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www.pneumoatual.com.br Fibrose Pulmonar Idiopática Autor José Antônio Badinni Martinez1 Abr-2010 1 - O que é fibrose pulmonar idiopática (FPI) e qual a sua importância para o médico pneumologista? A FPI é uma doença pulmonar fibrótica crônica, progressiva, que costuma afetar indivíduos com idade superior a 50 anos. Histologicamente caracteriza-se pelo padrão de pneumonia intersticial usual (PIU) (Figura 1). Desse modo, podemos definir FPI como sendo uma moléstia caracterizada pela presença de PIU sem etiologia definida. A PIU, por sua vez, caracteriza-se por ser um processo patológico de distribuição sub-pleural e paraseptal, geralmente mostrando pouca inflamação intersticial, mas com extensas áreas de deposição de colágeno, associadas à presença de focos de intensa proliferação de miofibroblastos, os assim chamados “focos fibroblásticos”. Outra característica da PIU é a distribuição heterogênea das lesões, convivendo no mesmo campo visual áreas de doença avançada e parênquima pouco afetado. Outra importante característica da PIU é a ocorrência de cistos de parece fibrótica espessa, conhecidos como pulmão em favo de mel ou “honeycomb lung”. Figura 1: Pneumonia intersticial usual. A: Distribuição periférica e heterogênea das lesões. B: Pulmão em favo de mel. 2 - Qual a epidemiologia da fibrose pulmonar idiopática (FPI)? A epidemiologia da FPI ainda é pouco conhecida, estimando-se, nos EUA, uma prevalência entre 14 e 43 casos/100.000 e uma incidência anual entre 7 e 16 casos/100.000 habitantes. No nosso meio faltam dados confiáveis sobre a epidemiologia dessa moléstia. 1 Professor Associado do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Chefe da Divisão de Pneumologia; Pós-Doutorado no National Jewish Center for Immunology and Respiratory Medicine - University of Colorado: 1991-1993 e Presbyterian University Hospital- University of Pittsburgh: 1993-1994. www.pneumoatual.com.br A importância da FPI advém do fato de ser uma das DIPs mais comuns encontradas na prática diária dos pneumologistas. Além disso, geralmente está associada a baixa sobrevida e, no momento, ainda não dispomos de tratamentos realmente efetivos para essa condição. 3 - Como é a apresentação clínica mais comum da fibrose pulmonar idiopática (FPI)? A FPI tende a acometer pessoas a partir da quinta década de vida. Além disso, tende a ser ligeiramente mais comum em homens do que em mulheres. A doença costuma ter instalação insidiosa ao longo de meses ou anos. A queixa mais comum é a dispnéia. Inicialmente presente aos grandes esforços, nas fases avançadas ela frequentemente torna-se incapacitante, sendo o principal fator limitante da qualidade de vida desses pacientes. A tosse normalmente é seca e de pouca intensidade, entretanto, em até um terço dos pacientes, pode tornar-se uma queixa muito proeminente. A presença de estertores finos em velcro nos terços inferiores dos pulmões e a ocorrência de baqueteamento digital também falam a favor do diagnóstico. 4 - Como o diagnóstico clínico da fibrose pulmonar idiopática (FPI) deve ser considerado? O diagnóstico de FPI é, em grande parte, um diagnóstico de exclusão de outras causas de DIPs. Nesse contexto, uma história clínica bem tirada e um exame físico detalhado são elementos muito importantes. Devemos estar sempre atentos para a possível presença de manifestações clínicas indicativas de doenças colágeno-vasculares. Muito importante ainda é a pesquisa de exposição a agentes potencialmente tóxicos ao pulmão, tais como quimioterapias prévias, e a exposição a agentes ambientais como, por exemplo, antígenos aviários, bolores e produtos químicos industriais. Na presença dessas exposições, a possibilidade de outras DIPs, que não a FPI, aumenta. Ainda que não justifique completamente o estabelecimento da doença pulmonar, FPI é mais comum em pacientes com história de tabagismo prévio. Também já foi relatada a associação de FPI com prévia exposição a fluoxetina e poeiras de madeira. Não podemos deixar de lembrar a ocorrência de casos de FPI de incidência familiar. 5 - Quais são os achados radiológicos sugestivos de fibrose pulmonar idiopática (FPI)? Os achados radiológicos clássicos da FPI são bastante conhecidos e compreendem volumes pulmonares pequenos, doença de distribuição periférica e nas bases, espessamento septal periférico, presença de bronquiectasia e bronquiolectasias de tração e áreas em favo de mel (Figuras 2 e 3). Ainda que tais alterações sejam melhor identificadas na TCAR, radiografias simples de tórax são também úteis para dar uma visão panorâmica da distribuição das lesões. Figura 2: Radiografia simples de tórax de paciente com FPI em fase avançada www.pneumoatual.com.br Figura 3: TCAR de tórax de paciente com FPI em fase avançada 6 - Como obter material para o diagnóstico anátomo-patológico de fibrose pulmonar idiopática (FPI)? A realização de fibrobroncoscopias, com biópsias transbrônquicas e coleta de LBA, é útil apenas para excluir outros processos mórbidos ou infecções associadas. Como a PIU geralmente exibe distribuição periférica e lesões dispostas de maneira heterogênea, a confirmação definitiva da doença só é realmente obtida por meio de biópsias cirúrgicas, a céu aberto ou por video-toracoscopia. 7 - É possível ter, de forma fidedigna, diagnóstico de fibrose pulmonar idiopática (FPI) sem confirmação histopatológica? Nos últimos anos alguns estudos têm mostrado que, em mãos de clínicos e radiologistas experientes, achados típicos de FPI na TCAR, associados a quadro clínico compatível, permitem o diagnóstico acurado da doença em aproximadamente 95% dos casos. Os achados de lesões com predominância periférica, de honey combing em bases, e de espessamento septal em ápices, foram os elementos que melhor previram o padrão histológico. Portanto, em pacientes muito idosos, em quadros de insuficiência respiratória avançada, ou, ainda, na presença de co-morbidades graves, o diagnóstico clínico-radiológico da FPI torna-se aceitável. Todavia, naqueles casos em que ocorre infiltrado pulmonar difuso com achados tomográficos não característicos, incluindo aí a presença de extensas áreas de vidro despolido, todo esforço deverá ser feito para a obtenção de tecido pelo método cirúrgico, pois aumentam as chances do diagnóstico de pneumonia intersticial não específica (PINE), ou mesmo de pneumonite de hipersensibilidade (PH) crônica. 8 - Qual a avaliação funcional indicada para um paciente com fibrose pulmonar idiopática (FPI)? O ideal é que tais pacientes tenham uma avaliação funcional completa, que inclua medidas das capacidades e fluxos pulmonares e a difusão do monóxido de carbono. Medidas da capacidade pulmonar total, avaliados pelo método da diluição do Hélio ou por pletismografia corporal, dão uma medida mais fidedigna do grau de restrição apresentado. Também é importante a medida www.pneumoatual.com.br dos gases arteriais em ar ambiente, por meio de uma gasometria arterial, e o cálculo do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio. Ainda que um teste de esforço padrão, em esteira ou bicicleta, forneça medidas mais precisas da capacidade de exercício dos doentes e das trocas gasosas, do ponto de vista prático, o teste da caminhada dos seis minutos, com monitorização contínua por oxímetro de pulso, tem- se mostrado útil como auxiliar na avaliação de respostas terapêuticas e como marcador prognóstico. O ecocardiograma Doppler deve ser pedido pelo menos na avaliação inicial, pois, na presença de refluxo tricuspídeo, pode fornecer uma estimativa não invasiva dos níveis da pressão sistólica da artéria pulmonar. Após a avaliação inicial, os estudos espirométricos, a gasometria arterial e o teste da caminhada dos seis minutos devem ser repetidos periodicamente, a cada três ou seis meses, na dependênciada apresentação clínica e da opção terapêutica fornecida ao paciente. 9 - Quais são as variáveis mais importantes que guardam relação com a sobrevida de pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI)? Ainda que, individualmente, a evolução clínica de pacientes com FPI possa ser variável, como regra geral, tais indivíduos cursam com mau prognóstico. A sobrevida mediana de pacientes com FPI é atualmente estimada em torno de três anos. Diversos estudos investigaram a influência de variáveis clínicas e funcionais sobre a sobrevida de pacientes com FPI, não raro sendo encontrados resultados contraditórios. Entre as características clínicas, sexo masculino, idade mais avançada, presença de baqueteamento digital e antecedentes de tabagismo estão relacionados com pior prognóstico. Já foi demonstrado que o número de focos fibroblásticos, identificados em biópsias pulmonares de pacientes com FPI obtidas antes do início do tratamento, associa-se com a mortalidade. Quanto maior o número de focos fibroblásticos identificados, menor a sobrevida. Esse achado é tomado como indicativo da importância de tais lesões na patogênese da doença. Pacientes com maior comprometimento funcional na avaliação inicial (baixa CPT, CVF, VEF1 ou DLCO) costumam ter pior prognóstico. A presença de relações VEF1/CVF elevadas (além de 100%) indica pulmões excessivamente rígidos, capazes de gerar fluxos aéreos supra- normais, e também guarda relação com mortalidade elevada. Um valor de DLCO inferior a 40% do previsto, em particular, já é indicação de colocação do paciente em lista de transplante pulmonar. Mais importante do que as medidas isoladas, a análise do grau de deterioração funcional longitudinal dos pacientes, depois de 6 ou 12 meses de tratamento, é elemento fundamental, que guarda relação com a mortalidade. Quanto maior a queda funcional, pior a sobrevida. Quedas de CVF além de 10% são indicativas de alta probabilidade de óbito nos próximos meses. Em um estudo, as perdas de DLCO mostraram ter valor prognóstico preditivo ainda maior do que quedas da CVF ou VEF1. O teste da caminhada dos seis minutos é uma avaliação simples, que também pode fornecer importantes informações prognósticas. A detecção de valores de saturação arterial de oxigênio inferiores a 88% durante o teste, está associada a pior prognóstico. A taxa de sobrevida, em quatro anos, num grupo de doentes que apresentou esse grau de dessaturação foi de 34,5%, contra 69,1% nos doentes que não a exibiram. Em outro estudo, realizado em pacientes já incluídos em lista de espera para transplante pulmonar, o risco de óbito em seis meses foi quatro vezes maior para aqueles que percorreram distância inferior a 207 m durante o teste. Outro marcador de pior prognóstico em pacientes com FPI é a ocorrência de hipertensão pulmonar, o que será discutido em maiores detalhes logo a seguir. 10 - Qual a importância da hipertensão pulmonar em pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI)? A real prevalência de hipertensão pulmonar (HP) em pacientes com FPI ainda não é precisamente conhecida. O método mais facilmente acessível para esse tipo de investigação é a ecocardiografia Doppler, a qual não possui sensibilidade e especificidade absolutas. Além www.pneumoatual.com.br disso, o gold standard para diagnóstico e medida da HP, o cateterismo cardíaco direito, normalmente só é rotineiramente realizado em candidatos a transplantes pulmonares que, certamente, são uma população altamente selecionada. A HP pode se instalar em pacientes com FPI devido a hipoxemia crônica e destruição do parênquima vascular. Contudo, vem sendo levantada a hipótese da ocorrência de uma disfunção endotelial primária adicional nesses pacientes. Um estudo mostrou que os níveis da pressão arterial pulmonar, avaliados por ecocardiografia, se correlacionam com a sobrevida de pacientes com FPI. A sobrevida em pacientes com pressão sistólica da artéria pulmonar inferior a 35 mmHg foi de 4,8 anos, entre 36 e 50 mmHg foi de 4,1 anos, e acima de 50 mmHg foi de 0,7 ano. Em outro estudo, envolvendo pacientes submetidos a cateterismo cardíaco, a presença de HP, definida por valor médio da pressão de artéria pulmonar superior a 25 mmHg, cursou com mortalidade de 28% em um ano, em comparação com a mortalidade de 5,5% no grupo de pacientes sem a anormalidade. Já foi também demonstrado que, níveis séricos elevados do peptídeo natriurético cerebral (BNP), ao refletirem o grau de disfunção ventricular direita, podem ser indicadores prognósticos superiores às medidas diretas da pressão arterial pulmonar, em pacientes com FPI. 11 - Como suspeitar de hipertensão pulmonar (HP) em pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI)? Deve-se suspeitar da presença de HP em pacientes com FPI que apresentem baixa tolerância ao exercício, necessidade de suplementação com oxigênio e DLCO menor do que 40% do previsto. Deve-se suspeitar dessa complicação, ainda, em pacientes nos quais sejam observadas alterações discretas dos volumes pulmonares, na presença de baixos valores de DLCO e oxigenação arterial. Nessa última situação, é importante excluir a presença de outras causas de HP associadas, antes de atribuí-la exclusivamente a doença de base, tais como a ocorrência de apneia do sono ou tromboembolismo pulmonar crônico. 12 - Qual o tratamento da hipertensão pulmonar (HP) em pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI)? O tratamento da HP associada à FPI é, a principio, o mesmo da doença de base. Oxigenoterapia contínua deve ser administrada na presença de hipoxemia significativa em repouso ou durante os exercícios. Quando houver sinais de cor pulmonale, a oxigenoterapia será indicada na presença de valores de PaO2 inferiores a 60 mmHg. Nessa situação, o emprego de diuréticos e mesmo de digitálicos poderá se mostrar útil. Em pacientes que apresentem FPI e HP desproporcional à gravidade da doença, ou nos casos que mantenham sintomas e sinais de insuficiência cardíaca estádio III ou IV da Academia de Cardiologia de Nova Iorque apesar da terapia otimizada, pode-se considerar a possibilidade do uso de terapia específica para HP como, por exemplo, sildenafil ou bosentana. Contudo, é importante ter em mente que as atuais evidências para esse tipo de terapia são mínimas e que, preferencialmente, tal tratamento deva ser instituído por especialistas familiarizados na manipulação de pacientes com HP. 13 - Existem clínicos que consideram que a fibrose pulmonar idiopática (FPI) não responde a qualquer tratamento e, por isso, não deva ser tratada. Qual posição devo tomar frente a um paciente com esse diagnóstico? Por incrível que pareça, a história natural da doença FPI só agora começa ser melhor entendida. Os problemas relacionados com sua compreensão devem-se ao fato de ser uma doença incomum, à falta de estudos multicêntricos, à não homogeneidade dos critérios diagnósticos para inclusão em diferentes pesquisas e, mesmo, à falta de uma definição clara do que seria seu substrato anátomo-patológico. A partir do momento que o termo FPI começou a designar apenas casos de PIU sem etiologia definida, começou a ficar claro que o prognóstico desses doentes e as chances de resposta ao tratamento eram ainda piores do que se imaginava. Trabalhos mais recentes têm encontrado uma sobrevida média para pacientes com FPI variando entre dois e quatro anos. Devemos ponderar que, se por um lado não dispomos no momento de claras evidências indicando que as modalidades terapêuticas disponíveis sejam efetivas, também não podemos afirmar com precisão o contrário, pois, atualmente, a maioria dos pacientes acaba sempre por receber algum tipo de tratamento com esteróides e/ou imunossupressores. Sendo assim, acreditamos que os esquemas terapêuticos a serem empregados ou a eventual opção pelo não www.pneumoatual.com.br tratamento são decisões a serem tomadas em função das condições particulares de cada doente. 14 - Quando eu devo tratar um pacientecom fibrose pulmonar idiopática (FPI)? Devido ao mau prognóstico da moléstia a maioria dos especialistas acredita que uma tentativa terapêutica deva ser realizada sempre que possível. A opção pelo não tratamento seria reservada para pacientes idosos (em geral idade acima de 70 anos), ou na presença de comprometimento funcional muito importante, com extensas áreas de faveolamento pulmonar na TCAR, caracterizando o que se costumou chamar de end stage lung. A presença de co- morbidades como obesidade extrema, diabetes mellitus, osteoporose ou insuficiência cardíaca congestiva grave, pode dificultar a instituição do tratamento e, nessas condições, devem ser pesados os potenciais benefícios da terapia contra seus efeitos sobre a qualidade de vida dos pacientes. Uma outra situação em que o início da terapia poderia ser postergado é naqueles pacientes assintomáticos e com função pulmonar normal. Essa situação é mais frequentemente encontrada em indivíduos fumantes ou ex-fumantes com algum grau de enfisema e hiperinsuflação pulmonar associados. Nesses casos seria feito um acompanhamento seriado e, no surgimento de sintomas, ou evidência de deterioração funcional, o tratamento seria prontamente introduzido. 15 - Quais as opções terapêuticas disponíveis atualmente para a fibrose pulmonar idiopática (FPI)? No momento não dispomos de nenhuma terapia medicamentosa que possa ser considerada realmente muito efetiva no cuidado de pacientes com FPI. Grandes ensaios clínicos como, por exemplo, o estudo INSPIRE, que investigou o potencial terapêutico do interferon-gama nessa doença, chegaram a resultados decepcionantes. Apesar do grande número de drogas atualmente sob investigação (etarnecept, bosentana, talidomida, imatinibe, etc.), os resultados preliminares têm sido negativos ou, ainda, os resultados finais não estão disponíveis. Entre drogas em investigação, a mais promissora é a pirfenidona. A pirfenidona é um agente antifibrótico capaz de inibir a síntese de colágeno induzida pelo TGF-beta, reduzir a deposição de matriz extracelular e bloquear os efeitos das citocinas pró-fibróticas em modelos animais. Um estudo duplo-cego, placebo controlado, realizado no Japão, mostrou uma redução do ritmo de queda da capacidade vital forçada, associada ao uso da droga em pacientes com FPI. Outro estudo realizado mais recentemente na América do Norte, com maior casuística (protocolo CAPACITY), encontrou resultados semelhantes. Baseada nesses dados, a empresa detentora dos direitos de venda da referida droga solicitou ao órgão governamental americano Food and Drug Administration (FDA) a liberação da sua venda em regime de urgência. No momento que este texto é escrito, os resultados finais do estudo CAPACITY ainda não foram publicados, nem tão pouco o FDA deu um parecer final sobre a solicitação de comercialização da droga nos Estados Unidos. Contudo, os dados disponíveis sugerem apenas que a pirfenidona seja capaz de retardar a evolução da doença, em pacientes com doença em fase inicial, ainda não tendo sido bem determinados os seus efeitos sobre a sobrevida a longo prazo. Baseados nas recomendações feitas, já há alguns anos, pela American Thoracic Society e a European Respiratory Society, e os resultados obtidos pelo protocolo IFIGENIA, que investigou os efeitos da adição da N-acetil-cisteina a um tratamento padrão com esteróides e imunossupressores, acreditamos que a melhor abordagem terapêutica atualmente disponível para pacientes com FPI seja: • Corticóides: prednisona ou equivalente nas doses de 0,5 mg/kg de peso ideal por dia, via oral por quatro semanas; 0,25 mg/kg por dia por oito semanase; em seguida redução progressiva até 0,125 mg/kg/dia ou 0,25 mg em dias alternados; • Associados a um imunossupressor: azatioprina ou ciclofosfamida. o Azatioprina: 2-3 mg/kg de peso ideal /dia, via oral, até uma dose máxima de 150 mg/dia. Iniciar com 25-50 mg/dia e aumentar 25 mg a cada sete ou 14 dias até a dose máxima tolerada seja atingida; o Ciclofosfamida: 2 mg/kg peso ideal /dia, via oral, até uma dose máxima de 150 mg/dia. Iniciar com 25-50 mg/dia e aumentar 25 mg a cada sete ou 14 dias até a dose máxima tolerada ser atingida. • Associados a: N-acetil-cisteína, 600 mg, via oral, três vezes ao dia (dose total diária: 1800 mg/dia). www.pneumoatual.com.br O tempo exato que a terapia deve ser mantida ainda não é conhecido. Admite-se que quanto mais inicial o processo, maiores as chances de resposta. Entre o uso de azatioprina e ciclofosfamida, deve-se dar preferência à primeira, devido ao menor risco de efeitos colaterais graves. Apesar de ser melhor tolerada, a azatioprina requer monitoramento laboratorial periódico, com hemograma e função hepática. O uso de ciclofosfamida implica na realização de hemogramas e perfis urinários periodicamente (no início mensais), devido ao risco de pancitopenia e cistite hemorrágica. É aconselhável que pacientes em uso de ciclofosfamida ingiram pelo menos dois litros de líquidos ao dia. Ciclofosfamida não deve ser mantida por tempo superior a dois anos, devido aos riscos de indução de neoplasias. É aconselhável que o médico do doente faça uma leitura completa sobre o assunto e esteja familiarizado com os efeitos colaterais potenciais dos imunossupressores antes do inicio do tratamento. Cuidados especiais devem ser tomados ao com mulheres em idade fértil e no caso de pessoas que ainda desejam ter filhos. Devido à grande frequência da presença de refluxo ácido, pacientes com sintomas sugestivos ou evidências laboratoriais desse problema devem ser medicados com bloqueadores de bomba de prótons como, por exemplo, omeprazol. Também devem ser orientados a observar dieta e outras medidas comportamentais indicadas. Alguns pacientes com tosse seca de difícil controle poderão necessitar do uso de antitussígenos como, por exemplo, codeína. 16 - O que são os episódios de exacerbação aguda da fibrose pulmonar idiopática (FPI)? Essa é uma situação grave, associada a alta mortalidade. Acontece em pacientes com diagnóstico prévio de FPI, que iniciam com piora clínica e funcional rápida. A dispnéia torna-se cada vez mais intensa e a hipoxemia agrava-se (Tabela 1). Mesmo com tratamento, a maioria desses indivíduos vem a óbito em questão de dias ou semanas. Tabela 1. Critérios diagnósticos de exacerbações agudas na FPI • Exacerbação da dispnéia nas últimas 4 semanas; • Novos infiltrados pulmonares na radiografia de tórax ou TCAR; • Hipoxemia arterial; • Ausência de fatores desencadeantes evidentes. Estudos de autópsia têm demonstrado que, nesses casos, lesões principalmente do tipo dano alveolar difuso se somam ao padrão da pneumonia intersticial usual pré-existente, justificando a gravidade do quadro. Admite-se atualmente que a maioria dos óbitos devidos a FPI ocorra em episódios de exacerbações agudas. A sua patogênese é incerta, muito provavelmente envolvendo agressão imuno-inflamatória exacerbada. Episódios de aspiração do conteúdo ácido digestivo e infecções virais já foram igualmente levantados como potenciais fatores precipitantes dos episódios. Frente a um paciente em que se suspeita de exacerbação aguda da FPI, deve-se fazer uma investigação para afastar a presença de quadro infeccioso pulmonar, inclusive pneumonia por Pneumocistys jirovecii. Caso isso seja afastado, ou ainda, que o ritmo de deterioração clínica mantenha-se, apesar do tratamento com antibióticos de largo espectro, está indicada a realização de pulsoterapia com esteróides em altas doses (metil-prednisolona 1 gr por dia durante 3 dias). Porém, mesmo com a introdução de terapia antiinflamatória e imunossupressora potente, a mortalidade nessa situação gira em torno de 80%. Infelizmente, nem sempre as condições clínicas dos pacientes permitem a realização de fibrobroncoscopias, de tal modo que tratamento combinado com antibióticos de largo espectro e corticosteróides, com frequencia, acaba sendo introduzido simultaneamente.Alguns autores também têm preconizado a introdução de anticoagulação plena nessa situação. 17 - Existem outras medidas terapêuticas que podem ser instituídas em pacientes com fibrose pulmonar idiopática, além do tratamento medicamentoso? Naturalmente que pacientes com hipoxemia em repouso, ou durante o exercício, terão necessidade de oxigenoterapia contínua, no primeiro caso, ou para a realização de atividades físicas, na última situação. A maior parte do que sabemos sobre reabilitação pulmonar advém de estudos feitos em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica. Contudo, em anos recentes, vêm-se demonstrando que pacientes com DIPs também podem se beneficiar dessa intervenção. Alguns ensaios clínicos, não controlados, mostraram que pacientes com FPI melhoram a capacidade de exercício e reduzem a dispnéia, quando submetidos a um programa formal de www.pneumoatual.com.br exercícios físicos supervisionados, por aproximadamente 12 semanas. É importante que esse treinamento seja feito em ambiente com equipamento adequado, sob supervisão de profissionais da saúde treinados e, nos casos de pacientes mais graves, de fácil acesso a cuidado médico de urgência. Os pacientes que não tenham acesso a um programa de reabilitação estruturado, podem igualmente beneficiar-se de caminhadas com duração próxima a 30 minutos, três vezes por semana, em casa ou proximidades, sempre respeitando as limitações impostas pelos seus sintomas, e a eventual necessidade de suplementação com dispositivo portátil de oxigênio. 18 - Como eu faço o monitoramento da fibrose pulmonar idiopática (FPI)? A avaliação da resposta ao tratamento da FPI deve ser feita com dados clínicos, funcionais e radiológicos. Critérios de resposta à terapia em pacientes com FPI preconizados pela American Thoracic Society estão resumidos na tabela 2. As primeiras avaliações deverão ser feitas com três e seis meses de tratamento, lembrando que os imunossupressores podem levar até um semestre para mostrar algum efeito. Caso ao final de seis meses se estabeleça que o paciente está estável ou melhor em relação às suas condições iniciais, o tratamento deve ser mantido. Na eventualidade de piora deve ser considerado tratamento alternativo como, por exemplo, a mudança do imunossupressor em uso, ou encaminhamento para programa de transplante pulmonar. Em pacientes com comprovada melhora ou estabilização os imunossupressores e a N-acetil-cisteina poderão ser interrompidos após dois anos, mas os esteróides costumam ser mantidos em baixas doses indefinidamente. Tabela 2. Critérios de resposta à terapia em pacientes com FPI preconizados pela American Thoracic Society Tipo de Resposta Parâmetros Melhora Pelo menos dois dos seguintes: • Melhora da dispnéia aos esforços; • Melhora da radiografia simples ou TCAR; • Melhora funcional definida como pelo menos dois dos seguintes: o ↑ na CPT ou CV ≥ 10% ou pelo menos ≥ 200 ml; o ↑ no DLCO ≥ 15% ou pelo menos ≥ 3 ml/min/mmHg; o ↑ na SaO2 ≥ 4 % ou ≥ 4 mmHg na PaO2 durante teste de exercício em relação ao exame anterior. Estável Pelo menos dois dos seguintes: • Mudança < 10% na CPT ou CV, ou < 200 ml; • Mudança < 15% no DLCO ou < 3 ml/min/mmHg; • Quedas na SaO2 < 4% e na PaO2 < 4mmHg durante teste de exercício em relação ao exame anterior. Piora • ↑ nos sintomas especialmente dispnéia ou tosse; • Piora da radiografia simples ou TCAR; • Piora funcional definida como pelo menos dois dos seguintes: o ↓ na CPT ou CV ≥ 10% ou pelo menos ≥ 200 ml; o ↓ no DLCO ≥ 15% ou pelo menos ≥ 3 ml/min/mmHg; o ↓ na SaO2 ≥ 4 % ou D(A-a) O2 ≥ 4 mmHg em repouso ou durante teste de exercício em relação ao exame anterior. 19 - Quando um paciente com fibrose pulmonar idiopática deve ser encaminhado para avaliação em um centro de transplante pulmonar? Os pacientes com FPI constituem, aproximadamente, um quinto do total de doentes submetidos a transplantes pulmonares no mundo. A sobrevida para esse grupo de pacientes gira em torno de 72% no primeiro ano e 44% no quinto ano. Para pacientes com FPI em fase avançada, o transplante pulmonar, uni ou bilateral, constitui hoje a única opção de prolongamento da sobrevida e melhora da qualidade de vida relacionada a saúde. Contudo, transplante de pulmão é uma modalidade terapêutica reservada para poucos doentes com FPI. Os candidatos devem ter, na época da cirurgia, idade inferior a 65 anos e não exibir co- morbidades graves, tais como, neoplasias, doença coronariana, distúrbios nutricionais, diabetes mellitus, ou hipertensão arterial não controlada. Além disso, devem dispor de um nível intelectual adequado e suporte social e familiar satisfatórios. www.pneumoatual.com.br Em um paciente com diagnóstico de FPI, a presença isolada de qualquer um dos seguintes achados funcionais é indicação de transplante pulmonar: (i) DLCO menor do que 40% do previsto; (ii) queda maior de 10% no valor da capacidade vital forçada, observada ao longo do intervalo de seis meses e (iii) queda da SaO2 abaixo de 88% durante a realização do teste da caminhada dos seis minutos. Outros elementos que influenciam na tomada da decisão são a necessidade de oxigenoterapia contínua e nível ruim de qualidade de vida exibida pelos doentes. No intuito de não retardar o processo de avaliação dos candidatos, que em nosso meio frequentemente envolve maiores dificuldades do que no exterior, somos da opinião que, no Brasil, os pacientes sejam encaminhados para avaliação em centros transplantadores mais precocemente, quando a CVF ou a DLCO estiverem em valores próximos a 50% do previsto. 20 - Como devemos proceder quanto ao paciente e a sua família em vista do mau prognóstico da fibrose pulmonar idiopática (FPI)? Acreditamos que o mais adequado seja discutir francamente com os familiares e o próprio paciente, tanto os aspectos gerais da doença, como também as peculiaridades inerentes a cada caso em particular. Devemos discutir as possibilidades terapêuticas, seus benefícios potenciais, efeitos colaterais, repercussões sobre a qualidade de vida e a opção pelo não tratamento. Apesar da FPI associar-se, na maioria das vezes, a um mau prognóstico, existem casos menos agressivos e de evolução prolongada. Sendo assim, nos parece adequado uma conversa franca tentando mostrar que, apesar da gravidade da condição, o paciente não está sozinho e poderá contar com apoio da equipe médica ao longo da evolução da sua doença. Dentro do possível os aspectos menos sombrios do caso devem ser enfatizados, de tal maneira que se possa manter acesa por um tempo longo a luz no fim do túnel. Em pacientes com condição social e econômica adequadas, a possibilidade de transplante pulmonar deve ser lembrada desde o início. Nas fases mais avançadas com insuficiência respiratória instituída, o papel da equipe médica será apenas de dar cuidados paliativos e suporte psicológico, tanto ao paciente como à sua família. 21 - Literatura Recomendada American Thoracic Society-European Respiratory Society. Idiopathic Pulmonary Fibrosis: Diagnosis and Treatment. 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