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CCJ0009-WL-PA-05-T e P Narrativa Jurídica-Novo-15852

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Título 
3 - Teoria e Prática da Narrativa Jurídica 
Número de Aulas por Semana 
 
Número de Semana de Aula 
3 
Tema 
Narrativa jurídica simples e narrativa jurídica valorada. 
Objetivos 
O aluno deverá ser capaz de: 
- DisƟnguir a narraƟva jurídica simples da narraƟva jurídica valorada; 
- IdenƟficar as caracterísƟcas que marcam esses dois Ɵpos de narraƟva; 
- Compreender a relação entre o Ɵpo de narraƟva e a peça processual produzida; 
- Conhecer as principais caracterísƟcas da narraƟva jurídica. 
Estrutura do Conteúdo 
1. Algumas caracterísƟcas da narraƟva jurídica 
1.1. Impessoalidade 
1.2. Verbos no passado 
1.3. Paragrafação 
1.4. Elementos consƟtuƟvos da demanda (Quem quer? O quê? De quem? Por quê?) 
1.5. Correta idenƟficação do fato gerador 
2. NarraƟva jurídica simples 
3. NarraƟva jurídica valorada 
4. A construção de versões 
Aplicação Prática Teórica 
Como vimos anteriormente, a s peças processuais têm um denominador comum: precisam, em primeiro lugar, narrar os fatos importantes do caso concreto, 
tendo em vista que o reconhecimento de um direito passa pela análise do fato gerador do conflito e das circunstâncias em que ocorreu. Ainda assim, vale dizer 
que essa narraƟva será imparcial ou parcial, podendo ser tratada como simples ou valorada, a depender da peça que se pretende redigir. 
Pode -se entender, portanto, que valorizar ou não palavras e expressões merece atenção acurada, pois poderá influenciar na compreensão e persuasão do 
auditório.[1] Essa valoração das informações depende dos mecanismos de controle social que influenciam a compreensão do fato jurídico. 
É preciso lembrar que são diferentes os objeƟvos de cada operador do direito; sendo assim, o representante de uma parte envolvida não poderá narrar os 
fatos de um caso concreto com a mesma versão da parte contrária. Por conta disso, não se poderia dizer que todas as narraƟvas presentes no discurso jurídico são 
idênƟcas no formato e no objeƟvo, visto que dependem da intencionalidade de cada um. 
  
  
Para o exercício desta semana, recorremos a um trecho de importante romance da literatura jurídica – Em segredo de JusƟça[2] – cujo enredo versa 
sobre o possível assédio sexual praƟcado por um conhecido advogado carioca contra sua jovem secretária. Sugerimos a leitura do livro. 
  
Leiamos a narraƟva extraída desse romance. 
  
1- A autora, conforme se verifica de sua própria qualificação, detém o grau de bacharel em administração de empresas. 
2- Esse diploma foi conquistado não sem esforço, melhor se diria até, com grande sacriİcio. Órfã de pai aos nove anos de idade, mais velha de três 
irmãs, teve a autora muito cedo que começar a trabalhar, para ajudar sua mãe no orçamento domésƟco; ainda adolescente, menor de idade, aceitava 
pequenas tarefas remuneradas, posando para comerciais de televisão, ocasionalmente desempenhando pequenos papéis dramáƟcos em telenovelas. 
3 - Terminado o curso colegial, procurou e encontrou emprego estável, indo trabalhar como secretária em conhecida empresa industrial. 
4-               Foi progredindo em suas funções e logo, mercê de seu esforço e competência, já atendia a um dos mais graduados diretores da 
empresa. 
5- Trabalhava há algum tempo, quando, desejosa de ter formação superior, ingressou, após passar no concurso vesƟbular, na faculdade de 
administração. 
6- Foram mais quatro anos e meio de luta árdua e a autora, trabalhando durante o dia e estudando. à noite, conseguiu finalmente o ambicionado 
diploma. 
7- Faltava-lhe agora trabalhar na profissão que escolhera e para a qual se capacitara. Era, porém, uma opção diİcil. Como secretária, era uma 
profissional experiente, tendo aƟngido o topo da carreira; como administradora, Ɵnha um diploma de curso superior completo, mas nenhuma experiência. 
Onde quer que fosse trabalhar, provavelmente deveria começar com uma remuneração inferior àquela que auferia na empresa industrial. 
8- Uma tarde, a autora foi procurada por seu então chefe, Sr. Horácio de Melo Alencar, que lhe perguntou se ela gostaria de ir trabalhar como 
administradora em um escritório de advocacia, por um salário igual ao que então percebia como secretária. 
9 - A autora, de início, manifestou surpresa, chegando a duvidar do que julgava ser tanta sorte. O Sr. Alencar, porém, tranqüilizou -a: tinha um amigo 
- o Sr. Ranulfo Azevedo - homem sério, advogado conceituado, que procurava justamente uma administradora profissional para seu escritório de 
advocacia. 
10- Como se tratava de firma ainda pequena, não fazia questão o Sr. Ranulfo de um ou de uma profissional experiente: queria alguém que Ɵvesse 
um diploma, bom senso, disposição para trabalhar, e, sobretudo, vontade de crescer junto com a organização. 
11- Lembra-se a autora de que, já naquela ocasião, comentara com o Sr. Alencar que “pobre quando vê muita esmola, desconfia" e que estava 
achando a oportunidade "boa demais para ser “verdade ”. 
12- O Sr. Alencar disse , contudo, que já Ɵnha conversado a respeito com o Sr. Ranulfo e que Ɵnha sido, aliás, o próprio Sr. Ranulfo o primeiro a 
dizer que estava procurando alguém para administrar seu escritório e que se manifestara entusiasmado, ao saber que ela, autora, a secretária de seu 
amigo Alencar, Ɵnha recentemente se formado em administração. 
13- O ex -chefe da autora chegou' até a acrescentar que fora o próprio Sr. Ranulfo que, ao mesmo tempo em que elogiava os atributos İsicos da 
autora, perguntara quanto ela ganhava e pedira permissão ao Sr. Alencar para convidá-la para trabalhar com ele, Ranulfo. 
14- Por aí já se vê, desde o primeiro momento, quais fossem as intenções do réu, misturando indevidamente, como qualificações para preencher o 
cargo vago em sua empresa, dotes de beleza İsica e apƟdões profissionais. 
15- Permite -se a autora, nesse passo, a bem da precisão da narraƟva dos fatos, transcrever a expressão exata que teria sido usada pelo réu: de 
fato, segundo o Sr. Alencar, seu amigo Ranulfo teria dito: 
  
“_ você quer me dizer que sua secretária é formada em administração? Mas ela é 'gostosa demais'! Você ia ficar muito chateado se eu convidasse 
ela para trabalhar comigo?" 
  
16- A frase desrespeitosa foi transmitida ipsis litteris à autora pelo Sr. Alencar. A autora, porém, infelizmente, não a tomou devidamente em conta. 
17- A oportunidade que se apresentava era excepcional: atendia rigorosamente àquilo com que a autora vinha sonhando, desde que ingressara na 
faculdade. O réu, além disso, era amigo de longa data do Sr. Alencar, um profissional conhecido, muito bem sucedido na profissão, Ɵnha reputação de 
homem sério. Usara por certo apenas por troça, "de brincadeira”, em conversa com um amigo, a expressão chula, mas certamente, em seu escritório, 
jamais ousaria ultrapassar os limites do respeito e da conveniência. 
18- Assim pensando, e encorajada por seu chefe, a autora aceitou a oferta e, em fevereiro de 1990, foi contratada para o cargo de gerente 
administraƟva da firma: "Escritório de Advocacia Ranulfo Azevedo". 
19 - Os primeiros meses foram gratificantes. A autora dedicava-se com afinco .às tarefas que lhe eram comeƟdas. Sua posição era especialmente. 
delicada, cabendo-lhe gerenciar um grupo que incluía profissionais de nível superior, sobre os quais não Ɵnha qualquer ascendência hierárquica. 
20- Mas a autora: parecia vencer o desafio: organizou novas roƟnas, mudou a decoração do ambiente, pôs em dia e modernizou a cobrança de 
honorários aos clientes, imaginou e implantou métodos modernos e eficientes de administração. 
21- Em verdade, a despeito de sua pouca idade, a autora logo se impôs no ambiente de trabalho, ganhando o respeito e a consideração das cerca 
de trinta pessoas que trabalhavam na firma, entre advogados, estagiários, secretárias e funcionários. 
22- O próprio réu, de início, parecia encantado, mais com a competência profissional que com os alegados atributos İsicos da autora, 
comportando-se geralmente de forma respeitosa, formal,quase cerimoniosa. 
23- A seriedade doréu, contudo, era apenas hipócrita máscara, atrás da qual se escondia um verdadeiro e imoral sáƟro, um autênƟco maníaco 
sexual. 
24- Essa faceta começou a ficar clara em uma ocasião muito marcante. 
25- Ao final de junho, o Escritório de Advocacia Ranulfo Azevedo organizou, como fazia todos os anos, uma convenção em um hotel fora da cidade. 
26- Era reunião de dois dias, congregando advogados e estagiários e respecƟvas famílias. Saíam todos do escritório em uma sexta-feira à tarde, em 
um ônibus fretado. Durante todo o dia de sábado e na manhã de domingo os advogados e estagiários debaƟam temas profissionais, ligados à gestão do 
escritório ou a assuntos propriamente jurídicos. As noites de sexta-feira e de sábado, porém, eram puramente sociais, dedicadas à confraternização. 
27- A autora foi convidada para o seminário. De início, teve dúvidas em aceitar o convite. Sabia que era a primeira vez que alguém, não diretamente 
ligado às aƟvidades profissionais da firma, parƟcipava de uma convenção daquele Ɵpo. Finalmente, face à insistência do réu, senƟndo-se honrada, 
aceitou. 
28- Não levou, porém, acompanhante. Nem a autora, nem o réu, cuja esposa estava, na ocasião, ao que foi dito, em viagem ao exterior. 
29 - Na noite de sexta-feira houve de fato uma grande confraternização. Todos conversavam animadamente; o jantar foi agradável e havia muita 
amizade e alegria. Mas nada de anormal ou grave aconteceu e, por volta das onze horas da noite, já todos estavam recolhidos. 
30- Aconteceu, isto sim, na noite de sábado. Nessa noite, após o jantar, um conjunto tocava música de dança. Sem acompanhante, o réu Ɵrou a 
autora várias vezes para dançar. À medida que a noite se desenvolvia, cada vez mais procurava o réu a proximidade corporal com a autora. 
31- Os outros casais aos poucos iam se recolhendo aos respecƟvos aposentos até que, cerca de uma hora da madrugada, só restavam dançando 
autora e réu, este úlƟmo, a essa altura, completamente embriagado. 
32- Tocado pelo álcool, o réu perdeu o controle de si mesmo e começou a tentar seduzir a autora, com palavras eloqüentes ,carregadas de 
sensualidade imoral. 
33- A autora, é claro, resisƟu sempre, até que, finalmente, desvencilhou-se do réu e saiu andando apressadamente até seu quarto. 
34- O réu, porém, seguiu -a e, com o pé, impediu-a de trancar a porta, dizendo cruamente, em alto e bom som: 
  
"- Esta noite eu vou dormir aqui com você". 
  
35- O constrangimento era total e invencível., No silencioso hotel de fim de semana, todos estavam recolhidos. O réu, completamente embriagado, 
deixava desenganadamente claras suas lascivas intenções. Somente com grande escândalo, do qual todos os demais hóspedes do hotel e, 
principalmente, os profissionais integrantes do escritório por certo tomariam conhecimento, poderia a autora ter resisƟdo a suas lúbricas invesƟdas. 
36- Não restou à autora senão aceder e passar a noite com o réu. Enojada, vencendo a repugnância, por várias vezes permiƟu que ele a possuísse, 
sempre para evitar o escândalo. 
37- Manhã bem cedo, reƟrou-se o réu para seu próprio quarto e, algumas horas depois, de cara lavada, como se nada Ɵvesse acontecido, presidia a 
reunião da manhã de domingo. 
38- A autora cuidava que todo aquele pesadelo não duraria mais que uma noite e que, novamente sóbrio, o réu se desculparia ou, pelo menos, 
tentaria fingir que nada tinha acontecido. 
39 - De fato, foi assim que procedeu o réu durante todo o domingo, no hotel, e na viagem de volta. 
40- Na segunda -feira a autora apresentou-se ao trabalho, ainda desconfiada, mas pronta a iniciar esforço consciente para relegar o episódio - a 
merecido esquecimento. O emprego ainda era um bom emprego; a autora precisava dele; agora mais que nunca, pois sua mãe, já idosa, estava prestes a 
submeter -se a uma delicada intervenção cirúrgica. O réu, até ali, Ɵnha sido um bom patrão. Tudo afinal não passara de uma noite de bebedeira. 
41- Ao final do expediente, porém, o réu chamou a autora, dizendo que precisava conversar com ela e oferecendo uma carona. Cuidando, 
ingenuamente, que receberia o tão esperado pedido de desculpas, a autora aceitou o convite. 
42- Mais uma vez, porém, para sua desgraça, enganou-se. O réu desejava, isto sim, reiterar que apreciara imenso a noite passada com ela, que 
insistia em chamar “uma noite de amor"; que não Ɵnha deixado de pensar nela um só minuto e que queria repeƟr a experiência. 
43- Agora não havia mais a desculpa da embriaguez. O réu estava sóbrio e sua voz, firme, decidida; simplesmente, com estarrecedor cinismo e 
despudor, convidava a autora a ser sua amante fixa, a ter “um caso" com ele. 
44- A autora não sabia o que. fazer: aceitar não podia; não queria envolver -se com o réu, um homem casado e, ao que se dizia, bem casado; por 
outro lado, estava implícito no convite que a recusa significaria para a autora a demissão do emprego. 45 - Procurou a autora, em desespero, ganhar 
tempo. Pediu uma semana para pensar, ao que o réu, surpreendentemente, respondeu que esperaria... 
  
"_ ...porque tinha certeza que ela ia ser 'boazinha' e aceitar sua proposta". 
  
46- Durante uma semana, o réu nada disse. Manteve -se discreto, absolutamente frio, com o cinismo impávido e arrogante do conquistador 
profissional. 
47- Não deixou, porém, de sinalizar, indireta e ofensivamente, as vantagens que adviriam para a autora de aceitar suas propostas indecorosas; 
interessou -se mais por seu trabalho, sugeriu a contratação de um auxiliar para suas funções, acenou com a perspecƟva de um aumento de seus 
vencimentos. 
48- Passada a semana de prazo, voltou o réu novamente à carga de modo direto: perto do final do expediente, como sete dias antes, ofereceu à 
autora uma carona, que esta não teve como recusar. 
49 - Conversavam no trajeto; a autora, hesitante, relutante, com medo de negar, sentindo-se coagida, ameaçada de perder o emprego. O réu, genƟl, 
polido, falsamente sedutor, mas deixando clara a opção: ou a autora se transformava em sua amante fixa ou teria que procurar rapidamente um novo 
emprego. 
50- A autora, nervosa, entreƟda na conversa diİcil, não observava para onde estavam se dirigindo. De repente, em uma curva, o réu saiu com o 
carro da estrada e entrou em um motel, pedindo imediatamente a chave da suíte presidencial. 
51- Novamente o constrangimento; novamente o envolvimento, as insinuações, a criação de situações sem saída. E novamente a autora é forçada a 
aceder aos caprichos sexuais do réu. 
52- F0rmava-se assim uma situação irreversível. autora e réu, agora, eram amantes. Não havia como voltar atrás. 
53- Irremediavelmente enredada pelo patrão, era agora prosƟtuída, obrigada a entregar seu corpo para não perder o emprego. Nada mais restava 
agora à autora senão manter as aparências e associar-se ao réu no negregando esforço de manter desconhecido o espúrio conúbio. 
54- A rel.ação, vivida às ocultas, durou alguns meses. A autora, porém, sofria muito; não saía mais de casa. Sua condição de amante fixa de um 
homem casado, ainda por cima seu patrão, tornava-a uma pessoa amarga, dissimulada. 
55- O único lugar que freqüentava, além do trabalho, era o motel, sempre o mesmo, uma ou duas vezes por semana pelo menos, ao final do 
expediente. De vez em quando, quando o réu Ɵnha o.pretexto de alguma viagem, exigia que a autora o acompanhasse ou que, antes ou depois, passasse 
com ele uma noite inteira, o que a obrigava a inventar menƟras constrangedoras para sua velha mãe, com quem ainda morava. 
56- Mas não paravam aí os sofrimentos. Também por um outro parƟcular a situação era cruel: além de seus sonhos profissionais, a autora 
evidentemente Ɵnha também sonhos como mulher, os sonhos de toda moça: ter uma relação afeƟva normal, sólida, casar-se, gerar e criar os próprios 
filhos. 
57- Aos poucos esses sonhos iam se frustrando. Como poderia ela, sentindo-se como se sentia, uma prostituta, entregando-se a práƟcas sexuais 
com um homem que não amava, conseguir desenvolver um outro Ɵpo de relação, mais puroe mais saudável? 
58- Um dia, porém, apesar de tudo, a autora apaixonou-se por um rapaz solteiro, um jovem médico, dois anos mais velho que ela, que conheceu na 
festa de casamento de sua irmã. 
59 - Sua paixão, para sua felicidade ou desgraça, foi correspondida e logo iniciava ela, cheia de esperanças, um namoro saudável. 
60- Estava, porém, carregada de culpas. Não podia conƟnuar nem mais um minuto levando uma vida dupla: amando com pureza o jovem médico, ao 
mesmo tempo em que manƟnha com o patrão uma relação adúltera e pecaminosa. O rompimento com o réu, nas circunstâncias, tornou-se inevitável. 
61- O réu, porém, inconformado, insisƟa, promeƟa, ameaçava, gritava; chegou mesmo, certa vez, a agredir fisicamente a autora. 
62- Finalmente, deixou-a ir. Mas, no dia seguinte, como era de se esperar, a autora estava demitida. 
63- Não parou aí a baixeza do réu. VingaƟvo, contou ao namorado da autora o caso que Ɵvera com ela, mostrando-lhe, inclusive, fotografias suas 
em posições obscenas. 
64- A mãe da autora, por sua vez, mal recuperada da cirurgia a que se submetera, não resisƟu à sucessão de crises emocionais da filha e faleceu 
pouco depois. 
65- A própria autora adoeceu seriamente. Não conseguia arranjar emprego; Ɵnha vergonha. O réu, pessoa conhecida e influente na sociedade, cuja 
separação recente era assunto das crônicas de intrigas, provavelmente denegrira seu nome. 
66- Poderia a autora alongar-se ainda, por páginas e páginas no relato de seus tormentos. Não o faz. Não é preciso. V. Exa. saberá, com sua sensibilidade de 
magistrado, avaliar com precisão quão duros foram esses tempos de tormento e humilhação que o comportamento reprovável do réu causou à autora. 
  
Questões 
a) Resuma, em até cinco linhas, qual a versão narrada pela parte autora. 
b) IdenƟfique, na transcrição desse segmento, pelo menos três informações que a parte ré não teria narrado. JusƟfique por quê. 
C) IdenƟfique pelo menos dois recursos linguísƟcos que visem a valorar os fatos a favor da parte autora. 
  
[1] Barros, Orlando Mara. Comunicação & Oratória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 138. 
[2] LACERDA, Gabriel. Em segredo de jusƟça. Rio de Janeiro: Xenon, 1995, p. 10 -20. 
Plano de Aula: 3 - Teoria e Prática da Narrativa Jurídica 
TEORIA E PRÁTICA DA NARRATIVA JURÍDICA
NARRATIVA SIMPLES DOS FATOS NARRATIVA VALORADA DOS FATOS 
É  uma  na r raƟva   sem compromis so  de  
representar qualquer das partes. Deve 
apresentar todo e qualquer fato importante 
para a  compreensão da  l ide,  de  forma 
imparcial. 
É uma narraƟva marcada pelo compromisso de 
expor os fatos de acordo com a versão da parte 
que se representa em juízo. Por essa razão, 
apresenta o pedido (pretensão da parte 
autora) e recorre a modalizadores. 
Sugerimos iniciar por “trata-se de questão 
sobre...” 
Sugerimos iniciar por “Fulano ajuizou ação 
de ... em face de Beltrano, na qual pleiteia ...” 
Estácio de Sá Página 1 / 3
Título 
3 - Teoria e Prática da Narrativa Jurídica 
Número de Aulas por Semana 
 
Número de Semana de Aula 
3 
Tema 
Narrativa jurídica simples e narrativa jurídica valorada. 
Objetivos 
O aluno deverá ser capaz de: 
- DisƟnguir a narraƟva jurídica simples da narraƟva jurídica valorada; 
- IdenƟficar as caracterísƟcas que marcam esses dois Ɵpos de narraƟva; 
- Compreender a relação entre o Ɵpo de narraƟva e a peça processual produzida; 
- Conhecer as principais caracterísƟcas da narraƟva jurídica. 
Estrutura do Conteúdo 
1. Algumas caracterísƟcas da narraƟva jurídica 
1.1. Impessoalidade 
1.2. Verbos no passado 
1.3. Paragrafação 
1.4. Elementos consƟtuƟvos da demanda (Quem quer? O quê? De quem? Por quê?) 
1.5. Correta idenƟficação do fato gerador 
2. NarraƟva jurídica simples 
3. NarraƟva jurídica valorada 
4. A construção de versões 
Aplicação Prática Teórica 
Como vimos anteriormente, a s peças processuais têm um denominador comum: precisam, em primeiro lugar, narrar os fatos importantes do caso concreto, 
tendo em vista que o reconhecimento de um direito passa pela análise do fato gerador do conflito e das circunstâncias em que ocorreu. Ainda assim, vale dizer 
que essa narraƟva será imparcial ou parcial, podendo ser tratada como simples ou valorada, a depender da peça que se pretende redigir. 
Pode -se entender, portanto, que valorizar ou não palavras e expressões merece atenção acurada, pois poderá influenciar na compreensão e persuasão do 
auditório.[1] Essa valoração das informações depende dos mecanismos de controle social que influenciam a compreensão do fato jurídico. 
É preciso lembrar que são diferentes os objeƟvos de cada operador do direito; sendo assim, o representante de uma parte envolvida não poderá narrar os 
fatos de um caso concreto com a mesma versão da parte contrária. Por conta disso, não se poderia dizer que todas as narraƟvas presentes no discurso jurídico são 
idênƟcas no formato e no objeƟvo, visto que dependem da intencionalidade de cada um. 
  
  
Para o exercício desta semana, recorremos a um trecho de importante romance da literatura jurídica – Em segredo de JusƟça[2] – cujo enredo versa 
sobre o possível assédio sexual praƟcado por um conhecido advogado carioca contra sua jovem secretária. Sugerimos a leitura do livro. 
  
Leiamos a narraƟva extraída desse romance. 
  
1- A autora, conforme se verifica de sua própria qualificação, detém o grau de bacharel em administração de empresas. 
2- Esse diploma foi conquistado não sem esforço, melhor se diria até, com grande sacriİcio. Órfã de pai aos nove anos de idade, mais velha de três 
irmãs, teve a autora muito cedo que começar a trabalhar, para ajudar sua mãe no orçamento domésƟco; ainda adolescente, menor de idade, aceitava 
pequenas tarefas remuneradas, posando para comerciais de televisão, ocasionalmente desempenhando pequenos papéis dramáƟcos em telenovelas. 
3 - Terminado o curso colegial, procurou e encontrou emprego estável, indo trabalhar como secretária em conhecida empresa industrial. 
4-               Foi progredindo em suas funções e logo, mercê de seu esforço e competência, já atendia a um dos mais graduados diretores da 
empresa. 
5- Trabalhava há algum tempo, quando, desejosa de ter formação superior, ingressou, após passar no concurso vesƟbular, na faculdade de 
administração. 
6- Foram mais quatro anos e meio de luta árdua e a autora, trabalhando durante o dia e estudando. à noite, conseguiu finalmente o ambicionado 
diploma. 
7- Faltava-lhe agora trabalhar na profissão que escolhera e para a qual se capacitara. Era, porém, uma opção diİcil. Como secretária, era uma 
profissional experiente, tendo aƟngido o topo da carreira; como administradora, Ɵnha um diploma de curso superior completo, mas nenhuma experiência. 
Onde quer que fosse trabalhar, provavelmente deveria começar com uma remuneração inferior àquela que auferia na empresa industrial. 
8- Uma tarde, a autora foi procurada por seu então chefe, Sr. Horácio de Melo Alencar, que lhe perguntou se ela gostaria de ir trabalhar como 
administradora em um escritório de advocacia, por um salário igual ao que então percebia como secretária. 
9 - A autora, de início, manifestou surpresa, chegando a duvidar do que julgava ser tanta sorte. O Sr. Alencar, porém, tranqüilizou -a: tinha um amigo 
- o Sr. Ranulfo Azevedo - homem sério, advogado conceituado, que procurava justamente uma administradora profissional para seu escritório de 
advocacia. 
10- Como se tratava de firma ainda pequena, não fazia questão o Sr. Ranulfo de um ou de uma profissional experiente: queria alguém que Ɵvesse 
um diploma, bom senso, disposição para trabalhar, e, sobretudo, vontade de crescer junto com a organização. 
11- Lembra-se a autora de que, já naquela ocasião, comentara com o Sr. Alencar que “pobre quando vê muita esmola, desconfia" e que estava 
achando a oportunidade "boa demais para ser “verdade ”. 
12- O Sr. Alencar disse , contudo, que já Ɵnha conversado a respeito com o Sr. Ranulfo e que Ɵnha sido, aliás, o próprio Sr. Ranulfo o primeiroa 
dizer que estava procurando alguém para administrar seu escritório e que se manifestara entusiasmado, ao saber que ela, autora, a secretária de seu 
amigo Alencar, Ɵnha recentemente se formado em administração. 
13- O ex -chefe da autora chegou' até a acrescentar que fora o próprio Sr. Ranulfo que, ao mesmo tempo em que elogiava os atributos İsicos da 
autora, perguntara quanto ela ganhava e pedira permissão ao Sr. Alencar para convidá-la para trabalhar com ele, Ranulfo. 
14- Por aí já se vê, desde o primeiro momento, quais fossem as intenções do réu, misturando indevidamente, como qualificações para preencher o 
cargo vago em sua empresa, dotes de beleza İsica e apƟdões profissionais. 
15- Permite -se a autora, nesse passo, a bem da precisão da narraƟva dos fatos, transcrever a expressão exata que teria sido usada pelo réu: de 
fato, segundo o Sr. Alencar, seu amigo Ranulfo teria dito: 
  
“_ você quer me dizer que sua secretária é formada em administração? Mas ela é 'gostosa demais'! Você ia ficar muito chateado se eu convidasse 
ela para trabalhar comigo?" 
  
16- A frase desrespeitosa foi transmitida ipsis litteris à autora pelo Sr. Alencar. A autora, porém, infelizmente, não a tomou devidamente em conta. 
17- A oportunidade que se apresentava era excepcional: atendia rigorosamente àquilo com que a autora vinha sonhando, desde que ingressara na 
faculdade. O réu, além disso, era amigo de longa data do Sr. Alencar, um profissional conhecido, muito bem sucedido na profissão, Ɵnha reputação de 
homem sério. Usara por certo apenas por troça, "de brincadeira”, em conversa com um amigo, a expressão chula, mas certamente, em seu escritório, 
jamais ousaria ultrapassar os limites do respeito e da conveniência. 
18- Assim pensando, e encorajada por seu chefe, a autora aceitou a oferta e, em fevereiro de 1990, foi contratada para o cargo de gerente 
administraƟva da firma: "Escritório de Advocacia Ranulfo Azevedo". 
19 - Os primeiros meses foram gratificantes. A autora dedicava-se com afinco .às tarefas que lhe eram comeƟdas. Sua posição era especialmente. 
delicada, cabendo-lhe gerenciar um grupo que incluía profissionais de nível superior, sobre os quais não Ɵnha qualquer ascendência hierárquica. 
20- Mas a autora: parecia vencer o desafio: organizou novas roƟnas, mudou a decoração do ambiente, pôs em dia e modernizou a cobrança de 
honorários aos clientes, imaginou e implantou métodos modernos e eficientes de administração. 
21- Em verdade, a despeito de sua pouca idade, a autora logo se impôs no ambiente de trabalho, ganhando o respeito e a consideração das cerca 
de trinta pessoas que trabalhavam na firma, entre advogados, estagiários, secretárias e funcionários. 
22- O próprio réu, de início, parecia encantado, mais com a competência profissional que com os alegados atributos İsicos da autora, 
comportando-se geralmente de forma respeitosa, formal,quase cerimoniosa. 
23- A seriedade do réu, contudo, era apenas hipócrita máscara, atrás da qual se escondia um verdadeiro e imoral sáƟro, um autênƟco maníaco 
sexual. 
24- Essa faceta começou a ficar clara em uma ocasião muito marcante. 
25- Ao final de junho, o Escritório de Advocacia Ranulfo Azevedo organizou, como fazia todos os anos, uma convenção em um hotel fora da cidade. 
26- Era reunião de dois dias, congregando advogados e estagiários e respecƟvas famílias. Saíam todos do escritório em uma sexta-feira à tarde, em 
um ônibus fretado. Durante todo o dia de sábado e na manhã de domingo os advogados e estagiários debaƟam temas profissionais, ligados à gestão do 
escritório ou a assuntos propriamente jurídicos. As noites de sexta-feira e de sábado, porém, eram puramente sociais, dedicadas à confraternização. 
27- A autora foi convidada para o seminário. De início, teve dúvidas em aceitar o convite. Sabia que era a primeira vez que alguém, não diretamente 
ligado às aƟvidades profissionais da firma, parƟcipava de uma convenção daquele Ɵpo. Finalmente, face à insistência do réu, senƟndo-se honrada, 
aceitou. 
28- Não levou, porém, acompanhante. Nem a autora, nem o réu, cuja esposa estava, na ocasião, ao que foi dito, em viagem ao exterior. 
29 - Na noite de sexta-feira houve de fato uma grande confraternização. Todos conversavam animadamente; o jantar foi agradável e havia muita 
amizade e alegria. Mas nada de anormal ou grave aconteceu e, por volta das onze horas da noite, já todos estavam recolhidos. 
30- Aconteceu, isto sim, na noite de sábado. Nessa noite, após o jantar, um conjunto tocava música de dança. Sem acompanhante, o réu Ɵrou a 
autora várias vezes para dançar. À medida que a noite se desenvolvia, cada vez mais procurava o réu a proximidade corporal com a autora. 
31- Os outros casais aos poucos iam se recolhendo aos respecƟvos aposentos até que, cerca de uma hora da madrugada, só restavam dançando 
autora e réu, este úlƟmo, a essa altura, completamente embriagado. 
32- Tocado pelo álcool, o réu perdeu o controle de si mesmo e começou a tentar seduzir a autora, com palavras eloqüentes ,carregadas de 
sensualidade imoral. 
33- A autora, é claro, resisƟu sempre, até que, finalmente, desvencilhou-se do réu e saiu andando apressadamente até seu quarto. 
34- O réu, porém, seguiu -a e, com o pé, impediu-a de trancar a porta, dizendo cruamente, em alto e bom som: 
  
"- Esta noite eu vou dormir aqui com você". 
  
35- O constrangimento era total e invencível., No silencioso hotel de fim de semana, todos estavam recolhidos. O réu, completamente embriagado, 
deixava desenganadamente claras suas lascivas intenções. Somente com grande escândalo, do qual todos os demais hóspedes do hotel e, 
principalmente, os profissionais integrantes do escritório por certo tomariam conhecimento, poderia a autora ter resisƟdo a suas lúbricas invesƟdas. 
36- Não restou à autora senão aceder e passar a noite com o réu. Enojada, vencendo a repugnância, por várias vezes permiƟu que ele a possuísse, 
sempre para evitar o escândalo. 
37- Manhã bem cedo, reƟrou-se o réu para seu próprio quarto e, algumas horas depois, de cara lavada, como se nada Ɵvesse acontecido, presidia a 
reunião da manhã de domingo. 
38- A autora cuidava que todo aquele pesadelo não duraria mais que uma noite e que, novamente sóbrio, o réu se desculparia ou, pelo menos, 
tentaria fingir que nada tinha acontecido. 
39 - De fato, foi assim que procedeu o réu durante todo o domingo, no hotel, e na viagem de volta. 
40- Na segunda -feira a autora apresentou-se ao trabalho, ainda desconfiada, mas pronta a iniciar esforço consciente para relegar o episódio - a 
merecido esquecimento. O emprego ainda era um bom emprego; a autora precisava dele; agora mais que nunca, pois sua mãe, já idosa, estava prestes a 
submeter -se a uma delicada intervenção cirúrgica. O réu, até ali, Ɵnha sido um bom patrão. Tudo afinal não passara de uma noite de bebedeira. 
41- Ao final do expediente, porém, o réu chamou a autora, dizendo que precisava conversar com ela e oferecendo uma carona. Cuidando, 
ingenuamente, que receberia o tão esperado pedido de desculpas, a autora aceitou o convite. 
42- Mais uma vez, porém, para sua desgraça, enganou-se. O réu desejava, isto sim, reiterar que apreciara imenso a noite passada com ela, que 
insistia em chamar “uma noite de amor"; que não Ɵnha deixado de pensar nela um só minuto e que queria repeƟr a experiência. 
43- Agora não havia mais a desculpa da embriaguez. O réu estava sóbrio e sua voz, firme, decidida; simplesmente, com estarrecedor cinismo e 
despudor, convidava a autora a ser sua amante fixa, a ter “um caso" com ele. 
44- A autora não sabia o que. fazer: aceitar não podia; não queria envolver -se com o réu, um homem casado e, ao que se dizia, bem casado; por 
outro lado, estava implícito no convite que a recusa significaria para a autora a demissão do emprego. 45 - Procurou a autora, em desespero, ganhar 
tempo. Pediu uma semana para pensar, ao que o réu, surpreendentemente, respondeu que esperaria... 
  
"_ ...porque tinha certeza que ela ia ser 'boazinha'e aceitar sua proposta". 
  
46- Durante uma semana, o réu nada disse. Manteve -se discreto, absolutamente frio, com o cinismo impávido e arrogante do conquistador 
profissional. 
47- Não deixou, porém, de sinalizar, indireta e ofensivamente, as vantagens que adviriam para a autora de aceitar suas propostas indecorosas; 
interessou -se mais por seu trabalho, sugeriu a contratação de um auxiliar para suas funções, acenou com a perspecƟva de um aumento de seus 
vencimentos. 
48- Passada a semana de prazo, voltou o réu novamente à carga de modo direto: perto do final do expediente, como sete dias antes, ofereceu à 
autora uma carona, que esta não teve como recusar. 
49 - Conversavam no trajeto; a autora, hesitante, relutante, com medo de negar, sentindo-se coagida, ameaçada de perder o emprego. O réu, genƟl, 
polido, falsamente sedutor, mas deixando clara a opção: ou a autora se transformava em sua amante fixa ou teria que procurar rapidamente um novo 
emprego. 
50- A autora, nervosa, entreƟda na conversa diİcil, não observava para onde estavam se dirigindo. De repente, em uma curva, o réu saiu com o 
carro da estrada e entrou em um motel, pedindo imediatamente a chave da suíte presidencial. 
51- Novamente o constrangimento; novamente o envolvimento, as insinuações, a criação de situações sem saída. E novamente a autora é forçada a 
aceder aos caprichos sexuais do réu. 
52- F0rmava-se assim uma situação irreversível. autora e réu, agora, eram amantes. Não havia como voltar atrás. 
53- Irremediavelmente enredada pelo patrão, era agora prosƟtuída, obrigada a entregar seu corpo para não perder o emprego. Nada mais restava 
agora à autora senão manter as aparências e associar-se ao réu no negregando esforço de manter desconhecido o espúrio conúbio. 
54- A rel.ação, vivida às ocultas, durou alguns meses. A autora, porém, sofria muito; não saía mais de casa. Sua condição de amante fixa de um 
homem casado, ainda por cima seu patrão, tornava-a uma pessoa amarga, dissimulada. 
55- O único lugar que freqüentava, além do trabalho, era o motel, sempre o mesmo, uma ou duas vezes por semana pelo menos, ao final do 
expediente. De vez em quando, quando o réu Ɵnha o.pretexto de alguma viagem, exigia que a autora o acompanhasse ou que, antes ou depois, passasse 
com ele uma noite inteira, o que a obrigava a inventar menƟras constrangedoras para sua velha mãe, com quem ainda morava. 
56- Mas não paravam aí os sofrimentos. Também por um outro parƟcular a situação era cruel: além de seus sonhos profissionais, a autora 
evidentemente Ɵnha também sonhos como mulher, os sonhos de toda moça: ter uma relação afeƟva normal, sólida, casar-se, gerar e criar os próprios 
filhos. 
57- Aos poucos esses sonhos iam se frustrando. Como poderia ela, sentindo-se como se sentia, uma prostituta, entregando-se a práƟcas sexuais 
com um homem que não amava, conseguir desenvolver um outro Ɵpo de relação, mais puro e mais saudável? 
58- Um dia, porém, apesar de tudo, a autora apaixonou-se por um rapaz solteiro, um jovem médico, dois anos mais velho que ela, que conheceu na 
festa de casamento de sua irmã. 
59 - Sua paixão, para sua felicidade ou desgraça, foi correspondida e logo iniciava ela, cheia de esperanças, um namoro saudável. 
60- Estava, porém, carregada de culpas. Não podia conƟnuar nem mais um minuto levando uma vida dupla: amando com pureza o jovem médico, ao 
mesmo tempo em que manƟnha com o patrão uma relação adúltera e pecaminosa. O rompimento com o réu, nas circunstâncias, tornou-se inevitável. 
61- O réu, porém, inconformado, insisƟa, promeƟa, ameaçava, gritava; chegou mesmo, certa vez, a agredir fisicamente a autora. 
62- Finalmente, deixou-a ir. Mas, no dia seguinte, como era de se esperar, a autora estava demitida. 
63- Não parou aí a baixeza do réu. VingaƟvo, contou ao namorado da autora o caso que Ɵvera com ela, mostrando-lhe, inclusive, fotografias suas 
em posições obscenas. 
64- A mãe da autora, por sua vez, mal recuperada da cirurgia a que se submetera, não resisƟu à sucessão de crises emocionais da filha e faleceu 
pouco depois. 
65- A própria autora adoeceu seriamente. Não conseguia arranjar emprego; Ɵnha vergonha. O réu, pessoa conhecida e influente na sociedade, cuja 
separação recente era assunto das crônicas de intrigas, provavelmente denegrira seu nome. 
66- Poderia a autora alongar-se ainda, por páginas e páginas no relato de seus tormentos. Não o faz. Não é preciso. V. Exa. saberá, com sua sensibilidade de 
magistrado, avaliar com precisão quão duros foram esses tempos de tormento e humilhação que o comportamento reprovável do réu causou à autora. 
  
Questões 
a) Resuma, em até cinco linhas, qual a versão narrada pela parte autora. 
b) IdenƟfique, na transcrição desse segmento, pelo menos três informações que a parte ré não teria narrado. JusƟfique por quê. 
C) IdenƟfique pelo menos dois recursos linguísƟcos que visem a valorar os fatos a favor da parte autora. 
  
[1] Barros, Orlando Mara. Comunicação & Oratória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 138. 
[2] LACERDA, Gabriel. Em segredo de jusƟça. Rio de Janeiro: Xenon, 1995, p. 10 -20. 
Plano de Aula: 3 - Teoria e Prática da Narrativa Jurídica 
TEORIA E PRÁTICA DA NARRATIVA JURÍDICA
NARRATIVA SIMPLES DOS FATOS NARRATIVA VALORADA DOS FATOS 
É  uma  na r raƟva   sem compromis so  de  
representar qualquer das partes. Deve 
apresentar todo e qualquer fato importante 
para a  compreensão da  l ide,  de  forma 
imparcial. 
É uma narraƟva marcada pelo compromisso de 
expor os fatos de acordo com a versão da parte 
que se representa em juízo. Por essa razão, 
apresenta o pedido (pretensão da parte 
autora) e recorre a modalizadores. 
Sugerimos iniciar por “trata-se de questão 
sobre...” 
Sugerimos iniciar por “Fulano ajuizou ação 
de ... em face de Beltrano, na qual pleiteia ...” 
Estácio de Sá Página 2 / 3
Título 
3 - Teoria e Prática da Narrativa Jurídica 
Número de Aulas por Semana 
 
Número de Semana de Aula 
3 
Tema 
Narrativa jurídica simples e narrativa jurídica valorada. 
Objetivos 
O aluno deverá ser capaz de: 
- DisƟnguir a narraƟva jurídica simples da narraƟva jurídica valorada; 
- IdenƟficar as caracterísƟcas que marcam esses dois Ɵpos de narraƟva; 
- Compreender a relação entre o Ɵpo de narraƟva e a peça processual produzida; 
- Conhecer as principais caracterísƟcas da narraƟva jurídica. 
Estrutura do Conteúdo 
1. Algumas caracterísƟcas da narraƟva jurídica 
1.1. Impessoalidade 
1.2. Verbos no passado 
1.3. Paragrafação 
1.4. Elementos consƟtuƟvos da demanda (Quem quer? O quê? De quem? Por quê?) 
1.5. Correta idenƟficação do fato gerador 
2. NarraƟva jurídica simples 
3. NarraƟva jurídica valorada 
4. A construção de versões 
Aplicação Prática Teórica 
Como vimos anteriormente, a s peças processuais têm um denominador comum: precisam, em primeiro lugar, narrar os fatos importantes do caso concreto, 
tendo em vista que o reconhecimento de um direito passa pela análise do fato gerador do conflito e das circunstâncias em que ocorreu. Ainda assim, vale dizer 
que essa narraƟva será imparcial ou parcial, podendo ser tratada como simples ou valorada, a depender da peça que se pretende redigir. 
Pode -se entender, portanto, que valorizar ou não palavras e expressões merece atenção acurada, pois poderá influenciar na compreensão e persuasão do 
auditório.[1] Essa valoração das informações depende dos mecanismos de controle social que influenciam a compreensão do fato jurídico. 
É preciso lembrar que são diferentes os objeƟvos de cada operador do direito; sendo assim, o representante de uma parte envolvida não poderá narrar os 
fatos de um caso concreto com a mesma versão da parte contrária. Por conta disso, não se poderia dizer que todas as narraƟvas presentes no discurso jurídico são 
idênƟcas no formato e no objeƟvo, visto que dependem da intencionalidade de cada um. 
  
  
Para o exercício desta semana, recorremos a um trecho de importante romance da literatura jurídica – Em segredo de JusƟça[2]– cujo enredo versa 
sobre o possível assédio sexual praƟcado por um conhecido advogado carioca contra sua jovem secretária. Sugerimos a leitura do livro. 
  
Leiamos a narraƟva extraída desse romance. 
  
1- A autora, conforme se verifica de sua própria qualificação, detém o grau de bacharel em administração de empresas. 
2- Esse diploma foi conquistado não sem esforço, melhor se diria até, com grande sacriİcio. Órfã de pai aos nove anos de idade, mais velha de três 
irmãs, teve a autora muito cedo que começar a trabalhar, para ajudar sua mãe no orçamento domésƟco; ainda adolescente, menor de idade, aceitava 
pequenas tarefas remuneradas, posando para comerciais de televisão, ocasionalmente desempenhando pequenos papéis dramáƟcos em telenovelas. 
3 - Terminado o curso colegial, procurou e encontrou emprego estável, indo trabalhar como secretária em conhecida empresa industrial. 
4-               Foi progredindo em suas funções e logo, mercê de seu esforço e competência, já atendia a um dos mais graduados diretores da 
empresa. 
5- Trabalhava há algum tempo, quando, desejosa de ter formação superior, ingressou, após passar no concurso vesƟbular, na faculdade de 
administração. 
6- Foram mais quatro anos e meio de luta árdua e a autora, trabalhando durante o dia e estudando. à noite, conseguiu finalmente o ambicionado 
diploma. 
7- Faltava-lhe agora trabalhar na profissão que escolhera e para a qual se capacitara. Era, porém, uma opção diİcil. Como secretária, era uma 
profissional experiente, tendo aƟngido o topo da carreira; como administradora, Ɵnha um diploma de curso superior completo, mas nenhuma experiência. 
Onde quer que fosse trabalhar, provavelmente deveria começar com uma remuneração inferior àquela que auferia na empresa industrial. 
8- Uma tarde, a autora foi procurada por seu então chefe, Sr. Horácio de Melo Alencar, que lhe perguntou se ela gostaria de ir trabalhar como 
administradora em um escritório de advocacia, por um salário igual ao que então percebia como secretária. 
9 - A autora, de início, manifestou surpresa, chegando a duvidar do que julgava ser tanta sorte. O Sr. Alencar, porém, tranqüilizou -a: tinha um amigo 
- o Sr. Ranulfo Azevedo - homem sério, advogado conceituado, que procurava justamente uma administradora profissional para seu escritório de 
advocacia. 
10- Como se tratava de firma ainda pequena, não fazia questão o Sr. Ranulfo de um ou de uma profissional experiente: queria alguém que Ɵvesse 
um diploma, bom senso, disposição para trabalhar, e, sobretudo, vontade de crescer junto com a organização. 
11- Lembra-se a autora de que, já naquela ocasião, comentara com o Sr. Alencar que “pobre quando vê muita esmola, desconfia" e que estava 
achando a oportunidade "boa demais para ser “verdade ”. 
12- O Sr. Alencar disse , contudo, que já Ɵnha conversado a respeito com o Sr. Ranulfo e que Ɵnha sido, aliás, o próprio Sr. Ranulfo o primeiro a 
dizer que estava procurando alguém para administrar seu escritório e que se manifestara entusiasmado, ao saber que ela, autora, a secretária de seu 
amigo Alencar, Ɵnha recentemente se formado em administração. 
13- O ex -chefe da autora chegou' até a acrescentar que fora o próprio Sr. Ranulfo que, ao mesmo tempo em que elogiava os atributos İsicos da 
autora, perguntara quanto ela ganhava e pedira permissão ao Sr. Alencar para convidá-la para trabalhar com ele, Ranulfo. 
14- Por aí já se vê, desde o primeiro momento, quais fossem as intenções do réu, misturando indevidamente, como qualificações para preencher o 
cargo vago em sua empresa, dotes de beleza İsica e apƟdões profissionais. 
15- Permite -se a autora, nesse passo, a bem da precisão da narraƟva dos fatos, transcrever a expressão exata que teria sido usada pelo réu: de 
fato, segundo o Sr. Alencar, seu amigo Ranulfo teria dito: 
  
“_ você quer me dizer que sua secretária é formada em administração? Mas ela é 'gostosa demais'! Você ia ficar muito chateado se eu convidasse 
ela para trabalhar comigo?" 
  
16- A frase desrespeitosa foi transmitida ipsis litteris à autora pelo Sr. Alencar. A autora, porém, infelizmente, não a tomou devidamente em conta. 
17- A oportunidade que se apresentava era excepcional: atendia rigorosamente àquilo com que a autora vinha sonhando, desde que ingressara na 
faculdade. O réu, além disso, era amigo de longa data do Sr. Alencar, um profissional conhecido, muito bem sucedido na profissão, Ɵnha reputação de 
homem sério. Usara por certo apenas por troça, "de brincadeira”, em conversa com um amigo, a expressão chula, mas certamente, em seu escritório, 
jamais ousaria ultrapassar os limites do respeito e da conveniência. 
18- Assim pensando, e encorajada por seu chefe, a autora aceitou a oferta e, em fevereiro de 1990, foi contratada para o cargo de gerente 
administraƟva da firma: "Escritório de Advocacia Ranulfo Azevedo". 
19 - Os primeiros meses foram gratificantes. A autora dedicava-se com afinco .às tarefas que lhe eram comeƟdas. Sua posição era especialmente. 
delicada, cabendo-lhe gerenciar um grupo que incluía profissionais de nível superior, sobre os quais não Ɵnha qualquer ascendência hierárquica. 
20- Mas a autora: parecia vencer o desafio: organizou novas roƟnas, mudou a decoração do ambiente, pôs em dia e modernizou a cobrança de 
honorários aos clientes, imaginou e implantou métodos modernos e eficientes de administração. 
21- Em verdade, a despeito de sua pouca idade, a autora logo se impôs no ambiente de trabalho, ganhando o respeito e a consideração das cerca 
de trinta pessoas que trabalhavam na firma, entre advogados, estagiários, secretárias e funcionários. 
22- O próprio réu, de início, parecia encantado, mais com a competência profissional que com os alegados atributos İsicos da autora, 
comportando-se geralmente de forma respeitosa, formal,quase cerimoniosa. 
23- A seriedade do réu, contudo, era apenas hipócrita máscara, atrás da qual se escondia um verdadeiro e imoral sáƟro, um autênƟco maníaco 
sexual. 
24- Essa faceta começou a ficar clara em uma ocasião muito marcante. 
25- Ao final de junho, o Escritório de Advocacia Ranulfo Azevedo organizou, como fazia todos os anos, uma convenção em um hotel fora da cidade. 
26- Era reunião de dois dias, congregando advogados e estagiários e respecƟvas famílias. Saíam todos do escritório em uma sexta-feira à tarde, em 
um ônibus fretado. Durante todo o dia de sábado e na manhã de domingo os advogados e estagiários debaƟam temas profissionais, ligados à gestão do 
escritório ou a assuntos propriamente jurídicos. As noites de sexta-feira e de sábado, porém, eram puramente sociais, dedicadas à confraternização. 
27- A autora foi convidada para o seminário. De início, teve dúvidas em aceitar o convite. Sabia que era a primeira vez que alguém, não diretamente 
ligado às aƟvidades profissionais da firma, parƟcipava de uma convenção daquele Ɵpo. Finalmente, face à insistência do réu, senƟndo-se honrada, 
aceitou. 
28- Não levou, porém, acompanhante. Nem a autora, nem o réu, cuja esposa estava, na ocasião, ao que foi dito, em viagem ao exterior. 
29 - Na noite de sexta-feira houve de fato uma grande confraternização. Todos conversavam animadamente; o jantar foi agradável e havia muita 
amizade e alegria. Mas nada de anormal ou grave aconteceu e, por volta das onze horas da noite, já todos estavam recolhidos. 
30- Aconteceu, isto sim, na noite de sábado. Nessa noite, após o jantar, um conjunto tocava música de dança. Sem acompanhante, o réu Ɵrou a 
autora várias vezes para dançar. À medida que a noite se desenvolvia, cada vez mais procurava o réu a proximidade corporal com a autora. 
31- Os outros casais aos poucos iam se recolhendo aos respecƟvos aposentos até que, cerca de uma hora da madrugada, só restavam dançando 
autora e réu, este úlƟmo, a essa altura, completamente embriagado. 
32- Tocado pelo álcool, o réu perdeu o controle de si mesmo e começou a tentar seduzir a autora, com palavras eloqüentes ,carregadas de 
sensualidade imoral. 
33- A autora, é claro,resisƟu sempre, até que, finalmente, desvencilhou-se do réu e saiu andando apressadamente até seu quarto. 
34- O réu, porém, seguiu -a e, com o pé, impediu-a de trancar a porta, dizendo cruamente, em alto e bom som: 
  
"- Esta noite eu vou dormir aqui com você". 
  
35- O constrangimento era total e invencível., No silencioso hotel de fim de semana, todos estavam recolhidos. O réu, completamente embriagado, 
deixava desenganadamente claras suas lascivas intenções. Somente com grande escândalo, do qual todos os demais hóspedes do hotel e, 
principalmente, os profissionais integrantes do escritório por certo tomariam conhecimento, poderia a autora ter resisƟdo a suas lúbricas invesƟdas. 
36- Não restou à autora senão aceder e passar a noite com o réu. Enojada, vencendo a repugnância, por várias vezes permiƟu que ele a possuísse, 
sempre para evitar o escândalo. 
37- Manhã bem cedo, reƟrou-se o réu para seu próprio quarto e, algumas horas depois, de cara lavada, como se nada Ɵvesse acontecido, presidia a 
reunião da manhã de domingo. 
38- A autora cuidava que todo aquele pesadelo não duraria mais que uma noite e que, novamente sóbrio, o réu se desculparia ou, pelo menos, 
tentaria fingir que nada tinha acontecido. 
39 - De fato, foi assim que procedeu o réu durante todo o domingo, no hotel, e na viagem de volta. 
40- Na segunda -feira a autora apresentou-se ao trabalho, ainda desconfiada, mas pronta a iniciar esforço consciente para relegar o episódio - a 
merecido esquecimento. O emprego ainda era um bom emprego; a autora precisava dele; agora mais que nunca, pois sua mãe, já idosa, estava prestes a 
submeter -se a uma delicada intervenção cirúrgica. O réu, até ali, Ɵnha sido um bom patrão. Tudo afinal não passara de uma noite de bebedeira. 
41- Ao final do expediente, porém, o réu chamou a autora, dizendo que precisava conversar com ela e oferecendo uma carona. Cuidando, 
ingenuamente, que receberia o tão esperado pedido de desculpas, a autora aceitou o convite. 
42- Mais uma vez, porém, para sua desgraça, enganou-se. O réu desejava, isto sim, reiterar que apreciara imenso a noite passada com ela, que 
insistia em chamar “uma noite de amor"; que não Ɵnha deixado de pensar nela um só minuto e que queria repeƟr a experiência. 
43- Agora não havia mais a desculpa da embriaguez. O réu estava sóbrio e sua voz, firme, decidida; simplesmente, com estarrecedor cinismo e 
despudor, convidava a autora a ser sua amante fixa, a ter “um caso" com ele. 
44- A autora não sabia o que. fazer: aceitar não podia; não queria envolver -se com o réu, um homem casado e, ao que se dizia, bem casado; por 
outro lado, estava implícito no convite que a recusa significaria para a autora a demissão do emprego. 45 - Procurou a autora, em desespero, ganhar 
tempo. Pediu uma semana para pensar, ao que o réu, surpreendentemente, respondeu que esperaria... 
  
"_ ...porque tinha certeza que ela ia ser 'boazinha' e aceitar sua proposta". 
  
46- Durante uma semana, o réu nada disse. Manteve -se discreto, absolutamente frio, com o cinismo impávido e arrogante do conquistador 
profissional. 
47- Não deixou, porém, de sinalizar, indireta e ofensivamente, as vantagens que adviriam para a autora de aceitar suas propostas indecorosas; 
interessou -se mais por seu trabalho, sugeriu a contratação de um auxiliar para suas funções, acenou com a perspecƟva de um aumento de seus 
vencimentos. 
48- Passada a semana de prazo, voltou o réu novamente à carga de modo direto: perto do final do expediente, como sete dias antes, ofereceu à 
autora uma carona, que esta não teve como recusar. 
49 - Conversavam no trajeto; a autora, hesitante, relutante, com medo de negar, sentindo-se coagida, ameaçada de perder o emprego. O réu, genƟl, 
polido, falsamente sedutor, mas deixando clara a opção: ou a autora se transformava em sua amante fixa ou teria que procurar rapidamente um novo 
emprego. 
50- A autora, nervosa, entreƟda na conversa diİcil, não observava para onde estavam se dirigindo. De repente, em uma curva, o réu saiu com o 
carro da estrada e entrou em um motel, pedindo imediatamente a chave da suíte presidencial. 
51- Novamente o constrangimento; novamente o envolvimento, as insinuações, a criação de situações sem saída. E novamente a autora é forçada a 
aceder aos caprichos sexuais do réu. 
52- F0rmava-se assim uma situação irreversível. autora e réu, agora, eram amantes. Não havia como voltar atrás. 
53- Irremediavelmente enredada pelo patrão, era agora prosƟtuída, obrigada a entregar seu corpo para não perder o emprego. Nada mais restava 
agora à autora senão manter as aparências e associar-se ao réu no negregando esforço de manter desconhecido o espúrio conúbio. 
54- A rel.ação, vivida às ocultas, durou alguns meses. A autora, porém, sofria muito; não saía mais de casa. Sua condição de amante fixa de um 
homem casado, ainda por cima seu patrão, tornava-a uma pessoa amarga, dissimulada. 
55- O único lugar que freqüentava, além do trabalho, era o motel, sempre o mesmo, uma ou duas vezes por semana pelo menos, ao final do 
expediente. De vez em quando, quando o réu Ɵnha o.pretexto de alguma viagem, exigia que a autora o acompanhasse ou que, antes ou depois, passasse 
com ele uma noite inteira, o que a obrigava a inventar menƟras constrangedoras para sua velha mãe, com quem ainda morava. 
56- Mas não paravam aí os sofrimentos. Também por um outro parƟcular a situação era cruel: além de seus sonhos profissionais, a autora 
evidentemente Ɵnha também sonhos como mulher, os sonhos de toda moça: ter uma relação afeƟva normal, sólida, casar-se, gerar e criar os próprios 
filhos. 
57- Aos poucos esses sonhos iam se frustrando. Como poderia ela, sentindo-se como se sentia, uma prostituta, entregando-se a práƟcas sexuais 
com um homem que não amava, conseguir desenvolver um outro Ɵpo de relação, mais puro e mais saudável? 
58- Um dia, porém, apesar de tudo, a autora apaixonou-se por um rapaz solteiro, um jovem médico, dois anos mais velho que ela, que conheceu na 
festa de casamento de sua irmã. 
59 - Sua paixão, para sua felicidade ou desgraça, foi correspondida e logo iniciava ela, cheia de esperanças, um namoro saudável. 
60- Estava, porém, carregada de culpas. Não podia conƟnuar nem mais um minuto levando uma vida dupla: amando com pureza o jovem médico, ao 
mesmo tempo em que manƟnha com o patrão uma relação adúltera e pecaminosa. O rompimento com o réu, nas circunstâncias, tornou-se inevitável. 
61- O réu, porém, inconformado, insisƟa, promeƟa, ameaçava, gritava; chegou mesmo, certa vez, a agredir fisicamente a autora. 
62- Finalmente, deixou-a ir. Mas, no dia seguinte, como era de se esperar, a autora estava demitida. 
63- Não parou aí a baixeza do réu. VingaƟvo, contou ao namorado da autora o caso que Ɵvera com ela, mostrando-lhe, inclusive, fotografias suas 
em posições obscenas. 
64- A mãe da autora, por sua vez, mal recuperada da cirurgia a que se submetera, não resisƟu à sucessão de crises emocionais da filha e faleceu 
pouco depois. 
65- A própria autora adoeceu seriamente. Não conseguia arranjar emprego; Ɵnha vergonha. O réu, pessoa conhecida e influente na sociedade, cuja 
separação recente era assunto das crônicas de intrigas, provavelmente denegrira seu nome. 
66- Poderia a autora alongar-se ainda, por páginas e páginas no relato de seus tormentos. Não o faz. Não é preciso. V. Exa. saberá, com sua sensibilidade de 
magistrado, avaliar com precisão quão duros foram esses tempos de tormento e humilhação que o comportamento reprovável do réu causou à autora. 
  
Questões 
a) Resuma, em até cinco linhas, qual a versão narrada pela parte autora. 
b) IdenƟfique, na transcrição desse segmento, pelo menos três informações que a parte ré não teria narrado. JusƟfique por quê. 
C) IdenƟfique pelo menos dois recursos linguísƟcos que visem a valorar os fatos a favor da parte autora. 
  
[1] Barros, Orlando Mara. Comunicação & Oratória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 138. 
[2] LACERDA, Gabriel. Em segredo de jusƟça.Rio de Janeiro: Xenon, 1995, p. 10 -20. 
Plano de Aula: 3 - Teoria e Prática da Narrativa Jurídica 
TEORIA E PRÁTICA DA NARRATIVA JURÍDICA
NARRATIVA SIMPLES DOS FATOS NARRATIVA VALORADA DOS FATOS 
É  uma  na r raƟva   sem compromis so  de  
representar qualquer das partes. Deve 
apresentar todo e qualquer fato importante 
para a  compreensão da  l ide,  de  forma 
imparcial. 
É uma narraƟva marcada pelo compromisso de 
expor os fatos de acordo com a versão da parte 
que se representa em juízo. Por essa razão, 
apresenta o pedido (pretensão da parte 
autora) e recorre a modalizadores. 
Sugerimos iniciar por “trata-se de questão 
sobre...” 
Sugerimos iniciar por “Fulano ajuizou ação 
de ... em face de Beltrano, na qual pleiteia ...” 
Estácio de Sá Página 3 / 3

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