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A Montanha e o Urso Uma História da Coreia by Emiliano Unzer Macedo

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A MONTANHA E O URSO
 
 
UMA HISTÓRIA DA COREIA
 
 
 
 
 
 
 
 
EMILIANO UNZER MACEDO
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
___________________________________________________
 
Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha Catalográfica feita pelo autor
___________________________________________________
M141a Macedo, Emiliano Unzer, 1977 –
A Montanha e o Urso: Uma História da Coreia / Columbia & San
Bernadino, EUA: Amazon Independent Publishing, 2018.
237 p.: il. ; 23 cm
Inclui bibliografia.
ISBN: 9781983059841
1. Coreia – História. I. Título.
CDU: 94(519)
___________________________________________________
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Copyright © 2018 Emiliano Unzer Macedo
Todos os direitos reservados.
ISBN: 9781983059841
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos incansáveis coreanos.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
(“Quando decorrem dez anos, até mesmo os rios e as montanhas mudam”)
 
 
 
 
 
 
 
(“Dragões emergem de pequenos riachos”)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO
1 O DEUS E O URSO
2 A UNIFICAÇÃO E O SÁBIO DA MADRUGADA
3 O GRANDE ANCESTRAL E AS GRANDES OBRAS
4 O IRMÃO LEAL E O BOM VIZINHO
5 OS HERDEIROS DE CONFÚCIO
6 O REINO EREMITA 
7 A TEMPESTADE
8 A FRATURA
9 A RECONSTRUÇÃO
EPÍLOGO
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO
 
A história da Coreia é ainda pouco conhecida pelo público em geral. Muitas
vezes a península coreana é referida como réplica da civilização chinesa, ou
como submissa aos interesses japoneses. Apesar desse desconhecimento, a
Coreia atrai a atenção mundial com relação aos eventos decorrentes da
separação da península desde a Guerra da Coreia entre 1950 e 1953. Ou
como nos fascinamos diante da riqueza e pujança da economia sul-coreana.
Ou como nossa curiosidade é despertada diante da reclusão do regime
norte-coreano.
 
Antes de tudo, deve-se entender que o passado coreano foi todo próprio e
singular. Rico e complexo, ao criar e propor novas ideias e conceitos. Esse,
portanto, é o objetivo do livro, de introduzir essa complexidade histórica
coreana. Os coreanos atravessaram séculos de desafios e confrontos nas
suas fronteiras. Incoporaram valores chineses confucionistas, mas foram
além e propuseram uma revisão dessa linha de pensamento. Criaram uma
economia vibrante na Coreia do Sul na segunda metade do século 20, mas
isso não eliminou a tendência autoritária do seu governo. Conceberam um
regime fechado e unipartidário ao norte do paralelo 38, decorrente da
inspiração stalinista e que hoje perpetua-se na família dos Kims.
 
Ao longo dos séculos, vários grupos étnicos compuseram a península
coreana, e que moldaram a cultura e identidade da região. Manchurianos,
japoneses, chineses, além da diversidade de coreanos que foram
gradativamente unificados e dominados a um reino a partir do século 10
com Goryeo. Depois das invasões mongóis em meados do século 13, o
reino coreano passará a se fundamentar em novas bases, com a dinastia de
Joseon (ou Choson). O século 19 testemunhará a crescente ameaça de
japoneses, chineses e russos nas suas fronteiras. No século seguinte, a
península conhecerá a dominação colonial japonesa até o fim da Segunda
Guerra Mundial. E, depois da devastação da Guerra da Coreia, em 1953, a
península será fraturada em duas.
 
O enfoque dessa obra será, em suma, apresentar uma visão panorâmica
histórica da Coreia, pautando-se nos eventos políticos, com ocasionais
ênfases sociais, econômicas e culturais. Não foi descuidado o contexto
coreano, com a preocupação de ir além de suas fronteiras e examinar os
países da vizinhança no leste asiático. Essa região durante muito tempo
antes do século 19, apresentou um cenário vibrante, criativo e próspero,
muito advindo dos contatos entre os povos da região e das possibilidades e
trocas comerciais e culturais. Foi nesse contexto que a Coreia moldou sua
singularidade. Cabe a nós termos a sensibilidade e acuidade aos eventos
históricos para compreendermos esse contexto. Ao final, tenderemos a
valorizar mais a intrínseca unidade coreana do que a volátil divisão em que
resultou a península em meados do século 20.
 
A Coreia, em termos geográficos, ocupa uma península no leste asiático.
A região é rodeada por mares em seus três lados: o Mar do Leste, o do Sul e
do Oeste. Na maioria dos mapas, o Mar do Oeste, ou Ocidental é chamado
de Mar Amarelo, e o do Leste, de Mar do Japão. Isso, naturalmente, foi
sempre contestado pelos coreanos, pois os termos remetem a outras
referências nacionais estranhas aos coreanos. Esses mares vizinhos e a
ligação terrestre ao norte desempenharam papéis cruciais na história
coreana. Foi por esses caminhos que houve fluxo migratório, comercial e
cultural, geralmente mais vindo das terras ao oeste para o leste. Mais para o
leste, as ligações para o arquipélago japonês se deram por navegações, o
que não elimina por completo a ligação marítima entre a China e a Coreia,
como houve na aliança em 660 entre o reino coreano de Silla com a China
da dinastia Tang. No outro sentido, os japoneses invadiram a península
coreana na década de 1590 por meio naval. E episódios marcantes navais se
deram em 1894 e também em 1905 na guerra entre japoneses, russos e
chineses nos mares da região. Em 1951, durante a Guerra da Coreia, o
General MacArthur desembarcou no porto de Inchon para atacar as forças
norte-coreanas. O mar sempre foi elemento marcante para a história
coreana.
 
Foi também pelos mares que houve a prosperidade dos reinos coreanos.
Silla, durante dos séculos 8 e 9, dominou o comércio os mares da região e o
comércio com os chineses e japoneses. Foi pelo comércio que comunidades
e migrações coreanas ocorreram, como o de comerciantes que se
estabeleceram na foz do Rio Yangzi, na China. A partir da dinastia Joseon
que se comprometeu a manter a estrita e isolada lealdade à dinastia Ming na
China no século 15 que a Coreia começou a rever sua atuação internacional.
A partir da segunda metade do século 20, a Coreia na sua proção
meridional, uma vez livre da dominação japonesa, novamente retomou sua
vocação marítima e internacional. Os contatos no norte coreano
consolidaram-se no duro jogo dos interesses soviéticos e, depois, numa
política autossuficiente.
 
A topografia coreana é marcada por montanhas que ocupam cerca de
70% de seu território. As partes ocidentais apresentam largas planícies
costeiras e vales férteis entre as montanhas, enquanto a costa leste é
marcada por áreas agrícolas estreitas acompanhadas de altas cadeias
montanhosas. Essas cadeias correm do norte ao sul, e essa espinha dorsal de
península, referida como a Cordilheira de Baekdu, tem origem na mítica
motanha ao norte, suposto local onde nasceu o fundador dos coreanos,
Dangun. Os rios correm em grande medida do leste para o oeste, e esses
incluem o Yalu, Chongchon, Taedong, Imjin, Han e Kum. As exceções são
os rios Naktong que flui para o sul e o rio Tumen que flui para o leste a
partir do Monte Baekdu.
 
O clima coreano é definido pela sua situação peninsular. O arquipélago
japonês protege a região coreana ao leste, fazendo com que o clima seja
mais influenciado pelas regiões ao norte e oeste. No entanto, a Coreia não
foge do regime das monções que chega no norte do Leste Asiático. Há um
verão quente e úmido e inverno seco e frio. Durante o inverno, ventos fortes
do noroeste gerados pelas massas continentais da alta pressão da Sibéria
derrubam a temperatura e umidade. No verão, as monções do oceano
trazem as chuvas, com cerca de 70% das precipitações anuais ocorrendo
geralmente em três meses ao ano, de junho a setembro. Ocasionais
tempestades, ou tufões, podem ocorrer, mas seu impacto é suavizado pelas
ilhas japonesas ao leste. Foi o clima de monções que permitiu à Coreia
desenvolver o cultivo do arroz desde o século 8 a. C. A expectativa das
chuvas em abril e maio, marcou o calendário agrícola coreano para os
arrozais. No verão,quente e úmido, o arroz cresce. Nos meses seguintes, de
setembro a outubro, o clima seco e frio predomina, tornando imperativo a
necessidade da colheita e armazenagem contra as intempéries. Depois disso,
no fim do ano, o inverno predomina.
 
Em termo étnicos e linguísticos, os antecessores dos coreanos vieram de
migrações do nordeste asiático e norte da China. Mas a principal evidência
aponta para origens culturais e da língua coreana não de chineses, mas de
falantes da família linguística altaica, tais como os turcomanos, mongóis,
tungus, manchus e japoneses. Uma família completamente distinta das
línguas chinesas. Outras evidências apontam que as origens coreanas com
relação aos mitos e símbolos de totens de ursos e tigres remetem a povos
altaicos das estepes asiáticas. O culto desses símbolos e mitos conjugam-se
com a prática siberiana do xamanismo e de objetos de valores simbólicos
usados em rituais como a espada e o espelho, algo que se pode constatar
também na história japonesa.
 
A influência chinesa, aparentemente, veio em momento posterior, com a
introdução da escrita, dos caracteres chineses ou sinogramas, além dos ritos
e ideais cosmológicas, confucianas e budistas. Embora a origem da língua
coreana seja diferente da chinesa, a Coreia adaptou os sinogramas para suas
palavras e gramática. Essa forma chinesa modificada, chamada de idu, foi
reflexo da prestigiosa influência que a elite coreana incorporou ao entrar em
contato com a cultura sínica. A unificação da língua coreana em definitivo
se deu com a expansão do reino de Silla, que conquistou os reinos de
Paekche e Koguryo no século 7.
 
A escrita coreana acabou sendo elaborada a partir do sistema chamado de
hangul, elaborado sob o mando do rei Sejong da dinastia Joseon, no século
15. A motivação para a criação de uma escrita e alfabeto próprio foi
permitir aos coreanos lerem e entenderem as obras chinesas. Mas a língua
chinesa e seus caracteres permanceram por séculos como sinal de prestígio
e cultura no meio coreano. Somente no século 19 foi promovido ampla
campanha na Coreia para a publicação de jornais e livros a serem escritos
em hangul. No período da dominação japonesa no início do século 20, o
hangul e o coreano foram gradativamente banidos nas escolas e locais
públicos. Após a Guerra da Coreia, a escrita coreana voltou a ser
valorizada, mas dada a divisão da península após 1953, cada Estado
coreano passou a ter vocábulos e características diferenciadas ao longo das
décadas de separação. Para tanto, a Coreia do Norte refere sua escrita não
como hangul, mas como chosongul. Apesar disso, as diferenças não são
ainda tão marcantes, e não há dificuldade de comunicação entre as duas
partes coreanas.
 
O coreano guarda em si algumas variações dialetais a depender da região
da península. Mas a maioria das variações se dá mais por questões de
sotaques diferentes. O coreano, para o mundo além do continente, é um
grande desafio. A romanização de seus caracteres permitiu ao público
ocidental ter maior compreensão vocal, mas a variedade de seus fonemas e
consoantes é ainda difícil de ser dominado pelo estrangeiro. A romanização
do coreano foi elaborada desde o século 19, e o mais aceito e popular foi o
do Sistema McCune-Reischauer, criado em 1937. No ano de 2000, esse
sistema foi revisado para o mundo ocidental. É nesse último sistema
revisado que a maioria dos termos coreanos do livro foram baseados, salvos
em termos conhecidos como Kim Il Sung (e não Gim Il Sung), Park Chung
Hee (e não Bak Chung Hee), entre outros. Os nomes completos coreanos,
como se constata, seguem a tradição asiática, ou seja, primeiro o nome de
família e depois o de batismo. E isso também foi respeitado visando evitar
estranhamento ao leitor brasileiro e da língua portuguesa.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 O DEUS E O URSO
 
 
Os ecos mais remotos dos antepassados dos coreanos remetem a povos que,
aparentemente, migraram de regiões setentrionais chinesas e das vastidões
mongólicas. Isso se deu num largo período que se estende desde 10 mil
anos antes de nossa era até por volta do primeiro milênio a. C. Nesse
processo, houve uma gradual expansão de artefatos de cerâmicas, talvez os
mais antigos do mundo que depois se constatou no arquipélago japonês ao
leste. Os antigos habitantes caçadores, pescadores e coletores, os
pertencentes à uma cultura marcada por cerâmicas com padrões feitos com
pente, considerados do Período Jeulmun ( ) (c. 8000 – c. 1500 a. C.),
foram deslocados ou miscigenados à onda de povos advindos de outras
regiões asiáticas. Criando com isso uma cultura neolítica mais elaborada,
identificados nas crônicas chinesas como os pertencentes às nações han, ye
ou maek. Os estudiosos hoje consideram que o povo coreano descende em
grande parte desses povos.
 
O bronze e o cultivo de arroz foram se estabelecendo nas regiões
coreanas e adjacências no primeiro milênio a. C. O arroz parece ter vindo
de regiões mais meridionais, pois o cultivo do milhete (que depois
originaria o trigo) era mais comum no norte da China. O bronze, ao que
parece, pode ter advindo das proximidades chinesas, considerando o estilo
observado nos vasos chineses da época em adagas e espelhos coreanos.
 
O antigo mito de fundação coreana se dá na figura de Dangun (ou
Tangun). Dangun ( ) é considerado o fundador, uma espécie de rei e
sacerdote de um reino chamado de Choson (também chamado de
Gojoseon), localizado no noroeste coreano e partes da Manchúria mais ao
norte. Esse reino, evidentemente, depois serviu de inspiração para uma
futura dinastia coreana do século 14 d. C. As narrativas mitológicas de
Dangun se encontram na obra Samguk yusa( , Memorabilia dos Três
Reinos), escrito por um monge budista, Il-yeon (1206–1289), no século 13,
à época das invasões mongóis. Esse monge remete os contos a registros
mais antigos que até hoje não foram encontrados, como o Livro de Gogi (
).
 
A história da origem de Dangun assim segue no Samguk yusa. Ao tempo
dos deuses, Hwanung ( ) queria viver no plano dos homens ao que foi
atendido pelo seu pai, Hwanin, ( ), Senhor dos Céus. Para descer dos céus
à terra, foi escolhida a Montanha Baekdu (“Montanha do Cume Branco”, 
), hoje na fronteira entre a Coreia do Norte e a China. A Hwanin foi dado
três selos celestiais e o mandou para governar sobre toda a terra. Hwanin
desceu com três mil seguidores e depois declarou o local onde descendeu
como a Cidade de Deus (Sinsi, ). Depois de ser declarado como rei
celestial (Hwanung Chonwang), assumiu os encargos de ensinar a
agricultura, medicina, artes, leis e moral. Isso tudo foi depois estimado por
volta do ano de 2333 a. C.
 
Nas proximidades, habitavam um urso e um tigre que depois passaram a
suplicar a Hwanung para transformá-los em seres humanos. Foi então que o
rei celestial deu a ambas criaturas um ramo de Artemísia sagrada, vinte
dentes de alho, e ordenou a eles evitarem a luz do sol por cem dias. Os dois
animais passaram então a comer a planta e a evitar o sol. Depois de vinte e
pouco dias, o urso, que manteve fiel ao plano, depois virou uma mulher. O
tigre, por sua vez, impaciente e intempestivo, foi incapaz de seguir as
recomendações e permaneceu no seu estado bestial. Uma vez mulher, essa
passou a suplicar por um companheiro para ter uma criança. Ao ouvir seus
pedidos, Hwanung se transformou num estado mortal e deitou-se com a
mulher. Ao que depois foi gerado um filho, Dangun.
 
Depois de crescido, Dangun tornou-se um homem repleto de qualidades e
liderança. Para sediar seu reino, fundou uma capital em Pyongyang e
chamou seus domínios de Choson (ou Gojoseon). Anos mais tarde, Dangun
mudou sua corte para mítica cidade de Asadal e ali governou por mil e
quinhentos anos. Ao final de sua longa vida, Dangun negociou seu reino
com sucessores, passou a viver nas montanhas como divindade.
 
Ao que parece, essa narrativa mitológica serve para entendermos como
um reino organizado se estabeleceu no norte da península coreana antes de
nossa era. Considerandoque não houve vestígios de nenhum amplo reino
centralizado até o 4º século a. C., a figura de Dangun serviu ao propósito de
legitimar os posteriores reinos coreanos e na Manchúria, ao criarem uma
narrativa que remete ao passado longínquo e divino. Alguns estudiosos [1] da
história coreana fundamentam a narrativa de Samguk yusa no seu devido
contexto histórico. Argumentam que o mito de Hwanung e seu
descendência representaria a migração de povos das cordilheiras Altai, da
Mongólia. Esses trouxeram consigo nova cultura e técnicas da agricultura,
ao que depois se difundiu entre os anteriores habitantes aborígines da
Manchúria e Coreia. Entre esses nativos, alguns deles adoravam um deus
em forma de tigre que depois foram marginalizados. Outros, que adoravam
uma forma divina em forma de urso, foram incorporados e assimilados a
esses novos imigrantes. No que depois resultou na consolidação de um
estado da região, chamado de Choson liderado por um líder com poderes
sacerdotais, Dangun. Estudos identificaram algumas nações siberianas e na
Manchúria que cultuavam o urso como animal sagrado.
 
Dangun foi depois sucedido por uma nova onda de migração advindo do
oeste, liderado por Kija, que apresentou novidades civilizacionais. Nesse
sentido, as lendas podem nos ajudar a compreender o quadro de migrações
e assimilações no leste asiático nos últimos séculos antes de nossa era. Os
mitos de fundação relacionariam-se nos séculos posteriores com os deuses
cultuados depois nos estados de Puyo, Koguryo, Kaya e Wa, todos na
região da península coreana, nordeste chinês e arquipélago japonês.
 
O quadro de migrações e influências culturais também é observado no
uso do bronze, como indicam os achados arqueológicos. Em regiões
coreanas e manchurianas, há adagas de bronze pertencentes à chamada
cultura de Liaoning do século 10 a. C., que apresentam formas distintas das
culturas siberianas da região de Ordos no norte da China. E, com a
introdução de técnicas agrícolas, o arroz passou a ser cultivado desde o
século 8 a. C. na península coreana algo que, como dito, diferenciava-se das
regiões vizinhas que cultivaram o milhete e o trigo.
 
Foi também nos últimos séculos antes de nossa era que um sistema de
escrita advindos do oeste espalhou-se em regiões coreanas e no antigo reino
de Choson (Gojoseon). É incerto qual sistema foi introduzido, mas é
provável que tenha sido aquele que acompanhou ondas migratórias
similares ao usado na escrita chinesa, ou seja, formas de sinogramas.
 
Choson, como nome de estado político, aparece narrado pela primeira
vez em registros chineses no século 4 a. C., quando é referido as boas
relações diplomáticas entre o reino coreano e o estado chinês de Qi, na
península de Shandong (mapa). Mais tarde, nas narrativas chinesas, Choson
é referido como um reino localizado na próxima península de Liaodong, na
costa da Manchúria, e descrito como um reino organizado e forte que ficava
ao leste do reino de Yan, durante o período dos Estados Combatentes da
historiografia chinesa (c. 475 a. C. – 221 a. C.). Foi decorrente dos
continuados conflitos com Yan que Choson decidiu deslocar sua capital,
Wanggeom-seong, mais para o leste de Liaodong para o noroeste coreano
no século 3 a. C.
 
Mapa: O estado de Qi em Shandong e a península coreana no século 4 a. C.
 
Por volta do início do século 2 a. C. houve turbulência na região norte
chinesa que afetou a península coreana. A dinastia Qin chinesa (212 – 206
a. C.) entrou em colapso com a ascensão da dinastia Han (206 – 220 d. C.),
que catalisou uma série de migrações de grupos étnicos han, ye e maek para
o norte e nordeste chinês nas proximidades do rio Yalu. Nos achados
arqueológicos, é possível distinguir na região coreana, figuras de
vestimentas e penteados que remetem às esses novos povos, algo que
certamente teve consequências no reino Choson. O soberano Choson, ao
que a tradição narra, confiou a defesa e guarda de suas fronteiras a aliados
contra o crescente império chinês.
 
O reino Choson atravessou mudanças quando um desses refugiados
chineses da fronteira decidiu voltar-se contra a capital de Choson e ocupar o
trono em 194 a. C. Seu nome depois ficaria conhecido como Wiman (r. 194
a. C. - ?) que, uma vez no poder, decidiu manter a linhagem dinástica
coreana. Historiadores acreditam que Wiman governou sobre um reino
confederado de grupos étnicos do que propriamente algo centralizado. Isso
era típico da época na região da Manchúria, península coreana e Japão.
 
Três gerações depois, embates começaram a se avolumar com os
chineses da dinastia Han, no que resultou na vitória do imperador chinês
Wu em 108 a. C. No seu auge, portanto, toda a região norte coreana foi
incorporada diretamente ao império chinês da dinastia Han. Tratados de paz
foram logo estabelecidos, mas o reino de Choson, embora submetido,
permaneceu como um alerta para a futura segurança da China da época,
pela sua notável organização e proximidade geográfica.
 
Assim se deu por quatro séculos até por volta de 313 d. C. O norte
coreano foi administrador pelos chineses de Han a partir da cidade de
Lelang (Nanggang em coreano) perto de Pyongyang. Apesar da dominação,
as evidências arqueológicas apontam para traços culturais coreanos bastante
distintos dos chineses. Ao que parece, os chineses mantiveram a
administração de forma confederada e autônoma, assim como era costume
na região. Ademais, temos que considerar que não havia ainda uma unidade
cultural nem mesmo entre os chineses, e assim foi também entre os
coreanos. Em outras palavras, não havia ainda à época uma entidade
homogênea e unificada coreana, mas sim um quadro diversificado de
grupos étnicos. Nada havia, portanto, para nos referirmos como uma
Coreia. As fronteiras que hoje são evidentes no norte coreano, ao longo do
rio Yalu e Tumen, somente foram demarcados tardiamente, no século 15 d.
C.
 
A diversidade de povos e costumes coreanos foi notada nas crônicas
chinesas, como na Crônica dos Três Reinos (Sanguo zhi, ) do século 3
d.C. Nesse livro, narra-se que havia um reino chamado de Puyo, bem ao
norte da península coreana na região da Manchúria. Mais ao sul da
Manchúria ascendeu um reino chamado de Koguryo que depois conquistou
sua soberania plena dos chineses a partir de 313 d. C. Ao leste, um outro
grupo, Okcho, tinha constituído num reino separado e, ao sul deles havia o
povo Ye (ou Yemaek) que viveram ao longo da costa oriental coreana.
Ainda mais ao sul, que permaneceu longe da dominação chinesa de Han,
tinha florescido três reinos coreanos: Mahan, Pyohan e Chinhan (mapa).
Esses três povos (referidos por vezes como Samhan) foram os prováveis
ancestrais das posteriores dinastias coreanas, pois foi de Chinhan que se
consolidaria a gradativa união coreana nos séculos posteriores. Entre os de
Mahan, os chineses relatam que não tinham nem mesmo uma língua em
comum e que eram mais um conjunto de pequenas unidades de lealdades.
Todos os três reinos no sul coreano eram compostos em sua maioria por
agricultores espalhados entre terras férteis entre as montanhas e o mar, sem
sinal de muralhas. Pyonhan e Chinhan não contavam com mais do que
alguns milhares de grupos familiares. E entre esses, conta-se que tinham o
hábito de tatuarem os corpos e deformarem as cabeças dos recém-nascidos
visando uma forma mais alongada do crânio. Em contraste, o povo de
Koguryo, mais ao norte, eram montanheses que em boa parte desconheciam
a agricultura. Por volta do século 3, sua população deveria contar com
algumas dezenas de milhares de famílias, todas mais afeitas à cavalaria e ao
nomadismo.
 
 
Mapa: Os reinos coreanos no século 5 d. C.
 
Na perspectiva chinesa, a ordem considerava todos os povos ao redor
como periféricos ao seu senso de civilização. Foi quando os chineses
consolidaram o conceito de Mandato do Céu (tianming, ;) e quem
controlava esse centro era dito como Filho do Céu (tianzi, ). O primeiro
imperador chinês, Qin Shihuangdi (259 – 210 a. C.) proclamou-se
governante de tudo o que havia sob os céus (tianxia,) depois de ter
unificado os seis estados em guerra na China de 230 a 221 a. C. Ele adotou
um novo título, huangdi( , imperador), que tinha antes sido usado apenas
para figuras mitológicas e divindades da China antiga.
 
Uma vez conquistada toda a vastidão dos reinos chineses, o imperador
passou a considerar sua soberania sobre os arredores no mundo asiático, a
manter a ordem contra possíveis ameaças. Assim, Qin Shihuangdi passou a
elaborar uma política de contenção e alianças visando as suas fronteiras
mais vulneráveis ao norte, dando alento à uma série de fortificações e
muralhas defensivas no que séculos depois iria ser a Grande Muralha. Uma
das nações mais ameaçadoras aos chineses eram os xiongnus, nômades que
eram considerados como bárbaros na percepção etnocêntrica chinesa da
época. Outras nações foram nomeadas de acordo com os pontos cardeais,
Dongyi (ao leste), Nanbam (ao sul), Beidi (ao norte) e Xiong (ao oeste).
 
Após algumas décadas, a dinastia imperial Qin foi conquistada pela
dinastia Han, que durou quatro séculos. No século 2 a. C., um dos
imperadores Han, Wudi (156 – 87 a. C.) foi articulado e energético o
suficiente para combater e eliminar a ameaça dos xiongnus no norte e oeste
das fronteiras chinesas e passou então a voltar sua ambição expansionista
para o sul e leste. Uma vez feita a expansão chinesa ao sul, chegando a
estender-se ao que hoje é o norte vietnamita em 111 a. C., Wudi, três anos
depois, voltou-se ao leste quando encontrou a formidável resistência de
Wiman de Choson, que acabou caindo derrotado em 108 a. C. A ampla
confederação tribal de Choson não se mostrou centralizada o suficiente para
conter a invasão chinesa. Nessa região foram depois implementadas quatro
grandes regiões administrativas: Lelang, Zhenfan, Lintun e Xientu. E uma
numerosa migração chinesa foi incentivada para ocupar efetivamente toda a
região nordeste do império de Han.
 
Lelang, conforme dito antes, foi um dos principais centros
administrativos chineses na região com a península coreana. Esses centros
prosperaram com o ativo comércio entre as regiões e a costa do leste
asiático. Funcionários chineses e representantes da corte Han com
frequência provaram sua arrogância ao imporem um sistema de leis e
costumes confucianos sobre os antigos costumes de Choson. Apesar das
resistências, as modificações de Han foram implementadas, o que não
eliminou os constantes ataques e pressões de nações coreanas vizinhas. Foi
por meio desses desgastantes ofensivas que os chineses decidiram
abandonar dois centros administrativos e se concentrar em apenas um deles,
Lelang, que acabou se tornando no centro chinês mais periférico ao
nordeste do império Han.
 
O interesse chinês na região nordeste, entre os povos que consideravam
como Dongyi( ), passou com o passar do tempo a considerar apenas a
manter os laços comerciais e tributários, até ao tempo em que a própria
coesão e unidade do império chinês da dinastia Han começou a entrar num
período de declínio e fragmentação no século 4 d. C. Foi nesse contexto que
um dos reinos mais ao norte da península coreana, o de Koguryo, chegou a
investir contra a cidade de Lelang em 313 d. C [2]. Após esses eventos, o
líder de Koguryo passou a ser referido com o título de rei (wang, ).
 
A expansão de Koguryo, a bem da verdade, remeteu a séculos anteriores
na região da Manchúria e começou a preencher gradativamente o vácuo de
poder deixado com o declínio da autoridade imperial chinesa. No século 2
de nossa era, era visível os sinais de enfraquecimento dos representantes de
Han. Em 220, toda a região sul da Manchúria foi conquistada por um povo
nômade que tinham se confederado num sistema de alianças chamados de
Xianbei. Por volta do ano 300, esses nômades começaram efetivamente a
controlar toda a região e cortaram toda a ligação da península coreana com
o restante da China. Foi, portanto, a gota d’água apenas quando Lelang caiu
em 313 para Koguryo. Talvez não seja exagero considerar esses eventos
históricos como determinante para o posterior surgimento da nação coreana.
 
Em fins do século 4 e início do seguinte, a região nordeste da China e do
norte da península coreana tinha se consolidado em dois reinos organizados
e fortes. Um, mais ao norte foi dominado por povos de Tuoba e Xianbei que
passaram a reinar sobre a dinastia Wei do Norte. Mais ao sul, o reino de
Koguryo fortaleceu-se no sul da Manchúria e norte coreano. Ambos os
estados foram regidos por povos não-chineses, apesar de Wei do Norte ter
uma considerável população chinesa. Ademais, ambos os reinos tinham
absorvido substancialmente a cultura chinesa e o confucionismo, sinizando
o povo de Tuoba-Xiaobei. Entre os de Koguryo, a influência se fez
presente, embora em menor medida e foram esses depois que levaram os
valores chineses mais para o sul da península coreana e, dali, para as ilhas e
arquipélago japonês, entre os povos denominados à época de Wa. Em 372,
Koguryo tinha fundado uma academia de estudos de obras clássicas
chinesas e, um ano depois, passou a promulgar códigos de leis
confucionistas. Em 427, sob o rei Jangsu (r. 413 - 491), a capital de
Koguryo mudou-se mais para o norte do rio Yalu, hoje em território chinês,
nas proximidades de Pyongyang [3]. Deslocando-se de suas bases mais ao
oeste na península de Liaodong, Jongsu e seu antecessor no trono, o rei
Gwanggaeto, o Grande (r. 391 - 413) tinha expandido o território de
Koguryo ao norte até o rio Songhua [4] e chegando a controlar dois terços da
península coreana.
 
Outro reino coreano proeminente foi Paekche (ou Baekje, ) que tinha
sido fundado por um dos filhos do primeiro rei de Koguryo, Jumong (r. 37
a. C. – 19 a. C.). A linhagem real de Paekche, tal como Koguryo, buscaram
traçar sua ancestralidade ao de Puyo (ou Buyeo, ), um venerável reino
que tinha se estabelecido na Manchúria desde o século 2 a. C. Paekche
começou com a reunião de em torno de 50 famílias na região de Mahan no
sudoeste coreano. Com o tempo, foi expandindo e consolidando seus
domínios na região. Os contatos com dinastias chinesas foram primeiro
registrados em 372 e, em 386, o regente de Paekche, Jinsa (r. 385 - 392)
recebeu o título dos chineses de “Rei de Paekche” e “General Protetor do
Leste”. O antecessor no trono de Jinsa, Geunchogo (r. 346 - 375) tinha
expandido e controlado o reino de Paekche no seu auge territorial,
tornando-os particularmente valiosos aos chineses que buscaram contrapor
à hegemonia de Koguryo ao norte.
 
Em fins do século 4, Paekche foi derrotado e reduzido pelo reino vizinho
de Silla. Nos séculos 5 e 6, Paekche manteve duradouras e boas relações
com dinastias chinesas, principalmente das regiões meridionais, e foi o
período em que absorveu a sofisticada cultura chinesa. Ao mesmo tempo,
pelo acesso aos mares da península, Paekche começou a manter contatos e
comércio com estados emergentes nas ilhas meridionais do arquipélago
japonês.
 
O terceiro reino coreano proeminente à época, Silla, desenvolveu-se a
partir de comunidades da região de Chinhan no sudeste asiático. Esse reino,
virado para a costa leste da península, foi a mais remota e que demandou
mais tempo para desenvolver-se. Foi somente em 503 que os líderes de Silla
abandonaram os tradicionais títulos de Maripkan, e assimilaram o título
chinês de “rei” (wang). Em 520, Silla começou a promulgar uma série de
leis de origens chinesas e confucianas, claramente demonstrando a
influência advindo do oeste. Por volta de 535, no entanto, há uma novidade,
pois em Silla foi contornada a oposição da corte e elite do reino com
relação ao budismo, sendo esta crença oficialmente endossada. Dez anos
depois, por regimento real, Silla começou a escrever a história oficial do
reino. Silla, no seu auge, em 576, chegou a dominar toda a costa oriental da
península coreana, muito resultado do enérgico rei Jinheung (r. 540 - 576)
quando este aliou-se a Koguryo e derrotou o reino de Paekche através do rio
Han em 553. A estrutura social de Silla parece ter se consolidado em torno
de clãs proeminentes,com sobrenome de Kim ( ), Pak (ou Park, ) e Seok
(ou Sok ou Suk, ), nomes até os dias atuais presentes nas famílias
coreanas. Até o século 4, os chefes de Silla regiam sobre um sistema
confederado e eram eleitos por consenso de um conselho de notáveis.
 
Esses três reinos coreanos foram o pano de fundo histórico sobre o que
depois iria se consolidar na Coreia a partir do século 7. Todos os três
tiveram significativa influência chinesa, principalmente com relação aos
assuntos de Estado, política e leis. Há relatos de chineses de que todos, sem
exceção, sabiam de cor recitar os ensinamentos clássicos chineses
confucianos e seus discípulos. Apesar disso, foi mantido algo que os
distinguia dos chineses, na língua e nos costumes. Cada reino manteve suas
tradições cerâmicas distintas [5]. Os monumentos funerários, chamados de
kobun, presentes nos três reinos demonstram estilos diferentes atendendo a
padrões regionais. Túmulos de pedra apresentam murais pintadas nas suas
câmaras em Koguryo. As câmaras em Paekche são arqueadas, e em Silla, os
túmulos são de madeira recobertos por pedras.
 
Foi por volta da consolidação desses três reinos que houve registros de
povos que habitavam ilhas mais ao leste, chamados de Wa. Principalmente
de Silla, houve migração de algumas comunidades da península para as
ilhas meridionais e ocidentais do arquipélago japonês nos primeiros séculos
de nossa era. Ainda mais recuado no tempo, certamente houve a influência
por migração dos conceitos cerâmicos presentes na chamada cultura de
Yayoi no Japão no século 4 a. C. que compartilha as características da
cerâmica coreana da mesma época. Ademais, há semelhança na língua
japonesa antiga no norte da ilha de Kyushu com a língua de Koguryo. E
foram imigrantes de Paekche que depois atravessaram os mares ao leste de
fins do século 4 ao 7 e depois influenciaram na disseminação do budismo,
no fortalecimento de líderes locais do clã dos Yamatos e até mesmo nas
técnicas agrícolas e metalúrgicas como a forja de espadas [6].
 
O budismo adveio após uma série de interações através das regiões
ocidentais da China que lidavam com rotas para a região do norte indiano,
Paquistão e Afeganistão. Essa religião, nascida na Índia, chegou aos
domínios chineses por volta do segundo século de nossa era, e teve grande
apelo por sua mensagem universal e não-exclusivista. Qualquer um, em
suma, poderia alcançar a iluminação espiritual, sem distinções sociais, de
gênero e etnia. Mas essa religião teve, contudo, que lidar com as
religiosidades anteriores na China. Uma dessas era o Taoísmo, que oferecia
uma explicação e inserção cósmica do seu no universo, algo que serviu de
contraponto às limitações e abusos do sistema confuciano oficial adotado
pelo Estado chinês ao longo de sua história. Se os ensinamentos de
Confúcio e de seus discípulos defendiam a ordem, a hierarquia, a
obediência e harmonia, o taoísmo, por vezes, buscava libertar o indivíduo
do constrangimento social e político para uma plena realização pessoal.
 
Foi um monge budista da cidade de Dunhuang que traduziu as escrituras
budistas da escola Mahayana do sânscrito para o chinês. Depois de longo
tempo, esse budismo começou a se ampliar na China em período de
instabilidades e desunião no século 4. Foram as dinastias de nômades que
abraçaram essa nova religião e a promulgaram. Uma dessas dinastias, a de
Qin (351 – 394) foi entusiasta em promover o budismo, considerando suas
origens com os tibetanos, nação que cedo incorporou os ensinamentos de
Buda. E a partir disso, o budismo se espalhou para outras partes da China e
mundo asiático. Em determinado momento, um monge budista, Sundo (ou
Shundao, em chinês), advindos do reino de Qin, foi para as regiões orientais
e chegou a Koguryo em 372. E ali descobriu que as práticas xamanistas
eram predominantes entre os nativos. O rei de Koguryo, Sosurim (r. 371 -
384), ficou fascinado e atraído com a nova religião que, além de satisfazer
suas curiosidades a respeito da ordem cósmica e busca pela iluminação
espiritual, acolheu os ensinamentos do novo credo espiritual e tornou-o uma
religião do Estado. São decorrentes dessa decisão que as primeiras imagens
e estatuetas de Buda desse período, em bronze dourado, usados como
talismãs, são hoje encontrados em alguns museus em Seul e no mundo.
 
A aceitação do budismo pelo rei de Koguryo condisse com seu plano
ambicioso de sistematizar seu governo em novos termos burocráticos e ter
maior apelo de integração social no seu reino. Koguryo, anteriormente, era
mais uma coleção de clãs e lealdades que, com o budismo promovido,
poderia cimentar numa nova unidade político. Ademais, o budismo poderia
ofertar novas alianças e contatos internacionais, indo além de sua localidade
no nordeste asiático. Juntamente com o budismo, o confucionismo foi
adotado pelos subsequentes governantes de Koguryo para estabelecer um
sistema hierárquico e burocrático do reino. Tanto foi assim que foram
estabelecidas academias confucianas e, decorrente disso, instituídas
carreiras para os magistrados e funcionários do Estado, seja para
sistematizar e manter o funcionamento da máquina do governo, seja para
manter os registros e compilar a história do reino. Portanto, o budismo e
confucionismo serviram, fundamentalmente, para estruturar e manter o
nascente reino coreano.
 
Isso não ocorreu apenas em Koguryo. Alguns anos depois, em 384, o
reino de Paekche implementou iguais medidas quando foram decretadas
como oficiais pelo rei Chimnyu (r. 384 – 385) os ensinamentos do monge
indiano Marananta (ou Malananda). E, mais tardiamente, também
institucionalizados por Silla em 527, um outro nascente reino coreano,
Kaya, e, mais ao leste nas ilhas meridionais japonesas, por Wa em 584. Esse
último reino, pela sua distância geográfica da península, somente irá
plenamente reformar seu sistema político e jurídico após a Reforma Taika
feitas pelo príncipe Shodoku em 654.
 
O fato mais notável da região coreana se dá com uma impressionante
estela de sete metros de altura encontrada perto do rio Yalu, na Manchúria,
em que se comenta sobre os feitos de um rei de Koguryo, Gwanggaeto (r.
391 – 413). Foi sob o reinado deste que Koguryo expandiu suas fronteiras a
incluir boa parte do nordeste asiático, desde o rio Sungari ao norte, o vale
do rio Liao ao oeste, a costa marítima ao leste e o rio Han ao sul. O nome
Gwanggaeto, na verdade, é um nome póstumo, um título que significa
“território em expansão”, demonstrando que o reino estava em sua plena
capacidade expansionista. Seu verdadeiro nome era Yongsak, e foi durante
esse período que Koguryo incorporou várias entidades políticas menores
coreanas e manchurianas. Em 427, alguns anos depois da morte de
Yongsak, seu herdeiro, Jangsu (r. 413 – 491). Koguryo viveu seus tempos
de auge, e o rei decidiu mudar a capital do alto rio Yalu para Pyongyang,
um antigo centro usado pelo reino de Choson e pelos domínios
administrativos de Lelang.
 
A estela ainda descreve feitos impressionantes do reino Koguryo. As
expansões do nascente império coreano foram em todos os pontos cardeais,
e essas descrições coincidem com os relatos coreanos compilados pela
primeira vez em forma escrita no século 12. Os primeiros avanços se deram
ao norte, sobre o universo de nações nômades para depois se consolidar ao
sul, sobre o reino de Paekche. Ao leste, o reino de Koguryo submeteu
vários tribos e, por fim, foi ao oeste onde enfrentaram o resistente império
confederado de Xianbei (à época referidos como reino de Yan Tardio,
compondo este um dos 16 reinos fragmentados em que se encontrava a
China em fins do século 4), povo nômade de etnia proto-mongol. Os
confrontos mais duradouros se deram contra Paekche e Xianbei. Paekche
tinha sido o reino mais poderoso e organizado da península coreana, mas
acabou rendendo-se ao rei Gwanggaeto em 396. Na virada do século 5,
Koguryo conseguiu o feito de derrotar novas investidas de uma aliança do
reino de Paekche, Kaya e de Wa. Em 407, o rei de Koguryo lançou sua
ofensiva mais ao oeste, paragarantir a plena segurança de suas fronteiras, e
conquistou a estratégica península de Liaodong. Pondo termo às ameaças
principais que poderiam vir do sul e do norte e oeste.
 
A península coreana testemunharia mais uma ascensão política notável a
partir do século 6. Silla, um reino coreano que tinha se consolidado na
ponta sudeste, esse pequeno reino inicialmente era de pouca expressão tal
como a sua vizinha, Kaya. A mudança dos ventos históricos começou com
uma confederação feita mais ampliada, a envolver mais seis grupos
clânicos, a ser regido por uma figura de chefia e rei, cujas decisões eram
submetidas a um conselho de chefes. Esse sistema era designado como
hwabaek. Com o passar dos tempos, a figura do rei concentrou ainda mais
seu poder de decisão, consolidando a dinastia dos clãs dos Kims e Paks em
meados do século 4. Posteriormente, esse sistema ampliou-se para organizar
a sociedade de Silla em hierarquias, com as famílias reinantes no topo e a
burocracia e mão-de-obra diversa nos níveis abaixo. Essa hierarquia,
influenciada em parte por ideais confucionistas de ordem e respeito, era
conhecida como kolpum, “classificação óssea”. No qual o status era
reservada para aqueles que pertenciam a um grupo determinado por laços
familiares, de sangue, ou melhor, de osso. Aqueles que tinham o “osso
sagrado” (seonggol, ) poderiam almejar às posições de comando do reino.
Até meados do século 7, somente os de “osso sagrado”, estritamente
aqueles descendentes dos Kims e Paks, poderiam suceder ao trono. Os
demais membros poderiam almejar outros cargos, desde que pudesse ser
comprovada as ligações familiares ou aliados. Nesse sentido, foi garantido
ao reino de Silla certa coesão e homogeneidade à elite governantes, que
com o tempo foi incorporando as lideranças de outros estados conquistados.
 
O budismo também se fez presente em Silla, apesar de ter sido mais
tardio do que ocorreu em Koguryo e Paekche. Inicialmente, o apelo
universal e irrestrito budista chegou a apenas aos plebeus. Com o passar das
décadas, no início do século 6, o budismo começou a ser aceito entre
membros da elite de Silla. Em 527, o rei de Silla, Beopheung (r. 514 - 540),
acabou oficializando o culto após o martírio do monge budista Ichadon (ou
Geochadon, , 503 – 527), figura bastante popular e secretário do rei. A
sua morte adveio, conforme nos narram as crônicas budistas coreanas
compiladas no século 13, Ichadon manifestou um milagre no momento de
sua morte para impressionar e converter a aristocracia de Silla. Conforme
nos narra em maiores detalhes a sua morte, sua profecia no momento de sua
execução foi cumprida. Toda a extensão da terra tremeu, o sol escureceu,
flores choveram dos céus e sua cabeça cortada planou em direção às
montanhas sagradas de Geumgang, e leite jorrou abundantemente de seu
corpo decapitado. O presságio impressionou a todos os presentes e isso foi
considerado como uma manifestação dos céus, de que o budismo deveria
ser considerado como religião do Estado. Todos, aterrorizados, passaram a
lamentar pela morte do monge que passou a ser considerado como mártir
pela causa da retidão, da moral e do bom comportamento (imbuídos no
amplo conceito budista de darma). Uma vez declarada como oficial, o
budismo em Silla cresceu rapidamente que serviu como base de
ordenamento e coesão social do reino.
 
Algumas décadas depois, no mundo político, Silla mostrou-se forte o
suficiente para denunciar sua histórica aliança com o reino de Koguryo, ao
norte. E Silla passou a procurar acordos mais vantajosos com o reino
vizinho de Paekche visando invadir e expandir às custas do pequeno reino
de Kaya. Em 532, Kaya foi em grande parte anexado pelos dois reinos
aliados. O avanço mais dramático de Silla, contudo, se deu em 553, quando
conquistou todo o vale do rio Han que percorre o centro da península
coreana. Após esse feito, o rei de Silla, Jinheung (r. 540 - 576), mandou
erguer grandes monumentos para marcar suas novas fronteiras. O que
motivou o desagrado de Paekche que tinha antes ocupado a região. Foi por
isso que Paekche passou a atacar Silla em 554, resultando na derrota
decisiva do rei de Paekche, Seong (r. 523 - 554). Muito do sucesso das
rápidas ofensivas de Jinheung se deve pelo eficaz uso em campo aberto de
sua cavalaria altamente disciplinada, chamada de hwarangdo( ). Em 562,
Silla finalmente anexou totalmente o reino de Kaya, e passou então a
comandar toda a região central e costa oriental da península coreana.
Haveria ainda alguns séculos restantes em que Paekche, Silla e Koguryo
iriam se digladiar em conflitos e alianças a competir pela hegemonia, mas
seria Silla que, eventualmente iria se sobrepor a todos no século 7.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 A UNIFICAÇÃO E O SÁBIO DA MADRUGADA
 
 
Em fins do século 6, a China voltou novamente a se unificar sob a dinastia
Sui após quase três séculos e meio de fragmentação de numerosos reinos. O
novo império chinês serviu depois de base para uma era mais duradoura de
unidade sob a dinastia Tang (618 – 907). Esse novo ordenamento chinês
teve consequências sobre os reinos coreanos, cada qual buscou enviar
emissários para a corte Sui a renovar os laços diplomáticos. Dos três reinos
coreanos, Koguryo, Silla e Paekche, o mais setentrional, o de Koguryo,
apresentava problema evidente de fronteira e ameaça ao nascente império
chinês. Em 598, o imperador Sui declarou guerra à Koguryo. Yangdi (r. 604
– 618), governante chinês no início do século seguinte, seguindo suas
ambições expansionistas tentou invadir Koguryo por três vezes a partir de
612. As consequências dessas prolongadas campanhas revelaram-se
onerosas e desastrosas para a corte Sui que depois chegou ao seu fim em
618.
 
 À época das grandiosas invasões chinesas, que fontes chinesas indicam
que envolveu mais de um milhão de soldados mobilizados, um ministro de
Koguryo, Eulji Mundeok (? - ?) revelou seu brilho estratégico e militar na
resistência aos chineses. Suas vitórias decorreram do hábil e preciso contra-
ataque no recuo das forças chinesas ao cruzarem o rio Salsu (hoje em dia, o
rio Cheongcheon) em 612. Com esse feito, o general coreano tornou-se uma
figura heroica cultivada nos séculos posteriores.
 
 A crise gerada no império Sui abriu oportunidades para que outras
lideranças chinesas se proclamassem imperadores. Em 618, Li Yuan, um
general tomou o trono imperial e estabeleceu uma nova linhagem dinástica,
a Tang. E assim como no passado, os reinos coreanos, uma vez
considerando a estabilidade do novo poderio imperial chinês, mandaram
emissários. Koguryo, inicialmente, apresentou-se como inofensivo e aberto
aos bons contatos. No entanto, pouco anos depois, sob o imperador Tang,
Taizong (r. 626 - 649), as relações entre as duas partes azedaram decorrente
dos planos ambiciosos da China sobre as regiões periféricas do império.
Depois de subjugar povos túrquicos no oeste chinês em 630, a atenção do
imperador voltou-se para o leste, para Koguryo. Em 642, foram erguidas
uma série de fortificações na fronteira do reino coreano frente aos chineses,
sob a supervisão de Yeon Gaesomun (603 – 666) que depois conseguiu
eliminar seus rivais políticos com um golpe de Estado e nomeou-se como
plenipotenciário do reino de Koguryo, tornando-se de fato o governante.
 
 A política de Yeon Gaesomun mostrou-se mais agressiva não somente
aos chineses, mas também aos outros reinos coreanos ao sul. Reconhecendo
o poder de Koguryo ao norte, representantes do reino de Silla aliaram-se
para atacarem em conjunto o reino de Paekche. Mas essa busca de aliança
não durou muito, pois Koguryo buscou depois aliar-se a Paekche, o que
provocou a busca de aliança de Silla com o império chinês Tang. Em 644, o
imperador Taizong, decidiu então enviar uma expedição contra Koguryo
que enfrentou duras resistências na península de Liaodong que perdurou por
anos. Taizong, cansado dos anos de guerra, resolveu então retirar-se das
linhasofensivas e passou a apoiar o seu aliado na península coreana, Silla, a
combater Koguryo.
 
 O poderio ascendente em Silla se deu por um processo interno de
disputas pelo poder. Durante o reinado da rainha Sondok (r. 632 – 647),
membros da aristocracia hwabaek tentaram dar um golpe mas que foi logo
reprimida por monarquistas liderados por Kim Chunchu (604 – 661) que
acabou se tornando na maior figura política de Silla da época. Quando
Sondok veio a falecer, sua herdeira, a rainha Chindok (r. 647 – 654) foi a
última linha dos monarcas que seguiram o sistema do “osso sagrado”
(seonggol). Nesse meio tempo, conforme dito, Silla estava se
comprometendo cada vez mais com a China dos Tangs. Em 648, Kim
Chunchu foi enviado como emissário mais uma vez para a capital chinesa,
Changan. E voltou prometendo adotar todos os protocolos, rituais e
vestimentas cerimoniais chinesas na corte de Silla, visando impressionar o
imperador Taizong. Tais gestos de respeito e compromisso sem reservas do
reino Silla resultou fortaleceram ainda mais a aliança entre os dois reinos
asiáticos.
 
 No âmbito social e militar, Silla nos séculos 6 e 7 institucionalizou o
hwarangdo (“Caminhos dos Cavaleiros Florescentes”, ). Esse consistia
basicamente num grupo selecionado de membros jovens (nangdo) da elite
coreana que foram selecionados através da demonstração de coragem,
lealdade, respeito aos valores tradicionais e versados nas artes e poesia.
Cada unidade desses jovens era liderado por um hwarang( ), membro das
famílias pertencentes aos “ossos sagrados”, como o foi Kim Chunchu. Com
frequência, monges budistas se juntaram a esses grupos como conselheiros
e guias espirituais. Tal corpo disciplinado e motivado de jovens retrata bem
o espírito de Silla na época, cuja identidade nacional estava florescendo e
estimulado para eventuais conquistas na península coreana.
 
O hwarang mais conhecido de Silla foi Kim Yushin (595 – 673),
descendente de um rei de Kaya, que havia sido aceito como membro dos
“ossos sagrados” depois que o citado reino de seu antecessor foi derrotado
em 532. Foi Kim Yushin que, no início do século 7, liderou um grupo de
hwarangdo, chamados de Yongha hyangdo (“Discípulos da Fragrância da
Flor do Dragão”) que acreditavam ser escolhidos pelas divindades a realizar
a conquista de toda a península coreana. Foi com esse espírito de motivação
que Kim Yushin, que era cunhado de Kim Chunchu que chegou a ocupar o
trono de Silla em 654, assumindo o nome real de Muyeol (r. 654 - 661).
 
Paekche, sentindo-se cada vez mais ameaçado e cercado pelos reinos
rivais de Silla e da China Tang, buscou então assegurar novas alianças na
região asiática. Koguryo, aparentemente, apresentou-se dúbia e com certa
lealdade a Paekche, mas talvez temeram ainda mais rivalizar-se com a
China dos Tangs. Foi então que os governantes de Paekche mandaram
emissários mais para o leste, para o reino consolidado de Wa sob os
Yamatos nas ilhas japonesas que depois firmou-se numa renovada aliança
em 653. De 655 a 659, Paekche parece ter convencido Koguryo no norte a
mobilizar suas tropas, e os dois reinos começaram a assediar as fronteiras
de Silla. Como resposta, os governantes de Silla solicitaram a ajuda da
China. Os Tangs, em 660, enviaram uma força naval de cerca de 130 mil
homens para o leste em direção à capital de Paekche da época, Sabi (hoje,
Puyo). Na linha oriental e terrestre, as ofensivas ficaram sob o comando de
Kim Yushin, Pumil e Humchun a avançar com uma força estimada em 50
mil homens. Ao que resultou numa das maiores batalhas conforme descrita
pelas crônicas históricas coreanas do século 12, o Samguk sagi (“História
dos Três Reinos”, ). A batalha de Hwansanbeol. Nesses confrontos, foi
narrado a extremo auto-sacrifício do general de Paekche, Kyebaek (? –
660), que, ciente de seu destino e do reino, mandou sacrificar toda sua
família a evitar uma vida de escravidão. Ao que depois liderou uma carga
suicida de 5 mil guerreiros contra a ofensiva de Silla. Derrotadas as forças
de Kyebaek, as forças aliadas de Silla e Tang chegaram a ocupar a capital
de Paekche depois de uma feroz batalha em 660, em que foi morto o último
rei, Uija.
 
O sucesso militar incitou a diferenças de planos entre a China sob o
imperador Gaozong (r. 649 – 683) e de Silla a respeito do futuro da
península coreana. Os chineses almejaram estabelecer uma presença
definitiva na parte oriental da península, ao passo que Silla, consciente das
ambições de Gaozong, buscou consolidar seu domínio coreano. De fato,
embora as lendas conforme nos conta o Samguk sagi que enfatiza as sábias
decisões do rei Muyeol, parece que o império chinês não conseguiu manter
sua presença no território Paekche, distante do território chinês e cercado
pelas forças terrestre próximas de Silla. Ademais, os aliados de Paekche, os
japoneses de Wa, haviam chegado do mar a serem enfrentados. Ao fim dos
confrontos, membros da família real de Paekche buscaram exílio nas ilhas
japonesas e buscou nos anos seguintes organizar a resistência contra as
forças de ocupação de Silla. Em 666, as forças de resistência de Paekche e
das forças navais japonesas aliadas foram definitivamente derrotadas e foi
dado o término de Paekche.
 
O império Tang, a bem da verdade, não tinha simplesmente desistido
de Paekche. Mas buscou algo mais premente em suas fronteiras a assegurar
sua segurança na sua região nordeste. E o seu alvo foi o reino de Koguryo.
Em 661, Gaozong organizou uma expedição de cerca de 350 mil homens e
pediu ajuda a Silla. O maior líder militar de Silla, Kim Yushin conduziu
suas tropas de suprimentos em direção à capital de Koguryo, Pyongyang.
No entanto, Pyongyang revelou ser uma fortaleza inexpugnável, mesmo
com um cerco de suas muralhas de oito meses. Em Paekche, agora
derrotado e ocupado, o imperador chinês resolveu nomear um governador
local, gerando desgaste com os governantes de Silla. Essa espécie de pax
sinica na península coreana, instituída pelos Tangs, aos olhos de Silla,
revelou ser um prenúncio de futuras mudanças na região.
 
As mudanças repentinas no status da região começou com o
falecimento do líder de Koguryo, Yeon Gaesomun (r. 642 – 666), em 666.
Foi então aberta a oportunidade para as ofensivas chinesas e de Silla. A
morte do governante abriu um vácuo de poder e incertezas de sucessão ao
trono. Em 668, Pyongyang, dividida e sem um claro comando, foi fustigada
e atacada. Os filhos de Yeon Gaesomun, incapazes de se resolverem, caíram
diante dos invasores. Pyongyang foi ocupada e a hegemonia de Koguryo na
região nordeste asiática, nas fronteiras com a China Tang, esvaneceu. Após
a conquista de Koguryo e da submissão de Paekche, o império Tang tentou
estender sua dominação sobre toda a Manchúria e noroeste da península
coreana, tal como havia sido feito pela dinastia Han no passado.
 
Em 669, o governo chinês estabeleceu na região províncias
administrativas em torno de Pyongyang com o propósito de controlar os
territórios fronteiriços. Esse protetorado era um dos maiores do império
chinês, que revelou ser frágil e incerto pelas vivas resistências de outros
líderes perseguidos de Koguryo. Alguns desses haviam sido presos e
mortos, mas outros conseguiram fugir para encontrar abrigo em territórios
de Silla e até mesmo no arquipélago japonês. Em vista disso, Silla,
aproveitando-se da inquietude ao norte da península, resolveu buscar
expandir seus domínios sobre Paekche. O que irritou os Tangs, que
responderam com pressões diplomáticas e mesmo passou a ameaçar os
familiares do rei de Silla que viviam na capital Tang. Parecia que era
inevitável a guerra entre Silla e a China Tang na segunda metade do século
7.
 
Felizmente, para Silla, parecia que o destino era favorável. O
imperador Tang, Gaozong, estava mostrando-se doente e a regência
imperial passou para a imperadora Wu (Wu Zetian, r. 690 - 705), que
adotou uma política mais pacifista. Ademais, houve a ascensão de outras
ameaças nas fronteiras chinesas no sudoeste, entre os tibetanos, divergindo
os recursos antes voltadosà região nordeste da China. Mesmo assim as
forças de Tang foram formidáveis e somente foram derrotados por Silla em
675 em batalhas ao norte do rio Han e na costa ocidental coreana. Sendo
assim, o protetorado chinês no norte coreano deslocou-se de Pyongyang
para mais ao oeste, na península de Liaodong em 676. Uma retirada de suas
forças de ocupação da área e um significativo avanço de Silla sobre toda a
região norte coreana. Silla havia tomado controle de toda a península e o
que restou dos antigos três reinos coreanos agora foram feitas em províncias
com suas capitais regionais. Kyongju, na costa leste coreana, tornou-se a
capital de toda Silla expandida (mapa). Os antigos aristocratas de Paekche,
Koguryo e mesmo da pequena Kaya, do passado, foram incorporados na
classe dominante de Silla. Silla, nesse sentido, foi a primeira expressão
unificada da península coreana.
 
 
Mapa: O reino de Silla no seu auge em 576 d. C.
 
A capital de Silla, Kyongju, rivalizava em pujança com a cidade
imperial de Xian da China e de Nara, no Japão, e foi uma das cidades mais
prósperas do leste asiático nos séculos 8 e 9. A população foi estimada em
torno de 200 mil pessoas e seu habitantes iam desde aristocratas,
funcionários, sacerdotes, soldados, comerciantes, artesãos, artistas e
escravos. A maioria das habitações eram abrigadas por telhados de azulejos
decorados, e raramente se via um telhado de palha como nos narra o
Samguk yusa. Os palácios reais eram cercados por jardins e lagos
planejados, e os templos budistas eram onipresentes. Lamentavelmente,
quase tudo foi destruído durantes as guerras contra os mongóis no século 13
e, depois, contra os japoneses em fins do século 16. Restaram apenas
algumas esculturas de pedra, e restos de relevos e estruturas de palácios e
templos. Mesmo assim, diante do que é testemunhado e pelo primor dos
detalhes artísticos, Kyongju foi declarado como Patrimônio Cultural da
Humanidade pela Unesco no ano de 2000.
 
As crônicas reunidas no Samguk yusa nos dão detalhes da vida
cotidiana em Kyongju no século 9. Os templos eram vibrantes nos seus
cultos, e músicas fluíam nas ruas dia e noite. Uma das canções mais
célebres citadas é a “Canção de Choyong” (Choyong ka), musicada no
ritmo poético da época conhecido como hyangga (ou saenaennorae). Os
versos cantados foram escritos em idu, que era o coreano em caracteres
chineses. De acordo com a lenda, na “Canção de Choyong”, Choyong
possuía dons mágicos, era filho do Dragão do Mar do Leste e chegou à
capital para servir ao rei de Silla. Sendo assim, o rei deu-lhe um título e
uma esposa. Certa noite, ao voltar de uma festa, Choyong encontra sua
esposa sendo seduzida por um espírito maligno, chamado de Demônio da
Praga, metáfora para os males do mundo. Choyong chega a perdoar a todos,
mas com a promessa de que o espírito nunca mais entrasse em nenhuma
casa com o retrato do herói na porta. A canção que Choyong declama é tão
encantador e belo que faz com que o espírito do mal parta em paz:
 
 
Tendo me arrastado até tarde da noite
 
Na capital da lua,
 
Voltei para casa e na minha cama
 
Eis quatro pernas.
 
 
Dois eram meus;
 
De quem são os outros dois?
 
Anteriormente dois eram meus;
 
O que deve ser feito agora depois que foram tomados? [7]
 
(tradução nossa)
 
 Na sociedade de Silla, o poder se estabeleceu num sistema de impostos e
trabalho prestado ao senhor de terra, algo similar à corveia europeia. No
topo da pirâmide social havia os pertencentes ao “osso sagrado” (seonggol)
que ocuparam exclusivamente o trono real até o fim do governo de Muyeol
em 661. Após isso, outras famílias aristocráticas puderam ter a perspectiva
de ocupar o poder e altos cargos de autoridade, como as famílias Bak e
Seok da capital, Kyongju. Para tanto, esses membros foram considerados
como “osso legítimo” (jingol, ) e passaram a governar o reino quando
promoveram uma série de reformas administrativas e burocráticas a partir
da segunda metade do século 7. Essas reformas foram em grande parte
inspiradas no confucionismo, ideologia que busca assegurar a lealdade e
obediência ao monarca mantendo, nesse sentido, a ordem e paz do sistema
político. Em 682, o rei Sinmu (r. 681 - 692) fundou a Academia Nacional
(Gukhak), de cunho confuciana, única instituição de ensino superior do
reino de Silla. Neste local, os alunos aprenderam os clássicos
confucionistas.
 
Apesar das reformas confucionistas implementadas ao longo dos séculos
7 e 8, contudo, o sistema hereditário de privilégios aos altos cargos,
conforme os pertencentes à categoria restrita dos “ossos” (kolpum ou
golpum), manteve restrita o acesso universal ao poder de Silla. De fato,
Silla era um reino aristocrático. Não importava o quão sábio e talentoso de
um indivíduo se não pertencesse aos membros privilegiados. Poderiam ao
máximo ser indicados aos cargos logo abaixo dos “ossos legítimos” quando
demonstrado sua presteza e talento. Nesse sentido, os estudantes que
entravam na Academia Nacional foram aqueles não pertencentes à elite dos
“ossos”, pois esses não precisaram demonstrar nenhum talento ou estudo
para os cargos máximos.
 
Outros membros ambiciosos partiram para outras carreiras, como o
sacerdócio budista, e outros foram para a China dos Tangs a tentar ser
aprovado nos exames confucionistas universais. Um desses coreanos
aprovados na China foi Choe Chiwon (857 - ?) que depois se tornou numa
das figuras mais sábias de Silla. Ao voltar para sua terra natal, no entanto,
frustrou-se por não ter conseguido reformar o sistema coreano de
privilégios hereditários. Desapontado, retirou-se para uma vida de eremita
nas montanhas. Muitos dos maiores sábios coreanos advieram de famílias
não-pertencentes à categoria dos “ossos legítimos” ou “ossos verdadeiros”.
Mas foi esse sistema fechado que manteve a consolidação da unidade do
reino, apesar das pressões de reformas por aqueles marginalizados como
Choe Chiwon.
 
Talvez a consequência mais nefasta desse sistema restrito e privilegiado
foi a ineficácia dos ocupantes dos altos cargos burocráticos. Durante as
últimas décadas do reino de Silla, no final do século 9 em diante, à época de
Choe Chiwon, estava evidente a crise e instabilidade no poder, uma vez que
foram mais de vinte reis a se sucederem após períodos de luta e disputas
entre as famílias reinantes. Um dos episódios mais dramáticos registrado no
Samguk sagi, obra do século 12, é o da vida de Jang Bogo (745 - 846), um
talentoso líder guerreiro de origens plebeias que depois ascendeu ao
oficialato na China Tang. Retornado a Silla, foi nomeado como comandante
das forças navais coreanas a combater os piratas nos mares da região.
Depois de ter estabelecido a ordem marítima, o comércio entre a China e o
Japão prosperou novamente, e Jang Bogo, tendo ganhado o controle de uma
ilha estratégica na região, a de Cheonghae, acumulou fortunas. Sua vida
ambiciosa chegou ao fim quando tentou indicar sua filha como rainha ao
trono de Silla a se casar com o rei Munseong (r. 839 - 857), filho de Sinmu,
indo contra os princípios do sistema de classificação por “ossos” (kolpum).
Irritado contra as convenções da tradição, Jang Bogo se revoltou e depois
foi morto em 846 por um enviado da corte de Silla na sua ilha de
Cheonghae.
 
No campo religioso, houve uma fusão das tradições budistas dos três
reinos coreanos em Silla. Esse reino, por ter sido o último a se converter,
abraçou com entusiasmo os ensinamentos e mandou vários estudantes e
monges ao exterior para conhecer melhor as doutrinas do budismo maaiano
[8]. Foi essa vertente que chegou a dominar, portanto, Silla no século 7,
graças à ampla difusão de textos, livros e estudos traduzidos do sânscrito
para o chinês. Nem por isso deixou de haver discussões doutrinárias na
península. Um dos maiores debates da época envolveu o assunto de como
cada pessoa nasce disposta com as qualidades a atingir o estado espiritual
que Buda alcançou. Alguns criticaram essa visão, defendendo que os seres
humanos não nascem com essa disposição fundamental para se tornaremBudas.
 
A maioria dos eruditos coreanos rejeitou essa ideia. Entre os mais
famosos destacou-se o mestre Wonhyo (617 – 686), que abraçou as várias
tradições budistas coreanas e lançou as bases sobre as quais iria se assentar
o maaianismo em Silla e também na China e Japão nos séculos seguintes.
Wonhyo, que significa “madrugada”, nasceu numa família sem ligações
aristocráticas. Seu brilho na juventude era tamanho que ele nem precisou de
mestres antes de se tornar no principal sacerdote de um templo. Certo dia,
Wonhyo avistou algumas abelhas e borboletas, voando de flor em flor, e
sentiu disso um imenso desejo por uma mulher. Considerando isso, o rei de
Silla ofertou sua filha viúva, a princesa Yosok. A caminho do palácio da
princesa, Wonhyo caiu num riacho e, assim que chegou ao seu destino, a
princesa mandou o mestre entrar para trocar as roupas molhadas. Naquela
noite, os dois compartilharam a cama e que, mais tarde, nasceu um filho,
chamado de Sol Chong. O filho cresceu nos círculos mais altos da
sociedade e revelou extraordinária inteligência para as letras, padronizando
o chinês clássico para a língua coreana.
 
Wonhyo, tendo quebrado seu voto de celibato, trocou suas vestes de
sacerdote para roupas seculares, passou a dedicar sua vida a compor
poemas e músicas para melhor ensinamento das virtudes budistas. Indo de
aldeia a aldeia, cantando, dançando e recitando, Wonhyo fez chegar sua
mensagem a milhares de pessoas, do mais humilde ao mais nobre. Sua
mensagem até os dias atuais ainda é recitada por budistas coreanos. Apesar
de seu comportamento heterodoxo ser condenado pela tradição budista que
desencoraja a dança e canto, Wonhyo utilizou-se das suas aptidões inerentes
de comunicação e carisma como meio voluntário (upaya) para buscar a
salvação de todos os seres vivos. Um dos episódios mais famosos de sua
vida, narrado no “Bebendo Água de uma Caveira”, remete a uma viagem
que ele fez para a China. No caminho, uma tempestade irrompeu que o
levou a buscar um abrigo numa caverna subterrânea. No dia seguinte
descobriu que o local onde havia dormido era uma câmara funerária, e ele
então se viu incapaz de dormir lá pacificamente na noite seguinte.
Percebendo que as circunstâncias físicas não haviam mudado, mas apenas
sua mente a respeito [9].
 
Ao norte do reino unificado de Silla, o império Tang foi incapaz de
assimilar o território conquistado de Koguryo. Em fins do século 7, povos
nômades das estepes, khitans, revoltaram-se contra o império chinês,
reduzindo o alcance de influência da dinastia Tang sobre todo o nordeste
chinês na área do rio Liao, onde muitos habitantes do ex-reino de Koguryo
haviam sido relocados. Um dos ex-líderes de Koguryo, Dae Jung-sang (? - 
690), agora enxergou a oportunidade histórica e organizou uma ofensiva
para o leste através da vastidão da Manchúria a fim de fugir do controle
chinês e do reino coreano ao sul.
 
Esse estabeleceu-se no vale do rio Mukden em 696 e fundou um reino
chamado de Parhae (mapa) ( , Balhae ou Pohai em chinês) e
imediatamente mandou emissários para Silla e a povos túrquicos nômades
na Mongólia. Apesar de se consolidar como um amplo reino no norte
coreano, muitos historiadores debatem se de fato foi coreano, pois sua
população era um composto de múltiplas etnias, inclusive nômades das
estepes e chineses. Para agravar ainda mais, poucos registros foram feitos
por esse reino, e devemos contar com o que foi anotado por testemunhas de
Silla, Tang e do Japão. De acordo com esses poucos fragmentos, o reino foi
fundado por remanescentes de Koguryo e de um povo chamado de Malgal,
ancestrais dos manchus. Acredita-se que os governantes a elite de Parhae
eram líderes do extinto Koguryo e o povo Malgal compunha a base popular
e grupos semiautônomos governados por seus chefes locais submetidos à
autoridade central de Parhae.
 
 
Mapa: O reino de Parhae (Balhae) e Silla ao sul, século 8 d. C.
 
Parhae recuperou a maioria dos domínios antes submetidos a Koguryo.
O que gerou novas tensões na região da Ásia oriental, que provocou novos
diálogos entre Silla e a China Tang. Parhae, considerando suas
possibilidades, sondou e buscou articular-se com o Japão dos Yamatos e
outros poderios autônomos além das muralhas e fortificações chinesas.
Incapacitada e limitada em seus recursos, a China Tang aceitou inicialmente
o status de Parhae, no século 8, e consolidou assim a Pax Sinica na região.
 
Um dos personagens mais notáveis dessa época do século 8 foi um
monge coreano que viajou por inúmeras terras, através da China, Índia e
além para estudar os ensinamentos de Buda. Seu nome era Hecho (ou
Hyecho) (704 - ?). Em seu diário de viagem, Hecho fez inúmeras anotações
que retrata o amplo mundo budista em que vivia [10]. No início do século 20,
um explorador francês, Paul Pelliot (1878 - 1945), descobriu uma série de
cavernas de Dunhuang, no oeste chinês, que guardava incontáveis
documentos, registros e pinturas do efervescente mundo de trocas e viagens
ao longo da Rota da Seda do século 8. Foi nessas cavernas que foram
encontradas os registros de Hecho.
 
O comércio asiático era frenético, de acordo com os achados e
registros nas citadas cavernas. Houve significativa demanda de produtos
coreanos de Silla, desde a ávida elite em Xian ao arquipélago japonês. Entre
os mercadores muçulmanos que comerciavam nas extensões asiáticas mais
ao oeste, os produtos coreanos eram altamente apreciados. Os árabes, no
século 9, acreditavam que Silla era uma terra abundante de ouro. Além
disso, os finos têxteis e produtos fitoterápicos da Coreia eram demandados,
em contrapartida à sede coreana por seda, pedras preciosas asiáticas e obras
escritas chinesas era evidente. Foi nessa demanda que a cultura da corte de
Tang, que revelou ser uma das idades de ouro nas artes e conhecimento da
história chinesa, floresceu entre os círculos da corte e eruditos coreanos em
Silla, mas também em Parhae e no Japão. Essa rede comercial frutificou no
estabelecimento de comunidade de coreanos de Silla na península chinesa
de Shandong, e também mais ao sul, na foz do rio Yangzi, chamada de Silla
bang, nos séculos 8 e 9 [11].
 
 As artes budistas floresceram nessa época em terras coreanas. Foram
incontáveis templos construídos nas montanhas e em Kyongju, com amplos
e decorados santuários, pagodes, sinos e outros. Sob o budismo, foi
revelada toda a habilidade artística na arquitetura, escultura e pintura com
vibrante realismo e detalhe. Um dos locais mais notáveis dessa
efervescência cultural é no templo de Bulguksa, ou “Templo da Terra de
Buda”, e na gruta de Seokguram, construídos em meados do século 8 sob
orientação do ministro de Silla, Kim Daesong (701 – 774). Essas duas
edificações nos revelam muito do ardor religioso e do poder influente das
famílias aristocráticas, assim como o sofisticado senso estético na
arquitetura e escultura dos artistas coreanos da época.
 
 Ambas estão localizadas nas montanhas orientais de Kyongju, e foram
consideradas como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em
1995. São dois marcos históricos que influenciou a cultura coreana nos
séculos posteriores. Dentro da gruta de Seokguram, há uma estátua de Buda
Sakyamuni que fica a leste, de modo que encontra primeiramente a luz do
sul nascente. Pois os budistas coreanos acreditavam que a Terra Pura, ou
paraíso, ficava em algum lugar sobre o Mar do Leste. Buda Sakyamuni é
cercado por maravilhosos relevos de pessoas iluminadas da tradição
maaiana, ou bodisatvas. Entre esses, o mais notável é o de Avalokiteshvara
(ou Guanyin em chinês), a deusa da fé e compaixão no budismo maaiano.
 
 No templo de Bulguksa, perdeu-se as estruturas originais de madeira
durante a invasão japonesa em fins do século 16. No entanto, restam dois
magníficos pagodes de três andares, cada um com cerca de dez metros de
altura, chamados de Seokgatap (“Pagode de Sakyamuni”) e Dabotap
(“Pagode dos Muitos Tesouros”). Eles possuem contornos únicos entre os
pagodes construídos pelo mundo, pelas linhas retilíneas e quadradasde
Seokgatap e das delicadas curvas que decoram o Dagotap. A simplicidade
de Seokgatap representa a brevidade da ascensão espiritual e enfatiza isso
nas suas formas mais sóbrias e moderadas. Dagotap, em contraste, pelas
suas curvas e insinuações, representa o lado mais lírico, complexo e
esplendoroso da vida.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 O GRANDE ANCESTRAL E AS GRANDES OBRAS
 
Em fins do século 9 a península coreana atravessou uma série de rebeliões
camponesas e de crises políticas desagregadoras. As rebeliões em boa parte
foram motivadas pelos altos impostos dos cobradores e senhores
latifundiários locais. A China igualmente conhece na época similar
tendência de crise, pondo termo ao período Tang, resultando num contexto
de turbulência e retração da Pax Sinica no leste asiático.
 
 Na península coreana, a desordem foi agravada com a emergência de
inúmeros líderes locais de grupos e exércitos armados que competiram
entre si pelo controle das províncias do decadente reino de Silla. O que
restou da autoridade de Silla, ao que parece, foi efetivamente apenas em
torno de algumas famílias nos arredores da capital, Kyongju. Esses líderes
locais, referidos como senhores da guerra do século 9 tiveram várias
origens. Alguns eram oficias do exército, outros eram comerciantes
poderosos, ou monges, bandidos ou membros da aristocracia local
desesperados em manter sua tradicional dominação. A maioria desses
ascendeu de posições sociais mais baixas e, uma vez alcançado a posição de
autoridade, passaram a se referir como “senhor” ou mesmo “general”. Os
aristocratas locais, por sua vez, eram pertencentes a grupos marginalizados
do sistema de famílias privilegiadas dos pertencentes aos “ossos” (kolpum).
 
 A turbulência sociopolítica em fins do século 9 é comparável aos
distúrbios associados ao declínio de cada período dinástico chinês. No
sentido de que a autoridade central se apresentou débil e desarticulada
frente às pressões desagregadoras das províncias do reino. Como na China,
lideranças locais se ergueram de bases regionais de poder e lutaram entre si
pela hegemonia na península coreana. Com base nisso, muito se comparou
a Coreia dessa época de crise com o sistema feudal. De fato, havia relações
de obrigações militares e de impostos a ser observado pelos camponeses e
vilas nas propriedades de um latifundiário que, por sua vez, era responsável
pela ordem, proteção e paz de todos. O risco maior dessa interpretação,
contudo, é de se comparar à experiência europeia com o contexto asiático.
Na história coreana, não houve relações contratuais entre as partes como o
foi entre os senhores feudais europeus. Seria melhor, talvez, em caracterizar
o sistema coreano como um de senhorismo ou manorialismo, conceitos
mais amplos de relação entre as autoridades locais e o campesinato.
 
 Como situar historicamente o período de desagregação e crise do reino de
Silla? Alguns historiadores atribuíram a esse período como uma espécie de
Idade Média. O que, novamente, nos traz riscos de excessiva analogia com
a experiência europeia. Atendo-se aos fatos históricos, não houve nenhuma
significativa mudança socioeconômica coreana no período, embora
houvesse sinais de crise da autoridade central. Cabe ressaltar que, já em
918, houve a ascensão de uma outra dinastia, a de Koryo, que depois irá
consolidar a unificação da península coreana.
 
 Em momento derradeiro, Silla entrou em colapso com a culminação de
uma série de crises de membros e poderios locais que contestaram a
dominação exclusivas de determinadas famílias privilegiadas aos altos
cargos de comando. Economicamente, as finanças estatais de Silla foram
erodidas pela recusa ou excessiva isenção de impostos a determinadas
classes sociais e instituições, como a budista. Socialmente, o sistema de
“ossos” (kolpum) estava desmoronando, revelando as crises de lealdades e
questionamentos à autoridade tradicional.
 
Nesse contexto, na virada para o século 10, duas figuras históricas se
destacaram. Gyeon Hwon (867 – 936) e Gung Ye (c. 869 – 918) que haviam
se tornado nos mais proeminentes senhores da guerra na península do
período. Gyeon Hwon era um oficial militar dotado de excepcional senso de
estratégia e comando e comandou seus homens principalmente nas regiões
provinciais do sudoeste coreano, no antigo território de Paekche. Gung Ye,
por sua vez, começou como um líder de bandidos nas regiões centrais que
antes pertenciam ao reino de Koguryo. Visando consolidar suas autoridades
e reunir as lealdades locais, ambos se proclamaram como reis de Paekche e
Koguryo, respectivamente. Para distinguir esses dois reinos do período
anterior, os historiadores nomearam essas novas entidades políticas de
Paekche Tardio e Koguryo Tardio. Ao que aponta para o período
desagregador da Coreia a conviver com o que restou de Silla, no chamado
Período Tardio dos Três Reinos (892 - 936).
 
Os três reinos coreanos depois seriam modificados pela ação de um líder
que teria repercussões em toda a história coreana. Wang Geon (877 – 943)
veio da costa ocidental da península e sua família tinha prosperado com o
comércio com a China. Nos anos finais de Silla quando unificada, ele
emergiu como um poderoso líder local. Com o advento dos Três Reinos,
Wang Geon juntou seus domínios com o reino tardio de Koguryo, ao norte,
e serviu como ministro do general Gung Ye. Em 918, Wang Geon deu um
golpe e depôs o rei Gung Ye para fundar uma nova dinastia coreana, a de
Koryo (ou Goryeo, ), escolhendo como capital a cidade de Kaegyong ou
Gaegyeong (atualmente, Kaesong). A escolha do nome da nova dinastia é
reveladora, pois foi uma forma abreviada de Koguryo, indicando a ambição
de Wang Geon em recuperar o vasto reino antigo do norte coreano e
Manchúria.
 
De fato, Wang Geon mandou construir Pyongyang, antiga capital de
Koguryo, que havia sido abandonada por Silla. Renomeou-a de Sogyong,
“Capital Ocidental”, e isso deu uma notável presença estratégica no norte
coreano. Com as duas capitais localizadas em lugares auspiciosos visando
um longo reinado dinástico, Wang Geon assegurou uma vantagem
geográfica em Gaegyong na região central ao longo do rio Yesong, ao
contrário da distante cidade de Kyongju de Silla e Wansanju, capital do
reino tardio de Paekche. A localização da capital de Gaegyong obedeceu
também aos preceitos budistas de geomancia, em que se acreditava que
havia uma profecia de que um sábio receberia o mandato dos céus para ser
governante a partir do local indicado. Entronado e assegurado seu poder e
para seus descendentes, Wang Geon depois receberia o honroso título de
Taejo, “Grande Ancestral” (r. 918 - 943).
 
Apesar da consolidação do reino de Koryo, os sucessores de Taejo
tiveram problemas prementes nas fronteiras. Muito se deu com a ação
coordenada dos povos khitans (ou kitais), ancestrais dos mongóis, que tinha
fustigado os Tangs e fundaram uma dinastia, a de Liao, que controlou um
vasto território que incluía boa parte do norte chinês no século 8. Era
imperativo aos khitans proteger o vale do rio Liao que tinha sido controlado
pelo reino de Parhae, cujo povo Malgal tinha se rebelado e depois se
juntado em lealdade aos khitans. O momento derradeiro veio em 926,
quando o reino dos khitans atacou Parhae e pondo fim à sua autoridade na
região da Manchúria.
 
Os fugitivos de Parhae foram buscar se reagrupar e se aliar ao novo reino
de Koryo, acreditando que esse reino seria o sucessor do antigo Koguryo.
Wong Geon recebeu-os e se simpatizado com suas causas, enxergando neles
povos com origens étnicas semelhantes, pertencentes ao vasto grupo que
seria depois identificado como os coreanos, os hans, yes e maeks. As
tensões entre os khitans e Koryo se deram, portanto, em grande parte nessa
perspectiva. Em 934, Wong Geon decidiu conceder títulos e sobrenomes
reais ao príncipe herdeiro do antigo reino de Parhae quando esse chegou a
Koryo junto com milhares de súditos.
 
Wong Geon se considerava como um unificador de todos os povos
coreanos, e os migrantes

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