemia entre indivíduos hospitalizados, pois a maioria das doenças
sistêmicas crônicas associa-se a quadros de anemia leve ou
moderada. Nessa condição, há resposta hematológica insuficiente
perante as injúrias sistêmicas dos mais variados tipos, como
inflamação, infecção, trauma, neoplasia, hepatopatia alcoólica,
insuficiência cardíaca congestiva, diabetes, trombose, doença
pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência renal, entre outros.
Quanto à fisiopatologia, os principais mecanismos que levam à
anemia são:
1. Distúrbio na hemostasia do ferro: é o principal mecanismo
fisiopatológico; há diminuição na captação e aumento no
armazenamento pelo sistema reticuloendotelial, diminuindo o nível
sérico do ferro e a disponibilização para os precursores eritroides, com
consequente queda do ferro sérico e aumento dos níveis de ferritina;
2. Diminuição da sobrevida e produção eritrocitária: ocorre pela
ação de interleucinas, que inibem a proliferação e a diferenciação de
precursores eritroides, e pela falha da medula óssea em compensar
adequadamente essa redução;
3. Diminuição relativa dos níveis de EPO: embora esta esteja pouco
aumentada quando da dosagem, seu nível não é suficiente para
aumentar a eritropoese, provavelmente por elevação da apoptose dos
precursores eritroides.
A hepcidina, já citada, tem sua liberação aumentada diante de
quadros infecciosos e inflamatórios, particularmente com liberação
de interleucina 6 (IL-6). Tal proteína provoca a retenção do ferro
dentro dos macrófagos, impedindo o retorno do ferro estocado à
circulação e bloqueando também a passagem daquele presente nos
enterócitos para a circulação (inibe a ferroportina), os quais perdem
esse metal ao sofrerem a descamação fisiológica. A hepcidina
aumentada nos quadros infecciosos e inflamatórios, e o aumento das
interleucinas IL-1, IL-6, fator de necrose tumoral e alfainterferona,
que diminuem a responsividade da medula óssea à eritropoetina,
têm papel importante no desenvolvimento da anemia de doença
crônica.
Aparentemente, níveis mais elevados de EPO e aumento do estímulo
de eritropoese levam à redução da síntese de hepcidina e ao aumento
da disponibilidade do ferro. A administração de EPO em doses
maiores também pode inibir o efeito de interleucinas,
particularmente de alfainterferona.
Existe uma variante da ADC, que é a anemia relacionada a eventos
agudos: trauma, infarto agudo do miocárdio, pós-cirúrgico e sepse –
é a chamada “anemia do doente crítico”, que apresenta a mesma
fisiopatologia de baixo ferro sérico e baixa resposta à EPO endógena.
Figura 3.10 - Fisiopatologia da anemia de doença crônica
Fonte: elaborado pelos autores.
3.5.2 Sinais e sintomas
Os achados clínicos são em geral modestos, correlacionados
usualmente com a doença de base, devendo-se suspeitar do
diagnóstico quando o paciente é portador conhecido de alguma
patologia crônica; entretanto, a confirmação será feita somente com
os achados laboratoriais.
Deve-se investigar a coexistência de causas de deficiência
nutricional concomitante, por déficit de ingesta, sangramento ou
disabsorção, e observar a presença de sinais/sintomas sugestivos das
carências.
A sintomatologia é de anemia, e o quadro específico da doença de
base pode dificultar o diagnóstico.
3.5.3 Quadro laboratorial
A anemia é de intensidade variável. Muitos pacientes apresentam
valor de Hb entre 10 e 11 g/dL, mas alguns casos podem ter anemia
grave, com Hb < 8 g/dL (até 30% dos casos). Em pacientes com esse
tipo de anemia, é sempre importante afastar outras causas de
anemia concomitante: insuficiência renal, carência nutricional ou
sangramento. A prevalência e a severidade estão relacionadas ao
estágio da doença de base e à idade do paciente.
A morfologia eritrocitária é normocítica/normocrômica, e a
contagem reticulocitária está diminuída como resultado da
eritropoese diminuída. Em 30% dos casos, a anemia pode ser
hipocrômica e microcítica, especialmente quando em associação à
anemia ferropriva.
O estudo do perfil de ferro completo demonstra:
a) Ferro sérico baixo, às vezes chegando a níveis mínimos;
b) CTLF baixa, refletindo o nível de transferrina diminuído;
c) Saturação de transferrina normal (mas em 20% dos casos pode
estar diminuída);
d) Dosagem de receptores de transferrina solúveis diminuída;
e) Ferritina normal ou elevada, por tratar-se de proteína de fase aguda
e pelo aumento dos estoques de ferro;
f) Pesquisa do ferro medular revelando quantidade normal ou
aumentada de ferro nos macrófagos e diminuída ou ausente nos
precursores eritroides (diminuição ou ausência dos sideroblastos).
Substâncias que sugerem atividade inflamatória elevada, como a
proteína C reativa, velocidade de hemossedimentação e fibrinogênio,
podem estar elevadas.
A ADC é um diagnóstico de exclusão, e sempre se devem investigar
outras causas de anemia, principalmente as nutricionais.
3.5.4 Diagnóstico diferencial
A ADC é uma anemia normocítica e normocrômica, hipoproliferativa
e com as demais linhagens celulares normais, tendo como principal
diagnóstico diferencial a anemia da insuficiência renal. Outras
situações que podem cursar com quadro semelhante são as anemias
secundárias às doenças endócrinas graves: hipotireoidismo,
hiperparatireoidismo, insuficiência adrenal e mesmo pan-
hipopituitarismo.
Nas poucas vezes em que a ADC se apresenta como anemia
hipocrômica e microcítica, o diagnóstico diferencial mais difícil é da
anemia ferropriva. Há de ressaltar que as 2 entidades apresentam
ferro sérico diminuído; na anemia ferropriva, porém, existe déficit
absoluto de ferro por depleção; já na ADC, existe menor
disponibilidade desse íon, que se encontra sequestrado nos estoques
teciduais. Assim, os exames mais fidedignos para diferenciar as 2
situações são pesquisa do ferro medular, que, na carência de ferro,
está ausente, e dosagem do receptor de transferrina, que está
aumentada na ferropriva e diminuída na ADC. A quantificação da
CTLF também é um dado importante, pois está aumentada na
ferropriva e diminuída na ADC. Deve-se estar atento para o fato de
que as 2 situações podem coexistir. Entretanto, na rotina clínica,
lança-se mão da ferritina, que usualmente está aumentada na ADC e
diminuída na anemia ferropriva.
Outros diagnósticos diferenciais de anemia hipocrômica e
microcítica: talassemia, anemia sideroblástica, deficiência de cobre,
intoxicação por chumbo e hemoglobinopatia C.
Quadro 3.6 - Diferenciação entre anemia ferropriva e anemia de doença crônica
3.5.5 Tratamento
Na anemia de doença crônica, o tratamento
deve ser da doença de base em si, uma vez que
a anemia geralmente é discreta e não necessita
ser tratada.
Em casos mais graves, ou nos quais a doença de base é de tratamento
mais difícil, podem ser necessárias transfusões de concentrados de
hemácias quando a oxigenação tissular for muito prejudicada.
Sangramento, deficiência de vitamina B12, folato e ferro devem ser
corrigidos, caso presentes.
A EPO recombinante injetável, indicada a pacientes com Hb < 10
g/dL, apresenta boa resposta em 40 a 80% dos casos. O nível sérico
de EPO < 500 UI/Lé um bom preditor de resposta. Em 2 semanas de
tratamento com EPO, espera-se a elevação de, ao menos, 0,5 g/dL de
Hb, com a dose de EPO de 100 a 150 UI/kg, 3x/sem. Se não houver
resposta em 6 a 8 semanas, aumentar a EPO para 300 UI/kg, 3x/sem.
Se não houver resposta em 12 semanas, suspender e manter apenas
suporte transfusional quando necessário.
Deve-se fazer reposição de ferro oral concomitante para manter a
ferritina > 100 ng/dL e a saturação de transferrina > 20%. Se não
houver melhora dos níveis de ferro com a apresentação oral, utilizar
ferro parenteral (a hepcidina elevada diminui a absorção intestinal
do ferro). De maneira geral, a reposição de ferro somente é indicada
a casos de concomitância com anemia ferropriva ou refratariedade
ao uso de agentes eritropoéticos por depleção férrica.
3.6 ANEMIA DA INSUFICIÊNCIA RENAL
CRÔNICA
Na IRC, o grau de anemia é proporcional ao grau de insuficiência
renal, de modo que aproximadamente 90% da população com
clearance de creatinina < 25 a 30 mL/min apresenta anemia, muitas
vezes, com valor de hemoglobina (Hb) < 10 g/dL. A anemia pode,
ainda, surgir mesmo com menores valores de creatinina, como 2
mg/dL.
No paciente com IRC, a anemia contribui para a piora dos sintomas
relacionados à diminuição da função renal, como fadiga, depressão,
dispneia e alteração cardiovascular. Também está associada ao
aumento da morbimortalidade por eventos cardiovasculares e
maiores frequência e duração das hospitalizações.
A fisiopatologia da anemia na IRC pode ser explicada por 3
mecanismos:
a) Diminuição da produção de EPO;
b) Presença de produtos tóxicos metabólicos que diminuem a meia-
vida do eritrócito e inibem sua produção (baixa responsividade à EPO);
c) Sangramentos (disfunção plaquetária), hemólise e espoliação.
Coletas de exame frequentes, associadas à perda de hemácias
durante a hemodiálise, causam espoliação crônica de sangue e
depleção de ferro. Mais raramente, em pacientes com síndrome
nefrótica, pode ocorrer perda de transferrina (proteína carreadora
do ferro) na urina, comprometendo o ciclo do ferro e contribuindo
para a anemia.
A diálise pode contribuir para a anemia por meio de depleção de AF
(dialisável no procedimento); hemólise por trauma mecânico;
presença de alumínio na água do banho de diálise, que pode
interferir na incorporação do ferro aos precursores eritroides,
causando anemia microcítica, além da perda de pequena quantidade
de sangue, que fica retido no circuito a cada sessão.
Na avaliação laboratorial, encontra-se anemia normocrômica e
normocítica leve, na maioria dos casos, com Hb em torno de 9 a 10
g/dL (apesar da possibilidade, em até 30% dos casos, de anemia mais
intensa, abaixo de 8 g/dL), com reticulócito normal ou diminuído.
Deve ser feita a dosagem do perfil completo de ferro ao diagnóstico
da anemia e na monitorização durante todo o tratamento.
O tratamento é feito com a reposição de EPO recombinante, na dose
de 150 UI/kg SC, 3x/sem. O valor-alvo de Hb desejado com o
tratamento é de 10 a 12 g/dL (nunca excedendo 13 g/dL), o que ocorre
em mais de 95% dos casos, indicando que a ação dos outros
mecanismos na diminuição da eritropoese é mínima. Casos de
resistência a EPO decorrem de ferropenia, processo
inflamatório/infeccioso associado, hiperparatireoidismo secundário
à IRC ou intoxicação por alumínio. Como raros efeitos adversos da
EPO, podem-se ter hipertensão arterial, crise convulsiva, eventos
cardiovasculares e trombose, principalmente de fístula
arteriovenosa.
Recomenda-se a reposição de AF e ferro, com controle periódico do
perfil deste, que deve manter valores de ferritina entre 200 e 500
µg/L e/ou saturação de transferrina entre 20 e 50%. Para pré-
dialíticos ou em diálise peritoneal, a reposição de ferro pode ser feita
via oral ou parenteral; para aqueles em hemodiálise, a reposição é
feita com ferro parenteral.
3.7 ANEMIAS DAS DOENÇAS
ENDÓCRINAS
O sistema endócrino age direta ou indiretamente sobre a
hematopoese, sendo alguns distúrbios responsáveis por quadro de
anemia, que pode ser normo, macro ou microcítica. As principais
doenças endócrinas que podem cursar com anemia são:
hipo/hipertireoidismo (causa mais comum); hipoaldosteronismo
(doença de Addison); hiperparatireoidismo; deficiência androgênica.
O tratamento consiste em tratar a doença de base.
3.8 ANEMIAS SIDEROBLÁSTICAS
3.8.1 Considerações gerais
As anemias sideroblásticas, congênitas ou adquiridas, compõem um
grupo heterogêneo de doenças nas quais há o comprometimento da
síntese de Hb, em virtude da falha na síntese de protoporfirina, que,
junto ao ferro, forma o núcleo heme da Hb. O metabolismo do heme
ocorre nas mitocôndrias e, dessa forma, como está deficiente, o ferro
pode acumular-se particularmente nas mitocôndrias dos
eritroblastos e macrófagos.
A anemia sideroblástica hereditária mais comum é ligada ao X, de
baixa incidência e de manifestação precoce. Nessa forma, há
deficiência da enzima ácido aminolevulínico sintetase, necessária
para a formação da protoporfirina.
As formas adquiridas são mais comuns e ocorrem por alcoolismo,
toxicidade por drogas (cloranfenicol e agentes antituberculose),
intoxicação por chumbo, deficiência de cobre e, mais
frequentemente, como manifestação de uma desordem medular
(clonal) em célula-tronco hematopoética, a mielodisplasia ou
síndrome mielodisplásica, capaz de evoluir para leucemia aguda.
Figura 3.11 - Formação do heme
Legenda: succinil-coenzima A (SCoA); ácido delta-aminolevulínico (ALA). 
Fonte: elaborado pelos autores.
3.8.2 Quadros clínico e laboratorial
Não há sintomas clínicos além dos relacionados à anemia, que
geralmente é moderada, com níveis de Hb entre 7 e 9 g/dL. O
diagnóstico é feito por meio do exame da medula óssea, que mostra
sinais de eritropoese ineficaz (ou seja, hiperplasia eritroide medular
que não se traduz em aparecimento de reticulócitos no sangue
periférico) e deficiência na maturação citoplasmática. A coloração de
ferro medular pelo corante azul da Prússia, ou coloração de Perls,
mostra aumento generalizado nos depósitos de ferro. Em algumas
situações, podem-se encontrar sideroblastos “em anel” (depósitos
de ferro ao redor do núcleo do eritroblasto). Os níveis séricos de ferro
e ferritina e a saturação de transferrina estão elevados, revelando a
sobrecarga daquele.
3.8.2.1 Hereditária
A anemia aparece nos primeiros meses de vida; pode haver
esplenomegalia. Apresenta microcitose e hipocromia, devendo haver
diferenciação da anemia ferropriva e das talassemias.
3.8.2.2 Adquirida
Tende a ser macrocítica, com subpopulação microcítica. Pode
apresentar leucopenia e/ou plaquetopenia.
No caso da intoxicação por chumbo, o pontilhado basófilo eritroide é
característico, e os níveis séricos desse metal estão acima do normal.
Figura 3.12 - Sideroblastos “em anel” pela coloração de Perls
Fonte: Avaliação da importância da coloração de Perls na rotina de mielogramas de
pacientes com anemia associada a uma ou mais citopenias em sangue periférico, 2005.
3.8.3 Tratamento
O tratamento é dependente da causa-base. Quando a etiologia é
secundária ao uso de drogas, a retirada delas é suficiente. Na
intoxicação por chumbo, está indicada a quelação do metal pesado.
Na deficiência de cobre, deve ser feita a suplementação do metal. No
alcoolismo, deve ser orientada a suspensão da ingesta alcoólica e
feita suplementação vitamínica com AF e vitamina B6. Na
mielodisplasia, alguns pacientes têm demonstrado resposta ao uso
de piridoxina (vitamina B6, necessária para as etapas iniciais da
síntese do heme), porém a maioria dos casos não responde a tal
terapêutica, sendo necessário tratamento quimioterápico e, quando
possível, transplante de células-tronco hematopoéticas. Na forma
hereditária, há ótima resposta com a reposição de piridoxina.
O uso de EPO pode ser eficaz em alguns casos; por sua vez, o suporte
transfusional depende da sintomatologia de cada paciente e pode ser
necessário por toda a vida nas displasias. Por fim, os níveis de ferro
devem ser monitorizados, e a quelação

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