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A MONTANHA E O URSO UMA HISTÓRIA DA COREIA EMILIANO UNZER MACEDO ___________________________________________________ Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica feita pelo autor ___________________________________________________ M141a Macedo, Emiliano Unzer, 1977 – A Montanha e o Urso: Uma História da Coreia / Columbia & San Bernadino, EUA: Amazon Independent Publishing, 2018. 237 p.: il. ; 23 cm Inclui bibliografia. ISBN: 9781983059841 1. Coreia – História. I. Título. CDU: 94(519) ___________________________________________________ Copyright © 2018 Emiliano Unzer Macedo Todos os direitos reservados. ISBN: 9781983059841 Aos incansáveis coreanos. (“Quando decorrem dez anos, até mesmo os rios e as montanhas mudam”) (“Dragões emergem de pequenos riachos”) INTRODUÇÃO 1 O DEUS E O URSO 2 A UNIFICAÇÃO E O SÁBIO DA MADRUGADA 3 O GRANDE ANCESTRAL E AS GRANDES OBRAS 4 O IRMÃO LEAL E O BOM VIZINHO 5 OS HERDEIROS DE CONFÚCIO 6 O REINO EREMITA 7 A TEMPESTADE 8 A FRATURA 9 A RECONSTRUÇÃO EPÍLOGO INTRODUÇÃO A história da Coreia é ainda pouco conhecida pelo público em geral. Muitas vezes a península coreana é referida como réplica da civilização chinesa, ou como submissa aos interesses japoneses. Apesar desse desconhecimento, a Coreia atrai a atenção mundial com relação aos eventos decorrentes da separação da península desde a Guerra da Coreia entre 1950 e 1953. Ou como nos fascinamos diante da riqueza e pujança da economia sul-coreana. Ou como nossa curiosidade é despertada diante da reclusão do regime norte-coreano. Antes de tudo, deve-se entender que o passado coreano foi todo próprio e singular. Rico e complexo, ao criar e propor novas ideias e conceitos. Esse, portanto, é o objetivo do livro, de introduzir essa complexidade histórica coreana. Os coreanos atravessaram séculos de desafios e confrontos nas suas fronteiras. Incoporaram valores chineses confucionistas, mas foram além e propuseram uma revisão dessa linha de pensamento. Criaram uma economia vibrante na Coreia do Sul na segunda metade do século 20, mas isso não eliminou a tendência autoritária do seu governo. Conceberam um regime fechado e unipartidário ao norte do paralelo 38, decorrente da inspiração stalinista e que hoje perpetua-se na família dos Kims. Ao longo dos séculos, vários grupos étnicos compuseram a península coreana, e que moldaram a cultura e identidade da região. Manchurianos, japoneses, chineses, além da diversidade de coreanos que foram gradativamente unificados e dominados a um reino a partir do século 10 com Goryeo. Depois das invasões mongóis em meados do século 13, o reino coreano passará a se fundamentar em novas bases, com a dinastia de Joseon (ou Choson). O século 19 testemunhará a crescente ameaça de japoneses, chineses e russos nas suas fronteiras. No século seguinte, a península conhecerá a dominação colonial japonesa até o fim da Segunda Guerra Mundial. E, depois da devastação da Guerra da Coreia, em 1953, a península será fraturada em duas. O enfoque dessa obra será, em suma, apresentar uma visão panorâmica histórica da Coreia, pautando-se nos eventos políticos, com ocasionais ênfases sociais, econômicas e culturais. Não foi descuidado o contexto coreano, com a preocupação de ir além de suas fronteiras e examinar os países da vizinhança no leste asiático. Essa região durante muito tempo antes do século 19, apresentou um cenário vibrante, criativo e próspero, muito advindo dos contatos entre os povos da região e das possibilidades e trocas comerciais e culturais. Foi nesse contexto que a Coreia moldou sua singularidade. Cabe a nós termos a sensibilidade e acuidade aos eventos históricos para compreendermos esse contexto. Ao final, tenderemos a valorizar mais a intrínseca unidade coreana do que a volátil divisão em que resultou a península em meados do século 20. A Coreia, em termos geográficos, ocupa uma península no leste asiático. A região é rodeada por mares em seus três lados: o Mar do Leste, o do Sul e do Oeste. Na maioria dos mapas, o Mar do Oeste, ou Ocidental é chamado de Mar Amarelo, e o do Leste, de Mar do Japão. Isso, naturalmente, foi sempre contestado pelos coreanos, pois os termos remetem a outras referências nacionais estranhas aos coreanos. Esses mares vizinhos e a ligação terrestre ao norte desempenharam papéis cruciais na história coreana. Foi por esses caminhos que houve fluxo migratório, comercial e cultural, geralmente mais vindo das terras ao oeste para o leste. Mais para o leste, as ligações para o arquipélago japonês se deram por navegações, o que não elimina por completo a ligação marítima entre a China e a Coreia, como houve na aliança em 660 entre o reino coreano de Silla com a China da dinastia Tang. No outro sentido, os japoneses invadiram a península coreana na década de 1590 por meio naval. E episódios marcantes navais se deram em 1894 e também em 1905 na guerra entre japoneses, russos e chineses nos mares da região. Em 1951, durante a Guerra da Coreia, o General MacArthur desembarcou no porto de Inchon para atacar as forças norte-coreanas. O mar sempre foi elemento marcante para a história coreana. Foi também pelos mares que houve a prosperidade dos reinos coreanos. Silla, durante dos séculos 8 e 9, dominou o comércio os mares da região e o comércio com os chineses e japoneses. Foi pelo comércio que comunidades e migrações coreanas ocorreram, como o de comerciantes que se estabeleceram na foz do Rio Yangzi, na China. A partir da dinastia Joseon que se comprometeu a manter a estrita e isolada lealdade à dinastia Ming na China no século 15 que a Coreia começou a rever sua atuação internacional. A partir da segunda metade do século 20, a Coreia na sua proção meridional, uma vez livre da dominação japonesa, novamente retomou sua vocação marítima e internacional. Os contatos no norte coreano consolidaram-se no duro jogo dos interesses soviéticos e, depois, numa política autossuficiente. A topografia coreana é marcada por montanhas que ocupam cerca de 70% de seu território. As partes ocidentais apresentam largas planícies costeiras e vales férteis entre as montanhas, enquanto a costa leste é marcada por áreas agrícolas estreitas acompanhadas de altas cadeias montanhosas. Essas cadeias correm do norte ao sul, e essa espinha dorsal de península, referida como a Cordilheira de Baekdu, tem origem na mítica motanha ao norte, suposto local onde nasceu o fundador dos coreanos, Dangun. Os rios correm em grande medida do leste para o oeste, e esses incluem o Yalu, Chongchon, Taedong, Imjin, Han e Kum. As exceções são os rios Naktong que flui para o sul e o rio Tumen que flui para o leste a partir do Monte Baekdu. O clima coreano é definido pela sua situação peninsular. O arquipélago japonês protege a região coreana ao leste, fazendo com que o clima seja mais influenciado pelas regiões ao norte e oeste. No entanto, a Coreia não foge do regime das monções que chega no norte do Leste Asiático. Há um verão quente e úmido e inverno seco e frio. Durante o inverno, ventos fortes do noroeste gerados pelas massas continentais da alta pressão da Sibéria derrubam a temperatura e umidade. No verão, as monções do oceano trazem as chuvas, com cerca de 70% das precipitações anuais ocorrendo geralmente em três meses ao ano, de junho a setembro. Ocasionais tempestades, ou tufões, podem ocorrer, mas seu impacto é suavizado pelas ilhas japonesas ao leste. Foi o clima de monções que permitiu à Coreia desenvolver o cultivo do arroz desde o século 8 a. C. A expectativa das chuvas em abril e maio, marcou o calendário agrícola coreano para os arrozais. No verão,quente e úmido, o arroz cresce. Nos meses seguintes, de setembro a outubro, o clima seco e frio predomina, tornando imperativo a necessidade da colheita e armazenagem contra as intempéries. Depois disso, no fim do ano, o inverno predomina. Em termo étnicos e linguísticos, os antecessores dos coreanos vieram de migrações do nordeste asiático e norte da China. Mas a principal evidência aponta para origens culturais e da língua coreana não de chineses, mas de falantes da família linguística altaica, tais como os turcomanos, mongóis, tungus, manchus e japoneses. Uma família completamente distinta das línguas chinesas. Outras evidências apontam que as origens coreanas com relação aos mitos e símbolos de totens de ursos e tigres remetem a povos altaicos das estepes asiáticas. O culto desses símbolos e mitos conjugam-se com a prática siberiana do xamanismo e de objetos de valores simbólicos usados em rituais como a espada e o espelho, algo que se pode constatar também na história japonesa. A influência chinesa, aparentemente, veio em momento posterior, com a introdução da escrita, dos caracteres chineses ou sinogramas, além dos ritos e ideais cosmológicas, confucianas e budistas. Embora a origem da língua coreana seja diferente da chinesa, a Coreia adaptou os sinogramas para suas palavras e gramática. Essa forma chinesa modificada, chamada de idu, foi reflexo da prestigiosa influência que a elite coreana incorporou ao entrar em contato com a cultura sínica. A unificação da língua coreana em definitivo se deu com a expansão do reino de Silla, que conquistou os reinos de Paekche e Koguryo no século 7. A escrita coreana acabou sendo elaborada a partir do sistema chamado de hangul, elaborado sob o mando do rei Sejong da dinastia Joseon, no século 15. A motivação para a criação de uma escrita e alfabeto próprio foi permitir aos coreanos lerem e entenderem as obras chinesas. Mas a língua chinesa e seus caracteres permanceram por séculos como sinal de prestígio e cultura no meio coreano. Somente no século 19 foi promovido ampla campanha na Coreia para a publicação de jornais e livros a serem escritos em hangul. No período da dominação japonesa no início do século 20, o hangul e o coreano foram gradativamente banidos nas escolas e locais públicos. Após a Guerra da Coreia, a escrita coreana voltou a ser valorizada, mas dada a divisão da península após 1953, cada Estado coreano passou a ter vocábulos e características diferenciadas ao longo das décadas de separação. Para tanto, a Coreia do Norte refere sua escrita não como hangul, mas como chosongul. Apesar disso, as diferenças não são ainda tão marcantes, e não há dificuldade de comunicação entre as duas partes coreanas. O coreano guarda em si algumas variações dialetais a depender da região da península. Mas a maioria das variações se dá mais por questões de sotaques diferentes. O coreano, para o mundo além do continente, é um grande desafio. A romanização de seus caracteres permitiu ao público ocidental ter maior compreensão vocal, mas a variedade de seus fonemas e consoantes é ainda difícil de ser dominado pelo estrangeiro. A romanização do coreano foi elaborada desde o século 19, e o mais aceito e popular foi o do Sistema McCune-Reischauer, criado em 1937. No ano de 2000, esse sistema foi revisado para o mundo ocidental. É nesse último sistema revisado que a maioria dos termos coreanos do livro foram baseados, salvos em termos conhecidos como Kim Il Sung (e não Gim Il Sung), Park Chung Hee (e não Bak Chung Hee), entre outros. Os nomes completos coreanos, como se constata, seguem a tradição asiática, ou seja, primeiro o nome de família e depois o de batismo. E isso também foi respeitado visando evitar estranhamento ao leitor brasileiro e da língua portuguesa. 1 O DEUS E O URSO Os ecos mais remotos dos antepassados dos coreanos remetem a povos que, aparentemente, migraram de regiões setentrionais chinesas e das vastidões mongólicas. Isso se deu num largo período que se estende desde 10 mil anos antes de nossa era até por volta do primeiro milênio a. C. Nesse processo, houve uma gradual expansão de artefatos de cerâmicas, talvez os mais antigos do mundo que depois se constatou no arquipélago japonês ao leste. Os antigos habitantes caçadores, pescadores e coletores, os pertencentes à uma cultura marcada por cerâmicas com padrões feitos com pente, considerados do Período Jeulmun ( ) (c. 8000 – c. 1500 a. C.), foram deslocados ou miscigenados à onda de povos advindos de outras regiões asiáticas. Criando com isso uma cultura neolítica mais elaborada, identificados nas crônicas chinesas como os pertencentes às nações han, ye ou maek. Os estudiosos hoje consideram que o povo coreano descende em grande parte desses povos. O bronze e o cultivo de arroz foram se estabelecendo nas regiões coreanas e adjacências no primeiro milênio a. C. O arroz parece ter vindo de regiões mais meridionais, pois o cultivo do milhete (que depois originaria o trigo) era mais comum no norte da China. O bronze, ao que parece, pode ter advindo das proximidades chinesas, considerando o estilo observado nos vasos chineses da época em adagas e espelhos coreanos. O antigo mito de fundação coreana se dá na figura de Dangun (ou Tangun). Dangun ( ) é considerado o fundador, uma espécie de rei e sacerdote de um reino chamado de Choson (também chamado de Gojoseon), localizado no noroeste coreano e partes da Manchúria mais ao norte. Esse reino, evidentemente, depois serviu de inspiração para uma futura dinastia coreana do século 14 d. C. As narrativas mitológicas de Dangun se encontram na obra Samguk yusa( , Memorabilia dos Três Reinos), escrito por um monge budista, Il-yeon (1206–1289), no século 13, à época das invasões mongóis. Esse monge remete os contos a registros mais antigos que até hoje não foram encontrados, como o Livro de Gogi ( ). A história da origem de Dangun assim segue no Samguk yusa. Ao tempo dos deuses, Hwanung ( ) queria viver no plano dos homens ao que foi atendido pelo seu pai, Hwanin, ( ), Senhor dos Céus. Para descer dos céus à terra, foi escolhida a Montanha Baekdu (“Montanha do Cume Branco”, ), hoje na fronteira entre a Coreia do Norte e a China. A Hwanin foi dado três selos celestiais e o mandou para governar sobre toda a terra. Hwanin desceu com três mil seguidores e depois declarou o local onde descendeu como a Cidade de Deus (Sinsi, ). Depois de ser declarado como rei celestial (Hwanung Chonwang), assumiu os encargos de ensinar a agricultura, medicina, artes, leis e moral. Isso tudo foi depois estimado por volta do ano de 2333 a. C. Nas proximidades, habitavam um urso e um tigre que depois passaram a suplicar a Hwanung para transformá-los em seres humanos. Foi então que o rei celestial deu a ambas criaturas um ramo de Artemísia sagrada, vinte dentes de alho, e ordenou a eles evitarem a luz do sol por cem dias. Os dois animais passaram então a comer a planta e a evitar o sol. Depois de vinte e pouco dias, o urso, que manteve fiel ao plano, depois virou uma mulher. O tigre, por sua vez, impaciente e intempestivo, foi incapaz de seguir as recomendações e permaneceu no seu estado bestial. Uma vez mulher, essa passou a suplicar por um companheiro para ter uma criança. Ao ouvir seus pedidos, Hwanung se transformou num estado mortal e deitou-se com a mulher. Ao que depois foi gerado um filho, Dangun. Depois de crescido, Dangun tornou-se um homem repleto de qualidades e liderança. Para sediar seu reino, fundou uma capital em Pyongyang e chamou seus domínios de Choson (ou Gojoseon). Anos mais tarde, Dangun mudou sua corte para mítica cidade de Asadal e ali governou por mil e quinhentos anos. Ao final de sua longa vida, Dangun negociou seu reino com sucessores, passou a viver nas montanhas como divindade. Ao que parece, essa narrativa mitológica serve para entendermos como um reino organizado se estabeleceu no norte da península coreana antes de nossa era. Considerandoque não houve vestígios de nenhum amplo reino centralizado até o 4º século a. C., a figura de Dangun serviu ao propósito de legitimar os posteriores reinos coreanos e na Manchúria, ao criarem uma narrativa que remete ao passado longínquo e divino. Alguns estudiosos [1] da história coreana fundamentam a narrativa de Samguk yusa no seu devido contexto histórico. Argumentam que o mito de Hwanung e seu descendência representaria a migração de povos das cordilheiras Altai, da Mongólia. Esses trouxeram consigo nova cultura e técnicas da agricultura, ao que depois se difundiu entre os anteriores habitantes aborígines da Manchúria e Coreia. Entre esses nativos, alguns deles adoravam um deus em forma de tigre que depois foram marginalizados. Outros, que adoravam uma forma divina em forma de urso, foram incorporados e assimilados a esses novos imigrantes. No que depois resultou na consolidação de um estado da região, chamado de Choson liderado por um líder com poderes sacerdotais, Dangun. Estudos identificaram algumas nações siberianas e na Manchúria que cultuavam o urso como animal sagrado. Dangun foi depois sucedido por uma nova onda de migração advindo do oeste, liderado por Kija, que apresentou novidades civilizacionais. Nesse sentido, as lendas podem nos ajudar a compreender o quadro de migrações e assimilações no leste asiático nos últimos séculos antes de nossa era. Os mitos de fundação relacionariam-se nos séculos posteriores com os deuses cultuados depois nos estados de Puyo, Koguryo, Kaya e Wa, todos na região da península coreana, nordeste chinês e arquipélago japonês. O quadro de migrações e influências culturais também é observado no uso do bronze, como indicam os achados arqueológicos. Em regiões coreanas e manchurianas, há adagas de bronze pertencentes à chamada cultura de Liaoning do século 10 a. C., que apresentam formas distintas das culturas siberianas da região de Ordos no norte da China. E, com a introdução de técnicas agrícolas, o arroz passou a ser cultivado desde o século 8 a. C. na península coreana algo que, como dito, diferenciava-se das regiões vizinhas que cultivaram o milhete e o trigo. Foi também nos últimos séculos antes de nossa era que um sistema de escrita advindos do oeste espalhou-se em regiões coreanas e no antigo reino de Choson (Gojoseon). É incerto qual sistema foi introduzido, mas é provável que tenha sido aquele que acompanhou ondas migratórias similares ao usado na escrita chinesa, ou seja, formas de sinogramas. Choson, como nome de estado político, aparece narrado pela primeira vez em registros chineses no século 4 a. C., quando é referido as boas relações diplomáticas entre o reino coreano e o estado chinês de Qi, na península de Shandong (mapa). Mais tarde, nas narrativas chinesas, Choson é referido como um reino localizado na próxima península de Liaodong, na costa da Manchúria, e descrito como um reino organizado e forte que ficava ao leste do reino de Yan, durante o período dos Estados Combatentes da historiografia chinesa (c. 475 a. C. – 221 a. C.). Foi decorrente dos continuados conflitos com Yan que Choson decidiu deslocar sua capital, Wanggeom-seong, mais para o leste de Liaodong para o noroeste coreano no século 3 a. C. Mapa: O estado de Qi em Shandong e a península coreana no século 4 a. C. Por volta do início do século 2 a. C. houve turbulência na região norte chinesa que afetou a península coreana. A dinastia Qin chinesa (212 – 206 a. C.) entrou em colapso com a ascensão da dinastia Han (206 – 220 d. C.), que catalisou uma série de migrações de grupos étnicos han, ye e maek para o norte e nordeste chinês nas proximidades do rio Yalu. Nos achados arqueológicos, é possível distinguir na região coreana, figuras de vestimentas e penteados que remetem às esses novos povos, algo que certamente teve consequências no reino Choson. O soberano Choson, ao que a tradição narra, confiou a defesa e guarda de suas fronteiras a aliados contra o crescente império chinês. O reino Choson atravessou mudanças quando um desses refugiados chineses da fronteira decidiu voltar-se contra a capital de Choson e ocupar o trono em 194 a. C. Seu nome depois ficaria conhecido como Wiman (r. 194 a. C. - ?) que, uma vez no poder, decidiu manter a linhagem dinástica coreana. Historiadores acreditam que Wiman governou sobre um reino confederado de grupos étnicos do que propriamente algo centralizado. Isso era típico da época na região da Manchúria, península coreana e Japão. Três gerações depois, embates começaram a se avolumar com os chineses da dinastia Han, no que resultou na vitória do imperador chinês Wu em 108 a. C. No seu auge, portanto, toda a região norte coreana foi incorporada diretamente ao império chinês da dinastia Han. Tratados de paz foram logo estabelecidos, mas o reino de Choson, embora submetido, permaneceu como um alerta para a futura segurança da China da época, pela sua notável organização e proximidade geográfica. Assim se deu por quatro séculos até por volta de 313 d. C. O norte coreano foi administrador pelos chineses de Han a partir da cidade de Lelang (Nanggang em coreano) perto de Pyongyang. Apesar da dominação, as evidências arqueológicas apontam para traços culturais coreanos bastante distintos dos chineses. Ao que parece, os chineses mantiveram a administração de forma confederada e autônoma, assim como era costume na região. Ademais, temos que considerar que não havia ainda uma unidade cultural nem mesmo entre os chineses, e assim foi também entre os coreanos. Em outras palavras, não havia ainda à época uma entidade homogênea e unificada coreana, mas sim um quadro diversificado de grupos étnicos. Nada havia, portanto, para nos referirmos como uma Coreia. As fronteiras que hoje são evidentes no norte coreano, ao longo do rio Yalu e Tumen, somente foram demarcados tardiamente, no século 15 d. C. A diversidade de povos e costumes coreanos foi notada nas crônicas chinesas, como na Crônica dos Três Reinos (Sanguo zhi, ) do século 3 d.C. Nesse livro, narra-se que havia um reino chamado de Puyo, bem ao norte da península coreana na região da Manchúria. Mais ao sul da Manchúria ascendeu um reino chamado de Koguryo que depois conquistou sua soberania plena dos chineses a partir de 313 d. C. Ao leste, um outro grupo, Okcho, tinha constituído num reino separado e, ao sul deles havia o povo Ye (ou Yemaek) que viveram ao longo da costa oriental coreana. Ainda mais ao sul, que permaneceu longe da dominação chinesa de Han, tinha florescido três reinos coreanos: Mahan, Pyohan e Chinhan (mapa). Esses três povos (referidos por vezes como Samhan) foram os prováveis ancestrais das posteriores dinastias coreanas, pois foi de Chinhan que se consolidaria a gradativa união coreana nos séculos posteriores. Entre os de Mahan, os chineses relatam que não tinham nem mesmo uma língua em comum e que eram mais um conjunto de pequenas unidades de lealdades. Todos os três reinos no sul coreano eram compostos em sua maioria por agricultores espalhados entre terras férteis entre as montanhas e o mar, sem sinal de muralhas. Pyonhan e Chinhan não contavam com mais do que alguns milhares de grupos familiares. E entre esses, conta-se que tinham o hábito de tatuarem os corpos e deformarem as cabeças dos recém-nascidos visando uma forma mais alongada do crânio. Em contraste, o povo de Koguryo, mais ao norte, eram montanheses que em boa parte desconheciam a agricultura. Por volta do século 3, sua população deveria contar com algumas dezenas de milhares de famílias, todas mais afeitas à cavalaria e ao nomadismo. Mapa: Os reinos coreanos no século 5 d. C. Na perspectiva chinesa, a ordem considerava todos os povos ao redor como periféricos ao seu senso de civilização. Foi quando os chineses consolidaram o conceito de Mandato do Céu (tianming, ;) e quem controlava esse centro era dito como Filho do Céu (tianzi, ). O primeiro imperador chinês, Qin Shihuangdi (259 – 210 a. C.) proclamou-se governante de tudo o que havia sob os céus (tianxia,) depois de ter unificado os seis estados em guerra na China de 230 a 221 a. C. Ele adotou um novo título, huangdi( , imperador), que tinha antes sido usado apenas para figuras mitológicas e divindades da China antiga. Uma vez conquistada toda a vastidão dos reinos chineses, o imperador passou a considerar sua soberania sobre os arredores no mundo asiático, a manter a ordem contra possíveis ameaças. Assim, Qin Shihuangdi passou a elaborar uma política de contenção e alianças visando as suas fronteiras mais vulneráveis ao norte, dando alento à uma série de fortificações e muralhas defensivas no que séculos depois iria ser a Grande Muralha. Uma das nações mais ameaçadoras aos chineses eram os xiongnus, nômades que eram considerados como bárbaros na percepção etnocêntrica chinesa da época. Outras nações foram nomeadas de acordo com os pontos cardeais, Dongyi (ao leste), Nanbam (ao sul), Beidi (ao norte) e Xiong (ao oeste). Após algumas décadas, a dinastia imperial Qin foi conquistada pela dinastia Han, que durou quatro séculos. No século 2 a. C., um dos imperadores Han, Wudi (156 – 87 a. C.) foi articulado e energético o suficiente para combater e eliminar a ameaça dos xiongnus no norte e oeste das fronteiras chinesas e passou então a voltar sua ambição expansionista para o sul e leste. Uma vez feita a expansão chinesa ao sul, chegando a estender-se ao que hoje é o norte vietnamita em 111 a. C., Wudi, três anos depois, voltou-se ao leste quando encontrou a formidável resistência de Wiman de Choson, que acabou caindo derrotado em 108 a. C. A ampla confederação tribal de Choson não se mostrou centralizada o suficiente para conter a invasão chinesa. Nessa região foram depois implementadas quatro grandes regiões administrativas: Lelang, Zhenfan, Lintun e Xientu. E uma numerosa migração chinesa foi incentivada para ocupar efetivamente toda a região nordeste do império de Han. Lelang, conforme dito antes, foi um dos principais centros administrativos chineses na região com a península coreana. Esses centros prosperaram com o ativo comércio entre as regiões e a costa do leste asiático. Funcionários chineses e representantes da corte Han com frequência provaram sua arrogância ao imporem um sistema de leis e costumes confucianos sobre os antigos costumes de Choson. Apesar das resistências, as modificações de Han foram implementadas, o que não eliminou os constantes ataques e pressões de nações coreanas vizinhas. Foi por meio desses desgastantes ofensivas que os chineses decidiram abandonar dois centros administrativos e se concentrar em apenas um deles, Lelang, que acabou se tornando no centro chinês mais periférico ao nordeste do império Han. O interesse chinês na região nordeste, entre os povos que consideravam como Dongyi( ), passou com o passar do tempo a considerar apenas a manter os laços comerciais e tributários, até ao tempo em que a própria coesão e unidade do império chinês da dinastia Han começou a entrar num período de declínio e fragmentação no século 4 d. C. Foi nesse contexto que um dos reinos mais ao norte da península coreana, o de Koguryo, chegou a investir contra a cidade de Lelang em 313 d. C [2]. Após esses eventos, o líder de Koguryo passou a ser referido com o título de rei (wang, ). A expansão de Koguryo, a bem da verdade, remeteu a séculos anteriores na região da Manchúria e começou a preencher gradativamente o vácuo de poder deixado com o declínio da autoridade imperial chinesa. No século 2 de nossa era, era visível os sinais de enfraquecimento dos representantes de Han. Em 220, toda a região sul da Manchúria foi conquistada por um povo nômade que tinham se confederado num sistema de alianças chamados de Xianbei. Por volta do ano 300, esses nômades começaram efetivamente a controlar toda a região e cortaram toda a ligação da península coreana com o restante da China. Foi, portanto, a gota d’água apenas quando Lelang caiu em 313 para Koguryo. Talvez não seja exagero considerar esses eventos históricos como determinante para o posterior surgimento da nação coreana. Em fins do século 4 e início do seguinte, a região nordeste da China e do norte da península coreana tinha se consolidado em dois reinos organizados e fortes. Um, mais ao norte foi dominado por povos de Tuoba e Xianbei que passaram a reinar sobre a dinastia Wei do Norte. Mais ao sul, o reino de Koguryo fortaleceu-se no sul da Manchúria e norte coreano. Ambos os estados foram regidos por povos não-chineses, apesar de Wei do Norte ter uma considerável população chinesa. Ademais, ambos os reinos tinham absorvido substancialmente a cultura chinesa e o confucionismo, sinizando o povo de Tuoba-Xiaobei. Entre os de Koguryo, a influência se fez presente, embora em menor medida e foram esses depois que levaram os valores chineses mais para o sul da península coreana e, dali, para as ilhas e arquipélago japonês, entre os povos denominados à época de Wa. Em 372, Koguryo tinha fundado uma academia de estudos de obras clássicas chinesas e, um ano depois, passou a promulgar códigos de leis confucionistas. Em 427, sob o rei Jangsu (r. 413 - 491), a capital de Koguryo mudou-se mais para o norte do rio Yalu, hoje em território chinês, nas proximidades de Pyongyang [3]. Deslocando-se de suas bases mais ao oeste na península de Liaodong, Jongsu e seu antecessor no trono, o rei Gwanggaeto, o Grande (r. 391 - 413) tinha expandido o território de Koguryo ao norte até o rio Songhua [4] e chegando a controlar dois terços da península coreana. Outro reino coreano proeminente foi Paekche (ou Baekje, ) que tinha sido fundado por um dos filhos do primeiro rei de Koguryo, Jumong (r. 37 a. C. – 19 a. C.). A linhagem real de Paekche, tal como Koguryo, buscaram traçar sua ancestralidade ao de Puyo (ou Buyeo, ), um venerável reino que tinha se estabelecido na Manchúria desde o século 2 a. C. Paekche começou com a reunião de em torno de 50 famílias na região de Mahan no sudoeste coreano. Com o tempo, foi expandindo e consolidando seus domínios na região. Os contatos com dinastias chinesas foram primeiro registrados em 372 e, em 386, o regente de Paekche, Jinsa (r. 385 - 392) recebeu o título dos chineses de “Rei de Paekche” e “General Protetor do Leste”. O antecessor no trono de Jinsa, Geunchogo (r. 346 - 375) tinha expandido e controlado o reino de Paekche no seu auge territorial, tornando-os particularmente valiosos aos chineses que buscaram contrapor à hegemonia de Koguryo ao norte. Em fins do século 4, Paekche foi derrotado e reduzido pelo reino vizinho de Silla. Nos séculos 5 e 6, Paekche manteve duradouras e boas relações com dinastias chinesas, principalmente das regiões meridionais, e foi o período em que absorveu a sofisticada cultura chinesa. Ao mesmo tempo, pelo acesso aos mares da península, Paekche começou a manter contatos e comércio com estados emergentes nas ilhas meridionais do arquipélago japonês. O terceiro reino coreano proeminente à época, Silla, desenvolveu-se a partir de comunidades da região de Chinhan no sudeste asiático. Esse reino, virado para a costa leste da península, foi a mais remota e que demandou mais tempo para desenvolver-se. Foi somente em 503 que os líderes de Silla abandonaram os tradicionais títulos de Maripkan, e assimilaram o título chinês de “rei” (wang). Em 520, Silla começou a promulgar uma série de leis de origens chinesas e confucianas, claramente demonstrando a influência advindo do oeste. Por volta de 535, no entanto, há uma novidade, pois em Silla foi contornada a oposição da corte e elite do reino com relação ao budismo, sendo esta crença oficialmente endossada. Dez anos depois, por regimento real, Silla começou a escrever a história oficial do reino. Silla, no seu auge, em 576, chegou a dominar toda a costa oriental da península coreana, muito resultado do enérgico rei Jinheung (r. 540 - 576) quando este aliou-se a Koguryo e derrotou o reino de Paekche através do rio Han em 553. A estrutura social de Silla parece ter se consolidado em torno de clãs proeminentes,com sobrenome de Kim ( ), Pak (ou Park, ) e Seok (ou Sok ou Suk, ), nomes até os dias atuais presentes nas famílias coreanas. Até o século 4, os chefes de Silla regiam sobre um sistema confederado e eram eleitos por consenso de um conselho de notáveis. Esses três reinos coreanos foram o pano de fundo histórico sobre o que depois iria se consolidar na Coreia a partir do século 7. Todos os três tiveram significativa influência chinesa, principalmente com relação aos assuntos de Estado, política e leis. Há relatos de chineses de que todos, sem exceção, sabiam de cor recitar os ensinamentos clássicos chineses confucianos e seus discípulos. Apesar disso, foi mantido algo que os distinguia dos chineses, na língua e nos costumes. Cada reino manteve suas tradições cerâmicas distintas [5]. Os monumentos funerários, chamados de kobun, presentes nos três reinos demonstram estilos diferentes atendendo a padrões regionais. Túmulos de pedra apresentam murais pintadas nas suas câmaras em Koguryo. As câmaras em Paekche são arqueadas, e em Silla, os túmulos são de madeira recobertos por pedras. Foi por volta da consolidação desses três reinos que houve registros de povos que habitavam ilhas mais ao leste, chamados de Wa. Principalmente de Silla, houve migração de algumas comunidades da península para as ilhas meridionais e ocidentais do arquipélago japonês nos primeiros séculos de nossa era. Ainda mais recuado no tempo, certamente houve a influência por migração dos conceitos cerâmicos presentes na chamada cultura de Yayoi no Japão no século 4 a. C. que compartilha as características da cerâmica coreana da mesma época. Ademais, há semelhança na língua japonesa antiga no norte da ilha de Kyushu com a língua de Koguryo. E foram imigrantes de Paekche que depois atravessaram os mares ao leste de fins do século 4 ao 7 e depois influenciaram na disseminação do budismo, no fortalecimento de líderes locais do clã dos Yamatos e até mesmo nas técnicas agrícolas e metalúrgicas como a forja de espadas [6]. O budismo adveio após uma série de interações através das regiões ocidentais da China que lidavam com rotas para a região do norte indiano, Paquistão e Afeganistão. Essa religião, nascida na Índia, chegou aos domínios chineses por volta do segundo século de nossa era, e teve grande apelo por sua mensagem universal e não-exclusivista. Qualquer um, em suma, poderia alcançar a iluminação espiritual, sem distinções sociais, de gênero e etnia. Mas essa religião teve, contudo, que lidar com as religiosidades anteriores na China. Uma dessas era o Taoísmo, que oferecia uma explicação e inserção cósmica do seu no universo, algo que serviu de contraponto às limitações e abusos do sistema confuciano oficial adotado pelo Estado chinês ao longo de sua história. Se os ensinamentos de Confúcio e de seus discípulos defendiam a ordem, a hierarquia, a obediência e harmonia, o taoísmo, por vezes, buscava libertar o indivíduo do constrangimento social e político para uma plena realização pessoal. Foi um monge budista da cidade de Dunhuang que traduziu as escrituras budistas da escola Mahayana do sânscrito para o chinês. Depois de longo tempo, esse budismo começou a se ampliar na China em período de instabilidades e desunião no século 4. Foram as dinastias de nômades que abraçaram essa nova religião e a promulgaram. Uma dessas dinastias, a de Qin (351 – 394) foi entusiasta em promover o budismo, considerando suas origens com os tibetanos, nação que cedo incorporou os ensinamentos de Buda. E a partir disso, o budismo se espalhou para outras partes da China e mundo asiático. Em determinado momento, um monge budista, Sundo (ou Shundao, em chinês), advindos do reino de Qin, foi para as regiões orientais e chegou a Koguryo em 372. E ali descobriu que as práticas xamanistas eram predominantes entre os nativos. O rei de Koguryo, Sosurim (r. 371 - 384), ficou fascinado e atraído com a nova religião que, além de satisfazer suas curiosidades a respeito da ordem cósmica e busca pela iluminação espiritual, acolheu os ensinamentos do novo credo espiritual e tornou-o uma religião do Estado. São decorrentes dessa decisão que as primeiras imagens e estatuetas de Buda desse período, em bronze dourado, usados como talismãs, são hoje encontrados em alguns museus em Seul e no mundo. A aceitação do budismo pelo rei de Koguryo condisse com seu plano ambicioso de sistematizar seu governo em novos termos burocráticos e ter maior apelo de integração social no seu reino. Koguryo, anteriormente, era mais uma coleção de clãs e lealdades que, com o budismo promovido, poderia cimentar numa nova unidade político. Ademais, o budismo poderia ofertar novas alianças e contatos internacionais, indo além de sua localidade no nordeste asiático. Juntamente com o budismo, o confucionismo foi adotado pelos subsequentes governantes de Koguryo para estabelecer um sistema hierárquico e burocrático do reino. Tanto foi assim que foram estabelecidas academias confucianas e, decorrente disso, instituídas carreiras para os magistrados e funcionários do Estado, seja para sistematizar e manter o funcionamento da máquina do governo, seja para manter os registros e compilar a história do reino. Portanto, o budismo e confucionismo serviram, fundamentalmente, para estruturar e manter o nascente reino coreano. Isso não ocorreu apenas em Koguryo. Alguns anos depois, em 384, o reino de Paekche implementou iguais medidas quando foram decretadas como oficiais pelo rei Chimnyu (r. 384 – 385) os ensinamentos do monge indiano Marananta (ou Malananda). E, mais tardiamente, também institucionalizados por Silla em 527, um outro nascente reino coreano, Kaya, e, mais ao leste nas ilhas meridionais japonesas, por Wa em 584. Esse último reino, pela sua distância geográfica da península, somente irá plenamente reformar seu sistema político e jurídico após a Reforma Taika feitas pelo príncipe Shodoku em 654. O fato mais notável da região coreana se dá com uma impressionante estela de sete metros de altura encontrada perto do rio Yalu, na Manchúria, em que se comenta sobre os feitos de um rei de Koguryo, Gwanggaeto (r. 391 – 413). Foi sob o reinado deste que Koguryo expandiu suas fronteiras a incluir boa parte do nordeste asiático, desde o rio Sungari ao norte, o vale do rio Liao ao oeste, a costa marítima ao leste e o rio Han ao sul. O nome Gwanggaeto, na verdade, é um nome póstumo, um título que significa “território em expansão”, demonstrando que o reino estava em sua plena capacidade expansionista. Seu verdadeiro nome era Yongsak, e foi durante esse período que Koguryo incorporou várias entidades políticas menores coreanas e manchurianas. Em 427, alguns anos depois da morte de Yongsak, seu herdeiro, Jangsu (r. 413 – 491). Koguryo viveu seus tempos de auge, e o rei decidiu mudar a capital do alto rio Yalu para Pyongyang, um antigo centro usado pelo reino de Choson e pelos domínios administrativos de Lelang. A estela ainda descreve feitos impressionantes do reino Koguryo. As expansões do nascente império coreano foram em todos os pontos cardeais, e essas descrições coincidem com os relatos coreanos compilados pela primeira vez em forma escrita no século 12. Os primeiros avanços se deram ao norte, sobre o universo de nações nômades para depois se consolidar ao sul, sobre o reino de Paekche. Ao leste, o reino de Koguryo submeteu vários tribos e, por fim, foi ao oeste onde enfrentaram o resistente império confederado de Xianbei (à época referidos como reino de Yan Tardio, compondo este um dos 16 reinos fragmentados em que se encontrava a China em fins do século 4), povo nômade de etnia proto-mongol. Os confrontos mais duradouros se deram contra Paekche e Xianbei. Paekche tinha sido o reino mais poderoso e organizado da península coreana, mas acabou rendendo-se ao rei Gwanggaeto em 396. Na virada do século 5, Koguryo conseguiu o feito de derrotar novas investidas de uma aliança do reino de Paekche, Kaya e de Wa. Em 407, o rei de Koguryo lançou sua ofensiva mais ao oeste, paragarantir a plena segurança de suas fronteiras, e conquistou a estratégica península de Liaodong. Pondo termo às ameaças principais que poderiam vir do sul e do norte e oeste. A península coreana testemunharia mais uma ascensão política notável a partir do século 6. Silla, um reino coreano que tinha se consolidado na ponta sudeste, esse pequeno reino inicialmente era de pouca expressão tal como a sua vizinha, Kaya. A mudança dos ventos históricos começou com uma confederação feita mais ampliada, a envolver mais seis grupos clânicos, a ser regido por uma figura de chefia e rei, cujas decisões eram submetidas a um conselho de chefes. Esse sistema era designado como hwabaek. Com o passar dos tempos, a figura do rei concentrou ainda mais seu poder de decisão, consolidando a dinastia dos clãs dos Kims e Paks em meados do século 4. Posteriormente, esse sistema ampliou-se para organizar a sociedade de Silla em hierarquias, com as famílias reinantes no topo e a burocracia e mão-de-obra diversa nos níveis abaixo. Essa hierarquia, influenciada em parte por ideais confucionistas de ordem e respeito, era conhecida como kolpum, “classificação óssea”. No qual o status era reservada para aqueles que pertenciam a um grupo determinado por laços familiares, de sangue, ou melhor, de osso. Aqueles que tinham o “osso sagrado” (seonggol, ) poderiam almejar às posições de comando do reino. Até meados do século 7, somente os de “osso sagrado”, estritamente aqueles descendentes dos Kims e Paks, poderiam suceder ao trono. Os demais membros poderiam almejar outros cargos, desde que pudesse ser comprovada as ligações familiares ou aliados. Nesse sentido, foi garantido ao reino de Silla certa coesão e homogeneidade à elite governantes, que com o tempo foi incorporando as lideranças de outros estados conquistados. O budismo também se fez presente em Silla, apesar de ter sido mais tardio do que ocorreu em Koguryo e Paekche. Inicialmente, o apelo universal e irrestrito budista chegou a apenas aos plebeus. Com o passar das décadas, no início do século 6, o budismo começou a ser aceito entre membros da elite de Silla. Em 527, o rei de Silla, Beopheung (r. 514 - 540), acabou oficializando o culto após o martírio do monge budista Ichadon (ou Geochadon, , 503 – 527), figura bastante popular e secretário do rei. A sua morte adveio, conforme nos narram as crônicas budistas coreanas compiladas no século 13, Ichadon manifestou um milagre no momento de sua morte para impressionar e converter a aristocracia de Silla. Conforme nos narra em maiores detalhes a sua morte, sua profecia no momento de sua execução foi cumprida. Toda a extensão da terra tremeu, o sol escureceu, flores choveram dos céus e sua cabeça cortada planou em direção às montanhas sagradas de Geumgang, e leite jorrou abundantemente de seu corpo decapitado. O presságio impressionou a todos os presentes e isso foi considerado como uma manifestação dos céus, de que o budismo deveria ser considerado como religião do Estado. Todos, aterrorizados, passaram a lamentar pela morte do monge que passou a ser considerado como mártir pela causa da retidão, da moral e do bom comportamento (imbuídos no amplo conceito budista de darma). Uma vez declarada como oficial, o budismo em Silla cresceu rapidamente que serviu como base de ordenamento e coesão social do reino. Algumas décadas depois, no mundo político, Silla mostrou-se forte o suficiente para denunciar sua histórica aliança com o reino de Koguryo, ao norte. E Silla passou a procurar acordos mais vantajosos com o reino vizinho de Paekche visando invadir e expandir às custas do pequeno reino de Kaya. Em 532, Kaya foi em grande parte anexado pelos dois reinos aliados. O avanço mais dramático de Silla, contudo, se deu em 553, quando conquistou todo o vale do rio Han que percorre o centro da península coreana. Após esse feito, o rei de Silla, Jinheung (r. 540 - 576), mandou erguer grandes monumentos para marcar suas novas fronteiras. O que motivou o desagrado de Paekche que tinha antes ocupado a região. Foi por isso que Paekche passou a atacar Silla em 554, resultando na derrota decisiva do rei de Paekche, Seong (r. 523 - 554). Muito do sucesso das rápidas ofensivas de Jinheung se deve pelo eficaz uso em campo aberto de sua cavalaria altamente disciplinada, chamada de hwarangdo( ). Em 562, Silla finalmente anexou totalmente o reino de Kaya, e passou então a comandar toda a região central e costa oriental da península coreana. Haveria ainda alguns séculos restantes em que Paekche, Silla e Koguryo iriam se digladiar em conflitos e alianças a competir pela hegemonia, mas seria Silla que, eventualmente iria se sobrepor a todos no século 7. 2 A UNIFICAÇÃO E O SÁBIO DA MADRUGADA Em fins do século 6, a China voltou novamente a se unificar sob a dinastia Sui após quase três séculos e meio de fragmentação de numerosos reinos. O novo império chinês serviu depois de base para uma era mais duradoura de unidade sob a dinastia Tang (618 – 907). Esse novo ordenamento chinês teve consequências sobre os reinos coreanos, cada qual buscou enviar emissários para a corte Sui a renovar os laços diplomáticos. Dos três reinos coreanos, Koguryo, Silla e Paekche, o mais setentrional, o de Koguryo, apresentava problema evidente de fronteira e ameaça ao nascente império chinês. Em 598, o imperador Sui declarou guerra à Koguryo. Yangdi (r. 604 – 618), governante chinês no início do século seguinte, seguindo suas ambições expansionistas tentou invadir Koguryo por três vezes a partir de 612. As consequências dessas prolongadas campanhas revelaram-se onerosas e desastrosas para a corte Sui que depois chegou ao seu fim em 618. À época das grandiosas invasões chinesas, que fontes chinesas indicam que envolveu mais de um milhão de soldados mobilizados, um ministro de Koguryo, Eulji Mundeok (? - ?) revelou seu brilho estratégico e militar na resistência aos chineses. Suas vitórias decorreram do hábil e preciso contra- ataque no recuo das forças chinesas ao cruzarem o rio Salsu (hoje em dia, o rio Cheongcheon) em 612. Com esse feito, o general coreano tornou-se uma figura heroica cultivada nos séculos posteriores. A crise gerada no império Sui abriu oportunidades para que outras lideranças chinesas se proclamassem imperadores. Em 618, Li Yuan, um general tomou o trono imperial e estabeleceu uma nova linhagem dinástica, a Tang. E assim como no passado, os reinos coreanos, uma vez considerando a estabilidade do novo poderio imperial chinês, mandaram emissários. Koguryo, inicialmente, apresentou-se como inofensivo e aberto aos bons contatos. No entanto, pouco anos depois, sob o imperador Tang, Taizong (r. 626 - 649), as relações entre as duas partes azedaram decorrente dos planos ambiciosos da China sobre as regiões periféricas do império. Depois de subjugar povos túrquicos no oeste chinês em 630, a atenção do imperador voltou-se para o leste, para Koguryo. Em 642, foram erguidas uma série de fortificações na fronteira do reino coreano frente aos chineses, sob a supervisão de Yeon Gaesomun (603 – 666) que depois conseguiu eliminar seus rivais políticos com um golpe de Estado e nomeou-se como plenipotenciário do reino de Koguryo, tornando-se de fato o governante. A política de Yeon Gaesomun mostrou-se mais agressiva não somente aos chineses, mas também aos outros reinos coreanos ao sul. Reconhecendo o poder de Koguryo ao norte, representantes do reino de Silla aliaram-se para atacarem em conjunto o reino de Paekche. Mas essa busca de aliança não durou muito, pois Koguryo buscou depois aliar-se a Paekche, o que provocou a busca de aliança de Silla com o império chinês Tang. Em 644, o imperador Taizong, decidiu então enviar uma expedição contra Koguryo que enfrentou duras resistências na península de Liaodong que perdurou por anos. Taizong, cansado dos anos de guerra, resolveu então retirar-se das linhasofensivas e passou a apoiar o seu aliado na península coreana, Silla, a combater Koguryo. O poderio ascendente em Silla se deu por um processo interno de disputas pelo poder. Durante o reinado da rainha Sondok (r. 632 – 647), membros da aristocracia hwabaek tentaram dar um golpe mas que foi logo reprimida por monarquistas liderados por Kim Chunchu (604 – 661) que acabou se tornando na maior figura política de Silla da época. Quando Sondok veio a falecer, sua herdeira, a rainha Chindok (r. 647 – 654) foi a última linha dos monarcas que seguiram o sistema do “osso sagrado” (seonggol). Nesse meio tempo, conforme dito, Silla estava se comprometendo cada vez mais com a China dos Tangs. Em 648, Kim Chunchu foi enviado como emissário mais uma vez para a capital chinesa, Changan. E voltou prometendo adotar todos os protocolos, rituais e vestimentas cerimoniais chinesas na corte de Silla, visando impressionar o imperador Taizong. Tais gestos de respeito e compromisso sem reservas do reino Silla resultou fortaleceram ainda mais a aliança entre os dois reinos asiáticos. No âmbito social e militar, Silla nos séculos 6 e 7 institucionalizou o hwarangdo (“Caminhos dos Cavaleiros Florescentes”, ). Esse consistia basicamente num grupo selecionado de membros jovens (nangdo) da elite coreana que foram selecionados através da demonstração de coragem, lealdade, respeito aos valores tradicionais e versados nas artes e poesia. Cada unidade desses jovens era liderado por um hwarang( ), membro das famílias pertencentes aos “ossos sagrados”, como o foi Kim Chunchu. Com frequência, monges budistas se juntaram a esses grupos como conselheiros e guias espirituais. Tal corpo disciplinado e motivado de jovens retrata bem o espírito de Silla na época, cuja identidade nacional estava florescendo e estimulado para eventuais conquistas na península coreana. O hwarang mais conhecido de Silla foi Kim Yushin (595 – 673), descendente de um rei de Kaya, que havia sido aceito como membro dos “ossos sagrados” depois que o citado reino de seu antecessor foi derrotado em 532. Foi Kim Yushin que, no início do século 7, liderou um grupo de hwarangdo, chamados de Yongha hyangdo (“Discípulos da Fragrância da Flor do Dragão”) que acreditavam ser escolhidos pelas divindades a realizar a conquista de toda a península coreana. Foi com esse espírito de motivação que Kim Yushin, que era cunhado de Kim Chunchu que chegou a ocupar o trono de Silla em 654, assumindo o nome real de Muyeol (r. 654 - 661). Paekche, sentindo-se cada vez mais ameaçado e cercado pelos reinos rivais de Silla e da China Tang, buscou então assegurar novas alianças na região asiática. Koguryo, aparentemente, apresentou-se dúbia e com certa lealdade a Paekche, mas talvez temeram ainda mais rivalizar-se com a China dos Tangs. Foi então que os governantes de Paekche mandaram emissários mais para o leste, para o reino consolidado de Wa sob os Yamatos nas ilhas japonesas que depois firmou-se numa renovada aliança em 653. De 655 a 659, Paekche parece ter convencido Koguryo no norte a mobilizar suas tropas, e os dois reinos começaram a assediar as fronteiras de Silla. Como resposta, os governantes de Silla solicitaram a ajuda da China. Os Tangs, em 660, enviaram uma força naval de cerca de 130 mil homens para o leste em direção à capital de Paekche da época, Sabi (hoje, Puyo). Na linha oriental e terrestre, as ofensivas ficaram sob o comando de Kim Yushin, Pumil e Humchun a avançar com uma força estimada em 50 mil homens. Ao que resultou numa das maiores batalhas conforme descrita pelas crônicas históricas coreanas do século 12, o Samguk sagi (“História dos Três Reinos”, ). A batalha de Hwansanbeol. Nesses confrontos, foi narrado a extremo auto-sacrifício do general de Paekche, Kyebaek (? – 660), que, ciente de seu destino e do reino, mandou sacrificar toda sua família a evitar uma vida de escravidão. Ao que depois liderou uma carga suicida de 5 mil guerreiros contra a ofensiva de Silla. Derrotadas as forças de Kyebaek, as forças aliadas de Silla e Tang chegaram a ocupar a capital de Paekche depois de uma feroz batalha em 660, em que foi morto o último rei, Uija. O sucesso militar incitou a diferenças de planos entre a China sob o imperador Gaozong (r. 649 – 683) e de Silla a respeito do futuro da península coreana. Os chineses almejaram estabelecer uma presença definitiva na parte oriental da península, ao passo que Silla, consciente das ambições de Gaozong, buscou consolidar seu domínio coreano. De fato, embora as lendas conforme nos conta o Samguk sagi que enfatiza as sábias decisões do rei Muyeol, parece que o império chinês não conseguiu manter sua presença no território Paekche, distante do território chinês e cercado pelas forças terrestre próximas de Silla. Ademais, os aliados de Paekche, os japoneses de Wa, haviam chegado do mar a serem enfrentados. Ao fim dos confrontos, membros da família real de Paekche buscaram exílio nas ilhas japonesas e buscou nos anos seguintes organizar a resistência contra as forças de ocupação de Silla. Em 666, as forças de resistência de Paekche e das forças navais japonesas aliadas foram definitivamente derrotadas e foi dado o término de Paekche. O império Tang, a bem da verdade, não tinha simplesmente desistido de Paekche. Mas buscou algo mais premente em suas fronteiras a assegurar sua segurança na sua região nordeste. E o seu alvo foi o reino de Koguryo. Em 661, Gaozong organizou uma expedição de cerca de 350 mil homens e pediu ajuda a Silla. O maior líder militar de Silla, Kim Yushin conduziu suas tropas de suprimentos em direção à capital de Koguryo, Pyongyang. No entanto, Pyongyang revelou ser uma fortaleza inexpugnável, mesmo com um cerco de suas muralhas de oito meses. Em Paekche, agora derrotado e ocupado, o imperador chinês resolveu nomear um governador local, gerando desgaste com os governantes de Silla. Essa espécie de pax sinica na península coreana, instituída pelos Tangs, aos olhos de Silla, revelou ser um prenúncio de futuras mudanças na região. As mudanças repentinas no status da região começou com o falecimento do líder de Koguryo, Yeon Gaesomun (r. 642 – 666), em 666. Foi então aberta a oportunidade para as ofensivas chinesas e de Silla. A morte do governante abriu um vácuo de poder e incertezas de sucessão ao trono. Em 668, Pyongyang, dividida e sem um claro comando, foi fustigada e atacada. Os filhos de Yeon Gaesomun, incapazes de se resolverem, caíram diante dos invasores. Pyongyang foi ocupada e a hegemonia de Koguryo na região nordeste asiática, nas fronteiras com a China Tang, esvaneceu. Após a conquista de Koguryo e da submissão de Paekche, o império Tang tentou estender sua dominação sobre toda a Manchúria e noroeste da península coreana, tal como havia sido feito pela dinastia Han no passado. Em 669, o governo chinês estabeleceu na região províncias administrativas em torno de Pyongyang com o propósito de controlar os territórios fronteiriços. Esse protetorado era um dos maiores do império chinês, que revelou ser frágil e incerto pelas vivas resistências de outros líderes perseguidos de Koguryo. Alguns desses haviam sido presos e mortos, mas outros conseguiram fugir para encontrar abrigo em territórios de Silla e até mesmo no arquipélago japonês. Em vista disso, Silla, aproveitando-se da inquietude ao norte da península, resolveu buscar expandir seus domínios sobre Paekche. O que irritou os Tangs, que responderam com pressões diplomáticas e mesmo passou a ameaçar os familiares do rei de Silla que viviam na capital Tang. Parecia que era inevitável a guerra entre Silla e a China Tang na segunda metade do século 7. Felizmente, para Silla, parecia que o destino era favorável. O imperador Tang, Gaozong, estava mostrando-se doente e a regência imperial passou para a imperadora Wu (Wu Zetian, r. 690 - 705), que adotou uma política mais pacifista. Ademais, houve a ascensão de outras ameaças nas fronteiras chinesas no sudoeste, entre os tibetanos, divergindo os recursos antes voltadosà região nordeste da China. Mesmo assim as forças de Tang foram formidáveis e somente foram derrotados por Silla em 675 em batalhas ao norte do rio Han e na costa ocidental coreana. Sendo assim, o protetorado chinês no norte coreano deslocou-se de Pyongyang para mais ao oeste, na península de Liaodong em 676. Uma retirada de suas forças de ocupação da área e um significativo avanço de Silla sobre toda a região norte coreana. Silla havia tomado controle de toda a península e o que restou dos antigos três reinos coreanos agora foram feitas em províncias com suas capitais regionais. Kyongju, na costa leste coreana, tornou-se a capital de toda Silla expandida (mapa). Os antigos aristocratas de Paekche, Koguryo e mesmo da pequena Kaya, do passado, foram incorporados na classe dominante de Silla. Silla, nesse sentido, foi a primeira expressão unificada da península coreana. Mapa: O reino de Silla no seu auge em 576 d. C. A capital de Silla, Kyongju, rivalizava em pujança com a cidade imperial de Xian da China e de Nara, no Japão, e foi uma das cidades mais prósperas do leste asiático nos séculos 8 e 9. A população foi estimada em torno de 200 mil pessoas e seu habitantes iam desde aristocratas, funcionários, sacerdotes, soldados, comerciantes, artesãos, artistas e escravos. A maioria das habitações eram abrigadas por telhados de azulejos decorados, e raramente se via um telhado de palha como nos narra o Samguk yusa. Os palácios reais eram cercados por jardins e lagos planejados, e os templos budistas eram onipresentes. Lamentavelmente, quase tudo foi destruído durantes as guerras contra os mongóis no século 13 e, depois, contra os japoneses em fins do século 16. Restaram apenas algumas esculturas de pedra, e restos de relevos e estruturas de palácios e templos. Mesmo assim, diante do que é testemunhado e pelo primor dos detalhes artísticos, Kyongju foi declarado como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco no ano de 2000. As crônicas reunidas no Samguk yusa nos dão detalhes da vida cotidiana em Kyongju no século 9. Os templos eram vibrantes nos seus cultos, e músicas fluíam nas ruas dia e noite. Uma das canções mais célebres citadas é a “Canção de Choyong” (Choyong ka), musicada no ritmo poético da época conhecido como hyangga (ou saenaennorae). Os versos cantados foram escritos em idu, que era o coreano em caracteres chineses. De acordo com a lenda, na “Canção de Choyong”, Choyong possuía dons mágicos, era filho do Dragão do Mar do Leste e chegou à capital para servir ao rei de Silla. Sendo assim, o rei deu-lhe um título e uma esposa. Certa noite, ao voltar de uma festa, Choyong encontra sua esposa sendo seduzida por um espírito maligno, chamado de Demônio da Praga, metáfora para os males do mundo. Choyong chega a perdoar a todos, mas com a promessa de que o espírito nunca mais entrasse em nenhuma casa com o retrato do herói na porta. A canção que Choyong declama é tão encantador e belo que faz com que o espírito do mal parta em paz: Tendo me arrastado até tarde da noite Na capital da lua, Voltei para casa e na minha cama Eis quatro pernas. Dois eram meus; De quem são os outros dois? Anteriormente dois eram meus; O que deve ser feito agora depois que foram tomados? [7] (tradução nossa) Na sociedade de Silla, o poder se estabeleceu num sistema de impostos e trabalho prestado ao senhor de terra, algo similar à corveia europeia. No topo da pirâmide social havia os pertencentes ao “osso sagrado” (seonggol) que ocuparam exclusivamente o trono real até o fim do governo de Muyeol em 661. Após isso, outras famílias aristocráticas puderam ter a perspectiva de ocupar o poder e altos cargos de autoridade, como as famílias Bak e Seok da capital, Kyongju. Para tanto, esses membros foram considerados como “osso legítimo” (jingol, ) e passaram a governar o reino quando promoveram uma série de reformas administrativas e burocráticas a partir da segunda metade do século 7. Essas reformas foram em grande parte inspiradas no confucionismo, ideologia que busca assegurar a lealdade e obediência ao monarca mantendo, nesse sentido, a ordem e paz do sistema político. Em 682, o rei Sinmu (r. 681 - 692) fundou a Academia Nacional (Gukhak), de cunho confuciana, única instituição de ensino superior do reino de Silla. Neste local, os alunos aprenderam os clássicos confucionistas. Apesar das reformas confucionistas implementadas ao longo dos séculos 7 e 8, contudo, o sistema hereditário de privilégios aos altos cargos, conforme os pertencentes à categoria restrita dos “ossos” (kolpum ou golpum), manteve restrita o acesso universal ao poder de Silla. De fato, Silla era um reino aristocrático. Não importava o quão sábio e talentoso de um indivíduo se não pertencesse aos membros privilegiados. Poderiam ao máximo ser indicados aos cargos logo abaixo dos “ossos legítimos” quando demonstrado sua presteza e talento. Nesse sentido, os estudantes que entravam na Academia Nacional foram aqueles não pertencentes à elite dos “ossos”, pois esses não precisaram demonstrar nenhum talento ou estudo para os cargos máximos. Outros membros ambiciosos partiram para outras carreiras, como o sacerdócio budista, e outros foram para a China dos Tangs a tentar ser aprovado nos exames confucionistas universais. Um desses coreanos aprovados na China foi Choe Chiwon (857 - ?) que depois se tornou numa das figuras mais sábias de Silla. Ao voltar para sua terra natal, no entanto, frustrou-se por não ter conseguido reformar o sistema coreano de privilégios hereditários. Desapontado, retirou-se para uma vida de eremita nas montanhas. Muitos dos maiores sábios coreanos advieram de famílias não-pertencentes à categoria dos “ossos legítimos” ou “ossos verdadeiros”. Mas foi esse sistema fechado que manteve a consolidação da unidade do reino, apesar das pressões de reformas por aqueles marginalizados como Choe Chiwon. Talvez a consequência mais nefasta desse sistema restrito e privilegiado foi a ineficácia dos ocupantes dos altos cargos burocráticos. Durante as últimas décadas do reino de Silla, no final do século 9 em diante, à época de Choe Chiwon, estava evidente a crise e instabilidade no poder, uma vez que foram mais de vinte reis a se sucederem após períodos de luta e disputas entre as famílias reinantes. Um dos episódios mais dramáticos registrado no Samguk sagi, obra do século 12, é o da vida de Jang Bogo (745 - 846), um talentoso líder guerreiro de origens plebeias que depois ascendeu ao oficialato na China Tang. Retornado a Silla, foi nomeado como comandante das forças navais coreanas a combater os piratas nos mares da região. Depois de ter estabelecido a ordem marítima, o comércio entre a China e o Japão prosperou novamente, e Jang Bogo, tendo ganhado o controle de uma ilha estratégica na região, a de Cheonghae, acumulou fortunas. Sua vida ambiciosa chegou ao fim quando tentou indicar sua filha como rainha ao trono de Silla a se casar com o rei Munseong (r. 839 - 857), filho de Sinmu, indo contra os princípios do sistema de classificação por “ossos” (kolpum). Irritado contra as convenções da tradição, Jang Bogo se revoltou e depois foi morto em 846 por um enviado da corte de Silla na sua ilha de Cheonghae. No campo religioso, houve uma fusão das tradições budistas dos três reinos coreanos em Silla. Esse reino, por ter sido o último a se converter, abraçou com entusiasmo os ensinamentos e mandou vários estudantes e monges ao exterior para conhecer melhor as doutrinas do budismo maaiano [8]. Foi essa vertente que chegou a dominar, portanto, Silla no século 7, graças à ampla difusão de textos, livros e estudos traduzidos do sânscrito para o chinês. Nem por isso deixou de haver discussões doutrinárias na península. Um dos maiores debates da época envolveu o assunto de como cada pessoa nasce disposta com as qualidades a atingir o estado espiritual que Buda alcançou. Alguns criticaram essa visão, defendendo que os seres humanos não nascem com essa disposição fundamental para se tornaremBudas. A maioria dos eruditos coreanos rejeitou essa ideia. Entre os mais famosos destacou-se o mestre Wonhyo (617 – 686), que abraçou as várias tradições budistas coreanas e lançou as bases sobre as quais iria se assentar o maaianismo em Silla e também na China e Japão nos séculos seguintes. Wonhyo, que significa “madrugada”, nasceu numa família sem ligações aristocráticas. Seu brilho na juventude era tamanho que ele nem precisou de mestres antes de se tornar no principal sacerdote de um templo. Certo dia, Wonhyo avistou algumas abelhas e borboletas, voando de flor em flor, e sentiu disso um imenso desejo por uma mulher. Considerando isso, o rei de Silla ofertou sua filha viúva, a princesa Yosok. A caminho do palácio da princesa, Wonhyo caiu num riacho e, assim que chegou ao seu destino, a princesa mandou o mestre entrar para trocar as roupas molhadas. Naquela noite, os dois compartilharam a cama e que, mais tarde, nasceu um filho, chamado de Sol Chong. O filho cresceu nos círculos mais altos da sociedade e revelou extraordinária inteligência para as letras, padronizando o chinês clássico para a língua coreana. Wonhyo, tendo quebrado seu voto de celibato, trocou suas vestes de sacerdote para roupas seculares, passou a dedicar sua vida a compor poemas e músicas para melhor ensinamento das virtudes budistas. Indo de aldeia a aldeia, cantando, dançando e recitando, Wonhyo fez chegar sua mensagem a milhares de pessoas, do mais humilde ao mais nobre. Sua mensagem até os dias atuais ainda é recitada por budistas coreanos. Apesar de seu comportamento heterodoxo ser condenado pela tradição budista que desencoraja a dança e canto, Wonhyo utilizou-se das suas aptidões inerentes de comunicação e carisma como meio voluntário (upaya) para buscar a salvação de todos os seres vivos. Um dos episódios mais famosos de sua vida, narrado no “Bebendo Água de uma Caveira”, remete a uma viagem que ele fez para a China. No caminho, uma tempestade irrompeu que o levou a buscar um abrigo numa caverna subterrânea. No dia seguinte descobriu que o local onde havia dormido era uma câmara funerária, e ele então se viu incapaz de dormir lá pacificamente na noite seguinte. Percebendo que as circunstâncias físicas não haviam mudado, mas apenas sua mente a respeito [9]. Ao norte do reino unificado de Silla, o império Tang foi incapaz de assimilar o território conquistado de Koguryo. Em fins do século 7, povos nômades das estepes, khitans, revoltaram-se contra o império chinês, reduzindo o alcance de influência da dinastia Tang sobre todo o nordeste chinês na área do rio Liao, onde muitos habitantes do ex-reino de Koguryo haviam sido relocados. Um dos ex-líderes de Koguryo, Dae Jung-sang (? - 690), agora enxergou a oportunidade histórica e organizou uma ofensiva para o leste através da vastidão da Manchúria a fim de fugir do controle chinês e do reino coreano ao sul. Esse estabeleceu-se no vale do rio Mukden em 696 e fundou um reino chamado de Parhae (mapa) ( , Balhae ou Pohai em chinês) e imediatamente mandou emissários para Silla e a povos túrquicos nômades na Mongólia. Apesar de se consolidar como um amplo reino no norte coreano, muitos historiadores debatem se de fato foi coreano, pois sua população era um composto de múltiplas etnias, inclusive nômades das estepes e chineses. Para agravar ainda mais, poucos registros foram feitos por esse reino, e devemos contar com o que foi anotado por testemunhas de Silla, Tang e do Japão. De acordo com esses poucos fragmentos, o reino foi fundado por remanescentes de Koguryo e de um povo chamado de Malgal, ancestrais dos manchus. Acredita-se que os governantes a elite de Parhae eram líderes do extinto Koguryo e o povo Malgal compunha a base popular e grupos semiautônomos governados por seus chefes locais submetidos à autoridade central de Parhae. Mapa: O reino de Parhae (Balhae) e Silla ao sul, século 8 d. C. Parhae recuperou a maioria dos domínios antes submetidos a Koguryo. O que gerou novas tensões na região da Ásia oriental, que provocou novos diálogos entre Silla e a China Tang. Parhae, considerando suas possibilidades, sondou e buscou articular-se com o Japão dos Yamatos e outros poderios autônomos além das muralhas e fortificações chinesas. Incapacitada e limitada em seus recursos, a China Tang aceitou inicialmente o status de Parhae, no século 8, e consolidou assim a Pax Sinica na região. Um dos personagens mais notáveis dessa época do século 8 foi um monge coreano que viajou por inúmeras terras, através da China, Índia e além para estudar os ensinamentos de Buda. Seu nome era Hecho (ou Hyecho) (704 - ?). Em seu diário de viagem, Hecho fez inúmeras anotações que retrata o amplo mundo budista em que vivia [10]. No início do século 20, um explorador francês, Paul Pelliot (1878 - 1945), descobriu uma série de cavernas de Dunhuang, no oeste chinês, que guardava incontáveis documentos, registros e pinturas do efervescente mundo de trocas e viagens ao longo da Rota da Seda do século 8. Foi nessas cavernas que foram encontradas os registros de Hecho. O comércio asiático era frenético, de acordo com os achados e registros nas citadas cavernas. Houve significativa demanda de produtos coreanos de Silla, desde a ávida elite em Xian ao arquipélago japonês. Entre os mercadores muçulmanos que comerciavam nas extensões asiáticas mais ao oeste, os produtos coreanos eram altamente apreciados. Os árabes, no século 9, acreditavam que Silla era uma terra abundante de ouro. Além disso, os finos têxteis e produtos fitoterápicos da Coreia eram demandados, em contrapartida à sede coreana por seda, pedras preciosas asiáticas e obras escritas chinesas era evidente. Foi nessa demanda que a cultura da corte de Tang, que revelou ser uma das idades de ouro nas artes e conhecimento da história chinesa, floresceu entre os círculos da corte e eruditos coreanos em Silla, mas também em Parhae e no Japão. Essa rede comercial frutificou no estabelecimento de comunidade de coreanos de Silla na península chinesa de Shandong, e também mais ao sul, na foz do rio Yangzi, chamada de Silla bang, nos séculos 8 e 9 [11]. As artes budistas floresceram nessa época em terras coreanas. Foram incontáveis templos construídos nas montanhas e em Kyongju, com amplos e decorados santuários, pagodes, sinos e outros. Sob o budismo, foi revelada toda a habilidade artística na arquitetura, escultura e pintura com vibrante realismo e detalhe. Um dos locais mais notáveis dessa efervescência cultural é no templo de Bulguksa, ou “Templo da Terra de Buda”, e na gruta de Seokguram, construídos em meados do século 8 sob orientação do ministro de Silla, Kim Daesong (701 – 774). Essas duas edificações nos revelam muito do ardor religioso e do poder influente das famílias aristocráticas, assim como o sofisticado senso estético na arquitetura e escultura dos artistas coreanos da época. Ambas estão localizadas nas montanhas orientais de Kyongju, e foram consideradas como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1995. São dois marcos históricos que influenciou a cultura coreana nos séculos posteriores. Dentro da gruta de Seokguram, há uma estátua de Buda Sakyamuni que fica a leste, de modo que encontra primeiramente a luz do sul nascente. Pois os budistas coreanos acreditavam que a Terra Pura, ou paraíso, ficava em algum lugar sobre o Mar do Leste. Buda Sakyamuni é cercado por maravilhosos relevos de pessoas iluminadas da tradição maaiana, ou bodisatvas. Entre esses, o mais notável é o de Avalokiteshvara (ou Guanyin em chinês), a deusa da fé e compaixão no budismo maaiano. No templo de Bulguksa, perdeu-se as estruturas originais de madeira durante a invasão japonesa em fins do século 16. No entanto, restam dois magníficos pagodes de três andares, cada um com cerca de dez metros de altura, chamados de Seokgatap (“Pagode de Sakyamuni”) e Dabotap (“Pagode dos Muitos Tesouros”). Eles possuem contornos únicos entre os pagodes construídos pelo mundo, pelas linhas retilíneas e quadradasde Seokgatap e das delicadas curvas que decoram o Dagotap. A simplicidade de Seokgatap representa a brevidade da ascensão espiritual e enfatiza isso nas suas formas mais sóbrias e moderadas. Dagotap, em contraste, pelas suas curvas e insinuações, representa o lado mais lírico, complexo e esplendoroso da vida. 3 O GRANDE ANCESTRAL E AS GRANDES OBRAS Em fins do século 9 a península coreana atravessou uma série de rebeliões camponesas e de crises políticas desagregadoras. As rebeliões em boa parte foram motivadas pelos altos impostos dos cobradores e senhores latifundiários locais. A China igualmente conhece na época similar tendência de crise, pondo termo ao período Tang, resultando num contexto de turbulência e retração da Pax Sinica no leste asiático. Na península coreana, a desordem foi agravada com a emergência de inúmeros líderes locais de grupos e exércitos armados que competiram entre si pelo controle das províncias do decadente reino de Silla. O que restou da autoridade de Silla, ao que parece, foi efetivamente apenas em torno de algumas famílias nos arredores da capital, Kyongju. Esses líderes locais, referidos como senhores da guerra do século 9 tiveram várias origens. Alguns eram oficias do exército, outros eram comerciantes poderosos, ou monges, bandidos ou membros da aristocracia local desesperados em manter sua tradicional dominação. A maioria desses ascendeu de posições sociais mais baixas e, uma vez alcançado a posição de autoridade, passaram a se referir como “senhor” ou mesmo “general”. Os aristocratas locais, por sua vez, eram pertencentes a grupos marginalizados do sistema de famílias privilegiadas dos pertencentes aos “ossos” (kolpum). A turbulência sociopolítica em fins do século 9 é comparável aos distúrbios associados ao declínio de cada período dinástico chinês. No sentido de que a autoridade central se apresentou débil e desarticulada frente às pressões desagregadoras das províncias do reino. Como na China, lideranças locais se ergueram de bases regionais de poder e lutaram entre si pela hegemonia na península coreana. Com base nisso, muito se comparou a Coreia dessa época de crise com o sistema feudal. De fato, havia relações de obrigações militares e de impostos a ser observado pelos camponeses e vilas nas propriedades de um latifundiário que, por sua vez, era responsável pela ordem, proteção e paz de todos. O risco maior dessa interpretação, contudo, é de se comparar à experiência europeia com o contexto asiático. Na história coreana, não houve relações contratuais entre as partes como o foi entre os senhores feudais europeus. Seria melhor, talvez, em caracterizar o sistema coreano como um de senhorismo ou manorialismo, conceitos mais amplos de relação entre as autoridades locais e o campesinato. Como situar historicamente o período de desagregação e crise do reino de Silla? Alguns historiadores atribuíram a esse período como uma espécie de Idade Média. O que, novamente, nos traz riscos de excessiva analogia com a experiência europeia. Atendo-se aos fatos históricos, não houve nenhuma significativa mudança socioeconômica coreana no período, embora houvesse sinais de crise da autoridade central. Cabe ressaltar que, já em 918, houve a ascensão de uma outra dinastia, a de Koryo, que depois irá consolidar a unificação da península coreana. Em momento derradeiro, Silla entrou em colapso com a culminação de uma série de crises de membros e poderios locais que contestaram a dominação exclusivas de determinadas famílias privilegiadas aos altos cargos de comando. Economicamente, as finanças estatais de Silla foram erodidas pela recusa ou excessiva isenção de impostos a determinadas classes sociais e instituições, como a budista. Socialmente, o sistema de “ossos” (kolpum) estava desmoronando, revelando as crises de lealdades e questionamentos à autoridade tradicional. Nesse contexto, na virada para o século 10, duas figuras históricas se destacaram. Gyeon Hwon (867 – 936) e Gung Ye (c. 869 – 918) que haviam se tornado nos mais proeminentes senhores da guerra na península do período. Gyeon Hwon era um oficial militar dotado de excepcional senso de estratégia e comando e comandou seus homens principalmente nas regiões provinciais do sudoeste coreano, no antigo território de Paekche. Gung Ye, por sua vez, começou como um líder de bandidos nas regiões centrais que antes pertenciam ao reino de Koguryo. Visando consolidar suas autoridades e reunir as lealdades locais, ambos se proclamaram como reis de Paekche e Koguryo, respectivamente. Para distinguir esses dois reinos do período anterior, os historiadores nomearam essas novas entidades políticas de Paekche Tardio e Koguryo Tardio. Ao que aponta para o período desagregador da Coreia a conviver com o que restou de Silla, no chamado Período Tardio dos Três Reinos (892 - 936). Os três reinos coreanos depois seriam modificados pela ação de um líder que teria repercussões em toda a história coreana. Wang Geon (877 – 943) veio da costa ocidental da península e sua família tinha prosperado com o comércio com a China. Nos anos finais de Silla quando unificada, ele emergiu como um poderoso líder local. Com o advento dos Três Reinos, Wang Geon juntou seus domínios com o reino tardio de Koguryo, ao norte, e serviu como ministro do general Gung Ye. Em 918, Wang Geon deu um golpe e depôs o rei Gung Ye para fundar uma nova dinastia coreana, a de Koryo (ou Goryeo, ), escolhendo como capital a cidade de Kaegyong ou Gaegyeong (atualmente, Kaesong). A escolha do nome da nova dinastia é reveladora, pois foi uma forma abreviada de Koguryo, indicando a ambição de Wang Geon em recuperar o vasto reino antigo do norte coreano e Manchúria. De fato, Wang Geon mandou construir Pyongyang, antiga capital de Koguryo, que havia sido abandonada por Silla. Renomeou-a de Sogyong, “Capital Ocidental”, e isso deu uma notável presença estratégica no norte coreano. Com as duas capitais localizadas em lugares auspiciosos visando um longo reinado dinástico, Wang Geon assegurou uma vantagem geográfica em Gaegyong na região central ao longo do rio Yesong, ao contrário da distante cidade de Kyongju de Silla e Wansanju, capital do reino tardio de Paekche. A localização da capital de Gaegyong obedeceu também aos preceitos budistas de geomancia, em que se acreditava que havia uma profecia de que um sábio receberia o mandato dos céus para ser governante a partir do local indicado. Entronado e assegurado seu poder e para seus descendentes, Wang Geon depois receberia o honroso título de Taejo, “Grande Ancestral” (r. 918 - 943). Apesar da consolidação do reino de Koryo, os sucessores de Taejo tiveram problemas prementes nas fronteiras. Muito se deu com a ação coordenada dos povos khitans (ou kitais), ancestrais dos mongóis, que tinha fustigado os Tangs e fundaram uma dinastia, a de Liao, que controlou um vasto território que incluía boa parte do norte chinês no século 8. Era imperativo aos khitans proteger o vale do rio Liao que tinha sido controlado pelo reino de Parhae, cujo povo Malgal tinha se rebelado e depois se juntado em lealdade aos khitans. O momento derradeiro veio em 926, quando o reino dos khitans atacou Parhae e pondo fim à sua autoridade na região da Manchúria. Os fugitivos de Parhae foram buscar se reagrupar e se aliar ao novo reino de Koryo, acreditando que esse reino seria o sucessor do antigo Koguryo. Wong Geon recebeu-os e se simpatizado com suas causas, enxergando neles povos com origens étnicas semelhantes, pertencentes ao vasto grupo que seria depois identificado como os coreanos, os hans, yes e maeks. As tensões entre os khitans e Koryo se deram, portanto, em grande parte nessa perspectiva. Em 934, Wong Geon decidiu conceder títulos e sobrenomes reais ao príncipe herdeiro do antigo reino de Parhae quando esse chegou a Koryo junto com milhares de súditos. Wong Geon se considerava como um unificador de todos os povos coreanos, e os migrantes
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