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Resumo das aulas iniciais EAE0501 Prof. Fernando Postali Introdução: Finanças e teoria microeconômica Conceitos fundamentais de finanças O conceito de finanças está ligado ao gerenciamento de valores ao longo do tempo. A racional- idade financeira está fundamentada nas preferências temporais de consumo do agente. Pelo fato do consumo gerar uma satisfação para o agente (em microeconomia, dizemos que o consumo gera utilidade), ele pode estar interessado em trocar poder de compra ao longo do tempo, independentemente do fluxo de renda do agente. Com outras palavras, o cálculo financeiro está ligado à noção de preferências temporais de consumo, isto é, quanto consumir hoje e quanto consumir no futuro. Tomemos um exemplo: Exemplo 1 Suponha um agente que deve decidir quanto vai consumir em dois períodos de tempo, t = 1 e t = 2. A sua renda em cada um dos períodos — também chamada de dotação — é (m1,m2) e ele deve decidir sua cesta de consumo no tempo (C1, C2). Assuma que os preços estejam normalizados para 1. É possível transferir poder de compra de um instante de tempo para outro? Suponha que não existe mercado financeiro. Neste caso, o agente é capaz de distribuir seu poder de compra de t = 1 para t = 2 através de uma poupança S. Assim, seu consumo em cada período será: Em t = 1: C1 = m1 − S =⇒ S = m1 − C1. Em t = 2: C2 = m2 + S =⇒ C2 = m2 +m1 − C1. Esta última expressão pode ser escrita como C1 + C2 = m1 +m2 e é chamada restrição orçamentária intertemporal. No entanto, como não há mercado financeiro, o indivíduo só conseguirá transferir poder de compra de t = 1para t = 2 através da poupança, que será, nec- essariamente, não-negativa (S ≥ 0). Não existe possibilidade de aumentar o poder de compra em t = 1 acima da dotação m1. A figura 1 ilustra a restrição orçamentária intertemporal nesta situação. O agente poderá escolher qualquer ponto de consumo localizado ao longo do segmento AB. Exemplo 2 Suponha agora que exista um mercado financeiro que permita ao agente em- prestar e tomar emprestado a uma taxa de juros r, a fim de alterar seus fluxos de consumo em relação à renda. Em t = 1: S = m1 − C1 ≷ 0 Em t = 2: C2 = m2 + S + rS = m2 + (1 + r)S Substituindo S na segunda equação: C2 = m2 + (m1 − C1)(1 + r) (1) 1 Figura 1: Restrição orçamentária intertemporal na ausência de mercado financeiro C1 C2 m1 m2 dotação B A Desta forma, a existência do mercado financeiro permite que o agente antecipe seu poder de compra tormando recursos emprestado no mercado financeiro. Conforme se pode observar na expressão (1), o agente pode ser tomador de empréstimos ou poupador no período t = 1: O agente é poupador no período 1 se m1 − C1 > 0, de forma que, por (1), C2 > m2. Analogamente, o agente tomará empréstimo no instante 1 se m1 − C1 < 0, de forma que C2 < m2. No caso em que m1 − C1 = 0, tem-se C2 = m2 (ponto de Polônio). Observa-se, pois, que o aumento do consumo no período inicial gerado pela tomada de recursos emprestados tem como contrapartida a redução do consumo no período seguinte, em decorrência da necessidade de pagar o empréstimo acrescido de juros. De (1), pode-se extrair a chamada restrição orçamentária intertemporal na presença de mercado financeiro: C1(1 + r) + C2 = m1(1 + r) +m2 (2) A expressão (2) é conhecida como restrição orçamentária na forma de valor futuro. Outra maneira de se escrever a equação anterior é dividindo ambos os lados por 1 + r: C1 + C2 1 + r = m1 + m2 1 + r (3) A expressão (3) é a forma de valor presente da restrição orçamentária intertemporal. 2 Note que as expressões (2) e (3) são casos particulares da restrição orçamentária na presença de dois bens: p1C1 + p2C2 = p1m1 + p2m2 Na forma de valor futuro: p1 = 1 + r; p2 = 1; na forma de valor presente: p1 = 1; p2 = 1/(1 + r). Em qualquer um dos casos, observe que p1/p2 = 1 + r, que é a razão de troca entre consumo presente e consumo futuro. Ou seja, se o agente reduzir (aumentar) seu consumo em x unidades no instante 1, aumentará (diminuirá) seu consumo no instante 2 em (1+ r)x. Isso pode ser observado a partir da diferenciação da restrição orçamentária, que resulta em: dC2 dC1 = −(1 + r) A restrição orçamentária pode ser visualizada na figura 2. O agente será tomador ou poupador dependendo do ponto da restrição orçamentária que escolher consumir. Se escolher um consumo à esquerda, será um poupador; escolhendo um consumo à direita de sua dotação, será tomador. Figura 2: Restrição orçamentária intertemporal na presença de mercado financeiro C1 C2 m1 m2 dotação m1 + m2/(1+r) m1 (1 + r) + m2 poupador tomador Definição 1 Juro: é a remuneração pela espera. É a remuneração exigida pelo poupador por abrir mão de consumo presente; é o preço pago pelo tomador para antecipar seu consumo. Note que a existência do mercado financeiro permite ao consumidor transferir poder de compra entre os instantes t = 1 e t = 2, à taxa de juros r. A restrição orçamentária 3 Figura 3: A inclinação da linha do mercado é igual a −(1 + r). C1 C2 m1 m2 +1 - 1 - (1+r) + (1+r) intertemporal na presença do mercado financeiro também é chamada Linha do Mercado Financeiro, cuja inclinação é dada por −(1 + r), conforme se pode verificar na figura 3. Exercício 1 Como fica a linha do mercado financeiro quando o spread bancário é positivo, isto é, a taxa de juros para poupadores (rp) é diferente da dos tomadores de empréstimo (re), tal que re > rp? Mercado Financeiro, transação financeira e oportunidade financeira Definição 2 Mercado Financeiro. O mercado financeiro é o aglutinador entre deman- dantes de recursos (tomadores) e ofertantes de recursos (poupadores), de modo que os agentes possam exercer sua preferência temporal de consumo. Neste curso, assumiremos que a taxa de juros é dada. Definição 3 Transação Financeira. Qualquer movimento ao longo da linha de mercado é uma transação financeira. As transações financeiras são as possibilidades de trocas temporais permitidas pelo mercado financeiro. Definição 4 Oportunidade Financeira. Qualquer movimento fora da linha do mercado é uma oportunidade financeira. As oportunidades financeiras são possibilidades de trocas temporais fora do mercado financeiro. 4 Figura 4: Transações financeiras e oportunidades C1 C2 A B C D O A figura 4 ilustra a diferença entre os dois conceitos. Os movimentos de O para A e de O para D são transações financeiras, enquanto os movimentos de O para B e de O para C são oportunidades. Existem dois tipos de oportunidades financeiras: o investimento e o financiamento. Tanto o investimento quanto o financiamento resultam em um consumo no período 2 além do permitido pela linha do mercado (observe que os pontos B e C estãp acima de A e D). No entanto, o que diferencia ambas as operações é a relação entre a renda e o consumo no instante 1: no caso do investimento, tem-se que C1 < m1 (note que o ponto B na figura 4 está à esquerda de O); no caso do financiamento, tem-se que C1 > m1 (ponto C está à direita de O). Investimento: O → B Financiamento: O −→ C A figura 5 resume as áreas que representam oportunidades de investimento e de finan- ciamento em relação à linha de mercado, que representa o mercado financeiro. O mercado financeiro, portanto, dá o custo de oportunidade de um investimento ou de um financia- mento. Estes, por definição, são todas as possibilidades de realocação de poder de compra ao longo do tempo fora do mercado financeiro. Exercício 2 O que acontece quando há um aumento da taxa de juros? Represente no gráfico da figura 5 o que acontece com as oportunidades de investimento e de financiamento. Qualquer ponto acima da linha de mercado representa uma oportunidade que deve ser aceita. Este é o critério financeiro fundamental e não depende das preferências do con- 5 Figura 5: Oportunidades de investimento e de financiamento. C1 C2 m1 m2 Oportunidades de investimento Oportunidades de financiamento sumidor. Trata-se do Teorema da Separação de Fisher, queestabelece que o critério financeiro independe das preferências do agente. Exemplos de oportunidade de investimento: investimento em ações, construção de uma fábrica, abertura de um negócio próprio. Exemplos de oportunidade de financiamento: crediário, hipoteca. 6
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